José Oscar Beozzo – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Fri, 06 Sep 2019 19:55:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 José Oscar Beozzo – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Igreja da Amazônia reafirma o compromisso com o território, com a palavra José Oscar Beozzo https://observatoriodaevangelizacao.com/igreja-da-amazonia-reafirma-o-compromisso-com-o-territorio-com-a-palavra-jose-oscar-beozzo/ Fri, 06 Sep 2019 19:55:04 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=31439 [Leia mais...]]]> A Igreja Católica desde o século XVII está presente na Amazônia preocupando-se com a evangelização e a promoção humana ao mesmo tempo. Quantas escolas, hospitais, oficinas, obras sociais se construíram e foram mantidas durante séculos em todos os rincões da Amazônia. Vilas e cidades se edificaram a partir das “missões” da nossa Igreja. Quanto sangue, suor e lágrimas foram derramados na defesa dos direitos humanos e da dignidade, especialmente dos mais pobres e excluídos da sociedade, dos povos originários e do meio ambiente tão ameaçados. Lamentamos imensamente que hoje, em vez de serem apoiadas e incentivadas, nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da Pátria.

Em Belém, Igreja da Amazônia reafirma o compromisso com o território

Com uma carta aberta para a toda sociedade em que convocam a todos para a sintonia com o Sínodo e o cuidado com a Amazônia, termina o encontro dos bispos e lideranças da Igreja da Amazônia. Realizado no Centro de Espiritualidade Monte Tabor, da Arquidiocese de Belém, o evento teve como objetivo o estudo e preparação dos padres sinodais para a grande assembleia em outubro, no Vaticano. Cerca de 120 pessoas, entre padres, bispos, leigas e leigos e religiosos estiveram no encontro que começou na última quarta-feira (28/08/2019).

Coordenado pelo Cardeal Cláudio Hummes, presidente da Comissão Episcopal Especial para Amazônia/CEA da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil/CNBB, da Rede Eclesial Pam-Amazônica/REPAM e relator nomeado para o Sínodo, juntamente com Dom Davi Martinez de Aguirre Guiné, bispo de Puerto Maldonado, no Peru, e Padre Michael Czerny, subsecretário da Seção Migrantes e Refugiados para o Serviço de Desenvolvimento Integral Humano do Vaticano, nomeados secretários do Sínodo para a Amazônia, as atividades ao longo dos três dias oportunizaram aos participantes o estudo do Documento de Trabalho do Sínodo por meio de palestras, orações e grupos de trabalho.

Ao final da atividade, Dom Alberto Taveira, arcebispo metropolitano de Belém, agradeceu a todos a participação na atividade. O Cardeal Cláudio Hummes lembrou os bispos do compromisso e responsabilidade que têm na assembleia em Roma, em outubro. “Vamos com coragem e paixão”, afirmou o Cardeal. Dom Mário Antônio, vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lembrou os participantes sobre a essência do Sínodo: “Quando se quer chegar rápido, se anda sozinho. Quando se quer chegar longe, vamos juntos”, destacou Dom Mário. E completou: “Que o pós-Sínodo seja Amazônico e grandioso, não pelo tamanho, mas pela intensidade e profundidade”, finalizou.

Sobre o encontro

Para Dom Zenildo Pereira, da Prelazia de Borba/AM, a atividade possibilitou o encontro e o reencontro dos pastores e lideranças de toda a Amazônia brasileira, numa celebração e comunhão de tudo o que foi realizado na caminhada em preparação ao Sínodo. “Os sonhos, as angústias e as urgências pastorais para, à luz do Espírito Santo, encontrar caminhos novos para isso”, disse Dom Zenildo avaliando positivamente a atividade de Belém.

A atividade de estudos foi a última oportunidade de encontro da Igreja da Amazônia antes do Sínodo, em outubro. Para Dom Antônio de Assis, bispo auxiliar de Belém, foi uma atividade muito fraterna, profunda, num clima de grande liberdade, de sinceridade, de autenticidades na apresentação dos diversos temas que envolve a vida pastoral da Igreja. “Nós não tomamos decisões, foi uma experiência de discernimento, de apresentação de diversos horizontes e preocupações e eu creio que nós ganhamos com esse processo de crescimento, de estudo, de envolvimento e de maior convicção sobre a necessidade desse evento tão importante”, destacou Dom Antônio sobre a preparação para o Sínodo.

Dom Sebastião Lima Duarte, bispo de Caxias/MA lembrou da particularidade do encontro de Belém, que antecipa a ida dos padres sinodais para Roma. “Foi um momento bom para nos debruçarmos sobre o Documento de Trabalho, diferente do que estávamos fazendo nas dioceses e prelazias, com uma leitura coletiva e a possibilidade de trocas de ideias e de afunilar as propostas para levarmos ao Sínodo”, pontuou o bispo de Caxias/MA.

Lideranças leigas, religiosas e padres também participaram do encontro. Margarida Chaves, das pastorais sociais da diocese de Imperatriz/MA esteve na atividade e destacou a importância da voz do povo junto aos bispos nesse último momento de preparação, antes do Sínodo. “As nossas propostas, de fato, vão para o Sínodo e esperamos que os bispos discutam sobre elas. O Sínodo vai trazer, sim, novos horizontes para o nosso trabalho pastoral, principalmente considerando a questão da ecologia integral, da participação das mulheres e o reconhecimento dos povos indígenas enquanto atores da própria caminhada pastoral”, enfatizou Margarida.

O pastor luterano Inácio Lemke, presidente do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil/CONIC, participou de todo o encontro. Para ele, pensar a Amazônia e o processo de evangelização no território é algo precisa ser pensado coletivamente. “O CONIC espera que se firme mais ainda esse compromisso ecumênico na região”, destacou o pastor sobre a expectativa em relação aos resultados do Sínodo para a Amazônia.

Compromisso reafirmado

Na carta elaborada pelos participantes do encontro, bispos e lideranças reafirmaram o compromisso com a defesa e cuidado com a vida dos povos e de toda a floresta. “Defendemos vigorosamente a Amazônia, que abrange quase 60% do nosso Brasil. A soberania brasileira sobre essa parte da Amazônia é para nós inquestionável”, afirmam na carta.

No texto, há também uma manifestação da preocupação da Igreja para com a degradação do meio ambiente. “Ficamos angustiados e denunciamos o envenenamento de rios e lagos, a poluição do ar pela fumaça que causa perigosa intoxicação, especialmente das crianças, a pesca predatória, a invasão de terras indígenas por mineradoras, garimpos e madeireiras, o comércio ilegal de produtos da biodiversidade”, denunciam na carta.

Confira o texto na íntegra: 

Carta do Encontro de Estudo do Documento de Trabalho do Sínodo para a Amazônia

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL

Comissão Episcopal Especial para a Amazônia

Carta do Encontro de Estudo do Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia “Cristo aponta para a Amazônia” (São Paulo VI)

Reunidos em Belém do Pará, com o objetivo de estudar o Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia, nós, bispos, padres, religiosas e religiosos, leigas e leigos das Igrejas amazônicas, como também irmãs e irmãos que compartilham a caminhada ecumênica, queremos manifestar nossas preocupações com a “Casa Comum” e uma missão evangelizadora encarnada, samaritana e ecológica.

Desde 1952, os bispos da Amazônia se reúnem periodicamente para se posicionar sobre a missão da Igreja na realidade peculiar da Amazônia. “Cristo aponta para a Amazônia” é a expressão profética e programática do papa São Paulo VI que em 1972 repercutiu no Encontro de Santarém. A nossa Igreja assumiu, então, o compromisso de se “encarnar, na simplicidade”, na realidade dos povos e de empenhar-se para que por meio da ação evangelizadora se tornasse cada vez mais nítido o rosto de uma Igreja amazônica, comprometida com a realidade dos povos e da terra.

No encontro de 1990, em Belém-Icoaraci, os bispos da Amazônia foram os primeiros a advertir o mundo para um iminente desastre ecológico com “consequências catastróficas para todo o ecossistema (que) ultrapassam, sem dúvida, as fronteiras do Brasil e do Continente” (Documento “Em defesa da Vida na Amazônia”). Novamente reunidos em Icoaraci/PA em 2016, os bispos da Amazônia dirigiram uma carta ao papa Francisco pedindo um Sínodo para a Amazônia. Acolhendo o desejo da Igreja nos nove países amazônicos, o Papa convocou em 15 de outubro de 2017 a “Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia”, com o tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.

A Igreja Católica desde o século XVII está presente na Amazônia preocupando-se com a evangelização e a promoção humana ao mesmo tempo. Quantas escolas, hospitais, oficinas, obras sociais se construíram e foram mantidas durante séculos em todos os rincões da Amazônia. Vilas e cidades se edificaram a partir das “missões” da nossa Igreja. Quanto sangue, suor e lágrimas foram derramados na defesa dos direitos humanos e da dignidade, especialmente dos mais pobres e excluídos da sociedade, dos povos originários e do meio ambiente tão ameaçados. Lamentamos imensamente que hoje, em vez de serem apoiadas e incentivadas, nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da Pátria.

Junto com o papa Francisco, defendemos de modo intransigente a Amazônia e exigimos medidas urgentes dos Governos frente à agressão violenta e irracional à natureza, à destruição inescrupulosa da floresta que mata a flora e a fauna milenares com incêndios criminosamente provocados. Ficamos angustiados e denunciamos o envenenamento de rios e lagos, a poluição do ar pela fumaça que causa perigosa intoxicação, especialmente das crianças, a pesca predatória, a invasão de terras indígenas por mineradoras, garimpos e madeireiras, o comércio ilegal de produtos da biodiversidade. A violência, que ultimamente cresceu de maneira assustadora, nos causa horrores e exige também o engajamento da nossa Igreja para que a paz e o respeito, a fraternidade e o amor prevaleçam.

Defendemos vigorosamente a Amazônia, que abrange quase 60% do nosso Brasil. A soberania brasileira sobre essa parte da Amazônia é para nós inquestionável. Entendemos, no entanto, e apoiamos a preocupação do mundo inteiro a respeito deste macro-bioma que desempenha uma importantíssima função reguladora do clima planetário. Todas as nações são chamadas a colaborar com os países amazônicos e com as organizações locais que se empenham na preservação da Amazônia, porque desta macrorregião depende a sobrevivência dos povos e do ecossistema em outras partes do Brasil e do continente.

O Sínodo, convocado pelo Papa Francisco, chega num momento crucial de nossa história. Queremos identificar novos caminhos para a evangelização dos povos que habitam a Amazônia. Ao mesmo tempo, a Igreja se compromete com a defesa desse chão sagrado que Deus criou em sua generosidade e que devemos zelar e cultivar para as presentes e futuras gerações.

Cabe um agradecimento especial à Rede Eclesial Pan-Amazônica/REPAM por todo o esforço dedicado no importante processo de ESCUTA das comunidades e no envolvimento dos diversos segmentos do Povo de Deus, especialmente mulheres e com forte participação das juventudes e dos povos originários.

Pedimos que rezem por nós, irmãs e irmãos, para que a caminhada sinodal reflita “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e das mulheres de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem” (GS 1). Que Maria de Nazaré, expressão da face materna de Deus no meio de nosso povo, por sua intercessão, acompanhe os passos da Igreja de seu Filho nas terras e águas amazônicas para que ela seja sinal e presença do Reino de Deus. Que ajude, com sua missão evangelizadora e humanizadora, a dignificar cada vez mais a vida em nossa região.

Assinam a carta:

Participantes do Encontro de Estudo do Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia

JOSE OSCAR BEOZZO 

Rua: Dr Mario Vicente 1108 – Vila: Dom Pedro I – Fundos São Paulo – SP

04270-001 BRASIL 

TELfax:55+11+2215 3491;

Sítio do CESEEP: http://www.ceseep.org.br

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Bispos ligados às Pastorais Sociais aprofundam os compromissos assumidos na Conferência de Medellín https://observatoriodaevangelizacao.com/bispos-ligados-as-pastorais-sociais-aprofundam-os-compromissos-assumidos-na-conferencia-de-medellin/ Wed, 01 Aug 2018 20:49:49 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28625 [Leia mais...]]]> 16 bispos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que acompanham as pastorais sociais nacionalmente e nos regionais se reuniram no Centro Cultural de Brasília (CCB) em Brasília (DF), de 30 a 31 de julho, para um momento de formação, partilha e espiritualidade. O objetivo do encontro, segundo o assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora, frei Olavo Dotto foi:

proporcionar momentos de partilha entre os bispos sobre sua missão, enquanto animadores das Pastorais Sociais e Organismos vinculados à CNBB e, à luz do documento de Medellín, aprofundar a temática do compromisso social dos leigos e leigas”.

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Os bispos estudaram o tema: “Compromisso social dos leigos a partir de Medellín”, segunda conferência geral do episcopado latino-americano, realizada em 1968, na Colômbia. O padre José Oscar Beozzo, historiador e membro do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEEP) ajudou a retomar as contribuições desta conferência por meio de um panorama histórico. Segundo ele,

esta conferência provocou na América Latina e, de modo muito particular no Brasil, a “criação de uma nova identidade da Igreja, levando a falar com propriedade de uma pastoral, teologia e de um rosto eclesial latino-americano e caribenho”.

O bispo de Lages (SC), dom Guilherme Werlang, presidente da Comissão para Ação Social Transformadora, defende que é muito importante para os novos bispos aprofundar as contribuições de Medellín sobretudo porque a Pastoral Social da CNBB nasceu a partir das opções feitas pelos bispos latino-americanos nesta conferência.

A nossa e a nova geração de bispos devemos apropriar tanto das colocações e opções do Vaticano II quanto da aplicação dele na América Latina por meio da Conferência de Medellín”, ressaltou.

O bispo-auxiliar de Brasília e secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner, presente ao encontro, reafirmou a importância de Medellín para ajudar a encontrar caminhos pastorais que auxiliem diante dos desafios sociais do presente. Na ocasião Dom Leonardo comunicou que a CNBB publicará, pela primeira vez no Brasil, o documento completo de Medellín.

Encontros como este, defende o bispo auxiliar de São Paulo (SP), dom Eduardo Vieira dos Santos, referencial da Pastoral da Mulher Marginalizada, contribuem muito para refletir sobre as diversas realidades enfrentadas pelos bispos em suas dioceses e frentes de atuação.

Este encontro e as reflexões a partir dos 50 anos de Medellín nos animam a caminhar construindo uma sociedade que visa sempre o bem comum, a fraternidade e a comunhão”, disse.

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Bispos presentes:

  • Dom Arnaldo Carvalheiro Neto, diocese de Itapeva (SP) e referencial da Caritas no Regional Sul 1;
  • Dom André de Witte, diocese de Rui Barbosa (BA), referencial do regional Norte 3, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT);
  • Dom Canísio Klaus, diocese de Sinope (MT);
  • Dom Eduardo Vieira, bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo (SP) e referencial para a Pastoral da Mulher Marginalizada e Campanha da Fraternidade, CEBs e Pastorais Sociais no Regional Sul 1;
  • Dom Edson Oliveira, diocese de Eunápolis (BA), referencial da Pastoral dos Nomades;
  • Dom Enemésio Lazzaris, diocese de Balsas (MA), presidente da Comissão Episcopal para o Enfrentamento ao Tráfico Humano e referencial do regional Sul 5;
  • Dom Francisco Cota de Oliveira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Curitiba (PR), referencial para a Pastoral Carcerária regional Sul 2;
  • Dom José Luiz Azcona, diocese de Marajó (PA), referencial do regional Norte 2 e da Comissão para Justiça e Paz;
  • Dom José Valdeci, diocese de Brejo (MA) referencial para o Conselho Pastoral dos Pescadores e membro da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora;
  • Dom Guilherme Werlang, diocese de Lages (SC), presidente da Comissão Episcopal Pastoral para Ação Social Transformadora;
  • Dom Luiz Gonzaga Fecchio, diocese de Amparo (SP), referencial da da Pastoral do Menor Nacional;
  • Dom Mario Marquez, diocese de Joaçaba (SC), referencial das Pastorais Sociais no regional Sul 4;
  • Dom Moacir Aparecido de Freitas, diocese de Votuporanga (SP);
  • Dom José Reginaldo Andrietta, diocese de Jales (SP), referencial da Pastoral Operária e Comissão Especial para o Ano do Laicato;
  • Dom Roberto Ferreria Paz, da diocese de Campos (RJ) e referencial da Pastoral da Saúde Nacional;
  • Dom Rodolfo Weber, arquidiocese de Passo Fundo (RS), membro da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora.

Com colaboração de Jardel Lopes, coordenação da Pastoral Operária Nacional

Fonte:

www.cnbb.org.br

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A “Igreja em saída” de Bergoglio: adesões e resistências do clero brasileiro https://observatoriodaevangelizacao.com/a-igreja-em-saida-de-bergoglio-adesoes-e-resistencias-do-clero-brasileiro/ https://observatoriodaevangelizacao.com/a-igreja-em-saida-de-bergoglio-adesoes-e-resistencias-do-clero-brasileiro/#comments Sat, 26 May 2018 02:51:27 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28214 [Leia mais...]]]>

Entrevista com o Prof. Dr. José Oscar Beozzo

 

Por João Vitor Santos para o IHU On line

 

1. Quais os avanços e os limites de Francisco nesses seus cinco anos de pontificado?

R.: Entre os avanços, o principal foi colocar os pobres, os descartados pelo sistema, os que se encontram à margem, os estigmatizados, no centro de sua atuação pastoral. Seu gesto de ir à Ilha de Lampedusa, aonde chegam os migrantes da África, e silenciosamente lançar flores no mar onde mais 20 mil migrantes morreram afogados, ou o de trazer famílias de refugiados da guerra na Síria para serem acolhidos no Vaticano falam muito de suas prioridades.

Insiste com as igrejas particulares para que reassumam, na linha do Vaticano II, seu protagonismo e responsabilidades nas questões mais candentes do mundo de hoje e da Igreja.

 

Acolher e não excluir

Coloca como obrigação da comunidade eclesial “acompanhar, discernir e integrar a fragilidade” e desafia a tratar as dificuldades e tropeços na vida dos casais e da família em chave pastoral, com ênfase na misericórdia e não em exclusões e condenações. Assim, quer uma Igreja em saída, que aceite sujar pés e mãos para socorrer os necessitados e que seja um hospital de campanha para os feridos nas vicissitudes da vida.

 

Construir pontes e não muros

As migrações explodiram em todo o mundo, por conta de guerras econflitos políticos, por conta da crise econômica e desastres climáticos, como secas prolongadas, inundações, desertificação de extensas áreas. A reação aos refugiados e migrantes por parte dos governos tem oscilado entre acolhida mais ou menos restritiva e agressiva política de fechar fronteiras, construir barreiras e muros, expulsar os indocumentados. Em sua viagem ao México, em plena campanha eleitoral nos Estados Unidos e diante da proposta do então candidato Donald Trump de construir um muro na fronteira entre os dois países, o papa Francisco foi enfático: devemos construir pontes, e não erguer muros entre as nações e povos.

 

O diálogo e a paz a qualquer custo

O Papa também se empenhou paraabrir portas para o diálogo. Convidou o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, o presidente de Israel, Shimon Peres, líderes religiosos judeus, muçulmanos e cristãos a se comprometerem com o diálogo e a reconciliação e a orarem juntos pela Paz nos Jardins do Vaticano. Ajudou a intermediar o diálogo entre Cuba e Estados Unidos, para que reatassem, depois de 60 anos, as relações diplomáticas, facilitassem as visitas para o reencontro entre familiares e que fossem suspensos os aspectos mais onerosos para a população no embargo comercial como o que pesava sobre os medicamentos, alimentos ou remessa de recursos às famílias. Deu importante contribuição para os acordos de paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – FARC na Colômbia, pondo um ponto final a mais de seis décadas de guerra civil, com milhares de mortos e mais de sete milhões de pessoas deslocadas das zonas de conflito armado.

Além disso, vem se empenhando para que o impasse entre governo e oposição na Venezuela seja superado e que países deixem de intervir para agravar a situação e exacerbar os conflitos. Com paciência vemtentando um diálogo para superar a ruptura promovida pelo governo chinês após a revolução de 1949 e amenizar a difícil situação dos católicos no país.

 

Vaticano II, inspiração e compromisso

Retomou as grandes intuições do Vaticano da Igreja, como povo de Deus, o protagonismo dos leigos, a presença da Igreja no mundo, o diálogo ecumênico e inter-religioso, a centralidade da palavra de Deus, condenando uma igreja autorreferencial, centrada no clero e afastada das alegrias e esperanças, das tristezas e angústias dos homens e mulheres de hoje, sobretudo dos pobres.

 

O cuidado com a casa comum

Causou grande impacto dentro,mas talvez mais ainda fora da Igreja com sua encíclica Laudato Si’ sobre o cuidado com a casa comum. Acolheu a contribuição de cientistas e universidades, o aporte de outras Igrejas cristãs, como o empenho do Patriarca Ecumênico Bartolomeu de Constantinopla, de um místico muçulmano sufi, de poetas e filósofos, mostrando o quanto a sobrevivência do planeta e da própria vida é um empenho que pode e deve unir toda a humanidade.

 

Terra, trabalho e teto e os movimentos sociais

Papa Francisco buscou estabelecer um diálogo com os Movimentos Sociais de todo o mundo, convidando-os para encontros e instando-os a buscar saídas para uma globalização que vem gerando exclusão e indiferença frente aos sofrimentos e angústias das maiorias. No primeiro encontro, em outubro de 2014, em Roma, ficaram célebres as três palavras evocadas, para definir os instrumentos necessários para garantir a vida e dignidade das pessoas: Terra, Trabalho e Teto. No segundo encontro, de 7 a 9 de julho de 2015, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, foram publicados um manifesto, um decálogo e um compromisso. Francisco destacou dentre os frutos desse encontro: colocar a economia a serviço dos povos, construir a paz, a justiça e defender a Mãe Terra. Acrescentou: “falamos da necessidade de uma mudança para que a vida seja digna, uma mudança de estruturas; além disto, de como vocês, os movimentos populares, são semeadores desta mudança, promotores de um processo em que convergem milhares de pequenas e grandes ações concatenadas em modo criativo, como em uma poesia; por isto quis vos chamar “poetas sociais”; e temos também elencado algumas tarefas imprescindíveis para caminhar em direção a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença.

No terceiro encontro, encerrado pelo Papa no Vaticano no dia 5 de novembro de 2016, quis aprofundar o intercâmbio entre os movimentos sociais e as Igrejas nacionais. Denunciou o “terrorismo” de um sistema econômico a serviço do lucro e acumulação de uns poucos e a ditadura econômica global que levanta muros entre classes sociais e países. Insistiu na construção de pontes e do amor e na busca de caminhos para enfrentar o drama dos migrantes, refugiados e deslocados. Recolocou o exercício da política como imprescindível, qualificando-a, na linha de Pio XII e Paulo VI: A política é uma das formas mais elevadas da caridade, do amor!

 

2. Em que medida podemos afirmar que a Igreja no Brasil compreende e adere ao ministério de Bergoglio?

R.: Houve uma alegre acolhida da mensagem libertadora do papa Francisco, da sua proximidade com o povo, simplicidade de vida e atitudes, experimentadas logo no início do seu pontificado com a sua vinda para a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, em julho de 2013. A Evangelii Gaudium e a Laudato Si’ provocaram impacto favorável e fizeram renascer muitas esperanças. A Exortação Amoris Laetitia já suscitou mais controvérsia e reação aberta de setores conservadores.

O entusiasmo com Francisco foi menor entre parte do clero mais jovem e seminaristas instados a sair da zona de conforto dos seminários e sacristias e lançar-se na aventura missionária a serviço dos pobres e excluídos. Tem que se tomar em consideração o fato de que em 01/04/2018, dos 476 bispos do Brasil entre eméritos e em função, grosso modo, 50% foram nomeados por João Paulo II e 25% por Bento XVI. O restante se divide entre 41 eméritos que vêm do pontificado de João XXIII (2) e Paulo VI (39) e os 81 nomeados por Francisco. Ou seja, cerca de 16% do episcopado. Se tomarmos em conta, os bispos com responsabilidades pastorais, cerca de 25%, um quarto do episcopado foi nomeado pelo papa Francisco.

O perfil das nomeações de João Paulo II e de Bento XVI era distinto do pretendido hoje por Francisco no seu projeto de Igreja em saída. Os bispos são respeitosos em relação ao Papa, mas têm dificuldade em percorrer os novos caminhos, em retomar as inspirações maiores do Vaticano II, a herança das Conferências do episcopado latino-americano de Medellín a Aparecida e a tradição do empenho social e político da Igreja do Brasil em favor da causa dos pobres e excluídos. Estão mais voltados para a administração interna da Igreja. Sentem-se mais comprometidos com a formação do clero do que dos leigos e leigas, mais preocupados com a liturgia e os sacramentos, a moral e os bons costumes. Encontram-se, por formação e por prática pastoral, distantes, de certa forma, dos problemas econômicos, sociais e políticos e carentes de instrumentos de análise, para compreender as causas da atual crise. Ficam à mercê dos noticiários das redes de televisão e da opinião de jornais ou revistas. Acodem os pobres, como parte das obras de misericórdia e da caridade, sem se interrogar sobre as causas estruturais dessa situação e as maneiras para se buscar uma saída em aliança com os movimentos sociais. Têm dificuldade para compreender e lidar com as próprias pastorais sociais da Igreja, deixando por vezes de incentivá-las e chegando até a proibi-las em suas dioceses.

 

3. No Brasil, especialmente durante a ditadura militar, a Igreja teve um protagonismo nos enfrentamentos para assegurar direitos humanos. Hoje, diante dos desafios propostos pelo Papa para que saia de si mesma, como observa a atuação da Igreja diante de problemas como crise política, econômica e social, além de diversas formas de ataques a direitos essenciais?

R.: O agravamento da situação social e política, com o desmonte das políticas públicas, o congelamento por 20 anos dos investimentos sociais, disparada do desemprego, a violação de territórios indígenas e o aumento de chacinas no campo e na cidade, a liquidação de direitos trabalhistas e uma proposta de reforma da previdência que mantém e amplia privilégios de magistrados, membros do ministério público, políticos e militares, ao mesmo tempo em que elimina direitos das maiorias e onera os mais vulneráveis, acendeu um sinal de alerta e despertou a Igreja católica e as outras Igrejas cristãs.

Multiplicaram-se os pronunciamentos da Conferência Nacionaldos Bispos do Brasil – CNBB: sobre a PEC 287/16; sobre a Reforma da Previdência (23/03/17); em defesados direitos indígenas e do Conselho Indigenista Missionário – CIMI(22/06/17); aos trabalhadores/as do Brasil (27/04/17); sobre o grave momento nacional (03/05/17). Bispos da Arquidiocese de Belo Horizonte MG (20/03/17) e da Província eclesiástica de Natal, RN(05/04/17) pronunciaram-se no mesmo sentido. A Comissão Brasileira de Justiça e Paz, o Conselho Nacional de Leigos, a Conferência dos Religiosos do Brasil, a Pastoral Operária Nacional, as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs do estado de São Paulo, a Ordem franciscana e os dominicanos, Centros, como o Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular- CESEEP, Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade de Petrópolis – CAALL, a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília somaram-se às denúncias e protestos.

No campo ecumênico, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC expressou seu apoio à greve geral de 28 de abril de 2017 contra a reforma trabalhista e da previdência social. Entre as Igrejas evangélicas houve fortes pronunciamentos da direção geral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB e das mulheres luteranas nos 500 anos da Reforma; dos Presidentes e Representantes das Igrejas Evangélicas históricas do Brasil (IELB, IPU, IECLB, RENAS, IPB, IMB) em 23/03/17; da Câmara Episcopal da Igreja Episcopal Anglicana (05/04/17).

A grande mídia praticamente ignorou todos esses pronunciamentos, e as Igrejas, por outro lado, perderam nesses últimos anos sua capacidade de mobilização social e muitos dos laços com os movimentos operários, sindicais e populares. Em todo caso, pela primeira vez, todas as centrais sindicais endereçaram um público agradecimento à CNBB pelo apoio da entidade e demais de uma centena de bispos à greve geral de repúdio às reformas trabalhista e previdenciária.

 

4. Qual a sua leitura sobre as viagens de Francisco, especialmente a países da América Latina, como Chile e Peru mais recentemente? O que o difere de outros pontífices?

R.: As viagens à América Latina começaram no ano de sua eleição. Veio em 2013, esteve no Brasil para a Jornada Mundialda Juventude (22 a 29 de julho). Em 2015, foi ao Equador, Bolívia e Paraguai (5 a 13 de julho) e depois a Cuba (19 a 22 de setembro), de onde prosseguiu viagem aos Estados Unidos (22 a 27 de setembro). Em 2016, viajou ao México (12 a 18 de fevereiro) e, no caminho, parou em La Habana para encontrar-se com o Patriarca Kiril da Igreja Ortodoxa Russa, quando assinaram declaração conjunta sobre o propósito das duas Igrejas de superarem as divisões seculares, trabalharem pela unidade e aprofundarem a cooperação mútua. Foi quando destacou: “O nosso olhar volta-se para as pessoas que se encontram em situações de grande dificuldade, em condições de extrema necessidade e pobreza, enquanto crescem as riquezas materiais da humanidade. Não podemos ficar indiferentes à sorte de milhões de migrantes e refugiados que batem à porta dos países ricos. O consumo desenfreado, como se vê em alguns países mais desenvolvidos, está gradualmente esgotando os recursos do nosso planeta. A crescente desigualdade na distribuição dos bens da Terra aumenta o sentimento de injustiça perante o sistema de relações internacionais que se estabeleceu”. Em 2017, viajou à Colômbia (6 a 11 de setembro). Em 2018, foi ao Chile e ao Peru (15 a 22 de janeiro de 2018). Visitou, ao todo, nove países.

Pela novidade e pela imediata empatia que estabeleceu com as multidões que o acolheram, certamente a viagem ao Brasil foi marcante e projetou uma imagem positiva do Papa para o país, para a América Latina e o mundo. Soube cativar os jovens, parou para orar junto com um pastor pentecostal e sua comunidade que estavam acolhendo os peregrinos numa favela, entrou imprevistamente numa casa para visitar uma família; estabeleceu um diálogo de alto nível com intelectuais e lideranças de outras igrejas cristãs e religiões.

As visitas a Cuba e a Colômbia foram recebidas com o signo do seu firme compromisso com a justiça, a reconciliação e a paz. Mais conflituosa foi sua visita ao Chile. Numa Igreja e sociedade divididas pelo escândalo do Pe. Fernando Karadima, sua defesa do bispo Juan Barros, do grupo União Sacerdotal do citado Karadima, acusado de encobrir abusos sexuais, provocou desconforto, muita controvérsia e empanou outros aspectos da visita.

No Peru, ao contrário, seu encontro com representantes dos povos indígenas no dia 19 de janeiro em Puerto Maldonado foi de grande empatia mútua e de compromissos mútuos para o presente e o futuro: “a Igreja não é alheia aos vossos problemas e à vossa vida, não quer ser estranha ao vosso modo de viver e de vos organizardes. Precisamos que os povos indígenas plasmem culturalmente as Igrejas locais amazônicas. E, a propósito, encheu-me de alegria ouvir um dos textos da Laudato Si’ ser lido por um diácono permanente da vossa cultura. Ajudai os vossos bispos, ajudai os vossos missionários e as vossas missionárias a fazerem-se um só convosco e assim, dialogando com todos, podeis plasmar uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena. Com este espírito, convoquei um Sínodo para a Amazônia no ano de 2019, cuja primeira reunião do Conselho Pré-Sinodal se realizará, aqui, hoje de tarde”.

Leia mais textos do Prof. Dr. José Oscar Beozzo:

  • “No Brasil, há corpo mole em relação ao Papa Francisco, mas não discordância públi- ca”. Entrevista com Jose Oscar Beozzo, publicada nas Notícias do Dia de 16-1-2018, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2GnfozT.
  • “O Vaticano II é o elemento estruturante da teologia de João Batista Libânio”. Entrevis- ta especial com José Oscar Beozzo, publicada nas Notícias do Dia de 31-1-2014, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2InhtBB.
  • O retrato de um Brasil muito diferente. Entrevista especial com José Oscar Beozzo, pu- blicada nas Notícias do Dia de 27-8-2009, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2wKRVZD.
  • “Pacto das Catacumbas, uma Igreja servidora e pobre”. Entrevista com José Oscar Be- ozzo, publicada nas Notícias do Dia de 17-11-2015, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2IsH5ZE.
  • O êxito das teologias da libertação e as teologias americanas contemporâneas. Arti- go de José Oscar Beozzo, publicado no Cadernos Teologia Pública, número 93, http://bit. ly/2ILzZ5W.
  • Mater et Magistra – 50 Anos. Artigo de José Oscar Beozzo, publicado no Cadernos Teo- logia Pública, número 54, disponível em http://bit.ly/2rLjlcc.

 

Sobre o autor

 

José Oscar Beozzo – Entre os avanços, o principal foi colocar os pobres, José Oscar Beozzo é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Sociologia da Religião e especialista em Comunicação Social pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica. Ainda possui especialização em História do Brasil pela Faculdade Auxilium de Filosofia, Ciências e Letras, de São Paulo, e graduação em Ciências Políticas e Sociais pela Université Catholique de Louvain, em Teologia pela Pontificia Università Gregoriana, de Roma, e em Filosofia pelo Seminário Central do Ipiranga/ Seminário Centralde Aparecida. Atualmente coordena o Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular – CESEP.

 

Fonte:

 

Ihu On line 522 – 21 de maio de 2018

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Medellín: seu contexto em 1968 e sua relevância 50 anos depois (II) https://observatoriodaevangelizacao.com/medellin-seu-contexto-em-1968-e-sua-relevancia-50-anos-depois-ii/ Thu, 10 May 2018 19:37:29 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28028 [Leia mais...]]]> Na noite do primeiro dia do VI Colóquio de Teologia e Pastoral, 07/05/2018, o teólogo e historiador da Igreja, Prof Dr. Pe. José Oscar Beozzo, proferiu a Conferência de Abertura, no auditório Dom Helder Camara, da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.

A seguir, a síntese elaborada pelo prof. Edward Guimarães, das três últimas partes do texto: BEOZZO, José Oscar. “Medellín: seu contexto em 1968 e sua relevância 50 anos depois” in: GODOY, Manoel; AQUINO JÚNIOR, Francisco. 50 anos de Medellín. Revisitando textos, retomando o caminho. São Paulo: Paulinas, 2017, pp. 09-27.

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Medellín: seu contexto em 1968 e sua relevância 50 anos depois

(2ª Parte)

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José Oscar Beozzo – Conferência de abertura do VI Colóquio de Teologia e Pastoral, 07/05/2018.

III – Nos 30 anos, uma enquete entre seus protagonistas

Por ocasião dos 30 anos de Medellín, num encontro realizado em Riobamba, no Equador, em agosto de 1998, e destinado a comemorar a vida e obra de Mons. Leonidas Proaño (1910-1988), foi feita uma pesquisa entre os cerca de setenta bispos e teológos participantes sobre o significado de Medellín e os elementos fortes que promoveu para a vida da Igreja da América Latina. Dentre o conteúdo recolhido, merece destaque:

  • Medellín foi o momento em que adquiri ou vivi o que significa “eu creio na Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana”… foi algo mais que uma tradução do Concílio para nosso continente: foi a emergência de uma Igreja Latino-americana madura e iluminadora… Se viveu o testemunho dos evangélicos que participaram não somente com respeito, mas com uma experiência de comunhão, de modo que pediram, com argumentos, poder receber a eucaristia na celebração de encerramento… Mas seus elementos mais fortes foram o pronunciamento sobre a opção pelos pobres, a claridade sobre o significado da violência e o pronunciamento sobre a justiça. (Samuel Ruiz, bispo de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas, no México).
  • Medellín confirmou algumas opções que já tínhamos feito como membro da Igreja chilena: assumir a responsabilidade social e política da Igreja, dar apoio e participar da luta pela reforma agrária, fazer a opção pelas Comunidades Eclesiais de Base, promover a inserção da vida religiosa no meio dos pobres, adotar um estilo de vida próximo e simples pelos bispos, não condenar aberta e previamente a Unidade Popular (Frente esquerda de partidos políticos que elegeram o presidente Salvador Allende em 1970, governo que foi derrubado pelo golpe militar de Pinochet em 1973)… Medellín nos fez tomar consciência da realidade do continente, abrindo-nos as portas para uma análise mais profunda e estruturada da realidade de dependência dos países do terceiro mundo, das formas de violência e para a necessidade de uma educação libertadora. (Pe. Sérgio Torres, colaborador de Mons. Manuel Larrain, bispo de Talca, no Chile, exilado por muitos anos pela ditadura militar de Pinochet, padre de periferia na capital Santiago, professor de teologia e um dos fundadores da Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo – ASETT/ EATWOT).
  • Medellín foi a oportunidade, para o episcopado e suas Igrejas, de repensar o Vaticano II dentro do contexto continental, situar melhor a análise, a reflexão teológica e as propostas pastorais… Medellín foi uma tentativa de olhar a Igreja desde o seu lugar social, dos meios populares (indígenas, afro-americanos, camponeses, empobrecidos) e convocar os cristãos para uma ação pastoral transformadora. Foi um esforço de latino-americanizar o Concílio Vaticano II, uma busca de um rosto de Igreja mais encarnada e de um pluralismo eclesial em gestação. Suscitou, pelo Espírito Santo, profecia e criatividade, dando um passo oficial para uma evangelização incultura, que não prioriza a reprodução da cristandade, mas abre para uma Igreja Popular. Suscitou as CEBs e ensaiou uma nova pedagogia eclesial própria de pequenas Igrejas vivas na Base, com leitura popular da Bíblia e liturgia criativa, participativa e inculturada na realidade do povo. (Dom Antônio Fragoso, bispo de Crateús, no Ceará, entre 1964-1998).
  • Medellín teve uma influência de irrupção do Espírito de Deus, com muita clareza sobre a oportunidade para nosso continente das perspectivas do Vaticano II, sobretudo no que toca o mundo os pobres. Medellín foi uma esperança indestrutível de futuro da Igreja a serviço deste continente. Significou também o reconhecimento da América Latina como um lugar de anúncio do Evangelho para o mundo, a partir do potencial evangélico dos índios, dos negros e dos camponeses. Dentre seus elementos mais fortes merece destaque a forma da opção pelos pobres, a força da evangelização que tomou lugar prioritário com relação aos sacramentos ou à sacramentalização, a Palavra de Deus retomou seu lugar primitivo influenciando a liturgia e a vida da comunidade, a conscientização do povo oprimido na linha da própria libertação. (Dom Tomás Balduíno (1922-2014), bispo de Goiás, entre 1967-1988), um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário – CIMI e da Comissão Pastoral da Terra – CPT).

 

IV – Aos 40 anos, a V Conferência de Aparecida. Sínodo ou conferência, evento episcopal ou eclesial?

Depois de Santo Domingo aconteceu o Sínodo da América, em 1997, que interrompeu a série das Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano. Quando o CELAM solicitou uma nova Conferência para o início do novo milênio que permitisse a Igreja da América Latina e do Caribe refletir sobre as novas circunstâncias e propor o rumo de sua caminhada, a resposta do Cardeal Angelo Sodano, secretário de Estado foi dura e direta: um Sínodo, sim; uma Conferência, não. Sínodo em Roma, sim; na América Latina, não, devido à saúde do Papa, que gostaria de participar.

O CELAM levou a questão diretamente ao papa João Paulo II, reafirmando o desejo de se realizar uma V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. O Papa solicitou uma consulta aos cardeais latino-americanos e as Conferências episcopais do continente. Resultado: 18 dos 30 cardeais e 21 das 22 Conferências episcopais manifestaram a opção pela Conferência e não pelo Sínodo. O Papa determinou, então, que se seguisse a tradição da Igreja latino-americana.

Esta tradição inaugurada com Medellín, que não tem outra similar na África, Ásia e Europa, forjou um modelo de exercício da colegialidade de caráter deliberativo, mais próximo de um Concílio Ecumênico do que de um Sínodo apenas consultivo.

Manter esta tradição é crucial  para a América Latina, mas também para a Igreja universal, no sentido de que floresçam, em comunhão com a Sé romana, as igrejas locais, com sua pastoral, sua teologia, seu magistério e instrumentos próprios, cada vez mais enraizados e inculturados na realidade de cada região e do continente.

Com todos os atrasos e com a morte de João Paulo II, a V Conferência prevista para Quito, no Equador, e depois para Buenos Aires, na Argentina, veio, por decisão do novo papa, Bento XVI, para Aparecida, no Brasil.

A realização num santuário mariano de grande afluxo popular provocou alterações significativas: as celebrações durante o evento foram na grande Basílica e abertas ao povo. Essa nova situação provoca a reflexão sobre o caráter teológico de uma Conferência Episcopal: ser um evento não apenas episcopal, mas profundamente eclesial, ou seja, que a dinâmica de sua preparação, de seu desenrolar e de sua recepção interessam e envolvem a participação de todo o povo de Deus, e não apenas do corpo episcopal.

 

V – Povo de Deus, colegialidade, conciliaridade, ecumenicidade e Reino de Deus

A forma de compor a Assembleia de Aparecida explicita cinco verdades eclesiais de grande importância:

  1. Que o bispo é sempre bispo de uma porção do povo de Deus, de uma Igreja particular à qual está unido, em comunhão com os demais bispos e com o bispo de Roma, com os quais compartilha a solicitude de todas as Igrejas;
  2. Que em uma Conferência pode acontecer a forma rica e mais completa de colegialidade episcopal, a deliberativa, e não apenas a consultiva, como nos sínodos;
  3. Que em uma Conferência, pode brilhar de forma eminente a catolicidade e a conciliaridade da Igreja, guiada pelo Espírito Santo. Desde a Conferência do Rio de Janeiro, os presidentes das Conferências Episcopais de outros países são convidados a participar, bem como das Conferências Continentais. Em Aparecida, por exemplo, participaram os presidentes das Conferências Episcopais do Canadá, Estados Unidos, Espanha, Filipinas, Portugal e das Conferências Continentais da África, Ásia e Europa. Desde a II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, a de Medellín, o Papa faz a abertura solene e confirma o evento com o selo do ministério de Pedro. O papa Paulo VI fez a abertura de Medellín; João Paulo II fez a de Puebla e a de Santo Domingo, e Bento XVI fez a de Aparecida. O local e o universal se dão as mãos num momento eclesial tão importante.
  4. Há apenas uma única Igreja de Cristo que subsiste, como diz o Vaticano II, na Igreja Católica, mas que está também nas outras igrejas da unidade. O ecumenismo é nota essencial da Igreja de Jesus Cristo e a busca da unidade, um mandamento solene do Senhor. Assembleias, Conferências, Sínodos e Concílios de uma Igreja cristã interessam de perto às demais igrejas cristãs, todas elas partes do mesmo e único corpo de Cristo. Por isso são sempre convidados observadores fraternos das outras igrejas cristãs.
  5. A Igreja não existe para si, mas para os outros e para a salvação e libertação do mundo, pois está destinada, em sua missão, a seguir os passos de Jesus, no anúncio e implantação do Reino de Deus. Anunciar e instaurar o Reino de Deus, reino de justiça e de paz, de fraternidade e de solidariedade foi o propósito de Jesus e deve ser o de sua Igreja, continuadora de sua obra.

 

Prof. Edward Guimarães

Secretário Executivo do Observatório da Evangelização

 

Parte I

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A seguir, a síntese elaborada pelo prof. Edward Guimarães, das duas primeiras partes do texto “Medellín: seu contexto em 1968 e sua relevância 50 anos depois” publicado no livro:

GODOY, Manoel; AQUINO JÚNIOR, Francisco. 50 anos de Medellín. Revisitando textos, retomando o caminho. São Paulo: Paulinas, 2017, pp. 09-27.

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Medellín: seu contexto em 1968 e sua relevância 50 anos depois

(1ª Parte)

Depoimentos e balanços significativos atestam que a consciência da relevância eclesial, social e política da Conferência de Medellín continua viva e crescente ao longo das últimas cinco décadas.

 

I – Medellín no calor da hora

Dom Helder deixou-nos um vívido relato daqueles dias, escritos no calor da hora, no qual, além de compartilhar, com inquietação, as controvérsias e incertezas que pairavam sobre os rumos da Conferência, traça seu balanço pessoal da Conferência. Captou imediatamente o sentido excepcional daquele evento: as Conclusões de Medellín terão para a América Latina sentido comparável ao dos documentos do Vaticano II para o mundo inteiro.  Nas palavras de Dom Helder, por um lado, haviam ameaças:

O Santo Padre, em sua vinda a Bogotá (para o Congresso Eucarístico Internacional e a abertura oficial da 2ª Conferência), nas suas 20 e tantas alocuções, mais freou do que abriu… O documento de trabalho, preparado com extremo cuidado (houve um documento preliminar elaborado por técnicos de grande valor; este documento, enviado às Conferências Episcopais ligadas ao Celam, de todas recebeu pareceres e observações; uma Comissão de 80 Bispos e Peritos pôde, então, transformar o documento preliminar em Documento de Trabalho), estava sendo atacado, de público, por Episcopados inteiros: da Argentina, da Colômbia, da Venezuela… Dos três legados do Papa, os dois Cardeais eram sabidamente conservadores e extremamente prudentes; o Cardeal Samoré fez-se cercar de vários  colaboradores, Bispos e Sacerdotes, que levavam às Varias Comissões sua palavra de… recomendação e advertência; Os primeiro avisos, as primeiras medidas deixavam entrever completo controle das Conferência pela CAL (Pontifícia Comissão para a América Latina).

Mas, por outro, para Dom Helder, havia elementos que favoreciam:

D. Avelar, no Discurso de abertura, apoiado pelos técnicos, teve a inspiração salvadora de dar uma interpretação inteiramente positiva das Alocuções do Papa (o que foi coragem: a  seu lado, o cardeal Samoré não escondia a desaprovação e o descontentamento). Sem este Discurso, as Alocuções do Papa pesariam, negativamente, durante toda a Conferência; houve, é claro, distribuição estratégica de Bispos e Peritos pelos vários Grupos de Trabalho. o método de trabalho adotado pelo Celam foi perfeito e montado a nosso favor: duas palestras, de gente nossa, criando clima, mentalizando; sete palestras, praticamente todas de gente nossa (menos uma) comentando o documento de trabalho… Vieram as observações (os modos): foram examinados por Bispos e Peritos. Vieram as votações prévias, as votações definitivas. Repetiu-se o milagre do Concílio: temos grandes textos, que servirão de esplêndido ponto de apoio para tudo o que há de urgente e importante a empreender na América Latina. Tornou-se impossível, honestamente, chamar-me de subversão e comunista, sem, ao mesmo tempo, taxar de subversivo e comunismo toda a Hierarquia Latino-americana… Entre os fatores positivos, guardei o maior, o Espírito Santo era quase tangível; os Anjos eram quase visíveis! Apelara tanto para a Rainha dos Anjos! Te Deus! Magnificat!.

Para o teólogo José Comblin, a Conferência de Medellín pode ser considerada a ata de nascimento da Igreja latino-americana, com seu rosto próprio, sua identidade, suas opções pastorais, suas comunidades de base, a leitura popular da Bíblia, a Teologia da Libertação, sua luta pela justiça e seus mártires.

 

II – Balanço da recepção nas duas décadas seguintes

  • A Semana de Estudos CELAM realizada de 23-28 de fevereiro de 1976 produziu um substancioso estudo da recepção de Medellín, publicado num volume de mais de 500 páginas (CELAM, Medellín. Reflexiones en el CELAM. MADRID, 1977).
  • Aos dez anos de Medellín, em 1977, a Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina (CEHILA) fez um simpósio sobre a sua recepção na Igreja da América Latina, em Melgar, Colômbia (RICHARD, Pablo (org.) La Iglesia latino-americana de Medellín a Puebla. Bogotá: CODECAL/CEHILA, 1979).
  • Enrique Dussel, presidente da CEHILA, publicou um alentado volume sobre a primeira década após Medellín (DUSSEL, Enrique. De Medellín a Puebla, uma década de sangue e esperança. São Paulo: Loyola, 1983).
  • No marco dos vintes anos de Medellín, há um balanço feito pelo CEHILA sobre a herança de Medellín, publicado em número especial da Revista Eclesiástica Brasileira sob o título “Medellín, vente anos depois” (REB 48, 1988-4).

A preparação para a III Conferência do Episcopado Latino-americano, convocada para acontecer em Puebla, México, aos dez anos de Medellín, desatou um profundo processo de debate, rejeição e recepção de Medellín. Travou-se uma verdadeira batalha eclesial no sentido de manter viva a herança de Medellín e de suas intuições mais decisivas… Perfilavam-se os propósitos do novo Pontificado de João Paulo II (1979-2005), que apontavam para o que João Batista Libanio chamou de “a volta à grande disciplina” e a tentativa de enquadramento da Igreja Latino-americana (LIBANIO, João Batista. A volta à grande disciplina. São Paulo: Loyola, 1984)… Se Medellín significou o batismo da Igreja da América Latina, Puebla pode ser considerada a celebração da sua confirmação.

A minoria do Concílio acabou impondo-se no centro romano. Difundiu-se, a partir daí, como única legítima a interpretação que encontrou acabada, formulação às vésperas do Sínodo Extraordinário de 1985, aos vinte anos da clausura do Vaticano II, no livro de entrevistas do Cardeal Joseph Ratzinger ao jornalista Vittorio Messori, Rapporto sulla Fede (MESSORI, Vittorio. A fé em crise: O cardeal Ratzinger se interroga. São Paulo: E.PU., 1985; BEOZZO, José Oscar (org.) Vaticano II e a Igreja Latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1985).

 

Prof. Edward Guimarães

Secretário Executivo do Observatório da Evangelização

 

Continuação:

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