José Eustáquio Diniz Alves – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 29 Oct 2019 10:00:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 José Eustáquio Diniz Alves – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Qual é o real tamanho da pobreza no mundo? https://observatoriodaevangelizacao.com/qual-e-o-real-tamanho-da-pobreza-no-mundo/ Tue, 29 Oct 2019 10:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32774 [Leia mais...]]]> Nenhum ser humano deve ser indiferente e não se indignar eticamente diante da fome e da miséria. Mais ainda quem se julga ter sido transformado pelo Evangelho de Jesus. Ficar indignado é importante, mas não basta. É preciso assumir uma ação evangelizadora transformadora que, de mãos dadas com os empobrecidos e marginalizados, com os seus movimentos populares, luta contra as causas da injustiça e da desigualdade social.

Segundo o prof. Ladislau Dowbor:

“O mundo que enfrentamos se caracteriza por crescente e dramática desigualdade, com 1% detendo mais riqueza do que os 99% seguintes, e 26 famílias com mais do que a metade mais pobre da população, 3,8 bilhões de pessoas. No Brasil 6 famílias acumularam mais riqueza do que os 105 milhões na base da pirâmide. A desigualdade atingiu níveis eticamente, politicamente e economicamente insustentáveis.” (Ladislau Dowbor, Paradigmas para uma Economia de Francisco)

No artigo a baixo, o prof. José Eustáquio Diniz Alves ajuda-nos a conhecer e a analisar melhor a realidade estatística da pobreza no mundo de hoje, mas sobretudo a perceber que “o grito dos pobres hoje tornou-se muito mais agudo com o grito da Terra”:

é preciso lembrar que se existem dúvidas sobre o avanço do bem-estar humano, o mesmo não acontece com o meio ambiente, pois há evidências irrefutáveis de que a natureza só perdeu nos últimos dois séculos e os ecossistemas estão cada vez mais pobres“.

Confira o artigo:

Qual é o real tamanho da pobreza no mundo?

Existem várias maneiras de medir a pobreza no mundo. Utilizar somente a renda como parâmetro é uma metodologia muito simples, embora seja muito utilizada. Outra alternativa é olhar para a pobreza multidimensional que considera variáveis como educação, moradia, esperança de vida etc.

Um dos gráficos mais divulgados para demonstrar a redução da extrema pobreza no mundo – na ótica da renda – é este abaixo do site “Our World in Data”. Utilizando uma linha de pobreza de $ 1,9 (internacional dólar) por dia, nota-se que havia 965 milhões de pessoas na extrema pobreza em 1820 (representando 89% da população mundial) e este número passou 1,9 bilhão em 1990 (representando 35,8% da população mundial) e caiu para 734 milhões em 2015 (representando 10% da população mundial). Ou seja, o número de pessoas acima da linha de pobreza passou de 117,4 milhões em 1820 (11% do total) para 3,4 bilhões em 1990 (64,2%) e para 6,6 bilhões em 2015 (90% do total).

população mundial em situação de extrema pobreza

Estes números impressionantes deram vez e voz a uma série de pessoas definidas como “Novos otimistas”, dentre elas Hans Rosling (Gapminder), Max Roser, Steven Pinker, Bill Gates, Nicholas Kristof etc. Todas as personalidades enaltecem o processo de redução da pobreza e o aumento do número de pessoas acima da linha da extrema pobreza e também o crescimento da classe média global.

Contudo, diversos outros autores questionam a utilização de uma linha de extrema pobreza tão baixa e consideram que $ 1,9 dólares internacionais por dia está muito aquém das necessidades mais elementares para a sobrevivência dos indivíduos.

Em artigo recente, Jason Hickel (New Internationalist, 07/08/2019) critica a idolatria da redução da pobreza dos “Novos otimistas” e apresenta uma outra medição da pobreza a partir de uma linha de $ 7,4 dólares internacionais ao dia.

O primeiro gráfico abaixo mostra que o número de pessoas vivendo na pobreza – considerando $ 7,4 ao dia – estava pouco acima de 3 bilhões de pessoas em 1981, subiu para 4,5 bilhões no início dos anos 2000 e caiu ligeiramente para pouco mais de 4 bilhões em 2013.

No segundo gráfico, mostra que o percentual de pobres (com a linha de $ 7,4 por dia) ficou em torno de 60% nas 4 últimas décadas e que a redução ocorrida nos anos 2000 foi muito pequena quando comparada com o gráfico do “Our World in Data”.

número de pessoas em situação de pobreza

Como afirma Jason Hickel: “Os gráficos produzidos pela Gapminder e Our World In Data dão a impressão de que a lacuna da pobreza quase se encerrou nas últimas décadas, abolindo a antiga divisão colonial entre o norte e o sul. Esta é a ‘Grande convergência’ propagada por Pinker. Max Roser proclama ‘Os países mais pobres alcançaram os ricos’. E de Bill Gates diz: ‘O mundo não está mais separado entre o Ocidente e o resto’.

Uma métrica mais realista para medir a pobreza

Contudo, utilizando uma métrica mais realista para medir a pobreza os ganhos não foram assim tão significativos. Além do mais, se houve uma redução da desigualdade de renda entre os países, também houve um aumento da desigualdade dentro dos países.

Claro que o padrão de vida da humanidade melhorou como demonstram os números sobre a mortalidade infantil, a esperança de vida ao nascer, os níveis de escolaridade, as condições de moradia etc.

Porém, os ganhos na redução da pobreza (que certamente ocorreram) dependem da régua que se utilize para se avaliar se uma pessoa é ou não é pobre. O grau de otimismo e de pessimismo varia conforme o padrão da régua utilizado.

Por fim, é preciso lembrar que se existem dúvidas sobre o avanço do bem-estar humano, o mesmo não acontece com o meio ambiente, pois há evidências irrefutáveis de que a natureza só perdeu nos últimos dois séculos e os ecossistemas estão cada vez mais pobres.

Referências:
Our World in Data https://ourworldindata.org/extreme-poverty

Jason Hickel. Progress and its discontents. New Internationalist, 07/08/2019
https://newint.org/features/2019/07/01/long-read-progress-and-its-discontents

Sobre o autor:

José Eustáquio Diniz Alves é colunista do EcoDebate, é doutor em demografia. Veja o link para o seu Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Fonte:

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/10/2019 Qual é o real tamanho da pobreza no mundo? artigo de José Eustáquio Diniz Alves, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/10/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/10/28/qual-e-o-real-tamanho-da-pobreza-no-mundo-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

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50 anos depois, a Encíclica Humanae Vitae continua a ser duramente criticada https://observatoriodaevangelizacao.com/50-anos-depois-a-enciclica-humanae-vitae-continua-a-ser-duramente-criticada-e-pouco-seguida-pelos-cristaos/ https://observatoriodaevangelizacao.com/50-anos-depois-a-enciclica-humanae-vitae-continua-a-ser-duramente-criticada-e-pouco-seguida-pelos-cristaos/#comments Wed, 18 Jul 2018 15:57:57 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28579 [Leia mais...]]]> Evangelizar, no horizonte bem definido pelo Concílio Vaticano II, implica necessária postura de humildade aprendiz e de diálogo franco e fraterno com a racionalidade moderna e seus diversos instrumentos e meios de busca da verdade e do bem da humanidade. O ser humano é iluminado pela graça do Deus estradeiro conosco em todos os âmbitos da vida, não apenas no religioso.

A fé não é auto-suficiente, nem está acima de qualquer suspeita, e, para ser bem vivida, não pode ter a pretensão de ser portadora da verdade absoluta ou de uma espécie de dom de inerrância (não cometer erros ou equivocar-se). A fé, como também a razão e todas as dimensões da vida humana, é chamada a cultivar a arte do diálogo, crítico e autocrítico, em uma busca constante de formação da consciência e do bem, da verdade e de tudo o que edifica e aperfeiçoa a vida dos filhos e filhas, amados de Deus. O ser humano tem o dom da autonomia – liberdade e responsabilidade – e da autodeterminação, sem que isso signifique fazer o que quiser ou negar a igual dignidade do outro.

Não há mera oposição, mas dialética recíproca entre fé e razão, religião e ciência. O ser humano é intrinsecamente peregrino, caminhante, incompleto e inacabado, na busca de aprender a arte do bem viver. Portanto, é chamado a cultivar a arte da humildade aprendiz, do discernimento dialógico crítico e a perseverar na busca incansável dos melhores caminhos a serem trilhados a fim de aproximar, e até mesmo alcançar, a plenitude almejada.

Avaliar-se sistematicamente e reconhecer as próprias miopias, limites e erros cometidos são virtudes necessárias para quem está disposto a aprender sempre para aperfeiçoar-se na caminhada. Nas palavras do autor:

“Os 50 anos da Humanae Vitae é um bom momento para se fazer uma autocrítica e para reorientar o ensino religioso sobre o sexo e a reprodução…”

Partilhamos a seguir, a dura avaliação crítica feita por ele no marco do cinquentenário desta encíclica do papa Paulo VI sobre a regulação da natalidade, publicada em 25/07/1968. Vale a pena revisitar este documento do magistério e buscar a dupla fidelidade: ao Evangelho do Reino e a contemporaneidade. Com discernimento moral cristão, juntos renovemos, com coragem, a busca de outra compreensão, possível e necessária, da sexualidade humana, capaz de ajudar a humanidade em suas buscas de realização na vida em sociedade. É preciso dizer que a encíclica Humanae Vitae não sintetiza com exclusividade a Tradição  ou o que a Igreja Católica crê e ensina, no contexto atual, sobre a vivência da sexualidade humana. Confira:

 

50 anos da encíclica Humanae Vitae: sexo e reprodução no século XXI

Por José Eustáquio Diniz Alves

O Planejamento Familiar foi reconhecido como um direito humano básico na Conferência de Direitos Humanos, ocorrida em Teerã, no dia 13 de maio de 1968, realizada para avançar e comemorar os 20 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, da ONU.

A década de 1960 foi marcada pela Revolução Sexual e a luta contra o autoritarismo político e a moral conservadora, responsáveis por uma infinidade de interditos, tabus e repressões referentes à sexualidade, ao prazer, à masturbação etc. O ano de 1968 foi repleto de manifestações da juventude em todo o mundo defendendo a liberdade sexual como um direito ao prazer e a aceitação do sexo fora do casamento e das relações heterossexuais, procriativas e monogâmicas tradicionais.

Mas foi também em 1968 que a Igreja Católica marcou um gol contra e se afastou das reivindicações e das aspirações desejadas pela juventude global ao publicar uma encíclica controversa defendendo uma concepção medieval da sexualidade e que repudia o uso de métodos contraceptivos modernos como um direito humano básico das pessoas e dos casais. A encíclica Humanae Vitae, do papa Paulo VI, foi lançada no dia 25 de julho de 1968 e é uma das responsáveis pela apostasia da juventude e pela perda de fiéis católicos ao longo das décadas seguintes.

A encíclica Humanae Vitae não tem nada a dizer à maioria dos jovens modernos, pois defende uma visão agostiniana da repressão ao desejo carnal, entendendo o sexo como um vício e uma prática má – responsável pelo pecado original e a perda do Paraíso – que só deveria ser aceito quando acompanhado da finalidade procriativa. Ela reforça a cultura cristã tradicional contra os prazeres da carne e a culpa individual diante da atração física. Em vez de lidar com a liberdade que progredia e avançava em uma sociedade moderna com diversidade de oportunidades, a encíclica reforçou a culpa diante dos impulsos sensoriais e dos prazeres do sexo. Reforçou a negação e não a afirmação das personalidades. Exigiu a repressão ao invés da libertação. Defendeu a padronização e o comportamento de rebanho reprimido ao invés da diversidade e da liberdade de escolha e da satisfação pessoal, ainda que com o compromisso da responsabilidade social.

Num momento em que a população mundial crescia a 2,1% ao ano (máximo de todos os tempos) e os problemas ambientais se agravavam, a encíclica Humanae Vitae foi lançada com uma mensagem pronatalista, totalmente antropocêntrica e que não se preocupou com as consequências da superpopulação e nem com a vida das demais espécies da Terra. Portanto, é uma encíclica antiecológica e contrasta com a mensagem da encíclica Laudato Si’, do papa Francisco. Nos 50 anos da Humanae Vitae, a população mundial passou de 3,5 bilhões de habitantes para 7,5 bilhões de habitantes, um acréscimo de 4 bilhões de pessoas. Este alto volume de crescimento, evidentemente, contribuiu para o aumento da Pegada Ecológica e a redução da Biocapacidade do Planeta. Em 1968, existia superávit ambiental, mas ao longo dos anos de 1970 a humanidade superou a capacidade de carga da Terra e o déficit ambiental se ampliou. Toda a civilização está ameaça diante da possibilidade de um colapso ambiental.

Em 1968, o mundo já estava avançado na primeira fase da transição demográfica, isto é, havia uma grande redução das taxas de mortalidade, especialmente, a mortalidade infantil. Aumentou o número de filhos sobreviventes nas famílias. De tal forma, os casais atingiam o tamanho ideal de filhos com antecedência. Assim, as famílias passaram a demandar métodos contraceptivos para espaçar o tempo de nascimento entre os filhos e para evitar um número excessivo de crianças que inviabilizariam o investimento na qualidade de todos os membros do arranjo familiar. Com a queda das taxas de mortalidade, as famílias puderam investir mais na qualidade dos filhos e menos na quantidade.

A Humanae Vitae veio, na prática, reduzir a liberdade de escolha sobre o tamanho da família por parte dos católicos. Aliás, a encíclica foi fruto de uma “manobra conservadora”. O jornalista Robert McClory, no livro “Turning Point: The Inside Story of the Papal Birth Control Commission, and how Humanae Vitae Changed the Life of Patty Crowley and the Future of the Church” (1995), mostra que a “Comissão papal do controle da natalidade” (com cerca de 70 membros), criada por iniciativa do Concílio Vaticano II, após longo debate, concluiu que a contracepção artificial deveria ser considerada moralmente aceitável para os casais. No final dos trabalhos, após uma votação por 52 votos a 4, encaminhou um relatório com a posição da maioria para o papa Paulo VI recomendando a aceitação dos métodos contraceptivos artificiais.

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Porém, o pequeno número de membros da Comissão que se opunha a essa mudança, em conjunto com funcionários conservadores do Vaticano, construiu um relatório minoritário contra as mudanças no dogma da Igreja sobre contracepção. Este relatório minoritário constituiu a base da encíclica Humanae Vitae.

Artigo de Massimo Faggioli (HU, 13/07/2018), relatando o recém lançado livro “O nascimento de uma encíclica. Humanae vitae à luz dos Arquivos Vaticanos” do monsenhor italiano Gilfredo Marengo, diz: “Foi no rastro dessa divisão que Paulo VI finalmente decidiu desconsiderar o conselho da maioria dos bispos que lhe haviam enviado suas sugestões após o Sínodo. Marengo observa que as pessoas que Paulo VI escolheu para redigir a encíclica fizeram poucos esforços para escutar e responder às preocupações da maioria da comissão”.

Isto mostra que a encíclica Humanae Vitae não levou em consideração as visões menos dogmáticas em relação ao sexo e a reprodução. Querer difundir a ideia da procriação via proibição de uso de métodos contraceptivos é algo parecido com o uso da palmatória que os professores e os pais usavam para castigar os alunos e os filhos. A pedagogia já mostrou que o ensino é mais eficiente quando se usa medidas de incentivo e não o estabelecimento de castigos e proibições.

Alguns defensores da encíclica dizem que ela é necessária neste momento que alguns países passam pela “implosão demográfica”, pois possuem taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição, que é de 2,1 filhos por mulher. Contudo, não será proibindo o uso de contraceptivos que se obterá aumento da prole. Por outro lado, existem países com taxas elevadas. Uma taxa de fecundidade de 3 filhos faz a população crescer rapidamente no longo prazo. Se a maioria dos católicos tiverem 3 ou 4 filhos isto já provocaria um grande crescimento demográfico. Mesmo assim, as mulheres e os casais precisariam do uso de contraceptivos para espaçar o intervalo de nascimentos dos filhos e para evitar nascimentos após se atingir o número ideal de filhos quer seja 3, 4 ou 5 filhos. Defender a abstinência sexual dentro do casamento não parece uma solução justa para se recomendar a um casal que se ama genuinamente e já tenha atingido o número de filhos desejados.

Alguns defensores da Humanae Vitae dizem que o maior perigo do mundo é o “colapso demográfico” defendido pelos “profetas gnósticos”. Porém, a taxa de fecundidade total (TFT), no mundo, está em 2,5 filhos por mulher e se cair para 2 filhos por mulher a população mundial vai chegar a 11,2 bilhões de habitantes em 2100. Se a TFT se mantiver em 2,5 filhos, a população mundial chegará a 17 bilhões de habitantes em 2100, segundo as projeções da Divisão de População da ONU. Portanto, bastam 2,1 filhos em média para manter a população estável.

Existem diversas vozes dentro da própria Igreja Católica que consideram que a recusa em aceitar o fato de os fiéis usarem métodos contraceptivos e praticarem o sexo fora da finalidade procriativa provocou um grande êxodo da Igreja Católica, em especial, entre os jovens. A encíclica contribuiu também para o descrédito do ensino hierárquico oficial, pois todos sabem que a maioria dos católicos usa métodos contraceptivos e pratica sexo não procriativo, mesmo com todas as proibições e interdições da Humanae Vitae. Teria sido melhor se a Igreja tivesse seguido o ensinamento da feminista brasileira Maria Lacerda de Moura (1887-1945), que dizia: “Amem-se mais uns aos outros e não se multipliquem tanto”.

Os 50 anos da Humanae Vitae é um bom momento para se fazer uma autocrítica e para reorientar o ensino religioso sobre o sexo e a reprodução, evitando os dogmas obscurantistas e repressores. É incorreto imiscuir na liberdade do amor entre as pessoas adultas e conscientes. Como diz a música de Milton Nascimento e Caetano Veloso: “Qualquer maneira de amor vale amar, qualquer maneira de amor vale a pena”.

Pesquisa do Instituto Datafolha de 2013, mostra que entre os católicos brasileiros, o percentual de pessoas favoráveis ao uso da camisinha é de 84%, ao uso da pílula anticoncepcional 77%, ao uso da pílula do dia seguinte 61%, ao divórcio 60%, que mulheres possam celebrar missas 58% e que os padres possam casar e constituir família 48% (ante 41% que são contrários).

Como disse a revista católica Conscience (29/04/2018):

Depois de cinquenta anos, o dano que a Humanae Vitae causou às vidas de católicos e não católicos em todo o mundo, bem como à própria Igreja Católica, é evidente. Os católicos continuam a usar e aprovar contraceptivos em número crescente, aumentando a divisão entre retórica e realidade na Igreja. Somente confrontando os erros mais fundamentais da hierarquia, a Igreja Católica pode avançar e a sombra da Humane Vitae ser finalmente apagada”.

Segundo Joseph Selling, professor emérito de ética teológica, a Humanae Vitae não representa o pensamento tradicional da Igreja e que a tradição não deve ser usada para o atraso e sim para o progresso:

A verdadeira doutrina tradicional tinha sido substituída. Os acontecimentos dos últimos 50 anos colocam em xeque o êxito dessa tentativa. Neste ponto, é importante perceber que se a doutrina da Humanae Vitae é deixada de lado, nenhum dano é causado à verdadeira doutrina tradicional. Se o atual ocupante do escritório papal der esse passo, terá confirmado que o objetivo da própria tradição é ir para frente, não para trás” (14/07/2018).

Como mostrou Lisa Mcclain (09/07/2018),

Muita coisa mudou na Igreja Católica desde 1968. Hoje, os padres priorizam pastoralmente o prazer sexual entre os cônjuges. Enquanto as proibições ao controle de natalidade continuam, muitos pastores discutem as razões pelas quais um casal pode querer usar contraceptivos artificiais, desde proteger um parceiro contra uma doença sexualmente transmissível até limitar o tamanho da família para o bem da família ou do planeta. Conduto, apesar das mudanças nas atitudes da Igreja sobre o sexo, as proibições da Humanae Vitae permanecem. Milhões de católicos em todo o mundo, no entanto, simplesmente optaram por ignorá-los”.

A insistência em manter os dogmas da encíclica Humanae Vitae só afasta grande parte da população, em especial, o movimento de mulheres que deseja ampliar a autonomia feminina, o movimento pelo casamento de pessoas do mesmo sexo e a juventude que deseja gozar os prazeres da vida de maneira livre e ética, mas sem as interdições da culpa e do pecado. Mais de 40% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres, sendo que a maioria delas não aceita o patriarcalismo do ensino tradicional.

A Igreja Católica já errou no passado e já reconheceu o erro e fez autocrítica. No dia 22 de junho de 1633, o cientista italiano Galileu Galilei, cujos conceitos científicos mudaram a Física, Matemática e Astronomia, foi condenado pela Igreja Católica. Galileu reiterava e defendia a teoria do heliocentrismo, mas segundo o Tribunal da Santa Inquisição, esta teoria contrariava as crenças filosóficas e religiosas da época, que defendiam a ideia de que a Terra era o centro do Universo. Mais de 300 anos depois, o papa João Paulo II reconheceu os erros cometidos pela Igreja na época e absolveu Galileu Galilei.

Será que a Igreja vai continuar tratando o sexo e a concepção no século XXI com a mesma noção de culpa e castigo que Santo Agostinho recomendou a proibição do sexo não reprodutivo no século IV?

Será que a Igreja vai esperar outros 300 anos para fazer uma autocrítica – assim como fez com Galileu – e reconhecer que a encíclica Humanae Vitae foi um equívoco e que é preciso absorver as pessoas e os casais que usam métodos contraceptivos artificiais e fazem sexo por amor e não, necessariamente, por finalidade reprodutiva?

Referências:

ALVES, JED. CAVENAGHI, S. Igreja Católica, Direitos Reprodutivos e Direitos Ambientais, Horizonte, Belo Horizonte, v. 15, n. 47, p. 736-769, jul./set. 2017

http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2017v15n47p736

ALVES, JED. A revisão da encíclica Humanae Vitae e os direitos sexuais e reprodutivos, Ecodebate, 16/10/2017

https://www.ecodebate.com.br/2017/10/16/revisao-da-enciclica-humanae-vitae-e-os-direitos-sexuais-e-reprodutivos-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

CONSCIENCE. Humanae Vitae. The Story Behind the Ban on Contraception, Conscience, 29/04/2018 http://consciencemag.org/2018/04/29/humanae-vitae/

HUMANAE VITAE, Carta Encíclica de Sua Santidade o papa Paulo Vi sobre a Regulação da Natalidade

http://w2.vatican.va/content/paul-vi/it/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae.html

McCLORY, Robert. Turning Point: The Inside Story of the Papal Birth Control Commission, and how Humanae Vitae Changed the Life of Patty Crowley and the Future of the Church. New York: The Crossroad Publishing Company, 1995.

LISA MCCLAIN. How the Catholic Church came to oppose birth control, The Conversation, 09/07/2018

https://theconversation.com/how-the-catholic-church-came-to-oppose-birth-control-95694

MASSIMO FAGGIOLI. Humanae vitae foi um texto reescrito: o complicado nascimento de uma encíclica controversa, IHU, 13/07/2018

http://www.ihu.unisinos.br/580813-humanae-vitae-foi-um-texto-reescrito-o-complicado-nascimento-de-uma-enciclica-controversa-artigo-de-massimo-faggioli

JOSEPH SELLING. Substituindo a tradição: ‘Humanae Vitae’ substituiu a verdadeira doutrina da Igreja, IHU, 14/07/2018 http://www.ihu.unisinos.br/579545-substituindo-a-tradicao-humanae-vitae-substituiu-a-verdadeira-doutrina-da-igreja

 

Sobre o autor:

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte:

Ecodebate

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