guerra – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 31 Mar 2022 21:00:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 guerra – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Por que ainda existe guerra? Guerras, geopolítica e biocapitalismo https://observatoriodaevangelizacao.com/por-que-ainda-existe-guerra-guerras-geopolitica-e-biocapitalismo/ Thu, 31 Mar 2022 21:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44628 [Leia mais...]]]>

Por que depois de tanto sofrimento, tantas mortes e tantas sequelas históricas ainda existe a guerra? Será a guerra e a violência algo próprio do ser humano em sua insatisfação fundamental? Serão as guerras consequências das disputas constantes entre povos e nações? Terá a guerra nascedouro na falta de diálogo, na não acolhida das diferenças e do diferente, ou na obnubilação dos horizontes de sentido que todos precisamos para viver? Perguntas difíceis de serem respondidas… diante de qualquer guerra, as grandes e as cotidianas, uma lição pode ser aprendida. Essa lição foi bem expressa pelo Papa Paulo IV, na sua Mensagem para a celebração do Dia da Paz em 1971: “Se queremos a paz, trabalhemos pela justiça”. Uma sociedade justa, fraterna e acolhedora da diversidade, em todos os níveis, é a melhor vacina contra toda e qualquer guerra que ameace a humanidade.Confira a reflexão do prof. Elton Vitoriano Ribeiro SJ:

No dia 24 de fevereiro, a Rússia começou uma guerra contra a Ucrânia. Algo pouco provável no atual contexto geopolítico da Europa, mas largamente anunciado pelos órgãos de espionagem do governo dos Estados Unidos, aconteceu. Esse ataque já é a pior crise militar na Europa desde a segunda guerra mundial. Os jornais, diariamente, apresentam as mais variadas análises sobre este evento que, associado com a pandemia do coronavírus, marca as peripécias de nosso tempo. Em momentos como esse me lembro do instigante poema de Drummond, Nosso Tempo, que diz: “Esse é um tempo de partido / Tempo de homens partidos”. Depois de tantas guerras os homens ainda não aprenderam que “A guerra é um fracasso: toda guerra deixa nosso mundo pior de como o encontrou, uma rendição vergonhosa, uma derrota diante das forças do mal” (Papa Francisco, Fratelli Tutti, n.261).

As guerras, tristemente, fazem parte da história da humanidade. O substantivo guerra, deriva do vocabulário germânico werra, que derivou para o inglês como war, e significa discordância, peleja, uma discussão verbal que pode terminar num duelo. Os motivos de tal evento são muitos: religiosos, étnicos, ideológicos, territoriais, políticos, econômicos etc. Evidentemente, os motivos nunca são únicos e claros, na maioria das vezes vários motivos se entrelaçam num único movimento de destruição. Para exemplificar a afirmação anterior, nos tempos modernos, duas guerras foram classificadas como mundiais. A primeira guerra mundial, centrada na Europa, aconteceu entre 1914 e 1918 e matou, aproximadamente, 10 milhões de pessoas. Já a segunda guerra mundial, essa de caráter mais global, matou 50 milhões de pessoas entre 1939 e 1945. Nesses dois casos, muitos motivos foram apresentados como as causas destas guerras.

Depois desses eventos surgiu uma disputa pela liderança global entre os Estados Unidos – EUA e a extinta União Soviética – URSS, que ficou conhecida como Guerra Fria. A guerra fria começou em 1945 e durou, segundo historiadores, até 1998 com a queda do muro de Berlin. Aqui vale a pena falar de geopolítica como forma de organizar e articular estratégias e relações internacionais com o intuito de preservar os espaços geográficos dos países e seu poder político internacional. Propriamente, podemos entender a geopolítica como um conjunto de práticas, ações e discursos diplomáticos que, envolvendo os estados nacionais, visam promover a gestão e o controle dos territórios, a paz entre os países, e um bom ambiente global para os negócios e a economia.

No desejo de suscitar e promover essa cooperação internacional, no ano de 1945, foi criada a ONU – Organização das Nações Unidas. Com mais de 193 países membros, a ONU possuiu uma grande variedade de agências internacionais para os mais diversos assuntos. Com mais de 17 agências, as mais conhecidas são: FAO (alimentação), OIT (trabalho), FMI (Fundo monetário internacional), UNESCO (educação e cultura) e a OMS (saúde). A ONU possui no topo de sua organização um Conselho de Segurança que tem a missão de manter a paz entre as nações unidas. Ou nas palavras da própria entidade, a missão de promover: a paz, a dignidade e a igualdade em um planeta saudável: https://www.un.org/pt/.

Ora, se existem todos esses esforços pela paz e a segurança, se tantos homens e mulheres de boa vontade lutam pela justiça e pela sobrevivência do planeta, porque ainda existe a guerra? Por que depois de tanto sofrimento, tantas mortes e tantas sequelas históricas ainda existe a guerra? Perguntas difíceis de serem respondidas. Será a guerra e a violência algo próprio do ser humano em sua insatisfação fundamental? Serão as guerras consequências das disputas constantes entre povos e nações? Terá a guerra nascedouro na falta de diálogo, na não acolhida das diferenças e do diferente, ou na obnubilação dos horizontes de sentido que todos precisamos para viver? As perguntas e as respostas são muitas. A verdade é que nas sociedades contemporâneas, as disputas e guerras possuem um forte componente econômico. Razões econômicas tendem a ser o solo comum das disputas atuais. O problema é que para o capitalismo, a guerra não é um bom negócio.

As guerras modernas são um mau negócio. Elas são muito caras, geram grandes destruições pelo poderio militar atual e matam muita gente (trabalhadores e consumidores). Após um momento de guerra, os prejuízos financeiros são grandes: alta de inflação com a perda do valor da moeda, crescimento menor devido aos gastos com reconstrução e mortes, e os transtornos gerados no comércio global pelas perdas e divisões. Por exemplo, a OMC – Organização Mundial do Comércio, estima uma alta nos preços dos alimentos com a guerra na Ucrânia. Isso poderá acontecer pelo fato de a Ucrânia e a Rússia serem grandes produtores de trigo e milho, e a Rússia de fertilizantes usados no agronegócio de vários países.

Por serem um mau negócio as guerras, como a que estamos vendo, provocam sérias sanções financeiras: bloqueio de investimentos, diminuição nas transações comerciais e crise na produção são alguns exemplos. A ideia principal das sanções é dupla. Por um lado, diminuir a fonte financeira que abastece a máquina de guerra. Por outro lado, afetar cada indivíduo, especialmente, afetando as famílias com, por exemplo, a falta e escassez de produtos, principalmente alimentar. Tudo isso para aumentar a pressão interna aos países em guerra, em prol de uma mudança de rumo. Ou seja, dispositivos biocapitalistas são importantes neste torvelinho de ações e pressões.

Finalmente, diante de qualquer guerra, as grandes e as cotidianas, uma lição pode ser aprendida. Essa lição foi bem expressa pelo Papa Paulo IV, na sua Mensagem para a celebração do Dia da Paz em 1971: “Se queremos a paz, trabalhemos pela justiça”. Uma sociedade justa, fraterna e acolhedora da diversidade, em todos os níveis, é a melhor vacina contra toda e qualquer guerra que ameace a humanidade.

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pe. Elton Vitoriano Ribeiro, SJ
É reitor da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), professor e pesquisador do departamento de Filosofia da mesma instituição. 

Fonte: https://faculdadejesuita.edu.br/fajeonline/palavra-presenca/por-que-ainda-existe-guerra/

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Guerras e armas são satânicas https://observatoriodaevangelizacao.com/guerras-e-armas-sao-satanicas/ https://observatoriodaevangelizacao.com/guerras-e-armas-sao-satanicas/#comments Sun, 27 Mar 2022 21:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44584 [Leia mais...]]]> A guerra não é um monstro do passado. O conflito entre Rússia e Ucrânia ocupa as manchetes dos principais veículos de comunicação em todo o mundo. Centenas de inocentes, civis, crianças e idosos já morreram! Cerca de 4 milhões podem deixar suas casas e o país para escapar da morte. O mundo já tem mais de 82 milhões de deslocados (Acnur-Agência das Nações Unidas para refugiados).

A Ucrânia vive uma tragédia humanitária. Os bombardeios aéreos na Síria e no Iraque provocaram a morte de milhares de civis. Contudo, há milhares de mortos e muito sofrimento em dezenas de conflitos em outras regiões do mundo. Mais de 28 países estão em guerra por territórios, por independência, por questões religiosas, por recursos naturais, etc. (Para ver outros conflitos em meio à guerra na Ucrânia, acesse mixvale.com.br)

Fome, destruição de cidades, miséria, doenças, desemprego. Os prejuízos humanos, econômicos e sociais são incalculáveis. Não há justificativa moral para a guerra. A defesa da paz exige a condenação da guerra. Quem está ganhando com as guerras? A indústria armamentista. Os fabricantes de armas aumentaram suas vendas. As maiores são dos Estados Unidos.

Enquanto líderes mundiais enviam jovens para morte, Francisco quer ouvir suas aflições, frustrações e, principalmente, suas soluções para problemas reais. O Papa acredita que a missão dos jovens é deixar, para as próximas gerações, um mundo melhor do que aquele que encontraram: “que as perguntas que a vida nos faz, que a cultura nos pede, que os problemas humanos nos pedem, sejam recebidos com a mente e com o coração, e que as respostas também sejam inteligentes, cordiais com o coração e pragmáticas com as mãos” disse o papa a estudantes católicos. “Essa é a vocação dos cristãos, construir pontes”!

Sim! Construir Pontes! O diálogo é um dos principais legados dos nove anos de pontificados de Jorge Bergoglio, completados em 13 de março. Quando se tornou o primeiro Papa jesuíta e latino-americano, recebeu uma difícil herança: escândalos de pedofilia no clero, dívidas, corrupção e tráfico de influência, e divisões na Igreja. Aos poucos, Francisco está conseguindo modificar algumas situações. Com seu olhar atento, e o desejo de promover a paz, enfrenta os grandes desafios das diversas realidades promovendo a cultura do encontro: “Somente esta cultura pode levar a uma justiça sustentável e à paz para todos, bem como a um autêntico cuidado por nossa casa comum.”

Argentino filho de imigrante italianos, é carismático e acessível, porém discreto. Mantem hábitos simples, carregando a alegria do Evangelho. Firme defensor da ecologia e da dignidade dos pobres, descartados e discriminados, Papa Francisco não escapa às críticas de conservadores e progressistas. Quer fazer da Igreja uma comunidade participativa através da sinodalidade, onde “todos são protagonistas”. É preciso deixar-se mover pelo Espírito Santo para “descobrir a geografia da salvação divina, abrindo portas e janelas, derrubando muros, rompendo correntes, libertando fronteiras”.

Em Fratelli tutti, Francisco ressalta a importância de se restaurar a fraternidade entre os povos. Para que haja paz e respeito, é fundamental a democracia, a liberdade e a justiça. O documento afirma que “somos todos chamados a estar próximos uns dos outros, superando preconceitos e interesses pessoais. O amor constrói pontes e nós somos feitos para o amor”. “A melhor política” é aquela que se traduz na caridade e no amor social a serviço do bem comum.

A guerra é a pior das políticas. Francisco é promotor incansável da paz. A verdadeira paz “só se pode alcançar quando lutamos pela justiça através do diálogo, buscando a reconciliação e o desenvolvimento mútuo”. Para ele, “a guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal. Não fiquemos em discussões teóricas, tomemos contato com as feridas, toquemos a carne de quem paga os danos” (Fratelli tutti, 261).

Em meio a tantas guerras, Papa Francisco levanta sua voz: “Ouça o grito de quem sofre, e se ponha fim aos bombardeios e aos ataques…parem este massacre!” … “Quem faz a guerra esquece a humanidade. Não parte do povo, não olha para a vida concreta das pessoas, mas coloca diante de tudo os interesses de poder. Baseia-se na lógica diabólica e perversa das armas, que é a mais distante da vontade de Deus. E se distancia das pessoas comuns, que desejam a paz; e que em cada conflito – pessoas comuns – são as verdadeiras vítimas, que pagam as loucuras da guerra com a própria pele”.

Desejemos a paz. Lutemos pela paz todos os dias. O diálogo é a única forma racional para a paz. Que o dinheiro usado em armas seja revertido para acabar de vez com a fome no mundo.

“Nunca mais a guerra!”

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pe. Élio Gasda, SJ
É jesuíta, doutor em Teologia, autor, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). 

Fonte: https://faculdadejesuita.edu.br/fajeonline/palavra-presenca/guerras-e-armas-sao-satanicas-papa-nicolau/

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https://observatoriodaevangelizacao.com/guerras-e-armas-sao-satanicas/feed/ 1 44584
Quaresma e Guerra https://observatoriodaevangelizacao.com/quaresma-e-guerra/ Mon, 21 Mar 2022 22:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44454 [Leia mais...]]]> Com sensibilidade humana e pastoral, o Arcebispo de Uberaba nos leva a refletir sobre o drama da guerra e as exigências de conversão quaresmal. O apelo de um pastor para que a humanidade levante os olhos, acorde para a realidade e compreenda a insensatez das guerras, muitas delas por motivações religiosas. Confira, vale a pena! E deixe-se tomar pela fraternidade e compaixão que brotam do sincero encontro com Deus.

Parece ser um contrassenso o que acontece nestas duas realidades: a Quaresma reflete sobre a fraternidade, espiritualidade, conversão, mudança de vida; a guerra revela a insensibilidade do ser humano ao provocar um cenário de destruição e desumanidade. Está visível esta realidade nesse confronto entre a Rússia e a Ucrânia. Os autoritários não medem as consequências de uma guerra.

A humanidade passa por momentos ímpares de destruição. A pandemia mexeu com todo mundo, seja rico ou pobre. O cenário da ecologia integral está em baixa e revela um descontrole da natureza, ocasionando desastres letais em vários espaços geográficos, com enchentes, deslizamento de terra, destruição de pontes. Queremos entender que alguma coisa precisa ser mudada e recuperada.

Está na hora da humanidade levantar os olhos para o céu, como fez Abrão diante da proposta e do convite de Deus (cf. 15,5-6). Esse é o caminho indicado pelos quarenta dias de reflexão na Quaresma, como tempo de restauração das motivações para defesa da vida e superação do que fere a dignidade das pessoas. Não pode ser um caminho de guerra, de insanidade e de autodestruição.

A proposta de Jesus tem o envolvimento da cruz, e muitos são inimigos da cruz. A tendência moderna é de descarte de tudo que exige sacrifício, mas acaba provocando consequências de sofrimento e perdição. Nas guerras, as autoridades não conseguem sacrificar os próprios interesses, sejam econômicos, políticos e religiosos. É inconcebível que a maioria das guerras tem motivação religiosa.

Não é louvável ter prazer somente em relação às coisas terrenas, aos interesses egoístas e escusos, desviando a atenção para o sobrenatural. Na maioria das vezes, isto acontece numa guerra, onde as decisões são recheadas de competição, destruição e morte. Falta sensibilidade para o divino presente no mundo, na natureza e, de modo especial, na pessoa humana, principalmente inocente.

A compaixão é uma virtude que pode intermediar as duas realidades: quaresma e guerra. Quem arma guerras diz não eliminar vidas inocentes, mas não vive a compaixão, o reconhecer que todas as pessoas têm direito a vida, à sua história e a seus patrimônios. É triste ver tanques de guerra apavorando a população e ceifando vidas. A quaresma provoca a compaixão e a fraternidade.

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Dom Paulo Mendes Peixoto
Arcebispo da Arquidiocese de Uberaba e bispo referencial das CEBs e Pastoral da Criança do Regional Leste 2 da CNBB.

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“A guerra é a derrota do ecumenismo”. Entrevista com Andrea Riccardi. https://observatoriodaevangelizacao.com/a-guerra-e-a-derrota-do-ecumenismo-entrevista-com-andrea-riccardi/ Mon, 07 Mar 2022 21:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44179 [Leia mais...]]]> A divisão do cristianismo está fundada na falta de diálogo, escuta e entendimento de seus elementos humanos, bem como uma teologia atenta ao momento histórico. O diálogo inter-religioso se mostra como caminho urgente, mas pouco ainda desenvolvido em contextos iminentes ao conflito. A guerra na Ucrânia se torna o novo ponto de inflexão deste diálogo mais que necessário, urgente. Acompanhe a opinião de Andrea Riccardi, historiador italiano, fundador da comunidade de Santo Egídio, na entrevista originalmente publicada por Paolo Viana no portal Avvenire e traduzida para o portugês por Luisa Rabolini:


♦ Professor Riccardi, há seis dias, a comunidade de Santo Egídio propôs fazer de Kiev uma “cidade aberta” e, em vez disso, a capital ucraniana ainda está sob ameaça das bombas e tanques de Moscou. É realista imaginar esta solução?

Ainda é possível salvar Kiev da destruição – responde Andrea Riccardi, historiador, fundador da comunidade de Santo Egídio e ministro do governo Monti -, na luta casa por casa, rua por rua, e é preciso fazer isso para salvar vidas humanas, pelo valor da cidade – Kiev é a Jerusalém da ortodoxia da Rus’ e, portanto, para a ortodoxia bielorrussa russa e ucraniana -, e porque tirar Kiev da guerra significa tirar espaço do confronto armado. Kiev não deve se tornar Aleppo.

♦ O que você acha da proposta russa de abrir corredores humanitários?

Os corredores humanitários são sempre um objetivo de quem quer a paz, mas em geral são algo diferente das propostas russas de hoje. Sem falar que os corredores para fugir já existem e os ucranianos os estão usando.

♦ Os ucranianos, no entanto, gostariam de estar mais protegidos nesta fuga. A decisão da OTAN de não declarar a Zona de exclusão aérea é um ato de fraqueza e causará um massacre, como afirma Zelensky?

Entendo o presidente ucraniano, mas o Ocidente tem duas responsabilidades: com a Ucrânia e com o Ocidente. Li a decisão de não declarar a Zona de exclusão aérea, que também poderia levar a uma escalada do conflito com a Rússia, como um ato de responsabilidade e não de fraqueza.

♦ Como lê a resistência ucraniana?

É uma guerra estranha, que não esperávamos e que Putin também não esperava. No entanto, era evidente que o envio de jovens russos criados em tempos de paz e jovens ucranianos que eram irmãos dos russos há anos – estou pensando nos laços criados por viagens, comércio e especialmente mídias sociais – teria provocado diferenças. Surge a grande contradição dos laços globais que vão além das fronteiras. Cada um pertence ao seu próprio país e a muito mais, e cada um sente que a guerra está rompendo laços importantes. A leitura russa de que a Ucrânia teria caído facilmente se mostrou muito errada: vi personalidades pró-Rússia e de língua russa se posicionarem contra esse conflito. Li o metropolita chefe da Igreja Ortodoxa ucraniana dirigindo-se ao Patriarca Kirill e Putin defendendo os argumentos ucranianos.

♦ Há igrejas ortodoxas em guerra, há católicos russos e católicos ucranianos em guerra, sem falar nas diferenças entre católicos e ortodoxos nos países vizinhos. A teologia muda com base em onde a pessoa está?

O catolicismo é uma grande “internacional” e para a Igreja Católica a guerra é um terreno impossível porque os católicos estão sempre deste lado e do outro. Somos uma minoria nos dois países em guerra e o verdadeiro drama, quero lembrá-los, é precisamente aquele dos ortodoxos, para não falar da difícil situação dos greco-católicos. As igrejas ortodoxas têm um problema muito sério: a Ortodoxia de Moscou está dividida entre a Rússia e a Ucrânia e o Patriarcado de Moscou está na posição em que Pio XII estava quando foi criticado pelos “silêncios” diante da guerra mundial.

♦ A guerra silenciará o ecumenismo?

O ecumenismo significa paz e a guerra é a derrota das Igrejas. O Patriarca Atenágoras dizia “Igrejas irmãs, povos irmãos”. Esta guerra é objetivamente a derrota do ecumenismo cristão: a ortodoxia já está dividida e neste momento devemos acreditar que a paz será o desafio da Igreja para todo o século que vivemos.

A paz será o desafio da Igreja para todo o século que vivemos.
(Andrea Riccardi)

♦ O mundo católico está fazendo a sua parte?

Surpreende-me até a vitalidade da reflexão em curso no mundo católico, que redescobriu o tema da paz. Como todos os papas, Francisco falou claramente contra a guerra. É claro que, para ser honesto, eu esperava das Igrejas europeias uma resposta mais ativa às palavras do Pontífice. Assim como, da Igreja alemã, um debate sobre o rearmamento da Alemanha. Vejam bem, este não é o tema “usual” para uma discussão eclesial. Aqui não se trata de concordar com as palavras de um documento, mas de tomar partido entre a vida e a morte.

♦ Na Itália ainda haverá divisão sobre a guerra “justa”?

Estou muito angustiado ao ver pessoas fugir e morrer para me preocupar com a “guerra justa”.

♦ Putin é acusado de ser o novo Hitler: historicamente, qual é a diferença entre a Polônia de 1939 e a Ucrânia de 2022?

A história deve esclarecer-nos, mas a história não é aquela dos cartões postais, a história não julga, a história compreende. A Rússia foi humilhada e cercada pela OTAN e está se relançando através de uma presença imperial não apenas na Ucrânia. Não sou o defensor de Putin, mas existem dinâmicas e existe um cenário. A cada dia que passa fica mais difícil, mas devemos sair dessa guerra deixando uma rota de fuga não apenas para os refugiados, mas também para o líder russo.

♦ O que você acha dos diálogos de Brest?

Que está faltando um mediador.

♦ Quem poderia ser?

Angela Merkel. Os governos europeus deveriam procurá-la. E rápido.

♦ A famosa “diplomacia paralela” de Santo Egídio caminha nessa direção?

Santo Egídio está se movendo para oferecer solidariedade aos ucranianos, as nossas comunidades na Polônia, Hungria e Eslováquia estão trabalhando. E trabalhamos para Kiev ser uma cidade aberta.

♦ O senhor foi Ministro da Cooperação Internacional e Integração. Como avalia este tsunami humanitário que está assolando a Europa?

Nestas horas, lembro-me das divergências entre os países orientais e ocidentais sobre a gestão dos refugiados sírios. Agora não há mais divisões e isso é bom. Espero que a Polônia peça aos outros parceiros europeus que assumam quotas de refugiados e espero uma resposta rápida e positiva. Estamos falando de seis milhões de pessoas, uma maré difícil de administrar. Quando temos medo de tantas pessoasem fuga, precisamos lembrar que eles estão fugindo da morte e que são as cuidadoras que cuidam de nossas mães e os caminhoneiros que abastecem as nossas lojas… pessoas como nós. Também desta vez.

♦ Esta guerra mudará a Europa?

Espero que sim e acredito que seja inevitável. O rearmamento alemão deveria ocorrer no quadro de um instrumento de defesa europeu que se torna urgente e necessário, bem como de uma política externa comum. Acredito que a guerra ucraniana tenha compactado ainda mais os europeus, depois que a pandemia os convenceu de que só podemos nos salvar juntos. Mas, repito, agora devemos parar a guerra, porque as guerras do nosso século são intermináveis. Que o diga a Síria.

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Andrea Riccardi
É um historiador e acadêmico italiano. Graduado em História Contemporânea pela Universidade de Estudos de Roma III, é notável estudioso da Igreja na Idade Moderna e Contemporânea, bem como fundador da Comunidade de Santo Egídio.

Paolo Viana
É repórter enviado especial do portal italiano Avvenire. Graduado em Ciências Políticas pela Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão.

Luisa Rabolini
Possui graduação em Biologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e graduação em Letras – Tradutor e Intérprete pela mesma instituição. Atualmente é tradutora de italiano para o Instituto Humanitas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/616667-kiev-nao-pode-ser-a-nova-aleppo-a-guerra-derrotada-do-ecumenismo-entrevista-com-andrea-riccardi

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