Frei Prudente Nery – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Mon, 18 Jun 2018 13:24:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Frei Prudente Nery – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Frei Prudente Nery (26/05/1952-19/06/2009). Seu maior dom: tocar e abrir os corações para Deus entrar https://observatoriodaevangelizacao.com/frei-prudente-nery-26-05-1952-19-06-2009-seu-maior-dom-tocar-e-abrir-os-coracoes-para-deus-entrar/ https://observatoriodaevangelizacao.com/frei-prudente-nery-26-05-1952-19-06-2009-seu-maior-dom-tocar-e-abrir-os-coracoes-para-deus-entrar/#comments Mon, 18 Jun 2018 13:24:57 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28223 [Leia mais...]]]> Hoje, dia 19/06/2018, celebramos nove anos da ressurreição de Frei Prudente Nery. Um homem de Deus que tinha o dom singular de – ao compartilhar seus conhecimentos transformados em sabedoria para o bem viver, seus mergulhos no Mistério de Deus esculpidos em oração poética mística, suas vivências da espiritualidade cristã radicalmente aberta e moldada na olaria dos diálogos de amor –  tocar os nossos corações e abrir suas portas para Deus.

Para reavivar sua presença amorosa no meio de nós e torná-lo conhecido para quem não teve a graça de conhecê-lo, ser seu aluno ou dirigido, ouvir suas palestras e pregações… esta singela homenagem. Frei Prudente Nery por ele mesmo…

* 26-05-1952 | Campo do Meio – MG
+ 19-06-2009 | Uberlândia – MG

Biografia de Frei Prudente Nery

 

Campo do Meio – Minas Gerais

Em Campo do Meio, nasci no dia 26 de maio de 1952, como quarto e último filho de Sebastião Alves de Paula e Maria de Lourdes Alves. Antecederam-me meus irmãos: Benedito, Vianei e Lúcio. Localizada no sul de Minas Gerais, Campo do Meio teve início quando Mário Álvares de Azevedo, José Benedito da Rocha, Antônio Marques do Nascimento, Persiliano Marques e outros, legando algumas terras devolutas de suas respectivas fazendas, criaram, em 1906, o patrimônio do povoado, colocado de imediato sob a guarda de Nossa Senhora Aparecida.

 Elevado a distrito de Campos Gerais em 1923, Campo do Meio emancipou-se em 1948, em limite com Boa Esperança, Carmo do Rio Claro, Campos Gerais e Alfenas. Com uma população de 11.720, Campo do Meio vive, sobretudo, da agricultura (café, milho e feijão), pequenas indústrias e do comércio (ca. de 100 estabelecimentos). O Lago de Furnas, que recobriu de água suas áreas mais férteis, trouxe, em troca, uma ampla área de beleza, lazer e sustento para muitos.

Situado na Diocese de Campanha, o município está organizado, eclesiasticamente, em uma paróquia, dedicada a Nossa Senhora Aparecida, com 6 comunidades urbanas e 17 rurais.

Aqui vivi os primeiros 11 anos de minha vida. Nas manhãs, a missa, a escola primária no Instituto São José. À tarde, as brincadeiras: bola, bolinha de gude, as pipas e os papagaios, as travessuras nos pés de manga e jabuticaba, o esconde-esconde no quintal de casa, entremeados pelos xingos e as fartas quitandas e, nas ruas mais próximas, as voltas de bicicleta. Nas noites – a televisão apenas começava a ser introduzida no Brasil – um pouco de estudo, a rádio-aventura Jerônimo, o herói do sertão, sempre às escondidas, o terço meio às carreiras, uma música na vitrola, o Repórter Esso. Enfim, uma infância simples, mas feliz.

 

A austeridade, as rebeldias, a contemplação… 

No dia 17 de fevereiro de 1964, ingressei no Seminário Menor Santo Antônio dos Frades Capuchinhos, na cidade de Ouro Fino – MG. Éramos, naquele ano, uma pequena multidão de meninos, adolescentes e jovens: cerca de 120. Fui recebido pelo então Diretor do Seminário, Frei Paulo Castagna, que, com o grupo de assistentes, tinha a tarefa não fácil de manter, em todos os sentidos, aquela legião.

Os que de nós cuidavam, desde a alimentação até a espiritualidade, eram, naquele ano, os frades: Frei Deodato de Troina, Frei Paulo Castagna, Frei Tomás de Belo Horizonte, Frei Luiz do Carmo do Paranaíba (José Gomes), Frei Eugênio Garcia, Frei Caetano Presti, Frei Odorico de Resuttano, Frei Rafael de Gangi e Frei Mauro Bazzani.

Mais tarde, trabalharam também ali: Frei Bruno Profita, Frei Leopoldo Maria, Frei Carlos Fabiano, Frei Antônio de Caltavuturo, Frei Geraldo de Cachoeira do Campo, Frei Tarcísio Batista Lopes e Frei Aldo Nasello. Aí permaneci durante cinco anos, cursando um ano de Admissão e quatro anos de Ginásio. Foram anos de grande austeridade e severa disciplina nos estudos, trabalhos, orações e costumes. Não menos intensos eram também os momentos de alegria, lazer e companheirismo: nos esportes, passeios, música, canto, teatro. Em Ouro Fino, permaneci até o fim do ano de 1968.

Terminado o curso ginasial, fui enviado para Uberaba, onde deveria cursar o segundo grau (clássico). Nesta cidade, morávamos cerca de 15 jovens na Fraternidade Santa Terezinha, estudando no Colégio Diocesano, dos Irmãos Maristas. Diferentemente dos anos de infância e remanso, em Ouro Fino, estes três anos em Uberaba foram um tempo turbulento e de grandes inquietudes.

A rebeldia estudantil que, a esta época, sobressaltava o mundo, de ponta a ponta, não se deteve às portas da Igreja e dos conventos. Tradições e costumes eram questionados duramente. Impasses institucionais, perplexidades, o Concílio Vaticano II, a radicalização da ditadura militar, Medellin, os deslocamentos da atuação da Igreja, a luta pelos direitos básicos do homem, estes eram os elementos marcantes daquele momento de nossa vida.

Mudávamos, por dentro e por fora. Não apenas os cabelos faziam-se longos. Alargavam-se também as idéias, a coragem, o desejo de legítima emancipação da liberdade e da criatividade, também na vida religiosa. Queríamos não apenas a permissão de usar jeans e camisas de cores vivas, mas também a possibilidade de participar, com as cores de nossas inspirações, na situação social e nas decisões institucionais da Igreja, da Ordem, da Fraternidade.

Agora, fora da casa quase materna que fora o seminário menor, começava a percepção da grave situação política e social na qual estávamos metidos, sem grande consciência. Em conseqüência disso, os primeiros intentos de autonomia (para dentro) e de mineira inconfidência (para fora): as reuniões secretas para submeter à crítica a ordem conventual, a desobediência civil de costumes e preceitos considerados arbitrários, o estudo às ocultas dos escritos de Padre Lebret, os primeiros passos no compreender a fé com Congar, de Lubac e outros mestres, o desajeitado esforço especulativo com Teilhard de Chardin, a leitura clandestina dos textos de Padre Camilo Torres reproduzidos com gelatina e álcool, as incursões noturnas nas periferias da cidade a fim de levar, junto com os cursos de alfabetização de adultos, um pouco de luz naquelas trevas.

Um dos reflexos da inquietude desse tempo: em três anos, tivemos cinco diferentes diretores. Enfim, as pequenas-grandes aventuras do espírito tiveram aqui, neste tempo, seus primeiros ensaios.

Concluído o segundo grau (1969 – 1971), era o momento de decidir-me: optar pela vida religiosa, indo para o Noviciado, ou, como fizeram quase todos os colegas, seguir a vida por outros caminhos. As dúvidas não eram grandes. Continuaria por este caminho, enquanto ele me permitisse ser o que desejava para minha vida: um serviço aos homens, nas buscas de sua própria humanidade e de Deus.

Depois de muitos anos em suspensão devido às mudanças pedidas pelo Concílio Vaticano II, a Província decide reabrir, no princípio de 1972, o Noviciado, em Belo Horizonte. Eu pertenceria a esta nova primeira turma, de apenas três noviços. Já na terceira semana de Noviciado, tendo como mestre Frei Paulo Castagna, a primeira desistência. Continuamos até o fim: Amando Alves Batista e eu.

Um ano típico de noviciado: a tentativa sincera de aprender e praticar a contemplação, o esforço nem sempre exitoso de rezar o Divino Ofício, as conversas afáveis, como de pai para filhos, com o mestre, os prolongados e benfazejos tempos de recolhimento e oração na Serra da Piedade, as missões periódicas com Frei Emílio Piro, então Superior Provincial, nas periferias de Governador Valadares. Completado o ano canônico (prescrito pela Igreja) de Noviciado, emiti os votos no dia 9 de fevereiro de 1973, na Igreja Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, nas mãos de Frei Emílio Piro.

 

Os estudos de filosofia e teologia… 

Após a profissão temporária, fui enviado para Petrópolis, em fevereiro de 1973, a fim de continuar minha formação inicial. A escola escolhida pela Província de Minas Gerais, naquele momento, era o Instituto Franciscano de Filosofia e Teologia dos Frades Observantes da Província da Imaculada Conceição. Seriam agora seis anos de estudos continuados em Filosofia e Teologia, exigência eclesiástica para a recepção das ordens sacras.

A Fraternidade dos Capuchinhos habitava uma pequena casa, fora do Instituto. Éramos, no princípio, seis irmãos, numa experiência inusitada. Sob a responsabilidade imediata do Ministro Vice-Provincial, que residia em Belo Horizonte, a 550 km, portanto, sem um diretor local, este foi um tempo de um intenso aprendizado de obediência fraterna. Tudo – do que deveria ser comprado na feira até à oração comum – era decidido pelo conjunto dos irmãos, em demorados diálogos e contendas, mas de grande proveito para a co-responsabilidade pessoal.

No Instituto Franciscano, numa experiência também inédita, os estudos realizavam-se em paralelo: no ciclo de seis anos, deveríamos absolver todo o estudo eclesiástico em filosofia e teologia, além de uma série de créditos e seminários opcionais, de acordo com o interesse de cada um. À nossa disposição e em fraterna disponibilidade:

  • a fina argúcia de Frei Arcângelo Buzzi (filosofia);
  • a desconcertante simplicidade de Frei Hermógenes Harada (fenomenologia);
  • o saber enciclopédico de Frei Raimundo Vier (filosofia medieval);
  • a clareza de Frei Antônio Moser (teologia moral);
  • a inquietude investigativa de Frei Simão Voigt (exegese neotestamentária);
  • a simpatia de Frei Fernando Figueiredo (patrística e história dos dogmas);
  • a jocosa competência de Frei Ildefonso Silveira (história eclesiástica);
  • a silenciosa perícia de Frei Gentil Titon (história da igreja);
  • a combatividade de Frei Orlando Bernardi (teologia dogmática);
  • a afável cortesia de Frei Hugo Baggio (espiritualidade);
  • a amabilidade de Frei Alberto Backhäuser (liturgia);
  • a criatividade de Padre Antônio Pereira (direito canônico);
  • as ponderadas reflexões de Frei Gamaliel Devigilli (teologia moral);
  • a confiabilidade informativa de Frei Ludovico Garmus (exegese veterotestamentária);
  • a sabedoria paterna de Frei Ademar Spindeldreier (psicologia);
  • a cordialidade de Frei Almir Guimarães (catequética);
  • a jovialidade de Frei Jaime Clasen (antropologia);
  • a elegância de Frei Neylor Tonin (homilética);
  • o sabor nas coisas de Deus de Frei Leonardo Boff (teologia sistemática);
  • a desperta inteligência de Frei Clodovis Boff (teologia sistemática).

Conduzidos por tais irmãos, era quase impossível não nos dedicarmos, com muito empenho, aos estudos. Mais que um muito saber, um sempre pensar. Esta, juntamente com uma ousada coragem para a liberdade e a criatividade acadêmicas da parte corpo docente, foi a característica central daqueles tempos do Instituto Franciscano, em que serva (filosofia) e senhora (teologia) habitavam uma só e mesma casa.

Aí permaneci até julho de 1978. Sempre de volta em Minas Gerais, aqui fiz a profissão perpétua em 21 de fevereiro de 1976 e fui ordenado diácono, na capela interna do Palácio Cristo Rei, pelo então Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte Dom João Rezende Costa, em 19 de fevereiro de 1977. No dia 22 de janeiro de 1978, fui ordenado presbítero, juntamente com meu irmão mais velho: Benedito.

 

A partida para a Europa… 

A conselho de meus professores de filosofia e teologia no Instituto Franciscano de Petrópolis, o Governo da então Vice-Província de Minas Gerais definiu que eu deveria dar continuidade aos estudos, em pós-graduação, na disciplina que um diálogo com os mesmos professores indicasse. Não obstante minha dedicação especial à filosofia naqueles cinco anos e meio de estudantado (1973 – 1978), meu interesse apontava para a teologia. Das muitas conversas com meus professores, emergiu ainda que o melhor lugar para um tal estudo, naquele momento, seria a Alemanha, onde já se encontrava meu confrade Frei Marcos Montagnoli, hóspede na Província Capuchinha da Baviera, que se dispusera a nos acolher para tais estudos.

Primeiro deveria me dirigir à Itália, para uma visita à Província Capuchinha de Messina, fundadora da então Vice-Província de Minas Gerais. Comigo viajava, de volta à Itália, o Sr. Libório Piro, pai de Frei Emílio Piro, que, com seus 84 anos de idade, passara um mês visitando o Brasil. Na Itália, encontrar-me-ia com Frei Marcos, dirigindo-me, depois, para a Alemanha, para iniciar os estudos do idioma alemão, ainda completamente desconhecido por mim. E assim, seis meses após minha ordenação presbiteral, parti do Brasil, no dia 22 de julho de 1978, às 18:20h.

 

Chegando à Europa… 

No dia 23 de julho de 1978, cheguei à Itália. De imediato, fui para Palermo e Castelbuono, terra natal de Frei Emílio Piro, onde nos aguardavam, a Sr. Libório Piro e a mim, os seus familiares. Depois de alguns dias no seio de uma família tipicamente italiana – o que foi para mim de grande deleite e admiração -, fui para Messina, a sede da Província Capuchinha, fundadora da Vice-Província de Minas Gerais. Ali, ajuntando-me a Frei Marcos, em férias de seus estudos na Alemanha, visitei, além de outros lugares, todas as fraternidades daquela Província. Após pouco mais de um mês, subimos para Roma e daí para a Alemanha, aonde cheguei no dia 27 de agosto de 1978, um domingo, para dar início aos estudos do idioma alemão.

Aqui fui acolhido no Convento Sankt Anton, na cidade de Munique, como hóspede da Província Capuchinha da Baviera, e aí permaneci durante seis meses, frequentando o Curso de Alemão para Estrangeiros, oferecido pela Universidade Federal local, enquanto Frei Marcos retornava aos seus estudos, na cidade de Würzburg.

Passados os dias iniciais e seus encantos, o peso quase desanimador das inúmeras dificuldades: o anonimato, a ausência das feições amigas, o clima e o frio severo, a comida e os costumes tão diferentes, a impossibilidade de comunicação, a lentidão no aprendizado de uma língua completamente diferente, a solidão, o começar tudo quase do nada, a saudade doída de tudo e de todos. Quase sem o perceber, porém, mesmo em condições assim tão adversas, foi se firmando meu ânimo e surgiam os primeiros sinais de que, também ali, seria possível estar entre irmãos e levar adiante os propósitos que ali me colocaram: dar continuidade aos meus estudos em teologia.

Após seis meses de estudos de alemão, a conselho dos confrades de minha fraternidade, mesmo não me sentindo ainda preparado, prestei o exame de conhecimento básico em alemão, obrigatório para a admissão de estrangeiros à Universidade. Para minha surpresa, fui aprovado, respondendo assim às exigências iniciais para começar os estudos acadêmicos propriamente ditos.

 

Em Würzburg – Alemanha… 

No dia 23 de abril de 1979, deixei a cidade de Munique e fui para Würzburg, no norte do estado da Baviera, onde a Província dos Capuchinhos se dispusera a me acolher para os estudos. Ali já se encontrava, desde 1977, Frei Marcos Montagnoli. No Convento Käppele, no alto de um montanha, residiam, como hóspedes, além da Fraternidade Local, alguns outros jovens estudantes de diversas disciplinas. Tão logo aí, já aprovado no exame de língua alemã, matriculei-me na Universidade Julius Maximilians. Neste início, o interesse era ainda apenas introduzir-me no ambiente acadêmico alemão, ouvindo todo e qualquer tipo de preleção e conferência para treinar o entendimento mínimo necessário do que ouvia.

Na Fraternidade, o ambiente era bastante acolhedor e cordial. Frei Linus, o Guardião, ele mesmo um estrangeiro da Lituânia, era a própria generosidade e a solícita preocupação para conosco, no sentido de nos sentirmos bem, ali, como estudantes. A ordem do dia era aquela comum a todos os conventos locais: oração da manhã, estudos, almoço, recolhimento, trabalhos, oração da tarde, lanche vespertino, missa, estudos e recolhimento. Nesta Fraternidade, permanecemos, Frei Marcos e eu, até o dia 19 de outubro de 1979.

 

Tübingen… 

Entre junho e outubro de 1979, Frei Marcos e eu iniciamos um diálogo, avaliando nossos projetos de estudos e onde poderíamos melhor realizá-los. Éramos hóspedes da Província Capuchinha da Baviera, que nos colocara à disposição o Convento de Würzburg como habitação e onde a Universidade Federal oferecia também uma Faculdade de Teologia. Naquele momento, porém, encontravam-se em Tübingen, no sul da Alemanha, as melhores propostas teológicas, com um grande corpo docente à disposição, em ambas as Faculdades de Teologia, a Católica e a Evangélica. Ali, porém, não havia nenhum convento capuchinho. Ainda assim, parecia-nos bom tentar transferir-nos para lá. Começamos, então, as necessárias tratativas: com o Governo de nossa Província e da Província da Baviera, com nossa própria Fraternidade, com os respectivos professores em Tübingen.

Em outubro de 1979, com o parecer favorável de todos os nossos interlocutores, transferimo-nos, então, para o estado de Baden-Württenberg. Primeiramente, ficamos hospedados no Convento dos Frades Observantes, na cidade de Rottenburg am Neckar, bem próxima de Tübingen, até que ficasse liberada a acomodação na Casa Estudantil Karl Sonnenschein, de propriedade da Diocese de Rottenburg-Stuttgart, colocada à nossa disposição pela mesma Diocese. Depois de cerca de dois meses, deixamos o Convento dos Observantes e passamos a morar em Tübingen, frequentando, então, como estudantes ordinários em pós-graduação, a Faculdade de Teologia Católica da Universidade Federal Eberhard Karl.

Karl-Sonnenschein-Heim era uma casa estudantil de propriedade da Diocese Rottenburg-Stuttgart. Neste edifício de 10 andares, havia o apartamento, localizado no décimo andar, previsto para um capelão. Esta moradia foi-nos, gentilmente, cedida pela Administração Diocesana. Embora não exercêssemos ali a função oficial de uma assistência espiritual aos estudantes, celebrávamos, na capela local, todos os dias, uma missa, com a participação de alguns dos estudantes. Aí residimos, Frei Marcos e eu, até outubro de 1981.

 

Schloss Roseck… 

Em outubro de 1981, Frei Marcos e eu, depois de ouvirmos o parecer favorável de nossos respectivos professores, aceitamos o pedido das Irmãs Franciscanas de assumirmos a capelania ordinária de sua comunidade, localizada na pequena cidade distante 10 km do centro universitário de Tübingen. Nosso ofício seria a assistência espiritual ordinária daquela comunidade e a missa diária. Em contrapartida, sem outras remunerações, receberíamos habitação, alimentação e um pequeno carro à nossa disposição, para os deslocamentos diários para as atividades acadêmicas.

O Schloss Roseck (Castelo Recanto das Rosas), nossa nova moradia, de propriedade da Diocese Rottenburg-Stuttgart, era uma construção do século XV, encravado dentro do verde de um monte na periferia da aldeia de Unterjesingen. O complexo abrigava uma capela semi-pública, construída em 1924, a comunidade com cerca de 11 religiosas, uma casa de recuperação de saúde para pessoas em convalescência, um estábulo pecuário e uma imensa floresta. O recolhimento do local, a despreocupação com os afazeres de manutenção diária da própria casa, a acolhida generosa por parte das irmãs, tudo isso oferecia-nos um ambiente muito favorável para os estudos que, agora, seguiam um ritmo tranquilo e de grande proveito. Aí permanecemos até julho de 1984.

 

Lustnau… 

Em julho de 1983, Frei Marcos retornou ao Brasil. Agora só, pareceu-me melhor estar num local mais próximo de minha Faculdade e de outros colegas de estudo. Mudei-me, então, para Lustnau, vilarejo contíguo à Cidade Universitária, em Tübingen, de onde, em quinze minutos a pé, podia estar nas dependências acadêmicas de uso quase diário, tais como a biblioteca, a cantina e os edifícios de seminários e preleções. Passei assim a morar numa casa estudantil, a uma quadra da Igreja Paroquial São Pedro e do Convento das Irmãs da Misericórdia, uma comunidade de religiosas italianas, lugares em que, com frequência, eu cooperava, com a celebração da Eucaristia e o atendimento aos enfermos. Aqui residi até meu retorno ao Brasil, em 1989.

 

Peregrino… 

Durante os anos de minha permanência na Europa (1978-1989), evidentemente nem tudo era apenas estudo. Às vezes, durante as férias acadêmicas, era possível também alguma incursão por outros lugares, sobretudo quando por ali passava algum confrade vindo do Brasil. Aí, alguns desses momentos.

 

Complementação…

  • Voltando ao Brasil foi professor no ISTA – Instituto Santo Tomás de Aquino e no ISI – Instituto Santo Inácio, em Belo Horizonte de 1990 ao segundo semestre de 1998.
  • Guardião do Convento da Pompéia no triênio 1996-1998.
  • Desde abril de 1997, foi assessor da CNBB nas questões de Ecumenismo.
  • Foi eleito Ministro Provincial no VII Capítulo em outubro de 1998.
  • Reeleito Ministro Provincial no VIII Capítulo.
  • Após o Capítulo de 2004 foi designado para a Fraternidade São Francisco de Assis em Uberlândia, onde residia e era Guardião da Fraternidade.
  • Frei Prudente foi convocado pelo Governo Geral da Ordem para fazer parte da Comissão Internacional encarregada dos estudos para a reforma das Constituições.
  • Faleceu devido a um aneurisma abdominal a noite do dia 19 de junho de 2009, em Uberlândia. E foi sepultado em Campo do Meio, sua terra natal.

 

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NATAL: mistério da simplicidade… https://observatoriodaevangelizacao.com/natal-misterio-da-simplicidade/ Mon, 25 Dec 2017 12:00:37 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27136 [Leia mais...]]]>

Natal de Jesus Cristo

“As circunstâncias são de extrema simplicidade e compreensíveis apreensões: o ambiente desfavorável, a solidão, o primeiro parto, as faixas de pano, um lugar de repouso para o recém-nascido. Mas, em si, nada de muito diferente do que ocorre diuturnamente, em todos os tempos, em todos os lugares, com os incontáveis que nascem numa terra que não é sua, nunca será sua… do lado de fora de todas as casas, deserdados filhos de Eva, gemendo, chorando, num vale de lágrimas… Não poderia ser diferente com Jesus Cristo, este arauto do reino da fraternidade, da compreensão, do perdão, da delicadeza, da bondade… coisas que tanto desejamos e amamos, mas que insistimos em deixar de fora das portas de nossa vida… Se voltássemos a ser crianças, por um só instante, e víssemos, com a perspicácia de seu olhar, o que nos tornamos… sem nenhum espaço mais para o inesperado e o que poderia vir e ainda ser. Apenas isto e teríamos em nossa vida um novo Natal.”

 Frei Prudente Nery
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(1952-2009)
Aconteceu que, naqueles dias, César Augusto publicou um decreto, ordenando o recenseamento de toda a terra. Este primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam registrar-se cada um na sua cidade natal. Por ser da família e descendência de Davi, José subiu da cidade de Nazaré, na Galiléia, até a cidade de Davi, chamada Belém, na Judéia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria. Naquela região havia pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do seu rebanho. Um anjo do Senhor apareceu aos pastores, a glória do Senhor os envolveu em luz e eles ficaram com muito medo. O anjo, porém, disse aos pastores: Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura. E, de repente, juntou-se ao anjo uma multidão da corte celeste. Cantavam louvores a Deus, dizendo: Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados.” (Lc 2, 1-14)

Geograficamente, Belém (bit+ilu+lachama: casa de lachama, a deusa cananéia da fertilidade / bet+lahm: casa da carne / bet+laham: casa do pão) era apenas uma pequena vila, encravada nos montes da Judéia, a cerca de 7 km a sudoeste de Jerusalém. Um vilarejo, historicamente, desimportante em Israel, a não ser por dois fatos longinquos e memoráveis. Primeiro, ali, em suas proximidades, fora sepultada (século XVIII a.C.) Raquel, a bela pastora (Gn 29, 17) e esposa predileta do Patriarca Jacó, após dar à luz seu filho Benjamim (Gn 35, 16-19), tornando-se assim um lugar sagrado para todos os descendentes de Jacó. Segundo, oito séculos depois (em torno do ano 1000 a.C), a mando de Deus, por ali teria passado Samuel, o último dos juízes em Israel, à procura de um novo rei. Por sua frente desfilam, então, os sete primeiros filhos de Jessé, o belemita. Sobre nenhum deles recai a escolha de Deus, pois assim afirma o Senhor aos ouvidos de Samuel: Não observes apenas as aparências, nem apenas a estatura… os homens vêem o exterior, mas o Senhor vê o coração. E nenhum destes foi o escolhido (1Sam 16). Por fim, Samuel pergunta a Jessé: Acabaram-se os teus filhos? Ele respondeu: Ainda falta o mais moço, Davi, que está apascentando as ovelhas. Então mandou chamá-lo. Ao vê-lo, disse o Senhor a Samuel: Levanta-te e unge-o, pois este é ele. Daquele dia em diante, o Espírito do Senhor se apossou de Davi, o pastor, o último dos filhos de Jessé de Belém de Éfrata. Afora isso, nada mais era Belém.

Mil anos depois, na mesma e insignificante Belém (Miq 5, 1), distante de Roma, a cidade (urbs) por excelência e lugar do trono de César Augusto, longe de Atenas, Éfeso, Jerusalém, as metrópoles do saber e das riquezas, e Antioquia, onde estava o Palácio de Quirino, uma outra história, na qual Deus repete quase as mesmas palavras: Não observai as aparências. Os homens vêem o exterior, mas Deus vê o mais profundo (coração).

A paisagem não mudara muito, apesar dos séculos. Eram os mesmos montes com suas parreiras e resistentes oliveiras. As pastagens continuavam relativamente abundantes e, nelas, pequenos gados e os pastores. E, desta vez, José, um carpinteiro da Galiléia, e Maria, sua esposa. Em Belém, distante de sua casa, localizada em Nazaré, a cerca de 110km, ou quatro dias de viagem em condições ordinárias, deu-se o dia do nascimento de Jesus.

As circunstâncias são de extrema simplicidade e compreensíveis apreensões: o ambiente desfavorável, a solidão, o primeiro parto, as faixas de pano, um lugar de repouso para o recém-nascido. Mas, em si, nada de muito diferente do que ocorre diuturnamente, em todos os tempos, em todos os lugares, com os incontáveis que nascem numa terra que não é sua, nunca será sua… do lado de fora de todas as casas, deserdados filhos de Eva, gemendo, chorando, num vale de lágrimas.

Aparentemente, uma desventura fortuita, uma infelicidade circunstancial dos pais de Jesus. Ocorreu que, enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, diz Lucas. Se bem observarmos, porém, um dado permanente da história humana. É sempre assim, enigmaticamente, sempre assim: Nunca há lugar para o essencial, na hospedaria dos homens. Sempre tudo lotado a mais não conter: o tempo, o espaço, a mente, as esperas, os corações, as preces, a vida.

Roma, eternamente preocupada em produzir decretos. Quirino, ele tem que governar. Os governados, estes devem cumprir seus muitos deveres. Jerusalém, fiel a seu próprio nome (Jerushalajim: a sagrada), cuida intensamente das coisas do templo. E Belém, também nela não há mais nenhum lugar. Não, nada disso é apenas uma fatalidade casual, mas quase uma constante em nosso mundo: para aquilo que verdadeiramente é sagrado em nossa vida nunca temos lugar nas estalagens de nós mesmos.

Não poderia ser diferente com Jesus Cristo, este arauto do reino da fraternidade, da compreensão, do perdão, da delicadeza, da bondade… coisas que tanto desejamos e amamos, mas que insistimos em deixar de fora das portas de nossa vida. Tem razão Gibran Kalil Gibran, em seu triste e verdadeiro poema em prosa: Visita-nos a verdade guiada pelo sorriso de uma criança ou o beijo da amada e nós trancamos as portas de nossos sentimentos em sua face como diante de um criminoso. O coração humano apela para nós e a alma nos chama, mas permanecemos mais surdos do que o metal e insensíveis. Assim os anos passam e seguimos distraídos e os dias e as noites nos convidam, mas permanecemos indiferentes… Vivemos no pó, quando os céus nos querem e pisamos o pão da vida, enquanto choramos de fome. Amamos a vida, mas vivemos tão longe dela.

Talvez isso, apenas isso precisasse acontecer, nesta noite, como o grande milagre de nossa própria redenção. Que, com os olhos de uma criança, contemplássemos a nossa vida, sem distorções e, com sua espontaneidade e irreverência, perguntássemos, sem perturbação, e respondêssemos a nós mesmos, com a veracidade das crianças, sem mil desculpas: Para que serve esta estranha normalidade de nossa vida, em que nos ocupamos com tudo, de manhã à noite e até em nossos sonos, cheios de tudo, enquanto nossa alma, em misteriosa saudade, se sente assim tão longe do essencial.

Se voltássemos a ser crianças, por um só instante, e víssemos, com a perspicácia de seu olhar, o que nos tornamos: Não tanto adultos, mas adulterados no que de melhor éramos ou poderíamos ser. Em vez de soberanos, apenas soberbos. Em vez de pacíficos, apenas apáticos. Em vez de tolerantes, apenas indiferentes. Em vez de ricos, apenas repletos de posses. Em vez de firmes, apenas inflexíveis. Em vez de resistentes, apenas insensíveis. Em vez de fortes, apenas truculentos. Em vez de experientes, apenas rígidos e aprisionados em nossos costumes. Trancados no domínio de nossas conquistas, como Roma dentro de seu império. Reclusos em nossos afazeres, como Quirino em seus palácios de Antioquia. Impenetráveis, como Jerusalém atrás de seus muros. Como as hospedarias de Belém: sem nenhum espaço mais para o inesperado e o que poderia vir e ainda ser. Apenas isto e teríamos em nossa vida um novo Natal.

Se saíssemos, por um pouco ao menos, das fortalezas de nossa normalidade e, quais pastores na noite, olhássemos para o alto, para a vastidão do infinito que recobre o mundo como um manto de delicadeza, se contemplássemos as estrelas do céu que nunca serão nossa posse, mas que ornam de cintilante beleza o escuro da noite, se ouvíssimos, como eles, a delicada melodia de nossa solidão no universo, se admirássemos o mundo com a simplicidade de seus olhos… e, com tais olhos, observássemos, mais que as aparências, o profundo (coração) de todas as coisas, veríamos, seguramente, derramarem-se sobre o mundo e sobre os homens os sorrisos de Deus (anjo): Na pobre e insignificante Belém, no último de todos os filhos de Jessé, um grande rei (Davi) e num menino envolto em faixas e deitado numa manjedoura, o Filho de Deus. Multidões de anjos a isto se ajuntariam. E saberíamos que Deus está conosco (Immanuel)… para sempre. Pois este é o segredo de Belém: Não observes apenas as aparências… mas olha o profundo (coração) de todas as coisas.

É o que nos diz, na linguagem de sua simplicidade, esta noite. Aqui tem início o Cristianismo, que, segundo um de seus primeiros mártires, nada mais é do que o mistério da simplicidade (mysterium simplicitatis). Pois nós que já sabíamos do poder de Deus e conhecíamos a força de seus braços, agora podemos contemplar a sua imensa delicadeza e proximidade: Jesus Cristo. Diante dele a fé, maravilhada, ousa dizer: Verdadeiramente, o inefável se fez carne e habitou entre nós!

(os grifos são nossos)

Fonte:

procamig.org.br

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