Frei Henri des Roziers – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Mon, 05 Feb 2018 16:52:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Frei Henri des Roziers – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 As noites dos trabalhadores rurais escravizados. A estrela da noite de solidão https://observatoriodaevangelizacao.com/as-noites-dos-trabalhadores-rurais-escravizados-a-estrela-da-noite-de-solidao/ Mon, 05 Feb 2018 16:52:47 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27257 [Leia mais...]]]>

Evangelizar em contexto de violência contra a dignidade dos trabalhadores e trabalhadores, de volta do trabalho escravo, de assassinato de líderes sindicais e de lideranças indígenas… vale a pena ler a narrativa do profeta Frei Henri des Roziers que dedicou a sua vida a alimentar o horizonte das esperança dos pobres e vulneráveis de nossa sociedade.

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Por Frei Henri des Roziers (1930-2017), frade dominicano

 

Sentados em frente das suas casas, eles estavam sem trabalho na sua pequena cidade pobre do Piauí, e suas crianças passavam fome. Passou uma camioneta com alto-falante convidando o pessoal para trabalhar numa fazenda do estado do Pará. O “gato” do fazendeiro prometia bons salários, comida, alojamentos. Iludidos, sem alternativa, embarcaram no caminhão. Foram dois dias de viagem cansativa, no calor, na poeira, quase sem comer.
Agora, eles estão lá, junto com muitos trabalhadores migrantes, de todas as regiões do Brasil, perdidos na mata, debaixo da lona, sem receber salários, sem dinheiro, bebendo água suja do córrego onde pisa o gado, comendo carne de vaca doente, trabalhando o dia inteiro, do amanhecer ao anoitecer, no calor, derrubando árvores, roçando juquira, vigiados por homens armados.
Há três meses que sobrevivem nessa escravidão. Nesta noite, deitados, cansados nas suas redes, eles olham, mais uma vez, através dos buracos da lona, o céu estrelado. Onde está sua estrela? Pois, cada um tem uma estrela! Onde está a estrela do menino, seu companheiro de 17 anos que, sendo menos vigiado, conseguiu fugir para tentar alertar as autoridades? Saiu de noite com o dinheirinho e o “frito” que conseguiram arrumar para ele. Onde está? Será que está vivo? Conseguiu escapar dos pistoleiros que foram atrás dele no dia seguinte?
A noite se afastou, apareceu a aurora, amanheceu, o sol se levantou. Já no serviço, dentro da mata, desmatando, ouviram um ruído de motores. De repente apareceram no fundo do trilho, três camionetes 4×4, solavancando. Chegaram. Policiais federais pularam fora, armas em punho. Saíram também vários fiscais do Ministério do Trabalho, Procurador da República, Delegado da Polícia Federal. Estavam livres!
No banco traseiro da camionete, encapuzado, escondido, um rapaz, com medo. Era o menino Sebastião! Era ele que tinha alertado as autoridades e mostrado o caminho desconhecido, tão difícil para chegar até aqui!
Sebastião tinha caminhado a noite inteira na mata, no meio dos ruídos da floresta, com medo das cobras, das onças, dos jacarés, bebendo a água dos córregos, se orientando com essa estrela do Cruzeiro do Sul, como lhe tinha ensinado seus companheiros mais velhos. Seguindo sempre ela, não se perderia e cruzaria, com certeza, cedo ou tarde, uma estrada.
Não foi uma estrela que levou os Reis Magos, de noite, até a manjedoura do Menino Jesus?
O jovem Sebastião seguia também sua estrela, com confiança. Às vezes a perdia na escuridão total da mata fechada, mas a encontrava de novo logo em uma clareira, todo alegre! Andou muito, muito. Tropeçava, vacilava, caia. Ficava um pouco deitado nas folhas do chão. Olhava para o céu. Se sentia tão pequeno nessa imensidão dessas miríades de estrelas do firmamento, tão perdido nessa mata sem fim, tão frágil.
Mas, o Menino Jesus não era uma coisinha muito pequeninha, muito frágil na noite de Natal, na manjedoura?  Não é na fraqueza do ser humano, da nossa vida, que a força do Amor de  Deus se manifesta?
Sebastião comia um pouco do “frito” dos companheiros os quais esperavam tanto dele. Retomava força. Buscava sua estrela no firmamento, levantava-se e caminhava de novo.
Amanheceu… o sol apareceu. Chegou a uma estrada de chão. Para onde ir? Para a esquerda, para a direita? Esperou, esperou! Chegou um velho caminhão.  Parou, entrou na cabina perto do motorista. Andaram e depois de um bom tempo de silêncio, o motorista parou, olhou para o menino e perguntou: “Você esta fugindo de uma fazenda?” Tremendo de medo, respondeu “Sim.” Então, vai atrás na carroceria e se esconde debaixo da lona e da mercadoria, bem escondido, porque na ida, um pouco mais pra frente, tinha um grupo de homens armados que paravam e vistoriavam os veículos. Sebastião se escondeu e o caminhão partiu.
Alguns quilômetros depois, homens armados pararam o caminhão, olharam na cabina, falaram com o motorista e o deixaram ir embora.  Mais tarde, o motorista chamou Sebastião para a cabina. Andaram a tarde inteira e chegaram a noite em uma cidade, Tucumã. O motorista deixou Sebastião no Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Lá se comunicaram com a CPT que articulou com as autoridades a libertação dos 150 trabalhadores escravizados lá na mata.
Já era de noite, a estrela que tinha guiado Sebastião brilhava no céu. Era a mesma estrela que aquela, que tinha levado os Reis Magos até o presépio do Menino Jesus, aquele que veio para libertar os oprimidos e anunciar o Reino do Amor, da Justiça, da solidariedade e da Paz.

Fonte:

Fórum Político Inter-Religioso – Belo Horizonte

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Nos deixou o frade dominicano Henri des Roziers, conhecido como o “Apaixonado pela Justiça” https://observatoriodaevangelizacao.com/nos-deixou-o-frade-dominicano-henri-des-roziers-conhecido-como-o-apaixonado-pela-justica/ Tue, 28 Nov 2017 20:52:45 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=26984 [Leia mais...]]]> Frei Henri des Roziers
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Frei Henri des Roziers (1930-2017)

Faleceu no domingo, 26/11/2017, em Paris, aos 87 anos, o frade dominicano Henri des Roziers, que viveu no Brasil de 1979 a 2013. Formado em Direito, atuou como advogado da Comissão Pastoral da Terra em Goiás e no Pará.

Por defender os pequenos agricultores e os sem-terra do Pará, frei Henri foi ameaçado de morte na região de Xinguara (PA), onde residia, pelos fazendeiros locais. Na lista dos “marcados para morrer” a sua cabeça valia R$ 100 mil. A da irmã Dorothy Stang, assassinada em 2005, R$ 50 mil.

Frei Henri atuou na condenação dos assassinos dos líderes sindicais João Canuto, morto em Rio Maria (PA) em 1985, e de seu sucessor, Expedito Ribeiro de Sousa, assassinado em 1991.

Em 1994, o dominicano foi condecorado com a Legião de Honra da França, e recebeu vários prêmios nacionais e internacionais por sua atuação em prol dos direitos humanos.

Devido a graves problemas de saúde, que dificultaram sua mobilidade, frei Henri retornou a Paris em 2013.

Em 2016 a editora Du Cerf, de Paris, lançou o livro de Sabine Rousseau, ainda inédito no Brasil, “Apaixonado por justiça”, que retrata a trajetória de frei Henri des Roziers.

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A seguir, um artigo em homenagem ao frei Henri que dou sua vida juntos aos povos do Brasil.

Contemplar a árvore todo dia é o exemplo de realização e libertação total

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A região do Bico do Papagaio ficou conhecida nas décadas de 1980 e 1990 como uma das mais violentas do País. Está situada na Amazônia, onde hoje é a divisa dos estados do Pará, Tocantins e Maranhão. Era a região do trabalho escravo, dos assassinatos dos trabalhadores rurais, da grilagem de terra, do desmatamento desenfreado e da Guerrilha do Araguaia.
Tudo começou durante a ditadura militar – anos 1970. Com o trauma da guerrilha, o governo militar resolveu estimular o que acreditava ser o “desenvolvimento” da região. Levou para lá empresários do Sul e Sudeste, abrindo o cofre de três financiadores públicos – Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
Esse “desenvolvimento” estava baseado em duas atividades básicas – madeira e pecuária. Num primeiro momento o ataque aos recursos florestais era realizado pelos madeireiros. O resultado foi trágico: o esgotamento do recurso natural. A terra, sem mais utilização para madeireiros, era vendida aos fazendeiros que colocavam abaixo o restante da floresta, considerado, literalmente, um obstáculo a ser derrubado. Em seu lugar plantavam capim. Os madeireiros, por seu turno, migravam para outra área ainda não desmatada, e reiniciavam seu projeto.

Um com todos − Foi nesse cenário que um frade dominicano, vindo da França, chega à região em 1978 para travar uma luta tal qual Dom Quixote de La Mancha. Aliás, até fisicamente, ele se parece com o personagem de Cervantes. Chama-se frei Henri Burin des Roziers (1930).

Sua família é abastada e ficou conhecida por fazer parte da Resistência Francesa contra o Nazismo. Formou-se em Letras e Direito. Atuava com estudantes da Universidade Sorbonne em maio de 1968, no movimento que mudou a França. Tornou-se um dos padres operários, trabalhando como motorista de caminhão e, depois, em uma fábrica, como forma de compreender e se aproximar da realidade sofrida dos trabalhadores, sobretudo dos migrantes.

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Ao chegar ao Bico do Papagaio, deparou-se com tamanha injustiça social contra os posseiros de terra – aqueles que habitavam a região por anos, mas não possuíam documento da terra. Encontrou também migrantes que foram recrutados em outras regiões do País com falsas promessas e se tornaram escravos modernos nas fazendas da região.

Para ser mais útil, frei Henri valida seu diploma de Direito e se torna o advogado dos posseiros, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Enfrentou os poderes econômico e político e encabeçou por anos a lista dos ameaçados de morte. Viu morrer assassinados seus irmãos de CPT, padre Josimo Tavares, mártir da reforma agrária, e irmã Dorothy Stang, mártir da Amazônia.

Seu trabalho não foi em vão. O Bico do Papagaio não é mais a campeã nacional do trabalho escravo, nem de morte de trabalhadores rurais, apesar dos imensos desafios que ainda existem para garantir o direito à dignidade a todos.
Há três anos, ele visitava o Convento dos Dominicanos em sua terra natal, Paris, quando foi acometido de uma rara doença que lhe retirou a força das pernas. Não voltou mais. Está num quarto pequeno com uma janela em que contempla uma única árvore – plátano, a mais comum da cidade. Através dela, sabe a estação do ano.
Estive com ele neste ano. Fiquei emocionado com a situação. Mostrou-se sorridente e feliz como sempre. Disse que agora tem tempo para contemplar a criação. Pensei em como ele, que combateu madeireiros na Amazônia, estava feliz por ter aquela única árvore na janela. Nunca deixou de ensinar pelo exemplo. Contemplar a árvore todo o dia é o exemplo de realização e libertação total.

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Felício Pontes JR, é Procurador do Ministério Público Federal – artigo orginalmente publicado na Revista Família Cristã.

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