Exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazônia – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sat, 26 Feb 2022 13:00:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazônia – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Dom Leonardo Steiner: “Querida Amazônia nos incentiva a sermos uma Igreja que leva em consideração todas as realidades” https://observatoriodaevangelizacao.com/dom-leonardo-steiner-querida-amazonia-nos-incentiva-a-sermos-uma-igreja-que-leva-em-consideracao-todas-as-realidades/ Sat, 26 Feb 2022 13:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=43941 [Leia mais...]]]>

Querida Amazônia inspirou a vida da Igreja na região amazônica, também na Arquidiocese de Manaus. Dom Leonardo Steiner, arcebispo da circunscrição eclesiástica com mais população da região, analisa os passos dados na Arquidiocese, que está vivenciando a Assembleia Sinodal Arquidiocesana.

O arcebispo destaca a importância da escuta, o que vai ajudar a descobrir “como deveríamos ser como Igreja Católica”. A tarefa será “despertar as pessoas para novos caminhos, especialmente quanto à inculturação da fé, da espiritualidade, dos ministérios”.

Dom Leonardo insiste no “esforço de estarmos nas comunidades da periferia, nas comunidades indígenas, nas comunidades ribeirinhas”. Mas também de fazer com que essas comunidades “caminhem autonomamente, assumindo os ministérios, celebrando a presença de Jesus e do seu Reino”. É momento de sonhar, de entender que “se desenvolvimento significa destruição, estamos mal”. Sempre em vista de “uma Amazônia com menos contrastes sociais”. Leia a seguir na entrevista de Miguel Luis Modino:

♦ Depois de dois anos da Querida Amazônia, como estão sendo concretizados os sonhos do Papa Francisco na Igreja da Amazônia, particularmente na Arquidiocese de Manaus?

O Regional Norte I da Conferência Nacional dos Bispo do Brasil (CNBB), na elaboração de orientações ou Diretrizes buscou inspiração e força na Querida Amazônia. As igrejas da Pan-amazônia estão contribuindo e na expectativa de orientações que estão sendo discutidas e elaboradas pela Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA). Além de refletir a Carta de Papa Francisco, na Arquidiocese, o passo mais significativo que temos dado é a Assembleia Sinodal Arquidiocesana.

É a tentativa de envolver todas as comunidades e as expressões eclesiais no processo sinodal. A escuta realizada como processo sinodal que levou a documento final e a Carta com os quatro sonhos, iluminará nosso caminho eclesial. Papa Francisco em Querida Amazônia nos apresenta quatro sonhos que indicam a totalidade da vida que está a na Amazônia. A sinodalidade busca ouvir as realidades que os sonhos apontam. Escutar para propor a presença da Igreja mais missionária, mais misericordiosa, mais profética.

Abrir espaços sempre mais significativos para que as comunidades possam se manifestar e dizer como deveríamos ser como Igreja Católica; que ministérios são necessários, como levarmos em consideração as expressões de religiosidade, como levar em consideração as culturas. Como ir mais ao encontro dos necessitados, dos pobres. A grande diversidade da Igreja que está na Arquidiocese de Manaus exige muita escuta, para caminharmos juntos com nossas diferenças e diferentes tradições.

♦ O Sínodo para a Amazônia tinha como objetivo a busca de novos caminhos. Até que ponto a Igreja e a sociedade amazônica sentem a necessidade de avançar nesses novos caminhos?

A Igreja na Amazônia foi buscando caminhos, foi encontrando modos de navegar nessas terras, nesses rios, para anunciar a Jesus e ser expressão do reino. Se buscarmos sonhar como nos propõe Papa Francisco, necessitamos caminhar, navegar. A ameaça em relação ao meio ambiente, fica sempre mais crítica, a ameaça aos povos indígenas fica sempre mais incontrolável. A participação dos leigos é extraordinária, mas como expressar essa participação em todos os momentos da vida eclesial, sem clericalismo?

Certamente será tarefa despertar as pessoas para novos caminhos, especialmente quanto à inculturação da fé, da espiritualidade, dos ministérios. Provavelmente as comunidades indígenas, as comunidades ribeirinhas nos oferecerão elementos importantes para o caminhar de nossa igreja arquidiocesana. Levar em consideração a escuta, já presente nas Assembleias Arquidiocesanas, ajudará nessa busca.

♦ A Arquidiocese de Manaus está marcada pela realidade urbana, principalmente da periferia, mas também pelas comunidades ribeirinhas e indígenas. Quais os passos que estão sendo dados em cada uma dessas realidades a partir da reflexão do Sínodo para a Amazônia, recolhida na Querida Amazônia e no Documento Final do Sínodo?

Existe um esforço de estarmos nas comunidades da periferia, nas comunidades indígenas, nas comunidades ribeirinhas. As comunidades deveriam perceber que pertencem à Igreja, à Arquidiocese. Um elemento importante é que elas sintam que a Arquidiocese está com elas; elas são Igreja, arquidiocese, e não tenham a percepção de que foram abandonadas. Estar com elas! Ajudar e apoiar na criação e organização de novas comunidades. Elas percebam a solidariedade entre todas as comunidades.

Reconhecer que elas caminham autonomamente, assumindo os ministérios, celebrando a presença de Jesus e do seu Reino. Estar na atenção e no diálogo, na busca de expressões religiosas que possam fazer parte da liturgia, nas celebrações das comunidades, especialmente indígenas e ribeirinhas. O texto Querida Amazônia nos incentiva a sermos uma Igreja que leva em consideração todas as realidades, não apenas eclesial. Tudo deveria ser transformado pela força do Evangelho.

♦ Como arcebispo de Manaus, a maior cidade da Amazônia, quais são seus sonhos para a Amazônia e para a Igreja que caminha nesta região?

Os sonhos são muitos. É importante sonhar. Os sonhos nos motivam. Sermos mais atuantes quanto à vida das comunidades eclesiais. Na nossa realidade atentos e atuantes quanto ao meio ambiente. A Laudato Sì´ nos abriu o horizonte da compreensão: passarmos da desfrutação e destruição para o cultivo e cuidado. Ir criando uma cultura do cuidado e do cultivo. Vemos como avança a destruição do meio ambiente e tudo em nome do desenvolvimento. Se desenvolvimento significa destruição, estamos mal. Temos uma contribuição a dar cuidando do meio ambiente, das nossas culturas os povos originários, do estilo de viver que leve harmonia.

Uma Amazônia com menos contrastes sociais: possibilidades de emprego, de educação, de saúde. É missão da Igreja, faz parte da evangelização, estarmos na atenção da harmonia social, do bem cultural do cuidado da Casa Comum. Uma Igreja que esteja sempre mais presente nas periferias, nas realidades ribeirinhas e ali possa demonstrar o caminho das bem-aventuranças. Todos possam perceber que em Jesus e seu reino é possível transformar, viver a beleza da vida. Uma Igreja samaritana, onde as pastorais servem e interagem para o bem dos pobres, dos necessitados.

Nesse sentido assumirmos o espaço da antiga cadeia pública para oferecer acolhimento e solidariedade aos pobres, necessitados, será a concretização do sonho de nossa Igreja em Manaus como Igreja dos pobres. Estamos para celebrar 70 anos como Arquidiocese. Este lugar da caridade e da solidariedade será um marco e sinal do nosso desejo de vivermos e seguirmos a Jesus. Nós encerrarmos o Ano de São José em nossa Igreja que está em Manaus, estaremos sob sua proteção e cuidado, como cuidou de Jesus e Maria.

Cuidarmos do corpo chagado de Jesus será um bem para a nossa Igreja. Nossa Igreja sempre mais sinal da misericórdia, da transformação, sinal de esperança. A nossa Igreja, a Arquidiocese, tem história, tem passado! Podermos continuar o anúncio da verdade e da liberdade.

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pe. Luis Miguel Modino
Natural da Espanha, é missionário Fidei Donum na Diocese de São Miguel da Cachoeira, Amazonas. É parceiro do Observatório da Evangelização e articulista em diversos periódicos e revistas virtuais católicas.

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“'Querida Amazônia' coleta a parte medular para salvar a Amazônia”. Entrevista com Patricia Gualinga, do povo Kichwa de Sarayaku https://observatoriodaevangelizacao.com/querida-amazonia-coleta-a-parte-medular-para-salvar-a-amazonia-entrevista-com-patricia-gualinga-do-povo-kichwa-de-sarayaku/ Tue, 03 Mar 2020 11:45:58 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34248 [Leia mais...]]]> O processo sinodal transformou a Igreja católica em um dos grandes aliados dos povos indígenas da Amazônia, uma Igreja que “não se dedicou apenas a pregar, mas a escutar os povos”, diz Patricia Gualinga, do povo Kichwa de Sarayaku, da Amazônia equatoriana, auditora na assembléia sinodal e uma das componentes da comissão pós-sinodal. Ela é considerada uma das mulheres mais importantes na defesa da natureza e dos direitos dos povos em todo o mundo.

A aliança para a proteção da Amazônia e os direitos dos povos indígenas é a parte fundamental do Sínodo, é a base prioritária“.

Patrícia Gualinga

O que foi discutido ao longo do processo é o que “vem das bases”, insiste a líder indígena, embora possa haver um avanço na compreensão da espiritualidade dos povos indígenas, afirma ela. Mas é possível avançar mais e, com a ajuda do povo, “entender essa nova maneira do cristão olhar a natureza”. De fato, os sonhos de Querida Amazônia, ela os vê como um reflexo de algo que é cotidiano na vida dos povos indígenas, o que ajuda a planejar uma vida concreta.

Para Patricia Gualinga, “o papa Francisco é uma pessoa super sensível, capaz de captar esse sentimento dos povos indígenas“, por isso “fez uma exortação muito amorosa“, onde conseguiu “coletar a parte medular para salvar a Amazônia como criação e obra de Deus”, o que não agradará quem deseja explorar a Amazônia sem levar em conta os direitos da natureza.

O desafio agora é trazer de volta ao território o que foi discutido, um desafio que deve ser assumido por todos, começando pelos bispos e dioceses, que “poderia causar uma mudança em todos nós que nos consideramos cristãos”. De fato, a figura do Papa passou a ser vista pelos indígenas como alguém próximo, o grande protetor da criação, “um Papa amigo, aliado, para cuidar dos ecossistemas, para proteger povos como os indígenas“, além de sua capacidade de escuta, lucidez, respeito e humildade, o que a lembra da figura de Jesus Cristo.

Confira a entrevista:

1. O que todo o processo sinodal, vivido nos últimos dois anos, significou para os povos indígenas da Amazônia equatoriana?

O processo sinodal fez, de alguma forma, sentir que a Igreja olhou para os povos que há muito tempo pediam que fossem aliados, que os apoie e se una aos povos na luta. Isso deu um passo gigantesco com esta preparação do Sínodo, porque a Igreja não se dedicou apenas à pregação, mas também a escutar os povos. Essa tem sido a grande diferença: eles tiveram que escutar tudo o que os povos expressaram, dar essa liberdade e a possibilidade de se expressar.

É um grande salto nesse sentido que a Igreja tenha seguido esse caminho de escutar, mas acima de tudo, uma aliança para a proteção da Amazônia e os direitos dos povos indígenas. Para mim, essa é a parte fundamental do Sínodo, é a base prioritária com a qual os povos se sentem bem identificados.

Tudo aquilo que foi vivido na assembléia sinodal e durante todo o processo foi incluído no Documento Final e na exortação do Papa Francisco, Querida Amazônia. A senhora, juntamente com vários representantes dos povos indígenas, esteve presente na Assembléia Sinodal. A senhora acha que esses documentos recolheram os desejos dos povos indígenas da Amazônia?

Eles coletaram principalmente a essência primordial do que se queria. Para uma Igreja Católica que tem sido, de alguma forma, estática ao longo do tempo, é bastante forte. Estive nos sínodos territoriais, estive no sínodo de Roma e acredito que o aprendizado tenha sido mútuo, porque, embora os bispos fossem amazônicos, também foi um grande aprendizado para eles discutir um documento que vem das bases e traz o sentir das bases. Ele recolheu quase inteiramente esse sentimento, especialmente no que diz respeito à proteção da floresta amazônica.

Ouvi dizer que, para muitos, ainda falta avançar em algumas coisas, especialmente no entendimento da espiritualidade dos povos indígenas. Nessa parte, não foi possível aprofundar, porque há algumas coisas que não puderam ser bem esclarecidas. Eu acho que está tudo bem, pode se continuar avançando até que a outra sociedade entenda. Nós avançamos a tal ponto que a outra sociedade possa entender algo mais sobre os povos amazônicos, possa entender essa nova maneira de olhar do cristão para a natureza, que deveria estar implícita há muito tempo, mas que foi vislumbrada nesta era com o apoio do Papa Francisco.

O Documento Final do Sínodo inclui a parte fundamental, que é a defesa da natureza, a criminalização dos defensores, a proteção dos ecossistemas, condena muitas violações dos direitos humanos, mas condena a destruição da natureza como criação de Deus, e isso eu acho muito importante. Em Querida Amazônia, o Papa Francisco é uma pessoa super sensível, capaz de captar esse sentimento dos povos indígenas, tanto no Sínodo quanto muito antes. Ele fez uma exortação muito amorosa, que se concentra no que pessoas como eu, que não apenas provêm da parte estrutural da Igreja, mas têm acompanhado o ativismo, na defesa dos territórios, dos povos indígenas, vemos que ele avançou para recolher a parte que é essencial para salvar a Amazônia como criação e obra de Deus.

Algo forte, que muitas grandes empresas e alguns governos que vêem a Amazônia como um motivo de exploração, de um certo tipo de desenvolvimento, que não leva em conta o direito que a natureza também possui para que possamos continuar subsistindo

2. Poderíamos dizer que o papa Francisco se tornou um dos grandes aliados dessa luta dos povos indígenas? Qual é a visão que as comunidades têm da figura do papa Francisco?

O Papa Francisco é um líder mundial que tem como alvo um território que, para muitos, é distante, agreste e selvagem, como é a Amazônia. E isso é muito importante, ter o apoio e a aliança de um líder mundial, mas também o chefe de uma Igreja que na América Latina é bastante forte. Se aplicado nas missas, como está previsto no Sínodo amazônico, se puder ser baixado ao território, poderá causar uma mudança em todos aqueles que nos consideramos cristãos, em todos os que acreditam na obra de Deus. Nisso, e assim eu vejo, o Papa deu um grande salto.

Os povos indígenas, que olhavam para padres, bispos, cardeais e especialmente o Papa, como alguém muito distante, que como chefe da Igreja, de alguma forma e em algum momento, se preocupavam com os pecados e a salvação da alma, agora eles vêem no papa Francisco alguém que se preocupa humanamente com o que será das florestas amazônicas. Não apenas para salvar a alma, mas para falar e proteger a Criação. Isso é muito importante: ouvi muitas pessoas, não apenas indígenas, mas intelectuais e antropólogos, que fazem suas análises e que em algum momento foram críticos, inclusive com a Igreja Católica, por tudo o que carrega a história da Igreja, a conquista, e tudo mais, que este Papa está dando passos importantes, que seus pronunciamentos são fortes, que ele é próximo e que pode ser considerado um aliado.

Outros também criticam, dizem que talvez seja uma maneira de reconquistar novamente, parte de uma nova forma de evangelização. Poderia ser, em certo sentido, mas o que é mais vislumbrado e o que é mais fortemente visto é um Papa amigo, aliado, para cuidar dos ecossistemas, para proteger povos como os indígenas. Escutar que dentro dos contextos em que está, como a Amazônia, dentro de uma vasta realidade, você também pode encontrar a bênção de Deus, mas acima de todos os dons que Deus deixa em cada espaço.

3. O papa Francisco, durante a Assembléia Sinodal, falou pouco e escutou muito, e as pessoas dizem que ele prestou atenção especial quando os indígenas e as mulheres falaram, de quem podemos dizer, em certa medida, que são grupos que até agora não tiveram um papel muito importante na Igreja católica. Este Sínodo supõe uma abertura da Igreja para escutar os grupos que tradicionalmente ficaram em segundo plano?

O Papa falou o que tinha que falar, mas na maioria das vezes se dedicou a escutar totalmente, e essa é uma das coisas mais surpreendentes. Mas naquele silêncio, entendi que capturava tudo, não apenas as palavras, mas o sentimento de cada pessoa que falava, e isso me surpreendeu bastante. Porque isso só pode vir da iluminação, muito mais forte do que algo nascido do Papa como pessoa. Para mim, a lucidez do Papa me surpreendeu bastante, especialmente a maneira como ele estava lidando com todas as questões. Ele nos escutou, nos apoiou e, acima de tudo, fez isso em uma estrutura de respeito, mesmo pela humildade, que não era vista em nenhuma estrutura eclesial hierárquica.

Isso é muito bom, gera mudanças, perspectivas diferentes de querer uma mudança que possa realmente fazer as coisas funcionarem. Eu imagino que Jesus Cristo era assim, de alguma forma, muito simples, ele ouviu, assim como captou. Eu acho que é bom seguir o exemplo de escutar pessoas que nunca foram escutadas. E assim nos sentimos.

4. Quais são as perspectivas futuras que tudo o que foi vivido até agora abre para os povos indígenas da Amazônia?

Bem, agora temos o grande desafio de trazer de volta para o território o que está no papel, que as pessoas possam ir entendendo. Inclusive os comportamentos dentro do território amazônico, o desafio é para os bispos, as dioceses, de fazer essa grande mudança. Mas também pessoas como nós, que estão sempre conscientes dessa situação e nós estamos aí todos os dias. Esse é o maior desafio para mim, conseguimos colocar em documentos, conseguimos fazer coisas muito legais. Agora, o grande desafio, e acho que é o mais forte, trazer de volta na Amazônia, no território, fazer as coisas mudarem.

Os próximos passos, serão vistos mais adiante, de acordo com as diretrizes que estamos tomando e possam ir tomando as diferentes dioceses. Para isso, dentro da estrutura da Igreja estão os passos que os bispos devem dar, de alguma forma, com o apoio que têm do Papa. Agora, também temos pessoas muito críticas em diferentes áreas que precisam ser superadas, para não cair no seu jogo.

5. Até uma comissão pós-sinodal foi criada, da qual a senhora faz parte. O que a senhora espera dessa comissão, como ella pode ajudar na vida dos povos indígenas?

O grupo que estamos na comissão pós-sinodal não dará a solução, mas podemos ver como vamos trazer de volta para o território com certas diretrizes que serão desenvolvidas para o futuro. Isso terá que acontecer em cada paróquia, em cada lugar, e para mim é uma grande responsabilidade, porque não somos muitos os indígenas, mas somos gratos por eles terem nos levado em conta e faremos tudo ao nosso alcance para podermos, de algum modo, colocar tudo o que for necessário ou tudo o que possa ser sentido dentro dos povos indígenas.

Ainda estamos apenas surpresos com a exortação do Papa, Querida Amazônia. Agora será a hora de aguardar todas as datas da Quaresma e da Páscoa para ver quais são os passos que seguiremos na comissão pós-sinodal e como toda essa equipe vai trabalhar.

6. Querida Amazônia, está centrada em quatro sonhos, que é uma maneira que os povos indígenas têm para expressar a realidade e vislumbrar o futuro. A senhora acha que essa visão indígena influenciou o Papa Francisco de alguma maneira ao elaborar a exortação?

Os sonhos são muito importantes em nossa vida cotidiana, quando dormimos, sonhamos e planejamos o que vamos fazer durante o dia, e sabemos que perigos vamos enfrentar e as coisas que devemos fazer. Portanto, não é simplesmente um sonho de imaginação, mas um sonho de orientação. De alguma forma influenciou o Papa, ele deve ter pedido muito ao Espírito Santo para poder ver como a exortação Querida Amazônia sairia.

Deve ter sido baseado em tentar saber como funciona a cultura dos povos indígenas. Nesse sentido, acho muito bonito e muito significativo que o Papa tenha baseado sua exortação na cultura dos povos amazônicos. Não sei se ele sonhava, como nós, seria perguntar ao Papa. Porque sonhamos, se uma cobra vai nos morder, se vamos enfrentar um perigo, se tudo vai dar certo. Mas é outro tipo de sonho, o outro tipo de sonho é antecipar e sonhar o que gostaríamos que fosse, e os povos indígenas sonham e antecipam o que pode acontecer.

Imagino que os dois sejam válidos, mas que o simples fato de ele ter tomado como quatro pilares fundamentais da exortação e ter colocado quatro sonhos, isso me parece muito significativo e quer que, de alguma forma, reflitir, se assemelhar ao povos indígenas.

7. A senhora acha que tudo o que foi vivenciado durante o processo sinodal, a exortação, o documento final pode de alguma forma influenciar governos e grandes corporações, quando se trata de se relacionar com a Amazônia e os povos que a habitam?

Embora o Papa seja um líder mundial e seja visitado por muitos governos, de alguma forma, quando eles retornam aos países, tentam fazer o que consideram. Eles são superados pela ambição do que eles acreditam que o desenvolvimento e a economia do país devem ser. Será bastante forte, mas é sempre importante que o Papa os questione sobre qual será o comportamento cristão em relação à natureza e aos povos indígenas. Devemos lembrar o tempo todo, aqueles presidentes que vão à missa, que estão em grandes catedrais e que querem mostrar que está tudo bem, lembrá-los de que há uma questão eclesial, que há uma questão que vem de Roma e que ella tem sido muito trabalhada, que é o respeito à Amazônia, aos povos indígenas, à natureza e aos ecossistemas.

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manus – A.M. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador em diferentes sites e revistas.

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"'Querida Amazônia' é um chamado a cuidar dos marginalizados e descartáveis que vivem na periferia". Entrevista com o Cardeal Pedro Barreto https://observatoriodaevangelizacao.com/querida-amazonia-e-um-chamado-a-cuidar-dos-marginalizados-e-descartaveis-que-vivem-na-periferia-entrevista-com-o-cardeal-pedro-barreto/ Thu, 27 Feb 2020 12:12:25 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34208 [Leia mais...]]]> A experiência do Sínodo para a Amazônia afunda suas raízes no Concílio Vaticano II, no desejo de realizar uma Igreja que escute e discerna juntos. Quem diz isso, é um dos presidentes delegados da assembléia sinodal, o cardeal Pedro Barreto. Como vice-presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, o arcebispo de Huancayo, Peru, é um dos grandes conhecedores do processo sinodal, do qual mais de 87.000 pessoas participaram oficialmente.

O cardeal peruano disse que o Papa Francisco, “o que ele quer é nos encorajar a sonhar, sonhar com uma humanidade onde os direitos humanos sejam respeitados de maneira irrestrita, onde também sejam respeitados não apenas a vida, mas também o entorno comum, que é nosso lar”. Ele insiste na “interconexão entre o Documento Final e a Exortação Querida Amazônia, no âmbito da Laudato Si, e para nós, católicos, da Evangelii Gaudium”, um processo que, para quem o viveu de dentro, leva a ver a exortação como “um grande presente de Deus, precisamos continuar caminhando”.

Referindo-se aos povos indígenas, Barreto diz que “os últimos são os protagonistas desse processo sinodal”. De fato, tendo como referência as palavras do Papa Francisco, “a Igreja Católica do século XXI, é a Igreja sinodal”, que se torna realidade na medida em que “estamos aprendendo a caminhar juntos, a escutar uns aos outros, a nos reconhecer como pessoas, também reconhecer Deus, o Criador do Céu e da Terra, interpretar esses sinais dos tempos que o Vaticano II nos falou e agir de maneira colegiada”. Não podemos esquecer que “tudo está interligado, relacionado, que não podemos nos isolar dos outros, e não podemos isolar um aspecto da natureza de outro”, reforça o vice-presidente da REPAM.

1. Qual é a sua impressão sobre Querida Amazônia, a exortação que o Papa Francisco nos deu como mais um passo no processo sinodal?

É a reafirmação desse processo sinodal que o Papa Francisco está promovendo em fidelidade à proposta do Concílio Vaticano II, e que o próprio Vaticano II olhou na Igreja primitiva. Jesus não deixou a Igreja estruturada, deixou pessoas com limitações, mas com a convicção da busca constante da vontade de Deus em resposta a esse processo de escutar as pessoas, desse discernimento que devemos fazer juntos.

Portanto, a Exortação Apostólica Querida Amazônia não pode ser entendida sem o Documento Final, e até eu diria, como o Papa também declara em algum momento da exortação, sem o Instrumentum Laboris que todos nós tivemos durante o Sínodo, que é fruto da consulta prévia aos povos da Amazônia.

2. Até que ponto é importante para entender a exortação, o convite que o Papa Francisco faz a toda a Igreja, nos números 3 e 4, para ler o Documento Final e insistir em sua aplicação?

Para mim, é muito importante, e devemos agradecer a Deus por essa referência explícita desde o início da exortação, onde o Papa Francisco afirma que ele não acrescentará, não repetirá, o que está no Documento Final, o que ele quer é instar-nos a sonhar, a sonhar com uma humanidade onde os direitos humanos sejam respeitados de maneira irrestrita, onde também não apenas a vida, mas também o ambiente comum, que é o nosso lar. O respeito pelas culturas, que é esse diálogo intercultural, não apenas na Amazônia, mas na humanidade. Esse diálogo também é urgente, o ecológico, que é um sonho que o Papa Francisco também manifesta com muita clareza. Por fim, esse sonho eclesial, baseado no Documento Final, que foi aprovado na íntegra pela Assembléia Sinodal.

3. Quando o Papa Francisco convocou o Sínodo para a Amazônia, em 15 de outubro de 2017, ele insistiu em seu objetivo, no foco especial nos povos indígenas. Poderíamos dizer que todo o processo, especialmente a ênfase que faz na exortação pós-sinodal sobre os povos indígenas, mostra que seu principal objetivo foi cumprido?

Estou convencido de que sim. Deus inspirou o Papa Francisco nesta situação, eu diria histórica, de convocação de um sínodo para uma região, composta por nove países latino-americanos. Essa ligação surpreendeu muitos, inclusive aqueles que estavam no interior da Rede Eclesial Pan-Amazônica. Claramente, o Papa Francisco continua com a espiritualidade e visão que ele próprio ofereceu, em junho de 2015, com a encíclica Laudato Si, abordando o tema da ecologia, cuidando de nossa casa comum. Também estou muito convencido de que o Papa, por trás desse chamado do Sínodo, estava muito ciente dessa proposta de uma ecologia integral.

A pergunta que ele fez a si mesmo, suponho, e acho que isso é real, é por onde começar. A Amazônia cumpre dois aspectos fundamentais da Laudato Si, não por ser citada no número 38 do Laudato Si, mas por ser um espaço geográfico, é um bioma com grande biodiversidade, que é um dos pulmões do mundo, como é falado, juntamente com a bacia do Rio Congo e os aqüíferos em geral no mundo. Mas a Amazônia é um bioma, é um sistema interativo e vivo que não apenas beneficia quem mora lá, na Amazônia, mas também toda a humanidade.

Por outro lado, a Amazônia possui uma grande diversidade de culturas, existem mais de 390 comunidades nativas, além de cerca de 130 que são povos em isolamento voluntário, que falam mais de 240 linguas, entre eles não podem se entender, suas linguas originárias são diferentes. Há dois aspectos que o Papa Francisco tem consciência e que eles viveram, não apenas como o próprio Papa diz no número 1, que a Amazônia tem toda aquela beleza, esse esplendor da natureza, mas também tem um profundo drama histórico , que sofreram irmãos e irmãs ao longo de séculos, porque vivem, estima-se, há mais de vinte séculos nessa região amazônica.

Portanto, esse esplendor da natureza, esse drama dos povos amazônicos também é um mistério para nós, que vemos no Mistério Pascal de Jesus, com sua Paixão, Morte e Ressurreição. É isso que estamos, no fundo, vivendo e proclamando com alegria, o triunfo da vida sobre a morte, o triunfo da alegria sobre a tristeza.

4. Na exortação pós-sinodal, o Papa Francisco não faz propostas concretas. Poderíamos dizer que essa é uma expressão clara do novo tipo de Igreja, baseada na sinodalidade, que caminha e vive a comunhão que o Papa Francisco deseja estabelecer como um caminho para o futuro?

Sim, mas há um aspecto que devemos sublinhar. Como conversamos anteriormente, o Papa Francisco disse claramente que deveríamos ler o Documento Final. Esse Documento Final, aprovado pela Assembléia Sinodal, especifica e propõe alguns aspectos que oferecemos ao Santo Padre, mas que o Santo Padre acolheu plenamente. Estou convencido de que é a primeira vez na história dos sínodos que o Papa indica que este Documento Final do Sínodo são propostas de ação que ele assume e que, portanto, ele não as repetirá.

Precisamos ver esse aspecto da interconexão entre o Documento Final e a Exortação Querida Amazônia, no âmbito da Laudato Si, e para nós católicos, da Evangelii Gaudium, a Alegria do Evangelho, esse aspecto é fundamental. Por outro lado, o Papa está sendo o guia de uma Igreja sinodal, uma Igreja que escuta os irmãos a quem devemos servir pelo mandato de Jesus. A exortação, para todos nós que experimentamos esse processo, é um grande presente de Deus, temos que continuar caminhando.

Lembro-me da senhora Yésica Patiachi, indígena da região de Madre de Dios, que em Puerto Maldonado, capital da região, quando o Papa Francisco estava em 19 de janeiro de 2018, transmitiu uma saudação. Bem, ela mesma, na sala sinodal, diante de todos os bispos e do Papa, disse: Irmão Francisco, pois é assim que os povos indígenas chamam o Papa, eles não o chamam de Papa. Irmão Francisco, nós vemos você sozinho, e nos povos originários estamos com você. Os últimos são os protagonistas deste processo sinodal, o que realmente nos entusiasma. E estamos a caminho nesta longa navegação da Igreja peregrina em direção à casa do Pai, como diz o Vaticano II na Lumem Gentium.

5. Isso poderia nos levar a dizer que a nova forma de Magistério que o Papa Francisco propõe não é algo exclusivo do Papa, mas algo que deve ser criado a partir de toda a Igreja, daquela sinodalidade que ele propõe?

De fato, o Papa Francisco, em alguma outra ocasião, afirmou que a Igreja Católica do século XXI é a Igreja sinodal. Essa afirmação do Papa Francisco nos conscientiza de que ele é o princípio da unidade entre os bispos e os batizados e batizadas que compõem a Igreja, que estamos aprendendo na prática, com luzes e sombras, mas estamos aprendendo a caminhar juntos, a nos escutar mutuamente, a nos reconhecermos como pessoas, também reconhecer Deus, o Criador do Céu e da Terra, interpretar esses sinais dos tempos que o Vaticano II nos falou e agir de maneira colegiada no nível dos bispos, e este episcopado que está unido com o Santo Padre, neste caso com o Papa Francisco, para incentivar os fiéis a viverem neste processo sinodal de escuta, de discernimento, conjunto e colegial.

6. O Papa Francisco nos convida a continuar avançando, ele mostra que o processo sinodal não está encerrado com a publicação da exortação. Qual deve ser o papel, por um lado da Igreja que caminha na Amazônia, e do outro lado da sociedade, especialmente dos povos indígenas, neste novo momento pós-assembléia sinodal?

Na verdade, devemos afirmar o que ele mesmo diz na Laudato Si, essa experiência de que estamos cada vez mais conscientes de que tudo está interligado, relacionado e que não podemos nos isolar dos outros, e que não podemos isolar um aspecto da natureza do outro, tudo está conectado. Portanto, o que devemos afirmar é que o Papa está nos ensinando a caminhar, uma Igreja que caminha, uma Igreja que não olha para trás. Isto é afirmado claramente por Jesus, aquele que é chamado, mas que olha para trás, não é apto para o Reino dos Céus. Olhar para trás, neste momento, significa parar a Igreja, e a Igreja, com o poder do Espírito Santo, continua avançando.

É como ficar na beira, não na água que corre. A Igreja está em movimento, talvez devagar, mas ela escuta esses gritos daqueles que não querem caminhar juntos, daqueles que querem uma Igreja à sua medida, mas a Igreja avança, e avança com a graça de Deus. Estamos apenas começando e, neste aspecto, Francisco nos exorta a caminhar com ele, na presença de Cristo, anunciando com entusiasmo, firmeza e com um compromisso muito claro que é Jesus Cristo quem nos diz: vá por todo o mundo, vá para a Amazônia, como local de encontro com Ele e encontro com os irmãos. E da Amazônia, procurar uma ecologia integral, que foi a proposta prematura para o Sínodo.

7. De uma perspectiva universal e social, qual pode ser o papel, visando criar um mundo melhor para todos, que esse processo sinodal pode ter no futuro da humanidade?

Também estou convencido de que a proposta que o Papa João XXIII sonhou, dirigindo-se a toda a humanidade, a homens e mulheres, que estavam cientes da responsabilidade social que tinham da fé, que é promover um diálogo com todos sobre a nossa Casa Comum, como o Papa Francisco diz na Laudato Si, no número 3. Esse diálogo não é apenas um passar o tempo, tem um objetivo, encontrar juntos os caminhos que realmente nos levam a um respeito irrestrito à vida e ao entorno natural.

Paulo VI já falou da seriedade da degradação ambiental causada pela exploração indesejada da natureza. Ele disse que este é um grande problema social que preocupa toda a família. São Paulo VI é citado pelo Papa Francisco na Laudato Si, também São João Paulo II. Creio que existe toda uma corrente doutrinária e ecológica que Francisco recolhe e que, de alguma maneira, Bento XVI, em sua encíclica Caritas in Veritate, antecipa muitos conteúdos que o Papa Francisco reproduz na Laudato Si. Todos nos lembramos de que, em 1º de janeiro de 2010, o Papa Bento XVI, dirigindo-se a toda a humanidade no Dia Mundial da Paz, disse: se você quer paz, cuide da criação de Deus. Esta mensagem é muito atual a partir desta perspectiva da exortação Querida Amazônia.

8. Qual é a mensagem que Querida Amazônia nos deixa?

A Exortação Apostólica Querida Amazônia é uma implementação prática da opção preferencial pelos pobres, implícita na fé cristológica, como disse Bento XVI em Aparecida, em 13 de maio de 2007. Esse reconhecimento do outro, essa alteridade, esse saír de nós mesmos, esta Igreja em saída, como diz o Papa Francisco, é sair para aqueles que estão longe, que vivem na periferia. Foi isso que o Papa Francisco fez com a exortação. Portanto, acredito que esta opção preferencial pelos pobres é a boa nova de Jesus e da Igreja Católica hoje para o mundo, cuidando da vida, cuidando do ambiente natural, começando por aqueles que são seus favoritos, os pobres, os marginalizados. e descartáveis que vivem na periferia.

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manus – A.M. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador em diferentes sites e revistas.   

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“O Papa Francisco quer convidar toda a Igreja a se apaixonar pela Amazônia”. Entrevista com Dom David Martínez de Aguirre https://observatoriodaevangelizacao.com/o-papa-francisco-quer-convidar-toda-a-igreja-a-se-apaixonar-pela-amazonia-entrevista-com-dom-david-martinez-de-aguirre/ Thu, 20 Feb 2020 16:07:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34199 [Leia mais...]]]> Tem sido muitas as reações que Querida Amazônia tem provocado, a exortação pós-sinodal elaborada pelo Papa Francisco em conseqüência da assembléia do Sínodo para a Amazônia, realizada no Vaticano de 6 a 27 de outubro. Entre os principais atores daquela assembléia estava Dom David Martínez de Aguirre Guiné, um dos dois secretários especiais nomeados pelo Papa Francisco.

Ao receber a exortação, o bispo de Puerto Maldonado vê nela “um balão de oxigênio, um incentivo, um impulso do Papa Francisco e da Igreja universal a todo o trabalho que está sendo feito por missionários, missionárias, agentes pastorais leigos, na Amazônia “. É um “poema de amor”, que o bispo define como algo “muito bonito, muito engenhoso, muito oportuno”, que não pode ser entendido separadamente do Documento Final da assembléia sinodal, a partir do qual muitos elementos foram desenvolvidos pelo Papa Francisco na exortação, sem esquecer Laudato Si e Evangelii Gaudium, bem como o Magistério de João Paulo II e Bento XVI.

Todo o processo sinodal e a exortação ajudam os povos indígenas a “sentirem que são uma parte importante desta Igreja, que considera que eles também têm algo a contribuir para a Igreja em seu processo de conversão. O indígena passou de objeto de evangelização a sujeito”. Estamos diante de um documento há muito aguardado, que oferece “uma visão pastoral e não dogmática”, que recebeu fortes pressões, mas que quer ser um elemento que ajude a “superar contradições, diferentes visões”, dentro da Igreja, ” encontrar soluções que nos comprometam com todas as partes, que sejam mais consensuais ”.

O que pode ser decisivo, segundo Dom David Martínez de Aguirre, é “ser ousado ao procurar soluções para os desafios”, causar um “despertar do letargo, não se contentar com o que sempre foi feito”. Tudo isso será mais fácil se “a atitude fundamental é a consciência da conversão”, procurar ser amazônica, amar a Amazônia e anunciar Cristo, “uma reflexão e uma atitude muito importante que acho que temos que pensar nas igrejas e que o Papa aponta, acho que com grande sucesso, na exortação. ”

Confira a entrevista:

1. Depois de receber Querida Amazônia, qual seria sua impressão?

Gostei muito do tom poético, de que o Papa fez um poema de amor. Parece-me que é muito bonito, muito engenhoso, muito oportuno, que ele tenha demonstrado o profundo amor que tem por esta terra e seus habitantes, e ele deseje compartilhar sua amada, ele deseje compartilhar esta Amazônia e, de alguma forma, ele convide toda a Igreja a se apaixonar.

A primeira coisa que chamou minha atenção foi isso. Os textos do Papa Francisco são sempre muito fáceis de ler, são muito amigáveis, lêem-se muito bem, não são textos complicados. Fiquei surpreso que ele tenha dado esse tom de poesia, o que lhe confere uma beleza e um charme muito grande.

2. Desde o início, o Papa diz que o Documento Final deve ser lido e aplicado e que ele não será citado. Para alguém que participou da equipe de preparação do documento, a exortação inclui os fundamentos desse documento?

Sim eu creio que sim. Falando com o cardeal Czerny, comentamos que haverá 60% do Documento Final do Sínodo e 40% que o Papa está colocando. Parece-me que o fundamental do Sínodo está contemplado, também o Instrumentum Laboris, que é o clamor da Amazônia, as dificuldades pelas quais os povos passam, pois isso é algo que tem a ver com um sistema mundial, com o mundo que nós inventamos. A presença dos povos indígenas é muito clara, mas talvez o Papa tenha tido muito mais tempo para resolver as coisas e expressá-las muito melhor. Tem um olhar para os povos indígenas de reconhecimento, de afeto, mas também um olhar muito realista, descobrindo as contradições que estão presentes nesses povos.

Quanto aos desafios ecológicos que temos, tentando encontrar alternativas, o Papa também entende muito bem e expressa muito bem a reflexão dos povos em relação aos territórios e o que isso significa para suas vidas. Nos desafios culturais, o desafio que a Igreja tem de inculturar e descobrir as raízes, mas sem fazer um idealismo. Lá, o Papa pode desenvolver um pouco mais do que o que foi feito no documento do Sínodo, sem um idealismo de uma cultura que impeça a miscigenação, que sempre enriquece. O Papa desenvolve muito melhor os elementos do Documento Final.

A eclesiologia está acima de tudo, porque colocou uma centralidade em Cristo, que talvez não tenha sido capaz de se expressar tão fortemente no Documento Final. O Papa, na parte eclesiológica, já havia anunciado no Sínodo que a conversão eclesial era a mais importante. Agora, no sonho eclesial, que tem 50 números dos 111 que a exortação tem, ele se concentra muito bem em Cristo, como o grande presente que Deus Pai nos dá à humanidade, e como Cristo é quem nos ensina a ser irmãos entre nós e cuidar do meio ambiente. Portanto, de Cristo nasce todo o compromisso com o cuidado da Terra e o cuidado dos povos. Gosto muito de como toda a parte cristológica se desenvolve, que apareceu no Documento, mas não pôde ser tão bonita quanto o Papa fez nesta exortação.

3. O fato do papa Francisco insistir em ler e aplicar o Documento Final ajuda a entender que o Sínodo é um processo, que nenhuma etapa é entendida sem ser complementada pelas anteriores e pelas seguintes?

Assim é. Que o Papa nos convide a ler atentamente e levar em conta o Documento Final do Sínodo, e todo o esforço do Papa para se conectar com o Magistério de João Paulo II e Bento XVI, está dando uma mão para o passado, para o Magistério, está demonstrando a continuidade existente. Então, no próprio Magistério de Francisco, essa exortação é uma concretização da Evangelii Gaudium e Laudato Si, muito bonita. No Magistério de Francisco, há um processo, um acompanhamento, o Papa Francisco não nos oferece um trabalho já concluído, com um objetivo definido, mas o Papa Francisco continua a alimentar os processos. Ele já nos disse no Sínodo, em vez de ser pragmático, ele quer ser paradigmático, gerar processos.

Essa exortação é um processo que se envolve com o exposto, não apenas com Evangelii Gaudium e Laudato Si, mas com o Magistério de João Paulo II e Bento, e pretende lançá-lo no futuro, conectá-lo a uma Igreja que deve continuar avançando. E ele pede aos bispos que continuem pensando, ele pede aos pastores que continuem refletindo, para que as Igrejas continuem se reinventando, permaneçam ousadas e não fiquem com soluções rápidas e aparentemente fáceis, que podem até não alcançar o consenso desejado. . Ele nos convida a transcender as primeiras decisões que tomamos e tentarmos encontrar soluções que superem as contradições.

4. Mesmo falando dessa dimensão do processo, no última parágrafo, número 111, o Papa insiste em continuar, mostrando que agora são as igrejas locais que precisam continuar. Poderíamos dizer que o Papa está devolvendo a bola para a Igreja da Amazônia, o que abre novas possibilidades para o futuro, em base de como isso se concretize nas igrejas locais?

O Papa está ciente dos desafios que os bispos trouxeram para o Sínodo. Acho que o Papa está confiante, ele fala na Evangelii Gaudium, de uma descentralização saudável. Ele deu um certo destaque às igrejas locais e regionais. Nesse sentido, o Papa, após essa exortação, continuará nos exigindo, imagino que através do comitê pós-sinodal, concretizaremos as idéias que foram levantadas no Sínodo e que podem estar causando acompanhamento ou continuidade. A partir da reflexão das próprias Igrejas locais, esse plano pastoral pode ser desenvolvido e o progresso pode ser alcançado.

5. Para alguém que conhece o mundo indígena, onde foi missionário por mais de uma década, o que essa exortação e todo o processo sinodal implicam para o mundo indígena da Amazônia?

O que isso significa é uma palavra de encorajamento para muitos missionários que estão impulsionando o campo da inculturação e que tentam levar a mensagem de Cristo com categorias compreensíveis pelas novas culturas que a recebem. Nesse sentido, é como um apoio do Papa, que diz: caminhem, vocês não está sozinhos, toda a Igreja está com vocês.

Para os povos indígenas, aqueles que receberam a mensagem de Cristo, que se sentem identificados e querem participar ativamente da Igreja, é um sentimento que eles são uma parte importante desta Igreja, que considerada que eles têm algo a contribuir para a Igreja no seu processo de conversão. O indígena passa de objeto de evangelização a sujeito. Isso é muito importante, porque uma das reflexões que foram feitas no Sínodo e também no Instrumentum Laboris é como se eles se sentissem fora da evangelização, porque não chegaram a se empoderar e se sentirem parte da Igreja. Eles não sentiram a Igreja como sua, mas como uma entidade estrangeira. Este documento, você queira ou não, coloca os indígenas no centro e os faz sentir que são missionários e que fazem parte desse trabalho missionário da Igreja, não são objetos, mas sujeitos.

6. A maioria das críticas, de ambos os lados, vem de fora da Igreja da Amazônia. Pode-se dizer que a realidade da Igreja Amazônica só é entendida quando, de fato, é conhecida, quando a Amazônia é vivida e as diferentes dimensões são entendidas, principalmente de espaço e tempo?

É verdade que quem está na Amazônia é quem mais conhece, mas também a perspectiva de alguém que, à distância, ajuda a focar idéias e entender processos é sempre bom. O que acontece é que, nesse sentido, esse Sínodo para a Amazônia era visto como uma esperança e um desejo de algo muito aguardado por muitas igrejas, por um frescor. Muitos setores da Igreja viram que a Amazônia, alguns entendiam que isso poderia atrapalhar um pouco a casa, poderia atrapalhar a Igreja, na medida em que é uma visão pastoral e não dogmática. Outros esperavam que o ar fresco pudesse vir da Amazônia para resolver todos os problemas da Igreja universal.

Provavelmente nenhum dos dois estava certo. Nesse sentido, percebeu-se, entre aspas, uma pequena pressão das igrejas do mundo, para se refrescar ou para impedir que a casa ficasse bagunçada. Mas, eu não sei, acredito que o Espírito está fazendo seu trabalho, e está trabalhando no coração de uns e dos outros, dos crentes. E isso nos ajuda a entender um ao outro, a entender os diferentes pontos de vista e, como diz o Papa Francisco, a superar contradições, diferentes visões, superá-las transbordando, indo além, pensando além e encontrando soluções que nos comprometam com todas as partes, que sejam mais consensuais.

7. De sua experiência em Puerto Maldonado, primeiro como missionário, agora como bispo, o que esse processo sinodal pode significar para as igrejas locais?

Um grande fortalecimento. Mesmo antes do Sínodo, há continuidade, sinto uma grande liberdade e um forte impulso do papa Francisco do seu Magistério. Um forte impulso para ser ousado, que é a palavra que ele usa, para ser ousado ao procurar soluções para os desafios. Primeiro, enfrentar os desafios e depois assumi-los com coragem, com parrhesia e ser ousados, também coloca toda a inteligência, todos os sentidos nele. Tudo isso nos faz acordar da letargia, não nos contentar com o que sempre foi feito. Digamos, se vamos continuar fazendo as mesmas coisas, é provável que tudo continue o mesmo. Se quisermos mudar, obviamente, teremos de introduzir fatores de correção, fatores para despertar um pouco as pessoas, para nos reviver, para responder aos desafios.

Para mim, essa exortação e esse movimento do Sínodo Amazônico estão sendo um forte despertar das comunidades que corriam o risco de se unir ao extrativismo. Talvez por negligência ou por não encontrar alternativas, e eu acho que tudo isso fez as comunidades se levantarem e dizerem: continuaremos lutando por nosso povo, por nossas raízes, continuaremos lutando por nossa terra, por nosso território, porque temos alguém para nos apoiar.

8. Poderíamos dizer que até agora, durante todo o processo, as sementes foram plantadas para que os novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral se tornem realidade. Em geral, sabendo que cada realidade local é diferente, quais seriam as atitudes fundamentais para que esses frutos possam chegar?

A atitude fundamental é a consciência da conversão. Na Amazônia, falo da perspectiva da Amazônia Andina, Colômbia, Equador, Bolívia, Peru, não sei se a Venezuela também tem uma parte pequena, onde, em grande parte, a Amazônia é uma Amazônia que migrou dos Andes, de outros lugares, de outras culturas. Um processo de amazonização é importante, é a primeira coisa que devemos ter, estar cientes de que precisamos amar a Amazônia. O que o Papa Francisco diz, vamos amar a Amazônia em vez de usá-la, vamos senti-la como um lar e não como um recurso.

O segundo, um processo de comunhão, de comunicação, entre os diferentes povos da Amazônia. O Papa Francisco fez sugestões muito agradáveis, entre a cidade e o campo, para tentar quebrar essa estrutura, de que o campo pode desfrutar dos benefícios que a cidade oferece e de que a cidade é enriquecida pelo que vem do mundo rural. Porque a cidade tende a desumanizar e é lindo de ver como o mundo rural também ajuda a cidade. Eu acho que é uma bela atitude de diálogo entre diferentes culturas e diferentes grupos na Amazônia.

Também parece muito importante para mim toda a força com que o Papa Francisco mostra o anúncio de Cristo na Amazônia. Nós, como Igreja, temos que tirar nosso complexo e temos que ir ousadamente para anunciar Cristo na Amazônia. Como Igreja Católica, temos que reconhecer que muitas vezes separamos a parte social da parte espiritual. Ocorreu-nos, às vezes, que permanecemos em espiritualismos, e esquecemos da dimensão social e ecológica da evangelização. Mas também aconteceu, às vezes, de maneira inversa, que fizemos um trabalho social e de defesa da ecologia e não ousamos fazer a proposta da fonte de onde tudo isso vem, que é o próprio Cristo.

Há uma atitude importante de anunciar Cristo na Amazônia. Porque o que não pode acontecer, e temos que reconhecer como Igreja Católica o que aconteceu, que em muitos lugares onde fomos missionários católicos, nossos povos indígenas não encontraram em nós a fonte e a espiritualidade que eles também ansiavam. Eles estabeleceram um relacionamento muito bonito e muito importante com a Igreja na promoção e defesa social da terra, mas, quando quiseram viver sua espiritualidade, foram procurá-la em outros grupos, porque não a encontraram em nós, na Igreja Católica. Esta é uma reflexão e atitude muito importante que penso que devemos analisar sobre as Igrejas e que o Papa aponta, penso com grande sucesso, na exortação.

9. Se o senhor tivesse que resumir em uma frase todo o processo sinodal e a exortação “Querida Amazônia”, o que seria?

Uma bola de oxigênio, um ánimo, um impulso do Papa Francisco e da Igreja universal a todo o trabalho que missionários, missionárias, agentes leigos da pastoral estão fazendo na Amazônia. Um sopro de ar fresco em todo o trabalho pastoral que vinha ocorrendo há anos e que o incentiva e revitaliza.

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manus – A.M. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas

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