evangelização – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 07 Sep 2022 14:25:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 evangelização – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O papel evangelizador do Grito dos Excluídos na caminhada pastoral da Igreja Católica no Brasil https://observatoriodaevangelizacao.com/o-papel-evangelizador-do-grito-dos-excluidos-na-caminhada-pastoral-da-igreja-catolica-no-brasil/ Wed, 07 Sep 2022 14:25:39 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45862 [Leia mais...]]]>

[…] Dia do Grito dos Excluídos […] a intenção é evidente. É na semana da pátria, no dia da pátria, que mais sentimos o clamor do povo brasileiro, por vida, por fraternidade, por solidariedade. Um clamor que se ergue de todas as partes do Brasil. É um grito pela vida. Por isso que o lema é “A vida em primeiro Lugar”. Assim estamos recuperando a celebração do dia da pátria para a cidadania. Nós sentimos que pátria não é só território. Pátria não são só leis. Pátria não é só um plano econômico. Pátria é a convivência fraterna de todas as pessoas

(D. Demétrio, Pastoral Social. CNBB, 1995)[1].

O Brasil celebra, neste 07 de setembro de 2022, o bicentenário da sua independência. Neste momento importante para a reflexão cidadã sobre qual nação nos tornamos nos últimos 200 anos e qual nação queremos ser, a Igreja Católica no Brasil, juntamente com vários movimentos sociais de todo o país, realizam a 28ª edição dos atos do Grito dos Excluídos e das Excluídas, cujo tema é “Brasil: 200 anos de (In)dependência. Para quem?”.

O referido tema vai ser levado às ruas e praças de um Brasil que infelizmente amarga o crescimento astronômico da pobreza e da miséria, o acúmulo de mortes pela sindemia da Covid-19 e ameaças constantes à democracia incitadas pelo próprio governo federal. Segundo levantamento do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas[2], o país alcançou o recorde de 23 milhões de pessoas vivendo na pobreza em 2021, um aumento astronômico em relação aos anos anteriores. E segundo dados do Ministério da Saúde[3], 684.503 pessoas já foram vitimadas pela Covid-19 no Brasil. Não obstante, como foi constatado na Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, realizada pelo Senado Federal, grande parte dessas vidas não teriam sido ceifadas caso o governo federal não tivesse seguido pelo caminho do negacionismo científico, da corrupção e do ataque político das instituições da República.

O Grito dos Excluídos como contraponto ao Grito do Ipiranga

O Grito dos Excluídos desse ano coloca em evidência, novamente, uma discussão sempre atual no Brasil, qual seja, os sentidos da nossa independência enquanto povo e nação. Trata-se, antes de qualquer coisa, da crítica sócio-histórica à forma pela qual se deu o processo de independência do país e as suas consequências sociopolíticas para os séculos seguintes. Como destaca o historiador José Murilo de Carvalho (2012)[4], o referido processo de independência foi feito de cima para baixo, sem a participação popular e sem uma ruptura com o paradigma socioeconômico do período colonial. Paradigma este, estruturado pelas realidades da escravidão negra, do alto índice de analfabetismo, da restrição de direitos civis e políticos à maior parte da população e da ausência de uma identidade cívico-nacional.

A pintura “Grito do Ipiranga” de Pedro Américo, há muito é usada como exemplo para o argumento da crítica ao processo de independência no Brasil. Na tela, a figura do carreiro, um homem preto, pobre e descalço, sempre é apontada como a imagem do povo que assiste passivamente a proclamação da independência pelo príncipe herdeiro do trono de Portugal.

Pintura “Independência ou morte” de Pedro AméricoFONTE: Wikipedia.

Em contrapartida ao patriotismo alienante promovido pela ditadura militar (1964-1985), que reproduzia de forma acrítica, em suas propagandas, o grito “Independência ou Morte”, nasceu o Grito dos Excluídos, cujo lema sempre foi “Vida em Primeiro Lugar”. Trata-se de uma importante evolução da consciência cidadã do povo brasileiro e da concepção libertadora de evangelização da Igreja, outrora amarradas pelo julgo da herança imperial da subcidadania e do salvacionismo da alma às custas do sacrifício do corpo.

O Grito dos Excluídos foi idealizado em 1994, no âmbito da 2° Semana Social Brasileira da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cujo tema era “Brasil, alternativas e protagonistas”. Sua primeira edição ocorreu no dia 07 de setembro de 1995 em 170 localidades no país. Cabe ressaltar que naquele mesmo ano a Campanha da Fraternidade teve como tema “A Fraternidade e os Excluídos”. No ano seguinte, o Grito dos Excluídos foi aprovado pela Assembleia Geral da CNBB como parte do Projeto Rumo ao Novo Milênio – doc.  56nº129) e foi realizado em mais de 300 cidades brasileiras. Desde então o Grito dos Excluídos se tornou um processo coletivo de reflexões e de manifestações que visam a superação do patriotismo passivo pela cidadania ativa e participativa, bem como a construção de uma sociedade brasileira justa e fraterna (GRITO DOS EXCLUÍDOS, 2019)[5].

Destarte, o Grito dos Excluídos é um dos pontos altos da ação evangelizadora e pastoral da Igreja no Brasil desde o pós-constituição de 1988. Há 28 anos a Igreja sai às ruas com os excluídos, preferidos de Jesus, para denunciar modelos e concepções de independência calcados na exploração e propor a experiência coletiva do reino de Deus dentro da história, a partir das realidades sociopolíticas e econômicas próprias de cada ano e de cada região do país.

Várias foram as pautas do Grito dos Excluídos ao longo das últimas três décadas, tais como o trabalho digno, o direito à terra, saúde e educação de qualidade, a implementação de políticas públicas para a promoção da dignidade da pessoa humana, a expansão da cidadania e a defesa da democracia. E vários foram os novos atores sociais que abraçaram o Grito dos Excluídos, como movimentos sociais e sindicais de diversas áreas, tornando-o mais do que um ato circunscrito às pastorais da Igreja Católica, mas sobretudo uma manifestação cidadã do povo brasileiro, guiada por valores cristãos.

Nesse ano, novamente as marchas e atos ecumênicos do Grito dos Excluídos vão acontecer em todos os estados brasileiros. É um ano especial, haja vista o bicentenário da independência e ano eleitoral, oportunidade para o povo brasileiro discernir de forma prospectiva e esperançada sobre qual horizonte o país precisa seguir para sair da atual crise humanitária e democrática em que se encontra.

Do ponto de vista da evangelização, o Grito dos Excluídos é um antídoto ao dualismo espiritualista, tantas vezes combatido pela Tradição cristã por ofuscar a compreensão da encarnação e da aliança, realidades basilares da fé. O Deus comunicado por Jesus Cristo se manifesta no clamor dos pequeninos, na libertação das escravidões mundanas que são sempre ultrages à dignidade da pessoa como um todo (corpo, alma e espírito), já que não há mal social que não oculte também a ação providente do Pai e seu projeto de salvação.

[1] In: https://www.youtube.com/watch?v=6xAayuk2gPM Acesso: 06/09/2022.

[2] In: https://www.cnnbrasil.com.br/business/brasil-registrou-recorde-de-23-milhoes-vivendo-na-pobreza-em-2021-aponta-fgv/#:~:text=A%20propor%C3%A7%C3%A3o%20de%20pobres%20subiu,s%C3%A9rie%20hist%C3%B3rica%20iniciada%20em%202016. Acesso: 06/09/2022.

[3] In: https://infoms.saude.gov.br/extensions/covid-19_html/covid-19_html.html Acesso: 06/09/2022.

[4] CARVALHO, José Murilo, Cidadania no Brasil, o Longo Caminho. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2012.

[5] In: https://www.gritodosexcluidos.com/historia Acesso: 06/09/2022.

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Glaucon Durães da Silva Santos
É católico leigo da paróquia Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida, Santa Luzia/MG, doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas, professor de Sociologia, membro da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais e colaborador voluntário do Observatório da Evangelização da PUC Minas. Desenvolve pesquisa nas áreas da Sociologia da Religião e da Sociologia PolíticaAtualmente é representante da Mitra Arquidiocesana de Belo Horizonte (Santuário Arquidiocesano de Santa Luzia) no Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Santa Luzia.

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Entrevista: Juventude, educação e espiritualidade na pós-modernidade https://observatoriodaevangelizacao.com/entrevista-juventude-educacao-e-espiritualidade-na-pos-modernidade/ Mon, 11 Jul 2022 12:18:33 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45398 [Leia mais...]]]>

Entrevista realizada por René Dentz, professor da PUC-Minas e membro do Observatório da Evangelização (OE), ao professor Antonio Manzatto (PUC-SP).

Professor Antonio Manzatto é Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica) e Professor na Faculdade de Teologia da PUC-SP. Foi pioneiro nas pesquisas   da interface entre teologia e literatura no Brasil. É líder do Grupo de Pesquisa CAPES “Lerte”, na PUC-SP.

Nessa entrevista, prof. Manzatto analisa o comportamento da juventude na pós-modernidade a partir de suas características “líquidas” e faz uma reflexão importante sobre os caminhos da educação e da igreja em relação aos jovens.  

OE: Regina Novaes (2018), ao compreender as mudanças que impactam a relação entre jovens e religiosidade, nos mostra que a juventude contemporânea vive um tempo em que as religiões não são mais as principais fontes distribuidoras de sentido e imagens estáveis da vida entregues de geração a geração pelas autoridades religiosas, reconhecidas como tal. Ao mesmo tempo, hoje não há como falar de juventude sem falar de incertezas. Esse é o sentimento comum que atravessa toda uma geração. Da subjetividade dos jovens de hoje – com diferentes matizes e intensidades de acordo com suas condições de vida – fazem parte vários medos. A partir desses novos cenários, quais são as principais buscas, desejos, consumo, sonhos, que caracterizam os diversos rostos da juventude hoje? 

AM: Creio que a juventude de todos os tempos é, sempre, idealista. Sua característica principal é o sonho – transformado ou não em projeto concreto – que impulsiona sua vida e seu eu rumo ao futuro. Em tempos que são os nossos – de crítica à modernidade e à pós-modernidade – duas características principais se destacam, e talvez não apenas na juventude: a expectativa de que “alguém” realize o que se quer e a busca por entretenimento. A mudança de paradigma social – com a implementação do “curtir a vida”, faz com que a juventude se ligue mais com o momentâneo, mesmo que efêmero, em vez daquilo que é mais permanente ou definitivo, e daí a perspectiva do “aproveitar a vida” que se realiza, de maneira mais radical, nas drogas, por exemplo, ou de maneira mais suave nas redes sociais; também explica a violência, explícita ou não, contra aqueles que não pensam da mesma forma, e a formação de tribos as mais diversas, que caracterizam seus participantes. Por outro lado, a realização imediata de sonhos e desejos depende de “alguém que faça”, visto que são, em muitos casos, de impossível realização, ao menos a curto prazo. Daí a expectativa de “milagres e messias”, que infantilizam e vão na contramão do que é característico da juventude: o engajamento pela construção do futuro. Daí os cenários religiosos que temos atualmente, conjugados a uma desmobilização social bastante grande da juventude.

OE: A adolescência é complexa porque porta também uma ideia de limbo, quase como uma ideia de não-ser, mas tem que assumir sua liberdade. Ser e não-ser estão caminhando juntos, paradoxalmente. Há uma determinação e uma indeterminação do sujeito. O jovem não tem ainda uma identidade, busca incessantemente uma (comumente em grupos, ideias, pessoas). Como o adolescente de hoje vivencia sua liberdade no âmbito da cultura? Como podemos pensar a relação entre cultura (em especial a música), espiritualidade e juventude?

AM: Conhecemos um processo de infantilização em nossa sociedade. Sempre se espera que “alguém” faça as coisas, solucione os problemas e realize a vida desejada. Uma das características da adolescência é o não-conformismo, espécie de rebeldia, que aponta para uma insatisfação constante. A mesma sociedade é, por outro lado, narcisista ao extremo, o que repercute na necessidade de o adolescente ser como o centro das atenções. Nesse sentido, as redes sociais são importantes meios de afirmação porque, ali, há a possibilidade de realização da aparência e uma espécie de supervalorização do subjetivismo, em constantes fotos, vídeos ou ditos que querem chamar a atenção. Nesse fervilhar da sociedade é que flutuam as manifestações culturais. As referências mais tradicionais desaparecem, como as do mundo sertanejo, por exemplo, em vista de novas estéticas ou afirmação de valores. Na música, por exemplo, o “sertanejo raiz” dá lugar ao “universitário” ou à “sofrência”, o que caracteriza, exatamente, a mudança de padrões tradicionais. Se isso enfatiza a liberdade da juventude diante de comportamentos antigos, por outro lado, como expressão da sociedade que são, expressam aquilo que é visto como valor e objetivo a ser perseguido.

OE: A igreja tem conseguido apresentar aos jovens uma experiência cristã libertadora? Por que tantos jovens têm sido atraídos pelas propostas de grupos neoconservadores? 

AM: As pregações e comportamentos religiosos mais recentes apontam para a valorização dos milagres e do extraordinário como afirmação de poder. O que se cultua, ao menos em certos ambientes religiosos, é a ideia de que “alguém” vai resolver os problemas, seja Deus, o santo ou o ministro religioso; curiosamente em tempos de subjetividade, se demite aqui o papel do sujeito para que a responsabilidade da construção da vida dependa de outra pessoa, força ou realidade. Com isso se tem certa infantilização da sociedade como um todo, e a juventude dela faz parte. Entende-se, portanto, porque a mesma juventude é atraída pelos movimentos neoconservadores que, pela própria natureza, são incapazes de proporcionar uma experiência libertadora. Na busca, então, de liberdade, procuram-se líderes “carismáticos” e diferentes do tradicional que conduzirão a nova forma de dependência, estabelecendo verdadeiro círculo que denuncia como o atual sistema social é capaz de colocar a religião a seu serviço.

OE: Como a Igreja se posiciona hoje em relação aos impactos da desigualdade social na vida dos jovens? Quais são as respostas pastorais em curso? 

AM: As questões relacionadas à sociedade quase que desapareceram do cenário eclesial, reduzidas às atividades das chamadas “pastorais sociais”. Apenas mais recentemente, por conta do magistério do Papa Francisco, é que algumas questões retornaram às preocupações pastorais, como o compromisso em favor da vida e do meio ambiente. A questão da desigualdade social tem permanecido no âmbito das atividades de assistência ou situações de emergência, não alcançando realidades mais estruturais. A juventude, nesse sentido, tem permanecido, enquanto atividades pastorais, mais ligadas a questões de espiritualidade e organização eclesiástica que propriamente atividades de transformação social. Enquanto ligadas aos movimentos eclesiais, as iniciativas pastorais que contemplam a juventude não alcançam a dimensão sociopolítica por exemplo, permitindo que esse espaço seja ocupado pelos setores mais conservadores da Igreja e da sociedade.

OE: Hoje muito se fala sobre a inserção de mulheres em espaços de decisão da Igreja, o que tem sido um desafio enfrentado, não sem grandes resistências, por parte da hierarquia, com vários acenos positivos do Papa Francisco. No entanto, não se fala dessa mesma inserção do ponto de vista da juventude. Na verdade, os jovens que aparentemente estão mais próximos da hierarquia são aqueles em formação para o sacerdócio e, justamente estes, encontram-se na muitas vezes em condições ainda mais rígidas de vigilância, dependência e submissão. A ausência efetiva de jovens dentro de espaços privilegiados de decisão da Igreja não seria um impedimento para que suas questões fossem de fato contempladas nas reflexões eclesiais? Que espaços têm sido criados e que movimentos têm sido feitos para a manifestação e escuta ativa da juventude junto à uma hierarquia cuja alta cúpula é formada, majoritariamente, por idosos?

AM: Essa talvez seja uma realidade, e a Igreja encontra dificuldades para, no espírito da Christus Vivit, entender que o jovem é sujeito evangelizador da juventude. Mas creio que a questão não é exatamente de idade, em uma espécie de conflito de gerações, mas sim de perspectiva eclesiológica. Uma Igreja que é de todos, tendo todos como sujeito, comporta um lugar para a juventude; a Igreja que é apenas hierárquica, não tem lugar para quem não se submeta, simplesmente, ao poder estabelecido. A distância entre a Igreja e a juventude não é apenas de escuta ou de linguagem, é de modelo, no sentido de se ter como referência fundamental o Evangelho de Jesus e não situações específicas de comportamento religioso. 

OE: Frequentemente as instituições de ensino católicas se veem desafiadas por uma aparente contradição entre o pluralismo cultural e religioso da sociedade contemporânea e a consolidação de sua identidade confessional. Além disso, vemos também a tenção existente entre se manter viva e relevante no mercado educacional sem perder-se em estruturas elitistas que favorecem a desigualdade ao invés de minimizá-la. Nesse aspecto, as escolas e universidades católicas tem ainda um papel a cumprir junto à juventude no que diz respeito à transmissão de valores realmente evangélicos? E como favorecer aos jovens estudantes desses espaços uma experiência cristã madura que garanta não somente a excelência acadêmica, mas também uma formação humanista característica do cristianismo? 

AM: Creio que uma escola católica, sobretudo a universidade, é em primeiro lugar escola, e por isso precisa ter a qualidade acadêmica como distintivo fundamental. No caso específico da universidade, o que a caracteriza, em primeiro lugar, é sua necessidade de excelência acadêmica. Essa não é exclusivamente técnica, mas também humana, confessional e, por isso, aberta à realidade dos que mais sofrem. Quando se perdem de vista tais realidades, pensa-se que a universidade é apenas para formar para uma profissão rentável e que o fato de ser católica significa que é uma subsidiária da sacristia. Na verdade, os valores evangélicos são o fundamento para aquilo que chamamos de valores humanos, e é exatamente essa perspectiva de um humanismo renovado, para o qual o Papa Francisco convoca a todos, que deve presidir as preocupações de uma universidade católica.

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Iza e João Gomes: o que cantam as juventudes sobre a própria fé https://observatoriodaevangelizacao.com/iza-e-joao-gomes-o-que-cantam-as-juventudes-sobre-a-propria-fe/ https://observatoriodaevangelizacao.com/iza-e-joao-gomes-o-que-cantam-as-juventudes-sobre-a-propria-fe/#comments Thu, 30 Jun 2022 12:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45288 [Leia mais...]]]> Se você não sabe quem são as duas celebridades citadas no título deste texto, certamente está classificado entre os membros que antecedem a chamada geração Z. Isso porque, entre os mais jovens, os dois artistas mencionados circulam nas esferas dos grandes destaques. 

Isabela Cristina Correia de Lima Lima (sim, com dois Limas!), a Iza, é uma jovem negra, publicitária carioca, ex-bolsista da PUC Rio pelo ENEM, que iniciou sua carreia de cantora aos 14 anos cantando em paróquias e pequenos eventos ao longo da adolescência. Filha de uma professora de música e artes e de um militar naval, em 2015, aos 25 anos, lançou um canal no YouTube interpretando canções famosas e logo chamou a atenção de uma grande gravadora. A partir daí, bastaram três anos para o lançamento do primeiro álbum, “Dona de Mim”, que despontou nas paradas já com uma indicação de Melhor álbum Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa pelo Grammy Latino. No mesmo ano de 2018, Iza foi a cantora mais tocada nas rádios brasileiras dentro do segmento pop, com o hit “Pesadão”. A sonoridade da artista circula entre os elementos do pop, funk, hip hop, dance e soul, no que se convencionou chamar mais especificamente de R&B contemporâneo.

João Gomes é de sucesso ainda mais recente. A voz grave do rapaz de apenas 19 anos tornou-se conhecida do público somente no ano passado (2021), mas já alçou o filho da pequena cidade pernambucana de Serrita ao pódio de cantor mais ouvido daquele ano, especialmente através do hit “Meu Pedaço de Pecado”. Embora os segmentos de Iza e João Gomes sejam diametralmente opostos – o rapaz é representante do chamado piseiro e do forró de vaquejada – suas histórias são semelhantes: João começou seu caminho pela música cantando no coral da igreja, foi estudante do Instituto Federal de Pernambuco e deve parte de sua fama ao impacto da internet. Seu sucesso de lançamento ocorreu especialmente através da plataforma TikTok, fenômeno que tem alterado os cenários da produção fonográfica no Brasil e no mundo.

Representantes de dois grupos distintos, o da periferia urbana do Sudeste e o dos interiores rurais do Nordeste, Iza e João Gomes simbolizam os polos que costumamos identificar (sem fugir de generalizações) entre perfis da população brasileira: por um lado uma juventude marcada pelas questões raciais e identitárias, por outro uma estrutura ainda bastante tradicional de significação da família, dos costumes e valores. Mas eis que o soul e o piseiro se entrecruzam e nossas categorias de análise parecem convidadas a aprofundar discussões: neste ano, ambos os artistas lançaram músicas que abordam a temática religiosa e as distinções aqui deixam de ter contornos tão definidos.

Fé x terra prometida: duas faces de um mesmo disco

No último dia 9 de maio, a BBC Brasil lançou uma matéria em que analisa os dados das primeiras pesquisas do ciclo eleitoral de 2022 do Instituto Datafolha. As pesquisas não revelam necessariamente um dado novo, mas o aprofundamento de uma realidade: cresce cada vez mais entre os jovens aqueles que se identificam como “sem religião”. Na verdade, os dados dão conta que dentro do eixo Rio-São Paulo os jovens que declaram não ter nenhuma pertença religiosa já são maioria ante evangélicos e católicos (estes, entre os jovens, já em menor número que os primeiros).

A não religiosidade destes jovens, porém, não necessariamente resulta em uma ausência de cultivo da espiritualidade. Antes, apesar de não se identificarem com nenhum espaço religioso institucional, cultivam ainda aspetos da fé cristã como a crença em Deus, Jesus, Maria ou os santos, mantêm práticas rituais específicas ou selecionam e sincretizam doutrinas, constituindo um modo muito pessoal de experiência do transcendente. Nas redes sociais, por exemplo, popularizou-se a expressão “jovem místico”, como designação de uma parcela da juventude que, embora não religiosa, pode ser considerada espiritualizada.

Os recentes lançamentos dos jovens cantores citados anteriormente, por exemplo, ilustram o espaço que a fé ainda ocupa na vida da juventude brasileira. O último álbum de João Gomes, lançado há pouco mais de um mês, tem como terceira faixa a canção “Terra Prometida”, que traz versículos de salmos, declarações explícitas da fé cristã do cantor e se aproxima do tradicional gospel, embora em ritmo de forró. Já Iza, em cerca de uma semana, ultrapassava 3 milhões de visualizações em seu último clipe lançado no YouTube intitulado “”. Distintos no gênero e na linguagem, ambas as canções apresentam, no entanto, concepções de fundo que podem orientar algumas percepções pastorais sobre as realidades que os jovens têm vivido à luz da fé e também sobre as lacunas de sua formação religiosa.  

A figura da mãe e a força da esperança

O primeiro elemento claro de similaridade entre as letras é a presença da figura materna. A mãe, em ambas as realidades, é a verdadeira provedora, não somente do sustento físico, como destaca Iza (“a minha coroa me criou sozinha/levantando sempre no raiar do dia”, diz a letra), mas especialmente no apoio emocional/espiritual. A mãe é a educadora da fé, o símbolo da religiosidade comprometida que opera como um farol moral para os filhos. 

Tem-se aí um ponto fulcral do trabalho com as juventudes contemporâneas: o reconhecimento das diferentes configurações familiares nas quais estes sujeitos se desenvolvem, acolhendo toda sua complexidade, potências e fragilidades reais. Ora, não é um dado novo em nenhuma pesquisa demográfica que grande parte dos jovens brasileiros, especialmente os da periferia, não crescem em famílias que certos grupos cristãos reconheceriam como modelo. Alguns programas sociais do governo, inclusive, têm como primeira beneficiária a matriarca, pois geralmente é esta que assume a criação dos filhos, netos e demais crianças do círculo familiar ou comunitário. No entanto, nossas referências iconográficas, e de modo especial nossas pregações, continuam tratando de um modelo de família excessivamente idealizado, que muitas vezes demoniza os modelos familiares reais atribuindo-lhes, de antemão, a noção de fracasso.

As idealizações, aliás, frequentemente são uma tranca às portas de acesso dos jovens à uma experiência de fé madura e sadia. Elas impedem um dos processos básicos de assimilação da Boa Nova que é o de identificação e rompem com um movimento típico da adolescência que é a individuação e o reconhecimento de si diante do todo. As pautas identitárias parecem ser o grande tema das juventudes urbanas e, um espaço religioso que não permita ou reconheça plurais identidades e pertenças, será incapaz de corresponder às angústias existenciais mais primárias das juventudes. Diferentemente de outras épocas, em que os projetos de vida correspondiam a um horizonte razoavelmente comum à maioria da sociedade (ter um trabalho sólido, casar, constituir família, etc.), os jovens contemporâneos encontram diante de si uma série de novos questionamentos e possibilidades que não se encaixam mais nos caminhos tradicionais que povoam os discursos vocacionais cristãos. As canções de Iza e João dialogam com uma juventude prenhe de sonhos e esperanças em um mundo de inúmeras fragmentações e desafios, onde pairam muito mais dúvidas do que certezas e que, por isso mesmo, não reconhece mais a legitimidade de instituições que apresentem respostas prontas e ideais que não encontram na realidade sua correspondência.

 Na introdução da música de João Gomes ouve-se a voz da mãe que abençoa e motiva. A mãe é imagem de uma autoridade amorosa, próxima, horizontal. É a mulher que concilia perfeitamente a bravura da luta com a doçura do cuidado. Na verdade, é essa a alegoria que o Papa Francisco usa em um dos pontos mais emblemáticos da sua Evangelii Gaudium, onde defende uma Igreja “acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas” (EG 49). A conclusão do primeiro capítulo de sua exortação apostólica sobre o anúncio do evangelho tem por título justamente a expressão “uma mãe de coração aberto” (EG 46). Não seria essa, precisamente, a imagem da Igreja que os jovens (e todos nós) gostaríamos de contemplar?    

Individualismo e meritocracia: a teologia da retribuição como base do discurso religioso contemporâneo

A imagem de comunhão e acolhida expressa pela figura materna, no entanto, em ambas as canções encontra seu oposto radical. O individualismo meritocrático que encharca as relações sociais contemporâneas e baliza os ideais de autorrealização parece coexistir pacificamente com a dimensão da fé. Na verdade, é justamente no discurso religioso que essa contradição tem se acomodado de modo mais furtivo, sob uma lógica que comumente passa despercebida e soa, inclusive, como testemunho de fidelidade.  

“Foram tantas ciladas que eu sobrevivi/Tantas batalhas que eu prevaleci/Mano, eu venci, hoje estou aqui”. Os versos cantados por João Gomes exaltam a vitória do crente, fruto de sua fidelidade à promessa de Deus. A semelhança com a letra de Iza é notável. Já na primeira estrofe ela afirma: “Hoje eu só vim agradecer por tudo que Deus me fez/Quem me conhece sabe o que vivi e o que passei/O tanto que ralei pra chegar até aqui/E cheguei.”

 A noção de retribuição não é estranha à Bíblia, especialmente no Antigo Testamento. Trata-se de uma linguagem comum, típica do livro do Deuteronômio, que pretende garantir que Israel seja fiel à aliança firmada entre Adonai e seu povo. Mas o texto bíblico não se limita a esse tipo de interpretação. Aliás, mesmo dentro do Antigo Testamento, a ideia de retribuição não ocorre num contexto de individualismo, pois a fidelidade recompensada é sempre da comunidade, do povo, que elege o caminho do Senhor, nunca do “eu” isolado de sua condição social e fraterna.

 De fato, toda a teologia cristã parece superar a lógica de retribuição ao partir de uma concepção muito mais ampla da gratuidade de Deus para com todos e da consequente liberalidade com que seus filhos e filhas devem agora tratar uns aos outros. Jesus, a propósito, inverte a lógica do mérito em diversas de suas pregações, razão pela qual muitas vezes conquistou a antipatia do público que o ouvia. Basta aqui, como exemplos, citar as parábolas dos trabalhadores da última hora e a emblemática passagem do filho pródigo, duas narrativas em que o descontentamento do senso comum diante de uma aparente injustiça do pai/patrão é explicitado através de personagens descritos pelo próprio Cristo.

     Mas o discurso neoliberal da meritocracia, ainda assim, parece colar muito facilmente com a visão de um Deus que trabalha na lógica da retribuição. Nesse sentido, nossos processos de evangelização não somente têm sido incapazes de favorecer uma saudável contracultura comunitária e de hermenêutica fraterna da fé, como frequentemente reforçam a noção de uma fé personalista e absolutamente individual, do relacionamento intimista com Deus, desvinculado dos demais. O crescimento dos discursos armamentistas e do moralismo cristão na política, por exemplo, demonstram como grupos pretensamente religiosos facilmente dissociam a narrativa evangélica de princípios de vivência comum, fechando-se em núcleos isolados, de “perfeitos”, onde o outro oferece antes um risco de “contaminação moral”, do que uma possibilidade de encontro com Deus. O individualismo religioso, no entanto, não atinge apenas aqueles grupos que claramente partem de uma perspectiva liberal. A experiência nos mostra o fechamento autorreferencial, por ser expressão basilar de nosso tempo e cultura, atinge também aqueles movimentos que historicamente se construíram a partir de lutas e pautas coletivas, mas que hoje encerram-se em discursos, visões e projetos de uma Igreja e de um mundo que não existem mais. Por isso, envelhecem distantes da juventude que não compreendem e para a qual não se fazem compreender, ciosos de estruturas e teologias que pouco ou nada dizem aos novíssimos filhos e filhas de Deus.

Compreende-se, por isso, que a fé seja lida como instrumento, mesmo que indireto, da possibilidade de ascensão social em um país com desigualdades tão profundas e estruturais como o Brasil. De fato, sair da periferia e atingir sucesso profissional e financeiro soa a muitos como um verdadeiro milagre. Assim, não seria justamente papel das igrejas fomentar uma leitura do Evangelho que questionasse a injustiça e favorecesse aos jovens uma visão crítica da realidade socioeconômica em que estão inseridos? Nossas comunidades de fé deveriam ser espaços de discernimento e empoderamento dos projetos de vida de nossos jovens, oferecendo-lhes horizontes concretos de dignidade, auxiliando-os a pensar, a partir da fé em Cristo, novos modos de ser e agir no mundo, distantes do egoísmo acumulativo e predatório em que vivemos. Também estes sonhos, é verdade, muitas vezes são de cunho bastante individualista e necessitariam de comunidades eclesiais sólidas e formativas para que desabrochassem não apenas como realização do eu, mas do nós, em vista de uma sociedade mais justa. No entanto, grande parte das lideranças cristãs não faz senão reproduzir, em suas práticas e falas, as idealizações vazias de um capitalismo que gesta em cada um de nós, desde muito cedo, ilusões de sucesso individual e solitário.

A pretensa relação de causalidade entre a fé em Deus e as vitórias pessoais de Iza e João Gomes não alimenta a autêntica esperança cristã. Ao contrário, explicita como alguns discursos religiosos hegemônicos são verdadeiros castelos de areia, facilmente derrubados pelas ondas da realidade atroz que nos alcança. Afinal, não é preciso muito para perceber que para cada Isabela e João que despontam, outros milhares se manterão na pobreza, no subemprego, na baixa escolarização e no insucesso. Não porque lhes falte fé ou a benevolência de Deus, mas porque a força transformadora do Evangelho de fato não encontra espaço para sua ação salvífica em um mundo de lógica narcísica e autorreferencial.

Ouvir a canção dos jovens

O fato de que identifiquemos limites teológicos nas letras dos já citados artistas não invalida suas manifestações de fé e piedade. Aliás, é justamente a autorreferencialidade que tantas vezes nos impede, enquanto Igreja, de ouvir na voz dos jovens seus próprios anseios, suas questões existenciais. O Papa Francisco, em sua Amoris Laetitia, adverte-nos sobre a necessária tríade pastoral: acompanhar, discernir e integrar a fragilidade (AL 291). Este caminho, porém, não se dá sem uma escuta atenta, que acolha os sinais da manifestação de Deus na realidade do outro, para fazer com ele um caminho de descobertas, maturação e aprofundamento da experiência cristã. Afinal, quem de nós possui uma imagem de Deus isenta de limitações, projeções e enganos? O exercício do discipulado não é outro senão este: renovar nossa mentalidade, para distinguirmos a vontade de Deus (Rm 12, 2) ou seja, acolhermos o Senhor tal qual ele se revela e não como o formulamos.

É preciso, sobretudo, fazer-se próximo ao jovem que, longe do que se imagina, não é fechado às críticas e à instrução, mas tem uma especial sensibilidade à incoerência e hipocrisia, o que lhe garante um filtro muito acurado quanto ao reconhecimento da legitimidade daqueles que se apresentam como autoridade. Por isso, se se diz que para educar uma criança não basta uma pessoa, mas é preciso uma aldeia, com razão poderia se dizer que para a evangelização da juventude não basta uma ou duas vozes, mas é preciso um verdadeiro coral. Uma Igreja que seja capaz de constituir um grande coro harmonizado onde haja espaço também aí para a voz de cada jovem convidado a cantar um cântico novo em louvor ao Senhor. Neles e em suas vozes, ecoará o rosto de uma nova Igreja, que não despreza os tons graves da sabedoria do passado, mas se manifesta viva no frescor daqueles que melhor expressam o dinamismo de Deus. Afinal, como já disse o Papa Francisco: Deus é jovem!

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Matheus Cedric Godinho
É  integrante da equipe executiva do Observatório da Evangelização da PUC Minas. Além disso, é professor de Filosofia e Ensino Religioso e autor de material didático para Educação Básica nas mesmas áreas. Leigo católico, é cofundador da Oficina de Nazaré e membro do Conselho Editorial da Revista de Pastoral da ANEC. 

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Nova evangelização em um novo mundo https://observatoriodaevangelizacao.com/nova-evangelizacao-em-um-novo-mundo/ Wed, 04 May 2022 20:36:48 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44894 [Leia mais...]]]> Talvez a palavra mais significativa dos nosso tempo seja “ruptura”. O mundo apresenta transformações lentas que, em algum momento, se tornam realidades comuns. A internet das coisas está aí, pouco a pouco vamos incorporando-a ao nosso cotidiano. Muitos analistas de tecnologia acreditam que o ano de 2025 será de mudanças impactantes à humanidade, pois a Inteligência Artificial deixará seu lugar de pesquisa, estudos e experimentos e se apresentará na prática. Reflexo desse fato será a realidade dos carros autônomos. As pessoas terão que aprender a lidar mais ainda com a sua subjetividade. Profissões repetitivas tendem a desaparecer, mas outras que dependem do emocional e do criativo crescerão (ou mesmo surgirão). Onde fica a evangelização nesse mundo? Para dentro ou para fora das paróquias e ambientes eclesiais, ou em ambos?

            A sensação de muitos é que o trabalho agora não tem mais limite, as resoluções de problemas são entendidas a partir de flexibilidade máxima de horário. Antes da pandemia, já vivíamos em uma sociedade do cansaço, como dizia o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. Para ele, vivemos hoje em uma sociedade que nos leva à exaustão, cobramos em excesso de nós mesmos, a ponto de termos a sensação de inutilidade quando não estamos produzindo. “Hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo. E a consequência: Não há mais contra quem direcionar a revolução, a repressão não vem mais dos outros. É ‘a alienação de si mesmo’, que no físico se traduz em anorexias ou em compulsão alimentar ou no consumo exagerado de produtos ou entretenimento. A internalização psíquica é um dos deslocamentos topológicos centrais da violência da modernidade, ela provê mecanismos para que o sujeito de obediência internalize as instâncias de domínio exteriores transformando-as em parte componente de si” (HAN, 2017, pp 22-23).

            O indivíduo busca a realização a partir de máxima produtividade, se alienando, nunca tendo possibilidade de refletir sobre seu próprio desejo. Aliás, algumas vezes ele procura um autoconhecimento para isso, mas já inserido em uma visão viciada de conceitos prontos da gestão (como inovação, pró-atividade, liderança, inteligência emocional).  É uma busca em círculos, sem liberdade.

            Dessa forma, o mundo caminha para uma mais ainda profunda padronização, uma vez que a eliminação das diferenças e do outro interessam ao mercado. Por mais que tenhamos sociedades plurais, os modos de vida e de pensamento parecem se uniformizar, até mesmo os sentimentos e as patologias. “Quanto mais iguais são as pessoas, mais aumenta a produção; essa é a lógica atual; o capital precisa que todos sejamos iguais, até mesmo os turistas; o neoliberalismo não funcionaria se as pessoas fossem diferentes”. O que temos hoje é um pluralismo permitido a alguns grupos, vivendo em seu padrão de consumo, em sua identidade e em suas respectivas bolhas.

            O mundo virtualizado pode ser um grande problema e pode trazer sérias consequências para a saúde mental. O ser humano é feito de carne e osso, de corporeidade, de elementos reais e não imaginários. Assim, o excesso pode esconder grandes problemas e até mesmo traumas do passado. Por isso tem crescido o número de adolescentes que se automutilam, pois o “corpo pede a conta”. Por mais que tentemos viver exclusivamente (ou o maior número de horas possíveis) no mundo virtual, temos necessidades humanas básicas e fundantes da nossa existência. Necessitamos, antes de tudo, de afetos! É urgente que a nova evangelização reconheça e elabore caminhos para a juventude! Temos aqui, portanto, o essencial: no mundo da técnica, ou seja, a partir de agora, no mundo todo, já que a técnica é um fenômeno sem limites, planetário, não se trata mais de dominar a natureza ou a sociedade para ser livre e mais feliz. Por quê? Por nada, justamente, ou antes, porque é simplesmente impossível agir de modo diferente devido à natureza de sociedades animadas integralmente pela competição, pela obrigação absoluta de “progredir ou perecer” (FERRY, 2012, p. 143).

            Por mais que tenhamos conquistado liberdade, autonomia e que o mundo virtual tenha aproximado as pessoas em certo sentido, é preciso vivenciar as relações humanas de afetos e afetações. O que acontece, em muitos casos, são pessoas que postam constantemente em redes sociais, mas esses atos não passam de um mecanismo de espelho, de um narcisismo desenfreado. Não há conexão humana nesses casos, mas apenas uma relação monológica. O mundo virtual pode, por outro lado, significar ampliação de conexões, troca de ideias e de afetos, conhecimento de novas formas de vida. Dessa maneira, apesar da afirmação de padrões violentos, temos a chance de vivenciar, cada vez mais concretamente, uma sociedade plural e diversa. A evangelização precisa também dar conta desse contexto, dialogando com diversos grupos identitários, buscando escutá-los e permitindo uma interface teológica com sua singularidade.

            A subjetividade colonizada se impõe contra a diversidade cultural. Sendo assim, não será apenas com outra racionalidade que será superada a epistemologia moderna, essa que tem servido para justificar tanta violência e agressões aos Direitos Humanos. Para mexer em crença, é preciso mexer em subjetividades e fomentar novas práticas culturais, bem como novas relações e estruturas sociais, econômicas e políticas que viabilizem a vivência de outras crenças (LAUREANO, 2015, p. 117).

            É possível, nessa lógica, adotar uma postura “espiritualista” no mundo pós-moderno. Trata-se de um caminho para o interior, para o silêncio. No entanto, quando essa prática não está inserida na concretude histórico em seu horizonte, assim, podemos chegar à fórmula homeopática: “capitalistas sim, mas zen!”, como nos alerta o filósofo contemporâneo Slavoj Zizek. Não há dúvida de que as dimensões psíquicas serão cada vez mais abordadas pela nova evangelização. As pessoas precisam elaborar suas demandas existenciais e a espiritualidade pode ser um lugar de vivência desse aspecto de forma libertadora. É preciso atestar vulnerabilidades sociais, emocionais, afetivas, subjetivas, que são resultado de um mundo permeado por violências simbólicas e exclusões humanas. Faz-se necessário, no entanto, a vivência de outra lógica, para além de tendências que reproduzem o sistema imperante e a lógica do narcisismo contemporâneo. Assim, o espírito sinodal reflete uma postura de abertura e interface com outras áreas do saber, a partir de uma teologia não mais moderna, mas pós-moderna, descentrada e dialogal, que ateste as vulnerabilidades corpóreas e encarnadas contemporâneas.

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Prof. René Dentz
É
 católico leigo, professor do departamento de Filosofia, curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 8 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) e “Vulnerabilidade” (Ideias e Letras, 2022). Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia”, na FAJE-BH.

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Ponto de vista de um teólogo de pedagogia pastoral e religiosa e de um sacerdote de uma diocese bilíngue na Suíça (diocese de Sion) https://observatoriodaevangelizacao.com/ponto-de-vista-de-um-teologo-de-pedagogia-pastoral-e-religiosa-e-de-um-sacerdote-de-uma-diocese-bilingue-na-suica-diocese-de-sion/ Tue, 12 Apr 2022 11:55:51 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44787 [Leia mais...]]]> Entrevista realizada pelo Professor René Dentz, membro da Comissão Executiva do Observatório da Evangelização, ao Professor da Universidade de Fribourg/Suíça, Pe François-Xavier Amherdt.

François-Xavier Amherdt é sacerdote na diocese de Sion (Valais – Suíça) desde 1984. Ex-vice-diretor do seminário e vigário episcopal de sua diocese, foi pároco-decano de Sierre e Noës por dez anos, então diretor da parte francófona do Instituto de Formação Ministerial em Friburgo. Desde 2007, é professor francófono de teologia pastoral, pedagogia religiosa e homilética na Universidade de Friburgo (Suíça). É corresponsável pelo conselho editorial ítalo-suíço e vice-diretor da Lumen Vitae. Endereço: Universidade de Friburgo, Miséricorde, 20 Avenue de l’Europe, CH – 1700 Fribourg. E-mail: francois-xavier.amherdt@unifr.ch

René Dentz: Somos convidados a imitar Cristo e a escutar o nosso coração profundo, sob pena de nos fecharmos à ação do Espírito em nós. “Se alguém, desfrutando dos bens deste mundo, vê seu irmão necessitado e lhe fecha as entranhas, como permanecerá nele o amor de Deus? ” (1 Jo 3,17) Também a epístola de Tiago o proclama com acentos proféticos: “O salário com que roubaste os trabalhadores que ceifavam os teus campos, clamam, e os gritos dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor dos Exércitos» (Tg 5,4, as duas citações reproduzidas em EG, n. 187). A sensibilidade à necessidade imperiosa desta solidariedade humana e pastoral é fruto do Espírito em cada discípulo missionário (cf. EG, n. 188). Quais são as principais vulnerabilidades humanas contemporâneas e, portanto, quais são as maiores emergências pastorais?

François-Xavier Amherdt: Entre as vulnerabilidades humanas contemporâneas, vejo tentativas de responder a sucessivas crises profundas (pandemia, ecologia, abuso, guerra) por meio de tentações da vontade de poder e controle, no mundo, na sociedade e na Igreja.

As urgências pastorais que percebo são, portanto, a necessidade de uma abertura mais profunda e autêntica à fecundidade do Espírito, deixando-o verdadeiramente dirigir e dirigir nossas vidas, nossas comunidades, nossas instituições e, portanto, uma firme ancoragem numa “passividade ativa” ou uma “disponibilidade escolhida”, isto é, numa vida espiritual considerada prioritária e uma intimidade com Cristo. A conversão da Igreja Católica é necessariamente espiritual. O futuro de nossa Igreja depende de sua própria conversão, como diz o bispo Joseph Doré (Le salut de l’Église est dans sa propre conversion, “A salvação da Igreja está em sua própria conversão”, Paris, Salvator, 2021).

René Dentz: O Papa Francisco convocou toda a Igreja a viver uma experiência sinodal durante estes dois anos de preparação. Em todas as dioceses do mundo, os bispos também celebraram essa mesma abertura com seu povo e iniciaram o caminho sinodal. É um momento novo e inédito na vida da Igreja, quando todo o Povo de Deus é chamado a sair ao encontro dos outros para uma grande e atenta escuta e discernimento sobre a situação da Igreja e sobre a nossa missão neste momento. Mais uma vez somos chamados a “escutar o que o Espírito está dizendo à Igreja”, como a palavra de Deus nos advertiu no final do primeiro século do cristianismo (Ap 2-3). Quais são os desafios de uma igreja em saída, em sua sinodalidade? Quais são os principais encontros da Igreja com o mundo?

François-Xavier Amherdt: A constituição de reforma da cúria romana Praedicate Evangelium de março de 2022 mostra a direção. É sobre uma real descentralização e “deromanização” do governo e funcionamento da Igreja que a abordagem sinodal deve conduzir. Não apenas ao nível do governo das congregações vaticanas, mas nas dioceses e unidades pastorais.

Isso envolve fortalecer o status teológico das Conferências Episcopais nacionais (e transnacionais/regionais, como a Amazônia) e aumentar o empoderamento de leigos, mulheres e homens, em todos os níveis. Nesse sentido, a abertura dos ministérios instituídos de leitoras, catequistas (e outros) a leigos e leigas pelos dois motu proprio Spiritus Domini e Antiquum ministerium (2021) vai na direção certa, na direção desta “claramente secular” cultura eclesial com que sonha o Papa Francisco em “Querida Amazônia” (n. 94).

Tudo isto permitiria multiplicar as ocasiões e os lugares de encontro da Igreja com o mundo, diria antes da Igreja no mundo, por exemplo pela multiplicação de “frescas expressões de Igrejas”, expressões eclesiais de base, em torno de um cinema, um café, uma loja, um local sinodal ou “Casas da Igreja” ou “City Kirchen” oferecendo no coração das cidades espaços para encontros, debates, formação, celebrações, viagens espirituais ou sacramentais. Tipos de “pátios dos gentios” em nível local, assim como o Pontifício Conselho para a Cultura os estabeleceu em nível nacional e global.

René Dentz: O “princípio da misericórdia”, destacado no ano jubilar extraordinário de 2015 pelo Papa Francisco, está no centro da revelação bíblica. A superabundância da graça divina diante dos pecados, violências e injustiças cometidas pelos seres humanos (cf. Rm 5,20) suscita um dinamismo de libertação nos níveis pessoal, social e político. É este primado da iniciativa de um Deus com entranhas de ternura que dá esperança em todas as circunstâncias de que o perdão pode prevalecer sobre o ódio. Para que o coração do Senhor em favor de nossa miséria possa espalhar seus rios de paz, convém que lhe abramos as zonas cinzentas de nossas vidas. A evangelização das profundezas das pessoas e dos povos só é possível com a condição de que uma “espiritualidade de baixo”, acolhendo o Espírito, substitua a arrogância e o desprezo. Qual é a dimensão da evangelização das profundezas?

François Xavier-Amherdt: A espiritualidade a partir de baixo e a libertação para a justiça devem ser vividas no acompanhamento espiritual interpessoal individual, como recomenda abundantemente a Evangelii Gaudium (n. 169-173), sem que o seu exercício seja reservado aos clérigos: mulheres e discípulos missionários masculinos podem receber formação dominicana e franciscana a este respeito e, portanto, servem como pontos de referência para seus irmãos e irmãs.

Tal evangelização das profundezas precisa ser balizada graças à combinação das contribuições da teologia bíblica, dogmática e espiritual e das ciências humanas, como a psicologia, a exemplo dos itinerários propostos pelas obras de Simon Pacot (A evangelização das profundezas) (t. I); Volta à vida! (t. II); Atreve-te a uma nova vida! (t. III); e Abre a porta ao Espírito, col. “Epiphanie”, Paris, Cerf, 1997; 2002; 2003; e 2007) e muitos outros.

René Dentz: No seu novo livro “Discernir e acompanhar o apelo: que pedagogias na Europa?” o senhor quer mostrar que todos nós somos chamados, qualquer que seja nossa idade ou nosso estado de vida. O livro é, portanto, destinado a todos aqueles que procuram discernir o chamado que o Senhor está fazendo a eles hoje. Quais são os grandes desafios da evangelização na contemporaneidade?

François-Xavier Amherdt: No nível coletivo, a evangelização em profundidade pode ser experimentada com os caminhos do acompanhamento espiritual comunitário inaciano (ESDAC) e ser vivida nas muitas pequenas fraternidades ou comunidades eclesiais de base (Pequenas Comunidades Cristãs) da América do Sul e espalhadas por todos os continentes (África, Ásia, mas também América do Norte, Europa Ocidental), que incluem todas as dimensões da partilha da Palavra, da oração, da fraternidade, do empenho missionário pela justiça.

A multiplicação de tais células de solidariedade e intercâmbio me parece um dos principais desafios da evangelização em nossa era pós-moderna de indiferença, globalização liberal desenfreada e ansiedade pelo futuro. É na base que se pode discernir o chamado de cada um, que se podem estabelecer pedagogias de apoio às vocações, em articulação com as autoridades e os responsáveis ​​eclesiais.

É somente através de uma Igreja de proximidade “tecida” (do latim textus) segundo uma espiritualidade de rede (teia) que cada pessoa pode se deixar gerar pelo Espírito em sua identidade humana e espiritual (veja nosso trabalho com Marie- Agnès DE MATTEO, Aberto à fecundidade do Espírito, Fundamentos de uma pastoral de geração, col. “Perspectivas Pastorais”, n. 4, São Maurício, Santo Agostinho, 2009).

Obrigado! Na esperança!

Padre François-Xavier Amherdt

Professor de Teologia na Universidade de Friburgo

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Prof. René Dentz
É
 católico leigo, professor do departamento de Filosofia, curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 8 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) e “Vulnerabilidade” (Ideias e Letras, 2022). Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia”, na FAJE-BH.

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Curso de Realidade Amazônica: 39 missionários buscando colocar o pé no chão da Amazônia https://observatoriodaevangelizacao.com/curso-de-realidade-amazonica-39-missionarios-buscando-colocar-o-pe-no-chao-da-amazonia/ Sat, 26 Feb 2022 20:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44016 [Leia mais...]]]> Conhecer a realidade é um requisito para a missão, algo que a Igreja do Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), vem fazendo com o Curso de Realidade Amazônica desde 1991. Uma oportunidade para mútuo enriquecimento, para despertar e fortalecer a capacidade de escuta do povo e de sua realidade, tornando fecundo o serviço de evangelização. Acompanhe a matéria de Luis Miguel Modino:

“Amazonizar” a teologia e as práticas missionárias

Mais uma vez, o Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino Superior da Amazônia (ITEPES), em parceria com o Regional Norte 1 da CNBB, a Comissão Episcopal para a Amazônia e em comunhão com a REPAM, depois de um ano sem curso como consequência da pandemia da Covid-19, reuniu 39 missionários e missionárias, presbíteros, religiosas e religiosos e laicas, chegados da Europa, Ásia, África, América e também de outras regiões do Brasil, para participar do curso, que iniciou no dia 9 de fevereiro e será encerrado hoje, dia 26/02/22.

Eles estão fazendo realidade aquilo que os bispos da Amazônia brasileira, reunidos em Manaus em outubro de 2013, colocaram como compromisso: “investir na formação de presbíteros e de irmãos e irmãs de vida consagrada – autóctones e os que chegam de fora – para que sejam despojados, simples, não busquem a autopromoção, que sejam missionários e vivam em maior sintonia e contato com as comunidades e saibam trabalhar em equipe com os leigos e as leigas, evitando o centralismo, a clericalização e o autoritarismo”.

O curso teve como foco “oferecer aos agentes de evangelização engajados nas diversas frentes de trabalho pastoral, um conjunto de informações mais sistematizadas sobre a própria região amazônica, concentrando sua reflexão sobre o humano, o meio ambiente, a vida e a ação evangelizadora da Igreja”. Os participantes foram convidados a “uma imersão no território, na história e temáticas contemporâneas da realidade amazônica, refletindo sobre as questões pastorais emergentes para compreender a missão da Igreja como ‘amazonizar’ a teologia e as práticas missionárias, a partir de uma metodologia sinodal, decolonial e intercultural”.

Ao longo do curso foram abordadas questões de antropologia, história, realidade, Bíblia e Teologia, Igreja e Pastoral. O curso tem momentos de aulas teóricas e vivências nas comunidades ribeirinhas e da periferia de Manaus.

Acenos dos participantes

Mariana Salbeli é da Argentina e pertence à comunidade missionária Cristo Ressuscitado. Consagrada há 30 anos, ela veio com outra irmã e uma jovem voluntária para trabalhar em Tonantins, Diocese de Alto Solimões, sendo a primeira experiência de sua comunidade na Amazônia. É uma experiência intercongregacional junto com as irmãs de Santa Catarina. A chegada delas é “uma resposta ao Papa Francisco em seu chamado para se amazonizar, vamos fazer um discernimento do lugar para ver o que podemos fazer como comunidade”.

Ela diz ter vindo para “conhecer e aprender com a sabedoria destes povos, com o caminho da Igreja aqui”, do qual ela destaca o cuidado da casa comum, “algo que hoje é uma questão para o mundo inteiro”, de acordo com a consagrada. Ela insiste que “os povos indígenas têm a sabedoria de ter vivido juntos na Amazônia e de ter cuidado e ter essa sabedoria de viver em união, todos interligados, o que o resto de nós não temos”.

Da Igreja na Amazônia, ela diz conhecer o grau de comprometimento dos leigos, uma expressão da sinodalidade, que segundo ela “já é vivida há algum tempo, nas comunidades, com os catequistas, onde não há clero. É toda uma experiência eclesial que fala ao resto da Igreja”.

Seguindo os sonhos da Querida Amazônia, uma reflexão presente no curso, ela afirma que “os 4 sonhos são bons para mim”, mas fala da citação que diz que os povos da Amazônia “são os primeiros interlocutores, com quem temos que aprender, e onde nossos projetos, nossos pensamentos, colocá-los, abri-los, para ver se eles respondem às suas necessidades”. Por esta razão, ela conclui dizendo que “meu sonho é poder ouvir as necessidades, os sonhos que existem aqui, as alegrias, as tristezas, e dar minha vida para construir esses sonhos“.

Também na diocese de Alto Solimões, Mayra Gutiérrez, uma jovem mexicana de 25 anos, missionária leiga marista, com um compromisso de dois anos, que vive em Tabatinga com dois irmãos maristas, vai trabalhar. Ela diz que seus sonhos levaram-na a deixar tudo em sua Guadalajara nativa para viver na Amazônia. Ela reconhece que “é uma decisão difícil deixar a família, deixar o que se construiu, mas eu tenho uma convicção muito forte de que as coisas na sociedade, neste mundo, podem ser diferentes“.

É por isso que ela diz ter vindo para a Amazônia, pensando na preservação ecológica e também em toda a sabedoria dos povos indígenas, que por mais de 500 anos foram desacreditados, historicamente foram vítimas de exclusão e discriminação, e devemos a eles a recuperação desses espaços”. Daí a importância das “pequenas coisas que estamos fazendo, que não são apenas para mim, mas para todos“.

Na Igreja da Amazônia ela espera encontrar novos caminhos, novas perspectivas, diferentes realidades de viver e ser Igreja, especialmente levando em conta a voz das mulheres, das crianças e dos jovens”.

Padre Jaime Alfonso Quintero, Missionário de Yarumal, está na selva colombiana há 29 anos, dois deles na Venezuela. Há três meses ele chegou à Diocese de São Gabriel da Cachoeira, pensando no trabalho pastoral na fronteira, em uma região onde o Brasil, a Colômbia e a Venezuela se encontram, embora atualmente ele acompanhe os migrantes venezuelanos.

O religioso entende a pastoral da fronteira, algo que surgiu fortemente durante o Sínodo para a Amazônia, como “um ir e vir, acompanhando e formando, catequistas e líderes, porque não há ninguém naquela fronteira”. É uma região onde ele vê a necessidade de formar equipes, embora também existam dificuldades econômicas para sustentar essas equipes.

Em sua missão em Mitú (Colômbia) ele tinha uma estação de rádio, algo que o ajudava a enviar “um pequeno comprimido todos os dias” para aqueles que viviam no meio da selva. Padre Quintero considera o rádio como “a maneira mais fácil para que a mensagem chegue àqueles que estão no meio da selva na Amazônia, um lugar de longas distâncias, chegando aos analfabetos, aqueles que estão trabalhando, aqueles que estão viajando”. É por isso que ele insiste em “colocar o rádio na floresta para evangelizar e para promover a cultura”.

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pe. Luis Miguel Modino
Natural da Espanha, é missionário Fidei Donum na Diocese de São Miguel da Cachoeira, Amazonas. É parceiro do Observatório da Evangelização e articulista em diversos periódicos e revistas virtuais católicas.

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Para além da Semana Santa, o desafio da evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com/para-alem-da-semana-santa-o-desafio-da-evangelizacao/ https://observatoriodaevangelizacao.com/para-alem-da-semana-santa-o-desafio-da-evangelizacao/#comments Tue, 16 Apr 2019 12:50:40 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30290 [Leia mais...]]]> É possível afirmar que a Semana Santa, pela centralidade do mistério celebrado, concentra toda a densidade da experiência cristã?

Em nosso modo de compreender a dinâmica da fé cristã, a resposta para esta significativa interpelação, não pode ser outra que um “sim e não”. Foi com o saudoso professor e amigo Pe. João Batista Libanio que aprendemos a utilizar o antigo “método da dialética do sim e do não” como poderoso instrumento de análise e aprofundamento das questões que aparentemente se apresentam simples e óbvias.

Comecemos com a afirmação positiva: Sim, a Semana Santa concentra toda a densidade da experiência cristã.

Nela celebramos os impactos sociopolíticos e religiosos da vida de Jesus, de sua práxis libertadora profética ao anunciar-denunciar-testemunhar a acolhida fecunda da presença do Reino de Deus entre nós. A pessoa de Jesus, por um lado, atraiu discípulos e discípulas e saciou a sede de sentido ou a fome da proximidade amorosa e salvífica de Deus de muitas tantas pessoas que se sentiam excluídas da luz divinal. Mas também, por outro, Jesus despertou a ira de poderosos inimigos no âmbito religioso e sociopolítico de seu tempo. O que Jesus anunciava e testemunhava foi compreendido pelos poderosos como ameaça, daí a virulenta reação de seus algozes.

Na Semana Santa celebramos, o discernimento e a radical fidelidade de Jesus de Nazaré. Fiel até as últimas consequências ao projeto salvífico universal de Deus. Mesmo sendo ameaçado e depois de traído, preso, torturado e condenado, na calada da noite, à morte cruenta na cruz, Jesus permaneceu firme e fiel à revelação do amor de Deus Pai. Por discernir e entender que se manter fiel ao anúncio-denúncia-testemunho do Reino de justiça, fraternidade, misericórdia e paz era a concretização do fazer a vontade de Deus, Jesus entregou-se confiante nas mãos de Deus Pai. E não morreu fracassado.

Nesta singular semana, celebramos de modo todo especial a fidelidade de Deus ao seu Filho Jesus. O profeta da Galiléia não morreu abandonado por Deus Pai. Ao contrário, Deus ressuscita Jesus dos mortos. Esta intervenção de Deus na morte de Jesus, ou seja Jesus ao ser ressuscitado pelo Pai, revela o julgamento divino sobre a vida de Jesus. A ressurreição confirma que o conteúdo da vida de Jesus agradou tanto a Deus que se transformou em juízo salvífico. A vida de Jesus, seus ensinamentos e gestos proféticos, é caminho de salvação.

A ressurreição de Jesus ocupou a centralidade da experiência cristã pois revelou definitivamente o projeto salvífico universal de Deus, iluminou o sentido da história e explicitou, com inédita lucidez, o sentido da vida humana para Deus: somos chamados a cultivar, com fidelidade, a centralidade do amor. O amor é a nossa origem, o nosso sustento e o nosso destino último.

Aprofundemos com a afirmação negativa: Não, a Semana Santa não concentra toda a densidade da experiência cristã.

Quando temos presente a nervura do real, ou seja, quando temos diante de nós a dinâmica histórica do cristianismo, com seus altos e baixos, com sua fidelidade e infidelidade, com sua ambivalência radical, damo-nos conta da necessidade, para além da retórica, de refletirmos sobre o sentido da afirmação negativa.

De fato, por mais que compreendamos a força transformadora do simbólico, igualmente temos que estar cientes da força destruidora do diabólico. Simbólico, o que une, diabólico o que divide… A prudência, a vigilância, o discernimento crítico e autocrítico e a busca contínua de conversão a Deus, juntas, suscitam a atitude fundamental do cristão diante da própria experiência cristã.

A história do cristianismo revela que podemos vivenciar e transformar a experiência cristã, como qualquer outra experiência religiosa, é uma realidade ritualística perversa, hipócrita, intimista, espiritualista e vazia.

Quando a Semana Santa se transforma em pura ritualística tradicional – um conjunto de ritos antigos que se realiza igualmente todos os anos – ainda que vivida de modo piedoso, devocional e emotivo, mas desligada do modo como acolhemos a presença do Reino de Deus entre nós ou divorciada da maneira como nos responsabilizamos em assumir em nossa vida atual a práxis libertadora de Jesus de Nazaré como caminho de conversão, esta semana não concentra toda a densidade da fé cristã.

Quando a Semana Santa é vivida sem renovação da aliança batismal de procurarmos cotidianamente em nosso contexto atual discernir e fazer, como Jesus de Nazaré – com fidelidade até as últimas consequências – a vontade de Deus, esta semana, por falta de resposta dos cristãos a Deus, perde a capacidade de concentrar sacramentalmente a totalidade da proposta cristã.

Quando a Semana Santa não consegue nos envolver num processo criativo de conversão a Deus e de busca de fidelidade ao anúncio-denúncia-testemunho do Reino, Reino de justiça, fraternidade, misericórdia e paz – daí a importância da Campanha da Fraternidade todos os anos nos provocar e nos convocar a conversão para uma dimensão da realidade na qual a vida não está sendo o valor maior – esta semana perde a capacidade de nos interpelar, revigorar e renovar mesmo nosso compromisso de participar da missão salvífica de Jesus Cristo ressuscitado que, com a força atuante do Espírito Santo, permanece sempre conosco.

Para além da Semana Santa, o desafio da evangelização

O maior desafio do cristianismo é sempre o de evangelizar. Este verbo jesuânico traduz o contínuo sentimento de urgência diante do compromisso de discípulos e discípulas com o zelo diante do anúncio-denúncia-testemunho profético do Reino de Deus presente e atuante no meio de nós.

Que a experiência da Semana Santa, ao fazer a memória perigosa dos últimos acontecimentos históricos da vida de Jesus, desperte o nosso desejo de maior fidelidade a Deus e ao seu Reino de justiça, fraternidade, misericórdia e paz.

Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães é mineiro de Tombos, teólogo leigo, doutorando em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Ele é membro da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER), do Conselho Arquidiocesano de Pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte e o atual secretário executivo do Observatório da Evangelização.

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O sentido cristão de evangelizar https://observatoriodaevangelizacao.com/o-sentido-cristao-de-evangelizar/ Tue, 30 Sep 2014 20:21:48 +0000 http://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=185 [Leia mais...]]]> Comecemos pela via negativa, ou seja, pelo que confunde e não define a “ação de evangelizar”. Equivoca quem a compreende como um mero “anúncio”, “pregação” ou “propagação” de algo que se julga precioso e fundamental para a vida. Erra, igualmente, quem a entende como “discurso de defesa” de uma doutrina, igreja ou religião, dentre outras, como a melhor, a única verdadeira e digna de existir ou de ser seguida. Também se engana quem a concebe como um “conjunto de esforços” para que uma pessoa, divindade ou caminho espiritual seja aceito como o “único mediador capaz de salvar” ou encontrar luz, força e felicidade.

No primeiro caso, há a necessidade de discussão sobre os critérios de julgamento, a autoridade de quem julga e as disposições de abertura de quem recebe o conteúdo anunciado. No segundo, a ação evangelizadora suscitaria inúmeros conflitos entre igrejas, religiões e doutrinas cada qual com a pretensão de evangelizar o diferente de si. No terceiro, ainda que o mediador seja Jesus Cristo e que a religião seja o Cristianismo, a ação evangelizadora não evitaria, mas provocaria enormes dificuldades de convivência fraterna entre as pessoas, diálogo aberto entre as religiões e paz entre os povos e as culturas.

Se evangelização não é sinônimo de apologética religiosa, então, o que vem a ser “evangelizar”? O substantivo “evangelho” vem do grego ευαγγέλιον, euangelion, eu = bom + angelion = mensagem, significa, portanto, boa mensagem, boa notícia, boa nova. Trata-se, concretamente, da ação de compartilhar com outros, no cotidiano da vida, o ser humano que foi convertido, transformado e iluminado pelo conteúdo que ele anuncia cuja pretensão é ser recebido como boa nova. Deste modo, a autoridade da ação evangelizadora nasce nos olhos, e não apenas nos ouvidos, de quem recebe a ação evangelizadora. Significa que o evangelizador necessariamente concretiza alguém que foi evangelizado, ou seja, transformado pelo conteúdo do evangelho que anuncia. A vida do evangelizador apresenta-se como uma espécie de amostra grátis para quem é convidado a abrir o coração e acolher a boa nova anunciada.

No caso da tradição cristã, Jesus anunciou uma boa nova específica para os pobres e necessitados, pecadores, doentes, estrangeiros e marginalizados. Revelou que Deus é presença amorosa, misericordiosa e salvífica no meio do povo. Além disso, mostrou que Deus tem um projeto salvífico universal. Jesus encarnou, em sua vida, o que proclamava sobre Deus e o projeto do Reino. Após a morte brutal na cruz, a experiência da Ressurreição e de Pentecostes, os discípulos e as discípulas de Jesus, transformados pelo evangelho, passam a anunciar como boa nova a vida de Jesus e a compartilhar, em comunidades fraternas, a vida nova que brotava entre aqueles e aquelas que acolhiam o evangelho.

O cristão crê que Jesus experimentou e anunciou o amor universal de Deus. Cada pessoa é amada por Deus, de forma gratuita e incondicional, como filho ou filha. E porque somos amados por Deus, Jesus percebeu e testemunhou a possibilidade de rompermos muros e construirmos pontes de fraternidade, justiça e misericórdia entre nós. Anunciou a alegria desta boa nova e indicou-nos um caminho a seguir. Não há, nesse sentido, autêntica evangelização cristã sem a acolhida, de todo coração, do amor universal de Deus, como Pai de todos, e dos outros, como irmão e irmã.

Evangelizar, nesse horizonte de sentido, passou a significar ações, gestos e palavras, da Igreja de Jesus Cristo. A Igreja é formada por aqueles que concretizam entre si a vida nova e que descobriram a alegria de colocar-se a serviço, em espírito de diálogo fraterno, da convivência pacífica e justa entre os seres humanos, juntamente com as suas culturas e religiões. A ação evangelizadora adquire credibilidade na busca diária de promover e cuidar da dignidade da vida, sobretudo, de quem está à margem do caminho.

Edward Neves M. de B. Guimarães

P/ equipe executiva do Observatório

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Mãos que curam https://observatoriodaevangelizacao.com/maos-que-curam/ Tue, 30 Sep 2014 17:47:07 +0000 http://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=179 [Leia mais...]]]> A boa nova do Reino tornava-se visível nos gestos de Jesus de Nazaré. Os olhos contemplavam a encarnação do amor de Deus. Evangelizar é sinônimo de “crer com as mãos”: exige cuidar, compartilhar, promover, soerguer.

MÃOS QUE CURAM

Paulo Gabriel

bebe maos

Há mãos que tecem o futuro,

Que enxugam a lágrima e o pranto.

Há mãos que fazem do amor gesto e desafio,

E que, ao acarinharem o rosto, tudo se ilumina.

Há mãos que rezam porque creem na vida

E, se abraçam a carne, a alma irradia paz.

Há mãos que desafiam a morte

E, entrelaçadas, fazem do grito bandeira e da cruz rebeldia.

Há mãos que, ao tocarem, curam o corpo,

E é Deus quem toca por meio delas.

(Publicado em PEREIRA, M.A. e GABRIEL, P., O beijo de Deus. O evangelho da rua segundo o tio Maurício, São Paulo: Paulinas, 2005, p. 81)

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Encontro Arquidiocesano dos Animadores Comunitários de Círculos Bíblicos https://observatoriodaevangelizacao.com/encontro-arquidiocesano-dos-animadores-comunitarios-de-circulos-biblicos/ Wed, 10 Sep 2014 11:04:50 +0000 http://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=111 [Leia mais...]]]> mes-da-biblia

09/08/2014

Para capacitar os grupos que se encontram comunitariamente para a escuta e o diálogo a partir da Palavra de Deus, no contexto do Mês da Bíblia, a Comissão Arquidiocesana para as Comunidades Eclesiais de Base convida para o Encontro Arquidiocesano dos Animadores Comunitários de Círculos Bíblicos, no dia 13 de setembro. O Encontro será realizado no Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, Unidade Coração Eucarístico, de 14h às 17h, e terá assessoria do Professor Edward Neves. As inscrições devem ser feitas pelo e-mail secpastoral@arquidiocesebh.org.br (enviar nome e endereço completo, paróquia, forania, região episcopal e contatos). Mais informações: 3428-7909

(Fonte: http://www.arquidiocesebh.org.br/site/noticias)

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