Ética cristã – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Mon, 09 May 2022 19:51:23 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Ética cristã – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Religião como alienação ou libertação? https://observatoriodaevangelizacao.com/religiao-como-alienacao-ou-libertacao/ Mon, 09 May 2022 19:51:23 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44927 [Leia mais...]]]> “Jovens ‘sem religião’ superam católicos e evangélicos em SP e Rio”, é o que mostra pesquisa do Datafolha do ciclo eleitoral de 2022.

“O forte declínio dos católicos em idade de reprodução contribui para a redução no número de crianças educadas em famílias católicas e consequentemente, dos jovens com formação católica”, afirma o sociólogo Ricardo Mariano, professor da USP. Para o pesquisador, perda de força da igreja católica é um dos motivos que explicam o avanço dos “sem religião”.

“Além disso, a igreja católica tradicionalmente tem um enorme contingente de católicos ditos ‘nominais’, ou seja, que não frequentam os cultos, não estão expostos às autoridades eclesiásticas e nem às suas orientações doutrinais, morais e comportamentais”, acrescenta.

No século XVIII, filósofos iluministas acreditavam que a religião era a “infância da razão”, que seria uma forma de pensar superada em poucas décadas. Tais pensadores estavam errados! Se olharmos em diversos cenários atuais, as religiões são fonte de sentido para milhares e milhares de pessoas em todo o planeta. Aí está sua principal função: dar sentido à existência humana. A religião pode ser genuína, cumprindo sua função original de “religare”, “religar” à unidade, ao todo, por meio do simbólico, do sagrado. Por isso, diante de temas difíceis, como o é o da morte e da finitude, ela porta profundo sentido. Também se pensarmos do complexo mundo em que vivemos, a religião pode ser um alento, uma voz de esperança. Sobre o lugar genuíno da religião, nos ensina Leonardo Boff: “A religião funda a incondicionalidade e a obrigatoriedade das normas éticas muito melhor do que a razão abstrata ou o discurso racional, parcamente convincentes e só compreensíveis por alguns setores da sociedade que possuem as mediações teóricas de sua apreensão. A religião, por ser a (cosmovisão) mais generalizada, concretamente, o caminho comum das grandes maiorias, é mais universal e compreensível. Ela vive do Incondicional e procura testemunhá-lo como a dimensão profunda do ser humano. Só o Incondicional pode obrigar incondicionalmente”[1].

Por outro lado, é preciso chamar a atenção para elementos que podem trazer sofrimento e culpa por meio da religião. Talvez aí esteja um dos motivos para seu distanciamento e esvaziamento. É preciso entender que o sentido que falamos anteriormente tem ressonância em cada indivíduo, em cada alma, em distintas conexões inconscientes. No Cristianismo, por exemplo, como se trata de uma religião revelada, há a exigência de interpretação e de acolhimento da Palavra por cada ser, individualmente e comunitariamente. É preciso interpretar a mensagem diante dos desafios de cada época.

Por isso, o Cristianismo sincero não pode fugir jamais de seu horizonte: aquele da vulnerabilidade. E esse horizonte revela a condição humana: a de vulnerabilidade corpórea. Essa condição é justamente aquela que deu origem ao cristianismo: a da Encarnação. O verbo se fez carne, se fez humano, se fez corpo. O Reino foi um “reino invertido”, a partir dos pobres, oprimidos, vulneráveis, a fortaleza se mostrou na fraqueza, o poder no “não-poder”, a vingança no perdão.

Assim, a religião deve servir para libertar os humanos da culpa e não os inserir mais e mais nela. Este pode ser um caminho perverso. A culpa gera paranoia, neuroses, depressão, desistência da vida. A beleza do “religare” se transforma em violência do sagrado. As religiões constituem uma das construções de maior excelência do ser humano. Todas elas trabalham com o divino, com o sagrado, com o espiritual, mas não detêm o monopólio do espiritual. Ele é um dado antropológico, da dimensão do profundo. Ocorre que as religiões podem se auto finalizar e se autonomizar, articulando os poderes religiosos com outros poderes ideológicos e políticos.[2]

É muito comum, nos dias de hoje, verificamos sinais de aceitação, de resiliência, ao afirmar que tudo o que está acontecendo foi “Deus que quis”, mas, ao mesmo tempo, ressalta que não dá para entender completamente todo o acontecido. Parece uma mistura de revolta diante do trágico, mas ao mesmo tempo de medo, diante do que inexplicável. Eis mais um lado violento do sagrado.

Esse é o mundo onde o habitar é movido pelo inevitável, onde tudo parece atender a urgente necessidade que a tudo sacraliza. Rebusca as longínquas terras da infância e, na potencialidade ali resguardada – no encantamento sem reservas, lá onde nos desvencilhamos do medo de estar entre o dizível e o indizível -, encontra modos para des-criar a obviedade existente. Conclama-nos a penetrar por frestas da subjetividade, da liberdade individual, conscientes de que no império do necessário e da impossibilidade não há sujeito, não há liberdade, tampouco criação.[3]          

Embora não se trate de negar que o ser humano tenha uma tarefa a realizar, a luta pela ética é a luta pela liberdade, ou seja, luta para que possamos experimentar nossa “própria existência como possibilidade ou potência”.[4]

Segundo o filósofo italiano, Giorgio Agamben,[5] tornar algo sagrado era, no Direito Romano, um conceito que designava a fuga das coisas da esfera do direito humano. Ao buscar a origem do termo “religio”, nosso filósofo descobre que não deriva de “religare”, mas de “relegere”, que indica justamente o caminho oposto: o que de seve observar para respeitar a separação entre o sagrado e o profano. Dessa maneira, a religião não se opõe à incredulidade e à indiferença em relação ao divino, mas à “negligência” com relação a ele, uma atitude livre e espontânea.

O Papa Francisco também ressalta a função e a primazia do “religare” em nossos tempos: “As religiões estão a serviço da paz e da fraternidade. Por isso, este encontro impele os líderes religiosos e todos os fiéis a rezarem insistentemente pela paz, não se resignarem jamais com a guerra e agirem mediante a força suave da fé para pôr fim aos conflitos.”

Adentrar o real, estar próximo às alteridades, propor caminhos de um novo humanismo… Eis as missões urgentes da espiritualidade contemporânea.


[1] BOFF, Reflexões de um velho teólogo e pensador, p. 124-125.

[2] BOFF, Reflexões de um velho teólogo e pensador, p. 171.

[3] BÊTA, J. L., Madras, p. 28.

[4] AGAMBEN, G., Estado de exceção, p. 9.

[5] AGAMBEN, G., Estado de exceção, p. 65.

/*! elementor – v3.6.5 – 08-05-2022 */ .elementor-widget-image{text-align:center}.elementor-widget-image a{display:inline-block}.elementor-widget-image a img[src$=”.svg”]{width:48px}.elementor-widget-image img{vertical-align:middle;display:inline-block}

Prof. René Dentz
É
 católico leigo, professor do departamento de Filosofia, curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 8 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) e “Vulnerabilidade” (Ideias e Letras, 2022). Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia”, na FAJE-BH.

]]>
44927
Sabedoria, amor e paz: fraternidade e alteridade. https://observatoriodaevangelizacao.com/sabedoria-amor-e-paz-fraternidade-e-alteridade/ https://observatoriodaevangelizacao.com/sabedoria-amor-e-paz-fraternidade-e-alteridade/#comments Wed, 16 Mar 2022 19:15:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44292 [Leia mais...]]]>

Em momentos de guerra, não tem como não ficarmos espantados pelas cenas de horror e barbárie de sofrimento, destruição e genocídios que estamos vendo na Ucrânia. O povo sofre, os refugiados se multiplicam. Em pleno século XXI, não acreditamos ser possível presenciarmos um conflito que pode tomar proporção enorme ser concretizado pela falta de habilidade democrática das nossas instituições, além do contraste de pensamento de parte do mundo, que não se situa dentro de um horizonte de democracia e pluralidade.

Após a segunda guerra mundial, diversos filósofos se perguntavam sobre o porquê do holocausto, da ascensão de regimes sangrentos e totalitários e, sobretudo, o que teríamos aprendido com a História e como poderíamos evitar novos eventos do tipo. É verdade que a criação da ONU e a consolidação de tratados de direitos humanos e avanços no direito internacional e humanitário propiciaram um fortalecimento da democracia e do consequente diálogo. Por outro lado, em diversos momentos e contextos regimes democráticos são atacados pela via das decisões não-racionais, pelos afetos, sobretudo pelo medo e pelo ódio. A xenofobia é um exemplo disso. A falência das democracias europeias, em sua maioria, que lidam bem com a liberdade, mas não com a fraternidade.

Qualquer ato contra a vida, inserido em ideologias, religiões ou políticas totalitárias ou democráticas exemplifica a barbárie e o fracasso da humanidade. Quando o Estado (mínimo) permite a existência de pessoas vivendo com o mínimo necessário à sua dignidade, sem moradia, comida, educação, aí está a barbárie! Também quando um regime fuzila pessoas que se colocam politicamente contrárias ao seu regime, também está aí a barbárie!

Theodor Adorno, filósofo alemão contemporâneo, afirmou que o mais urgente de pensarmos é uma educação que, de todas as maneiras, evite um novo holocausto, novo Auschwitz. Como fazer isso em termos globais hoje? Certamente não será por uma via de isolamento e ausência de diálogo. Todo movimento contrário à democracia, à ciência e a uma globalização efetiva não se colocam como vias eficazes. Logicamente, democracia e globalização devem andar juntas, de forma que os problemas globais sejam enfrentados de forma real, efetiva e verdadeiramente conjunta. A economia global, empresas, agentes financeiros, não podem ignorar os problemas sociais, as feridas à democracia e à vida. Um regime que tire a vida de forma banal não deve ser considerado da mesma maneira em negociações. É preciso limitar as hipocrisias. Temos que condenar todos os sistemas totalitários, sejam aqueles motivados por critérios fundamentalistas religiosos, sejam aqueles baseados em ideologias.

O problema não é a globalização em si, mas sim o fato dela ser motivada apenas pela esfera econômica. Nacionalismos, extremismos, xenofobia devem ser constantemente desconstruídos. O sentimento proveniente da existência do Estado-Nação deve dar lugar àquele originado de uma solidariedade universal.

Paul Ricoeur, filósofo francês, afirma que, diante de situações-limites, nos aproximamos. É a partir do testemunho de Lucie Hacpille, médica de cuidados paliativos, que essa distinção se opera claramente para o filósofo. De acordo com a médica, os doentes prestes a morrer não têm a percepção de si mesmos enquanto “moribundos”, isto é, como quem vai morrer daí a pouco, mas antes como “ainda vivos”, ainda que não mais estejam que a alguns minutos do seu falecimento. Para o “agonizante”, “ainda estar vivo” significa a emergência da mobilização dos recursos mais profundos da vida, que lhe permitem ainda se afirmar. Ela é, por assim dizer, o “Essencial” na trama do tempo da agonia. Esse “Essencial” que é, em certo sentido, o religioso, ou o religioso em comum, o qual transgride as limitações consubstanciais ao religioso confessional e confessado no limiar da morte. Em momentos de sofrimento dos povos, nos aproximamos em Espírito. Esse momento de mobilização é um momento de graça interior. Ele remete para a aparição da “coragem de estar vivo até à morte” quando a vida se escreve, face à morte, com um V maiúsculo. Contudo, pensar esse momento e a sua força, é também correr o risco de resvalar para a literatura sobre as experiências místicas: por isso mesmo, é preciso saber simultaneamente dar mostras de alguma desconfiança, enquanto se acolhe a graça interior de um determinado morrer.

Ricœur atesta o “olhar” da “compaixão” daqueles que lutam juntamente ao agonizante e os que o acompanham até à morte (Ricoeur 2007, 41). Esse “olhar” diferencia-se daquele que vê o agonizante como um moribundo que em breve deixará de viver. Não é também o do espectador que já se adianta à morte: esse “olhar” também vê o agonizante como “ainda vivo”. Também ele faz um apelo aos recursos mais profundos da vida, como se fosse levado pela emergência do “Essencial” na sua vivência de ainda-vivente. A “compaixão” não significa aqui somente o “sofrer-com”, mas também o “lutar-com” e o “acompanhamento” (Ibid.). Ela torna possível a partilha de um movimento de transcendência íntima. Ricœur desenvolve, de forma bastante fina, o “acompanhamento” do “agonizante” como “amizade no morrer acompanhado”.

É o que estamos presenciando na Ucrânia. O Papa Francisco enfatizou o drama e a realidade do conflito: “Rios de sangue e lágrimas correm na Ucrânia, não se trata apenas de uma operação militar, e sim de uma guerra que que semeia morte, destruição e miséria” (Angelus, 06/03/2022). Como não se comover com famílias sendo separadas? Hospitais sendo bombardeados? Número crescente de refugiados, pessoas tentando desesperadamente sair do país, deixando suas casas, suas vidas, suas lutas diárias? Não, a Rússia e seu sistema totalitário, bem como os que a apoiam, não encontram em lugar algum justificativa plausível às atrocidades. Assim como não encontram o sistema totalitário sírio, saudita, dos Emirados Árabes (que bombardeiam o Iêmen incessantemente, gerando destruição, morte, fome, caos…) ou da China que oprime a minoria muçulmana que vive em seu território. Sistemas que impedem a liberdade ou não permitem a igualdade, são fracassados… Sim, são muitos os exemplos, nesses casos. O mundo fracassa, mas não é uma condição natural, é possível a mudança. Um outro mundo é possível!

A educação deve contribuir para a efetivação desse processo. Por mais filosofia e menos educação “moral” e cívica. Por mais crítica, reflexão, humanismo e menos tecnicismos limitados. Alteridade deve ser a palavra-chave da educação no século XXI.

Se há relações se inaugura o rompimento da totalidade da guerra, significa interromper a guerra e inaugura-se o novo, o escatológico. Assim, surge uma relação originária com o ser, no interior da experiência. Escapa-se, assim, do ser impessoal que propôs Heidegger. Lévinas propõe aqui a Escatologia da Paz Messiânica, na ordem da experiência, da linguagem, da política e totalitarismos. Dentro da ontologia é possível verificar uma relação entre os sujeitos que, ao falarem, aniquilam as diferenças. Assim, nosso pensador está em um caminho oposto a Hegel, que supõem um caminho do conceito e da consciência rumo a uma totalidade e a um fim. No Estado os sujeitos são “impessoalizados”. É preciso se voltar para o encontro com o outro, acontecendo uma acolhida. O Eschaton vem justamente do encontro com o outro.

O Infinito ou Deus não se comunica de maneira imediata, mas sim mediata, no face a face com o outro. Não foi a expressão “face a face” herdada da linguagem bíblica? Mas na Bíblia trata-se do face a face com Deus. Face a face vivido por Moisés (Ex 33, 11: “O Senhor falava com Moisés, face a face, como se fala a uma pessoa”), desejado pelo salmista (Sl 13, 2; 17; 15), mas na maior parte das vezes recusado: “não podes ver minha face pois o humano não pode me ver e continuar em vida” (Ex 33,20; 33,23). Esse face a face com Deus é transposto por Lévinas como face a face com o outro. O rosto do outro não é da ordem do visível, nem mesmo do ver. Ele não é a figura cujos traços da boca ou dos olhos eu possa detalhar. Ter acesso ao rosto não é observá-lo, contemplá-lo, subtrair-lhe o rosto. O rosto é da ordem da palavra. Ele significa não como uma figura sobre um fundo, mas sem contexto, independentemente de seus contextos social, racial, cultural ou religioso, independentemente de sua carteira de identidade ou de seu passaporte. Ele enuncia um mandamento: “não matarás” ou “não cometerás assassinato”.

/*! elementor – v3.5.6 – 03-03-2022 */
.elementor-widget-image{text-align:center}.elementor-widget-image a{display:inline-block;width:var(–img-width)}.elementor-widget-image a img{width:100%}.elementor-widget-image a img[src$=”.svg”]{width:48px}.elementor-widget-image img{vertical-align:middle;display:inline-block;width:var(–img-width)}

René Dentz
É católico leigo, professor do departamento de Filosofia e do curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 7 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020). Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia”, na FAJE-BH.

]]>
https://observatoriodaevangelizacao.com/sabedoria-amor-e-paz-fraternidade-e-alteridade/feed/ 1 44292
Fake News e consciência: como produzimos (e acreditamos em) notícias falsas https://observatoriodaevangelizacao.com/fake-news-e-consciencia-como-produzimos-e-acreditamos-em-noticias-falsas/ Thu, 28 Nov 2019 18:11:22 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33621 [Leia mais...]]]> Fake News e consciência são dois conceitos que não deveriam estar juntos numa mesma frase. Entretanto, os modos de produção das Fake News, bem como elas são difundidas, assimiladas e cridas, tem muito a ver com o funcionamento da consciência. Um pouco disso pode ser percebido na canção de Ataulfo Alves, quando reclamou da atitude da amada, que era diferente da serviçal Amélia: “você não sabe o que é ter consciência”. Ele ainda guardava lembrança daquela mulher submissa com quem conviveu, ao ponto de acreditar que todas as mulheres deveriam ser assim.

O Facebook e o Instagram anunciaram em outubro que vão fazer a checagem do conteúdo para atribuir um rótulo de “informação falsa” nos posts e stories que contenham notícias mentirosas. Há dois problemas nisso: o primeiro é que Fake News não são meramente notícias mentirosas (a mentira nunca se mostra tão evidente); e a segunda é que a checagem de notícias é um serviço caro (e quem posta Fake News quer atingir algum ganho com isso). As medidas incluem a redução de acessos dos sites que propagam os conteúdos que forem rotulados.

O que tem sido chamado de Fake News? Inclui: notícias mentirosas, parciais, tendenciosas e até replicadas ou tiradas de um acontecimento antigo para se referir a um fato atual. Quem produz Fake News geralmente é quem está interessado em desviar a atenção, interferir nas escolhas e decisões das massas, induzir um determinado comportamento de consumo ou mesmo uma ideologia, destruir ou mesmo construir a imagem de algum ícone, celebridade ou personagem pública que precisa estar ou não em evidência num dado momento. Os motivos podem ser diversos. E aqueles que produzem Fake News atuam como think tanks, financiados por grandes corporações, grupos políticos e movimentos ideológicos cuja base pode estar num outro país. Ou seja, o combate à Fake News envolve uma estratégia de guerra internacional.

O anúncio de que um determinado conteúdo é falso ou mentiroso desperta ainda mais a curiosidade, visto que não estamos lidando apenas com a veiculação de informações, mas com os modos de produção de sentido e de interpretação. Entramos em uma área até então nebulosa da ciência: o que é a consciência e como ela trabalha. Apesar dos avanços da neurociência, os estudos da consciência ainda são uma grande incógnita que ocupa cientistas e filósofos. A consciência é considerada por muitos como o último limite do conhecimento a respeito da condição humana. Quando esse mistério for desvendado, novas possibilidades serão abertas para a Psicologia, para o tratamento de problemas Psiquiátricos e inclusive para a Inteligência Artificial.

A consciência é tanto uma forma de conhecimento de si, como também um processo de como nossa mente lida com experiências, emoções e informações que temos durante a vida toda. Tudo está gravado para ser usado nas várias situações e contextos que vivenciamos. Nesse processo, a consciência depende da memória, da linguagem e das emoções. Num procedimento rápido, nossa memória é capaz de encontrar respostas para cada situação no meio do que está guardado de alguma forma em algum canto de nossa mente. Pela consciência, desenvolvemos uma imagem de quem somos ao mesmo tempo em que produzimos sentidos e respostas para o que enfrentamos a fim de dar conta desse eu imaginado. O que não gostamos, deixamos escondido em algum lugar – nas sombras, como diria Jung –, mas que de algum modo insiste em aparecer.

Fake News é uma notícia que, embora seja falsa ou falseada, agrada essa consciência escondida, disfarçada que carregamos dentro de nós mesmos. A verdade sempre nos confronta diante daquilo que nos envergonha ou mesmo fere saberes que acumulamos ao longo de nossa história. É horrível descobrir que você foi enganado, que acreditou numa mentira ou que foi manipulado. É mais confortável continuar acreditando nas histórias que nos contaram do que assumir a insegurança de um fato novo que coloca em xeque nossas convicções, crenças e saberes.

Não, Fake News não é coisa inventada pelos tios nos grupos da família. Elas também não são notícias mentirosas simplesmente. Elas são um produto de nosso tempo. É bem verdade que Fake News sempre existiram. Mas o modo como elas acontecem hoje está ligado à própria complexidade da produção de conhecimento. Para que uma mentira ganhe fórum de verdade, não basta ser repetida várias vezes, como ensinava o nazista Goebbels. Isso é meme. Ela precisa ser produzida de tal modo que agrade à consciência de uma massa enganada e ferida.

Sobre o autor:

Irenio Silveira Chaves

Irenio Silveira Chaves é pastor, professor e escritor. Autor do blog Filosofia e Espiritualidade. Escreveu Cristianismo sob suspeita, A sociedade justa e Ética cristã e pós-modernidade. Mestre em Filosofia e Doutor em Teologia. Mora na cidade de Niterói. É casado com Solange, e pai de Eduardo e Caroline.

Fonte:

www.coletivobereia.com.br

]]>
33621