Entrevista – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 24 Apr 2024 03:20:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Entrevista – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Exclusiva: Cardeal Parolin fala sobre a Igreja Católica no Brasil https://observatoriodaevangelizacao.com/exclusiva-cardeal-parolin-fala-sobre-a-igreja-catolica-no-brasil/ Wed, 24 Apr 2024 03:20:11 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49711 [Leia mais...]]]>
“Dias de graça”. Desta forma o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin, definiu a sua experiência em território brasileiro, especialmente nos dois dias, 10 e 11 de abril, em que pregou o retiro aos bispos do Brasil com o tema: “caminho sinodal” e as meditações sobre a “comunhão, participação e missão”. A entrevista foi acompanhada pelo arcebispo de Porto Alegre (RS) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Jaime Spengler.
O secretário de Estado do Vaticano concedeu uma entrevista exclusiva ao assessor de Imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), padre Arnaldo Rodrigues. No vídeo a seguir, Parolin disse ter se sentido à vontade junto ao episcopado brasileiro pela acolhida tanto no sentido humano quanto na fraternidade sacerdotal.
Confira, abaixo, a íntegra da entrevista na qual o cardeal fala sobre as meditações e imagens bíblicas aprofundadas no retiro com os bispos brasileiros e apresenta sua impressões sobre a Igreja no Católica no país e o catolicismo na América Latina.
Entrevista exclusiva com o cardeal Pietro Parolin: click aqui
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Entrevista: Juventude, educação e espiritualidade na pós-modernidade https://observatoriodaevangelizacao.com/entrevista-juventude-educacao-e-espiritualidade-na-pos-modernidade/ Mon, 11 Jul 2022 12:18:33 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45398 [Leia mais...]]]>

Entrevista realizada por René Dentz, professor da PUC-Minas e membro do Observatório da Evangelização (OE), ao professor Antonio Manzatto (PUC-SP).

Professor Antonio Manzatto é Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica) e Professor na Faculdade de Teologia da PUC-SP. Foi pioneiro nas pesquisas   da interface entre teologia e literatura no Brasil. É líder do Grupo de Pesquisa CAPES “Lerte”, na PUC-SP.

Nessa entrevista, prof. Manzatto analisa o comportamento da juventude na pós-modernidade a partir de suas características “líquidas” e faz uma reflexão importante sobre os caminhos da educação e da igreja em relação aos jovens.  

OE: Regina Novaes (2018), ao compreender as mudanças que impactam a relação entre jovens e religiosidade, nos mostra que a juventude contemporânea vive um tempo em que as religiões não são mais as principais fontes distribuidoras de sentido e imagens estáveis da vida entregues de geração a geração pelas autoridades religiosas, reconhecidas como tal. Ao mesmo tempo, hoje não há como falar de juventude sem falar de incertezas. Esse é o sentimento comum que atravessa toda uma geração. Da subjetividade dos jovens de hoje – com diferentes matizes e intensidades de acordo com suas condições de vida – fazem parte vários medos. A partir desses novos cenários, quais são as principais buscas, desejos, consumo, sonhos, que caracterizam os diversos rostos da juventude hoje? 

AM: Creio que a juventude de todos os tempos é, sempre, idealista. Sua característica principal é o sonho – transformado ou não em projeto concreto – que impulsiona sua vida e seu eu rumo ao futuro. Em tempos que são os nossos – de crítica à modernidade e à pós-modernidade – duas características principais se destacam, e talvez não apenas na juventude: a expectativa de que “alguém” realize o que se quer e a busca por entretenimento. A mudança de paradigma social – com a implementação do “curtir a vida”, faz com que a juventude se ligue mais com o momentâneo, mesmo que efêmero, em vez daquilo que é mais permanente ou definitivo, e daí a perspectiva do “aproveitar a vida” que se realiza, de maneira mais radical, nas drogas, por exemplo, ou de maneira mais suave nas redes sociais; também explica a violência, explícita ou não, contra aqueles que não pensam da mesma forma, e a formação de tribos as mais diversas, que caracterizam seus participantes. Por outro lado, a realização imediata de sonhos e desejos depende de “alguém que faça”, visto que são, em muitos casos, de impossível realização, ao menos a curto prazo. Daí a expectativa de “milagres e messias”, que infantilizam e vão na contramão do que é característico da juventude: o engajamento pela construção do futuro. Daí os cenários religiosos que temos atualmente, conjugados a uma desmobilização social bastante grande da juventude.

OE: A adolescência é complexa porque porta também uma ideia de limbo, quase como uma ideia de não-ser, mas tem que assumir sua liberdade. Ser e não-ser estão caminhando juntos, paradoxalmente. Há uma determinação e uma indeterminação do sujeito. O jovem não tem ainda uma identidade, busca incessantemente uma (comumente em grupos, ideias, pessoas). Como o adolescente de hoje vivencia sua liberdade no âmbito da cultura? Como podemos pensar a relação entre cultura (em especial a música), espiritualidade e juventude?

AM: Conhecemos um processo de infantilização em nossa sociedade. Sempre se espera que “alguém” faça as coisas, solucione os problemas e realize a vida desejada. Uma das características da adolescência é o não-conformismo, espécie de rebeldia, que aponta para uma insatisfação constante. A mesma sociedade é, por outro lado, narcisista ao extremo, o que repercute na necessidade de o adolescente ser como o centro das atenções. Nesse sentido, as redes sociais são importantes meios de afirmação porque, ali, há a possibilidade de realização da aparência e uma espécie de supervalorização do subjetivismo, em constantes fotos, vídeos ou ditos que querem chamar a atenção. Nesse fervilhar da sociedade é que flutuam as manifestações culturais. As referências mais tradicionais desaparecem, como as do mundo sertanejo, por exemplo, em vista de novas estéticas ou afirmação de valores. Na música, por exemplo, o “sertanejo raiz” dá lugar ao “universitário” ou à “sofrência”, o que caracteriza, exatamente, a mudança de padrões tradicionais. Se isso enfatiza a liberdade da juventude diante de comportamentos antigos, por outro lado, como expressão da sociedade que são, expressam aquilo que é visto como valor e objetivo a ser perseguido.

OE: A igreja tem conseguido apresentar aos jovens uma experiência cristã libertadora? Por que tantos jovens têm sido atraídos pelas propostas de grupos neoconservadores? 

AM: As pregações e comportamentos religiosos mais recentes apontam para a valorização dos milagres e do extraordinário como afirmação de poder. O que se cultua, ao menos em certos ambientes religiosos, é a ideia de que “alguém” vai resolver os problemas, seja Deus, o santo ou o ministro religioso; curiosamente em tempos de subjetividade, se demite aqui o papel do sujeito para que a responsabilidade da construção da vida dependa de outra pessoa, força ou realidade. Com isso se tem certa infantilização da sociedade como um todo, e a juventude dela faz parte. Entende-se, portanto, porque a mesma juventude é atraída pelos movimentos neoconservadores que, pela própria natureza, são incapazes de proporcionar uma experiência libertadora. Na busca, então, de liberdade, procuram-se líderes “carismáticos” e diferentes do tradicional que conduzirão a nova forma de dependência, estabelecendo verdadeiro círculo que denuncia como o atual sistema social é capaz de colocar a religião a seu serviço.

OE: Como a Igreja se posiciona hoje em relação aos impactos da desigualdade social na vida dos jovens? Quais são as respostas pastorais em curso? 

AM: As questões relacionadas à sociedade quase que desapareceram do cenário eclesial, reduzidas às atividades das chamadas “pastorais sociais”. Apenas mais recentemente, por conta do magistério do Papa Francisco, é que algumas questões retornaram às preocupações pastorais, como o compromisso em favor da vida e do meio ambiente. A questão da desigualdade social tem permanecido no âmbito das atividades de assistência ou situações de emergência, não alcançando realidades mais estruturais. A juventude, nesse sentido, tem permanecido, enquanto atividades pastorais, mais ligadas a questões de espiritualidade e organização eclesiástica que propriamente atividades de transformação social. Enquanto ligadas aos movimentos eclesiais, as iniciativas pastorais que contemplam a juventude não alcançam a dimensão sociopolítica por exemplo, permitindo que esse espaço seja ocupado pelos setores mais conservadores da Igreja e da sociedade.

OE: Hoje muito se fala sobre a inserção de mulheres em espaços de decisão da Igreja, o que tem sido um desafio enfrentado, não sem grandes resistências, por parte da hierarquia, com vários acenos positivos do Papa Francisco. No entanto, não se fala dessa mesma inserção do ponto de vista da juventude. Na verdade, os jovens que aparentemente estão mais próximos da hierarquia são aqueles em formação para o sacerdócio e, justamente estes, encontram-se na muitas vezes em condições ainda mais rígidas de vigilância, dependência e submissão. A ausência efetiva de jovens dentro de espaços privilegiados de decisão da Igreja não seria um impedimento para que suas questões fossem de fato contempladas nas reflexões eclesiais? Que espaços têm sido criados e que movimentos têm sido feitos para a manifestação e escuta ativa da juventude junto à uma hierarquia cuja alta cúpula é formada, majoritariamente, por idosos?

AM: Essa talvez seja uma realidade, e a Igreja encontra dificuldades para, no espírito da Christus Vivit, entender que o jovem é sujeito evangelizador da juventude. Mas creio que a questão não é exatamente de idade, em uma espécie de conflito de gerações, mas sim de perspectiva eclesiológica. Uma Igreja que é de todos, tendo todos como sujeito, comporta um lugar para a juventude; a Igreja que é apenas hierárquica, não tem lugar para quem não se submeta, simplesmente, ao poder estabelecido. A distância entre a Igreja e a juventude não é apenas de escuta ou de linguagem, é de modelo, no sentido de se ter como referência fundamental o Evangelho de Jesus e não situações específicas de comportamento religioso. 

OE: Frequentemente as instituições de ensino católicas se veem desafiadas por uma aparente contradição entre o pluralismo cultural e religioso da sociedade contemporânea e a consolidação de sua identidade confessional. Além disso, vemos também a tenção existente entre se manter viva e relevante no mercado educacional sem perder-se em estruturas elitistas que favorecem a desigualdade ao invés de minimizá-la. Nesse aspecto, as escolas e universidades católicas tem ainda um papel a cumprir junto à juventude no que diz respeito à transmissão de valores realmente evangélicos? E como favorecer aos jovens estudantes desses espaços uma experiência cristã madura que garanta não somente a excelência acadêmica, mas também uma formação humanista característica do cristianismo? 

AM: Creio que uma escola católica, sobretudo a universidade, é em primeiro lugar escola, e por isso precisa ter a qualidade acadêmica como distintivo fundamental. No caso específico da universidade, o que a caracteriza, em primeiro lugar, é sua necessidade de excelência acadêmica. Essa não é exclusivamente técnica, mas também humana, confessional e, por isso, aberta à realidade dos que mais sofrem. Quando se perdem de vista tais realidades, pensa-se que a universidade é apenas para formar para uma profissão rentável e que o fato de ser católica significa que é uma subsidiária da sacristia. Na verdade, os valores evangélicos são o fundamento para aquilo que chamamos de valores humanos, e é exatamente essa perspectiva de um humanismo renovado, para o qual o Papa Francisco convoca a todos, que deve presidir as preocupações de uma universidade católica.

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“POR QUE JULGAMOS QUE A DIFERENÇA SEJA UM PROBLEMA?”, Entrevista com o filósofo camaronês Achille Mbembe. https://observatoriodaevangelizacao.com/por-que-julgamos-que-a-diferenca-seja-um-problema-entrevista-com-o-filosofo-camarones-achille-mbembe/ Wed, 27 Jan 2021 18:57:19 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37758 [Leia mais...]]]> Evangelizar é anunciar-testemunhar a boa nova encarnada na pessoa de Jesus, em seus ensinamentos e gestos, de um Amor divino, gratuito e universal, que liberta, que nos irmana e que nos encanta e nos transforma para cultivar a centralidade do amar, do cuidar e do servir, desde os mais vulneráveis e necessitados. O que significa evangelizar no contexto contemporâneo repleto de ódio e violência, de divisões e de exclusões, de descartes e indiferenças, de racismos e sexismos, de destruições e especismos? Acreditamos que o conteúdo da entrevista de Achille Mbembe pode alimentar e ampliar o horizontes de nossas reflexões. Nesse sentido, o Observatório da Evangelização a disponibiliza aqui. Isso porque nesta entrevista, o filósofo e intelectual camaronês fala sobre a importância das diferenças e das singularidades, do pluralismo e da democracia, da xenofobia e nacionalismo, do lugar do estrangeiro e dos perigos de “culturas únicas” e, nas entrelinhas, deixa claro a importância dos espaços de troca de ideias e da articulação para a diferença.

Confira:

POR QUE JULGAMOS QUE A DIFERENÇA SEJA UM PROBLEMA?

Achille Mbembe. Foto: Nicolas MARQUES / KR Imagens Presse

1. Minha primeira observação tem a ver com a questão da diferença. A questão é: o que queremos dizer com a palavra diferença? Por que ela está tão naturalizada? E o que devemos fazer com a diferença?

R.: A premissa aqui é de que a diferença tem que ser reconhecida, aceita e ao mesmo tempo transcendida. Pois a suposição – não apenas no mundo em que vivemos hoje, mas também em períodos anteriores da história humana – é de que a diferença é um problema com o qual se precisa lidar. Então, o primeiro movimento que poderíamos desejar fazer é questionar tal suposição. Por que é que achamos que a diferença é um problema? Por que ela não é simplesmente um fato da realidade? A diferença é um problema apenas se acreditarmos que a uniformidade é o estado normal das coisas. A diferença se tornou um problema político e cultural no momento em que o contato violento entre povos, por meio da conquista, do colonialismo e do racismo, levou alguns a acreditarem que eram melhores que outros. No momento em que começamos a fazer classificações, institucionalizar hierarquias em nome da diferença, como se as diferenças fossem naturais e não construídas, acreditando que são imutáveis e portanto legítimas, aí sim ficamos em apuros.

A diferença se tornou um problema político e cultural no momento em que o contato violento entre povos, por meio da conquista, do colonialismo e do racismo, levou alguns a acreditarem que eram melhores que outros. No momento em que começamos a fazer classificações, institucionalizar hierarquias em nome da diferença, como se as diferenças fossem naturais e não construídas, acreditando que são imutáveis e portanto legítimas.

Achille Mbembe

2. E alguns talvez não se viam apenas como melhores, mas diferentes no sentido de acharem que todo mundo tem que ser como a si próprio?

R.: Sem dúvida o pressuposto é de que todo mundo tem que ser “como eu”. E quem não for como eu tem um problema ou, mais precisamente, é um problema. Há algo errado com ele ou ela. Se o objetivo é construir um mundo comum, não podemos começar com perguntas como: “Por que eles não são como eu?”, “por que não se comportam como eu?”, “por que veneram deuses esquisitos?”. Temos que começar com um acolhimento geral da singularidade e da originalidade. A diferença é aquilo de que sinto falta. Precisamos sair desse impasse em que nos instituímos como norma em contraste com a qual todo o resto é anormal, ou desviante, e portanto problemático. O poder de instituir o que se considera a norma tem que ser redistribuído de modo equânime. E também a capacidade de contestar a norma.

Por outro lado, na maior parte do tempo, a diferença surge sob vários nomes. Ela surge sob o nome de “tradição”, de “cultura”, de “religião”, de “gênero” ou “raça” etc… Sob certas circunstâncias, alguns abraçam a diferença no sentido de querer preservar seus modos de ser, ou o que chamam de seus modos de vida, por acreditar que tais modos de vida estão ameaçados. A ameaça vem de fora, ou de forasteiros que agora fazem parte da população. E proteger-se dessa ameaça requer a expulsão do forasteiro. Outros usam a diferença estrategicamente, seja como um modo de garantir direitos que de outra forma não teriam, seja como um modo de justificar a concessão de tais direitos a grupos inteiros de pessoas. A diferença importa mais em termos do tipo de uso que se faz dela, de quem a usa e com que propósito.

3. As pessoas dizem que deveria haver direitos humanos básicos, mas ocorre que algumas culturas deixam claro que as mulheres, por exemplo, têm menos direitos, ou não devem ser tão livres quanto os homens, nem vistas como eles.

R.: Hoje em dia, o termo “cultura” é frequentemente usado para afirmar a impossibilidade de mudança. Muitos usam esse termo para se referir a uma supremacia biológica. Em tais casos, estamos lidando com justificativas ideológicas das relações de poder e dominação existentes. São justificativas canhestras de privilégios de poder ou status. A cultura tem a ver fundamentalmente com a formação, com o vir a ser. Tem a ver com criatividade, indeterminação e transformação. Não tem a ver com passadismo, essências e costumes fixos.

Muitos usam a cultura como meio de reafirmar divisões estabelecidas, sejam elas divisões de gênero, de raça ou religião. O fato é que muitos que adotam essa argumentação não gostariam de ser tratados como as mulheres costumavam ser ou são tratadas ainda hoje em muitas partes conservadoras do mundo. Muitos brancos não iriam querer ser tratados como negros eram tratados na época da segregação ou como ainda são tratados no complexo prisional-industrial norte-americano de nossa era. Muitos ocidentais não iriam querer ser tratados como os muçulmanos são tratados na Europa e na América atuais. Portanto, desejar a outra pessoa um tratamento que eu consideraria odioso se fosse aplicado a mim e tentar justificar isso em nome da cultura, da tradição ou da religião é uma forma de presunção. Não deveríamos desejar aos outros aquilo que não desejaríamos para nós mesmos.

Hoje em dia, o termo “cultura” é frequentemente usado para afirmar a impossibilidade de mudança… Em tais casos, estamos lidando com justificativas ideológicas das relações de poder e dominação existentes. São justificativas canhestras de privilégios de poder ou status. A cultura tem a ver fundamentalmente com a formação, com o vir a ser. Tem a ver com criatividade, indeterminação e transformação. Não tem a ver com passadismo, essências e costumes fixos.

Achille Mbembe

4. Você diria que, se as culturas não podem ser estabilizadas ou fixadas, e se é possível desenvolver as culturas mediante trocas, mediante influências de outras culturas, no final deixariam de existir diferenças? E que acabaríamos tendo uma única cultura? Você acha que esse pode ser o resultado da globalização? E uma vez que sabemos que a diferença é essencial, não seria muito importante aferrar-se às diferenças e às culturas específicas – no sentido de preservá-las?

R.: A ideia de uma única cultura é uma ideia ruim e perigosa. As pessoas investem enormemente nas diferenças. Se chegássemos todos a acreditar no mesmo Deus, falar a mesma língua, comer a mesma comida, cantar as mesmas canções, tocar os mesmos instrumentos, tenho certeza de que isso não seria o fim. As pessoas dariam um jeito de exumar algumas características, alguns sotaques perdidos. Repito: um mundo de singularidades não é algo ruim. Os problemas começam quando começamos a legislar sobre a diferença, atribuindo posições baseadas em tais designações arbitrárias, discriminando com base no que frequentemente não passa de puro preconceito. Mas temo que, nesta época de animosidade generalizada, muitos queiram viver apenas entre os seus. O desejo de segregação nunca foi tão avassalador. A própria história está sendo naturalizada de novo. A diferença não é mais uma questão de originalidade e singularidade. É uma questão de separação, de construir muros, de militarizar fronteiras, imunizar corpos contra ameaças externas, reais e inventadas.

5. Então ser diferente é uma necessidade básica?

R.: É provavelmente, se não uma necessidade básica, ao menos um profundo instinto ou impulso dos indivíduos, bem como de entidades maiores. Não creio que o desejo de diferença possa algum dia ser erradicado. É provavelmente uma estrutura profunda do que significa ser um ser humano. Mas aspirar à singularidade não é o mesmo que cultivar a diferença. Não é o mesmo que instituir a diferença como algo que é absoluto, algo em cujo nome se queira matar ou morrer.

O mundo em que vivemos hoje é um mundo no qual você encontrará muita gente que prefere morrer ou matar em nome da diferença em vez de dispor-se a arriscar sua existência em nome do que é comum a todos. Estamos em perigo de perder completamente de vista o que temos em comum. Nem mesmo a ameaça real da extinção ecológica tem sido capaz de nos despertar de nosso sono dogmático da diferença. E, no que me diz respeito, isso é aflitivo.

Não creio que o desejo de diferença possa algum dia ser erradicado. É provavelmente uma estrutura profunda do que significa ser um ser humano. Mas aspirar à singularidade não é o mesmo que cultivar a diferença. Não é o mesmo que instituir a diferença como algo que é absoluto, algo em cujo nome se queira matar ou morrer. O mundo em que vivemos hoje é um mundo no qual você encontrará muita gente que prefere morrer ou matar em nome da diferença em vez de dispor-se a arriscar sua existência em nome do que é comum a todos.

Achille Mbembe

6. Quem decide onde repousa o equilíbrio entre a uniformidade e o desejo de diferença? E quais são os instrumentos para manter esse equilíbrio, especialmente se lidamos com culturas?

R.: As forças óbvias e subterrâneas que empurram para algum tipo de homogeneização são extremamente poderosas. Forças de mercado e o tipo de capitalismo que estamos experimentando nesta fase da história humana são poderosos vetores nesse sentido. Eles aceleram a nova dialética de homogeneização e diferença. Várias religiões universalistas – certas formas de islã, de pentecostalismo cristão – são movidas por poderosas forças homogeneizadoras. A maior das religiões – a mercadoria – é definitivamente uma força desse tipo. Portanto não podemos subestimar esses processos. A diferença é o equivalente do inconsciente de hoje.

E há um outro ponto a ser abordado, que diz respeito à ideia de direitos humanos. Penso que é um conceito que está em crise: o conceito de direitos humanos. Não apenas porque a ideologia dos direitos humanos é manipulada hoje em dia por todo tipo de pessoas. Ela faz parte de uma luta global por hegemonia. Então eu acusarei com facilidade meus inimigos de violar direitos humanos enquanto esqueço convenientemente os modos como eu mesmo não os levo assim tão a sério. E o uso seletivo da ideologia dos direitos humanos para atingir objetivos geopolíticos é algo que todos conhecemos muito bem. Mas a crise a que me refiro é ainda mais importante, porque não há consenso algum hoje quanto ao que constitui o humano. Seria o humano meramente uma espécie de acidente natural, ou é mais do que um acidente da natureza?

Várias religiões universalistas – certas formas de islã, de pentecostalismo cristão – são movidas por poderosas forças homogeneizadoras.

Achille Mbembe

7. A seu ver, que papel a cultura desempenha nisso?

R.: Será preciso inventar ações ou práticas culturais que contemplem uma concepção ultra-abrangente de direitos. Provavelmente teremos que partir da premissa de que nosso planeta é habitado por um pouco mais do que simplesmente os humanos. Os humanos não podem ter o monopólio de direitos sobre o planeta. A própria democracia, pelo menos em sua encarnação ocidental, não tem sido mais do que uma democracia dos que se parecem entre si. Para que a criatividade cultural desempenhe importante papel nas recalibragens que são urgentemente necessárias, teremos que pensar para além do humano enquanto tal.

Precisaremos pensar em termos dos seres vivos de modo mais geral. O que esse tipo de concepção demanda é um conjunto de novas práticas, cujo objetivo seria portanto fomentar essa espécie de abertura para a totalidade do nosso mundo, do mundo que habitamos, e isso teria menos a ver com a preservação do que julgamos ser nossas origens ou nossas especificidades, e mais com o cuidado, com uma ética do cuidado, e ética e abertura diante do desconhecido. Porque hoje imaginamos tradições ou culturas não como uma coisa que já conhecemos. Sabemos o que elas são e desejamos protegê-las, defendê-las e preservá-las.

Precisaremos pensar em termos dos seres vivos de modo mais geral. O que esse tipo de concepção demanda é um conjunto de novas práticas, cujo objetivo seria portanto fomentar essa espécie de abertura para a totalidade do nosso mundo, do mundo que habitamos, e isso teria menos a ver com a preservação do que julgamos ser nossas origens ou nossas especificidades, e mais com o cuidado, com uma ética do cuidado, e ética e abertura diante do desconhecido.

Achille Mbembe

8. E elas são uma propriedade.

R.: É necessário sair com urgência de um entendimento da cultura como propriedade. Isso precisa vir com um abraço consciente do que é distante e desconhecido, e em função disso me parece absolutamente necessária a criação de diferentes disposições e sensibilidades.

9. Isso deve partir da própria esfera cultural do sujeito, porque se vier de uma cultura diferente, desencadeando algo novo, haverá um confronto, ou pelo menos não se obteria a aceitação.

R.: Exemplos da África parecem indicar outra coisa. O que é notável aqui é a capacidade das pessoas de mobilizar recursos culturais autóctones para abraçar o que é novo, venha este de fora ou não. Tome por exemplo religiões, sistemas de governo, economias de mercado. A África é um laboratório extraordinário. Aqui, as pessoas têm mostrado uma espantosa capacidade de absorver uma porção de coisas que não são criadas por elas. Elas as transformam em coisas que lhes são úteis e seria um tanto preguiçoso concluir que, ao fazer isso, estão apenas mostrando a extensão da sua alienação. Uma lógica diferente está em funcionamento nesse laboratório – a lógica da composição em oposição à das fronteiras.

Dito isso, num mundo em que o racismo é cada vez mais centrado na cultura, ao mesmo tempo em que justificativas biológicas do racismo estão reemergindo, precisamos ser mais do que cuidadosos. Em nome, digamos, da “emancipação da mulher”, do “progresso de gênero” e dos “direitos reprodutivos”, não podemos ficar cegos ao risco de resvalar da promoção dos direitos humanos ao exercício da dominação cultural ou à perpetuação de hierarquias globais.

Aqui [em África], as pessoas têm mostrado uma espantosa capacidade de absorver uma porção de coisas que não são criadas por elas. Elas as transformam em coisas que lhes são úteis e seria um tanto preguiçoso concluir que, ao fazer isso, estão apenas mostrando a extensão da sua alienação. Uma lógica diferente está em funcionamento nesse laboratório – a lógica da composição em oposição à das fronteiras.

Achille Mbembe

10. Mas vamos voltar à diferença. Questionar culturas ou tradições específicas é evidentemente essencial para o desenvolvimento. Mas não pode também levar a confrontos? Coisas terríveis acontecem em nome da cultura.

R.: De fato, coisas terríveis acontecem em nome da cultura. Confrontos acontecem quando uma entidade poderosa sai por aí definindo como “cultura” ou “civilização” aquilo que, na verdade, não passa de uma manifestação parcial da experiência humana. Confrontos começam quando nos arvoramos a impor a outros o que, na verdade, é uma língua local. Isso foi o que aconteceu com o colonialismo.

11. Mas como se poderia desencadear a mudança a partir de dentro?

R.: Ela pode vir de dentro, porque essas coisas sempre foram contestadas. O discurso dos homens grandes e poderosos, justificando o que fazem em nome da cultura, esse discurso sempre esteve presente, mas há contradiscursos se examinarmos a arqueologia dessas formações. Encontraremos todo tipo de contradiscursos e contranarrativas em fábulas, em canções, em esculturas. Sempre houve uma cultura da dissidência, cuja história tendemos a esquecer, portanto eu sustentaria que uma redescoberta dessas camadas sedimentadas de dissidência é o primeiro passo para quem quiser provocar uma transformação a partir de dentro.

Uma espécie de transformação que não pode ser imediatamente rejeitada como algo estrangeiro. O melhor exemplo é o postulado de que a homossexualidade é uma coisa não-africana; e isso não é verdade de modo algum. Ela não vem de fora. Mas é aí que o trabalho do conhecimento e do conhecimento crítico se torna extremamente importante para fertilizar novos movimentos e especialmente para abrir o território da imaginação, o raciocínio de que, mesmo que as coisas tenham sido assim antes, isso não significa que devam ser assim sempre. Mas podemos imaginar que isso cria algo inteiramente novo, radicalmente novo, e é esse tipo de aspiração a criar algo radicalmente novo que precisa ser cultivado, em vez do apego a pequenas diferenças. Mas para fazer isso é preciso ter movimentos sociais, é preciso ter gente organizada. É preciso ter instituições.

Sempre houve uma cultura da dissidência, cuja história tendemos a esquecer, portanto eu sustentaria que uma redescoberta dessas camadas sedimentadas de dissidência é o primeiro passo para quem quiser provocar uma transformação a partir de dentro.

Achille Mbembe

12. Isso se for de fato um esforço cultural para aceitar a transcendência e a diferença, e não o contrário, no sentido de que poderíamos não querer aceitar e transcender as diferenças e que a cultura seria de fato o modo de preservar a diferença.

R.: O reconhecimento da diferença requer esforço cultural, mas requer também trabalho político, trabalho institucional, sobretudo em contextos como o da África do Sul. Mas estou pensando em outros contextos também, nos quais a diferença é usada como alavanca para instituir relações de desigualdade e injustiça. E essa cultura é utilizada como outros instrumentos de transformação na área política, em termos de igualdade na área econômica, em termos de enfrentar a questão da má distribuição. Institucionalmente, em termos de acesso igual a recursos de cidadania para homens, mulheres, negros, brancos e assim por diante.

13. A expressão cultural precisa da diferença, porque deriva da diferença, caso contrário não teria se desenvolvido. Mas também dissemos que a expressão cultural pode ser o veículo para a resolução da crise, o começo do diálogo, porque a diferença é interessante. Assim, por um lado, poderíamos dizer que as culturas são motivo de confrontos, e por outro lado podem ser o meio de avançar, de encontrar um terreno comum, de compartilhar espaços. Eu me interessaria pelo seguinte: em que formatos, por meio de que ideias, esse tipo de abordagem de tentar alcançar um diálogo pode ser empreendido?

R.: Num determinado sentido essa abordagem é empreendida por meio do conhecimento – conhecimento da natureza e dos significados controversos de várias formas de expressão cultural. O que geralmente é descrito como “choque de culturas” ou “choque de civilizações” não passa de choque de ignorância. O conhecimento profundo é necessário porque o entendimento só pode resultar do conhecimento. Mas o conhecimento em si e por si não basta. Não é porque conhecemos que necessariamente concordaremos. E eu de fato não acredito que o objetivo supremo deva ser o entendimento a qualquer custo. O objetivo supremo deveria ser o de permitir o maior número possível de manifestações do humano. E portanto a tarefa de uma sociedade democrática é proporcionar um espaço onde esse pluralismo é expressado e vivido. O problema emerge quando temos um conflito de valores e quando o Estado em particular tem que arbitrar entre demandas baseadas em diferentes valores.

O objetivo supremo deveria ser o de permitir o maior número possível de manifestações do humano. E portanto a tarefa de uma sociedade democrática é proporcionar um espaço onde esse pluralismo é expressado e vivido. O problema emerge quando temos um conflito de valores e quando o Estado em particular tem que arbitrar entre demandas baseadas em diferentes valores.

Achille Mbembe

14. Então, na sua visão, de que modo esse conhecimento pode ser alcançado por meio da aceitação dos outros?

R.: O próprio conhecimento é discutível, claro. Mas pelo menos as pessoas podem concordar quanto a um conjunto de fatos, ainda que a interpretação destes seja uma questão inteiramente diferente. Por exemplo, ninguém contestará o fato de que algumas mulheres muçulmanas usam véu, mas se discutirá o significado atribuído ao ato de usar véu. É também um fato que nem todos concordarão com uma decisão como a de proibir o véu em espaços públicos. Mas penso também que esse conflito de interpretações é absolutamente normal.

A diferença cultural se torna problemática no momento em que é feito um julgamento com o intuito de classificação ou hierarquização, com o intuito de dizer: o que você faz não é normal e portanto você tem que mudar e fazer do jeito que eu faço. É nisso que consistiu a definição colonial de cultura. Consistiu no fato de eu vir aqui e achar que o modo como você faz as coisas não é moderno, é primitivo e irracional e tem que mudar. Você precisa parar de fazer as coisas do seu jeito, e fazê-las como eu lhe digo para fazer. É aí que temos confrontos. A cultura não pode ser uma questão de determinismo.

A diferença cultural se torna problemática no momento em que é feito um julgamento com o intuito de classificação ou hierarquização, com o intuito de dizer: o que você faz não é normal e portanto você tem que mudar e fazer do jeito que eu faço. É nisso que consistiu a definição colonial de cultura.

Achille Mbembe

15. O que se poderia fazer para levar alguém – por exemplo na França – a aceitar que as mulheres não têm permissão para cobrir seu cabelo, sem ter preconceitos, sem pensar que isso é algo que tolhe sua liberdade? Porque a proibição obviamente não está funcionando.

R.: Não há rigorosamente razão alguma pela qual as mulheres que queiram cobrir seu cabelo não tenham permissão para fazê-lo. O que eu faço ou não faço com o meu cabelo não é, rigorosamente falando, assunto de ninguém. Em tais questões a lei é importante, claro. Mas a lei é limitada quando se trata de questões de cultura, no sentido de questões de valores. É muito difícil legislar sobre questões de valores, de interpretação e significado. O que a lei geralmente faz é tentar restringir o espaço de deliberação e sabemos muito bem que, ao tentar limitar o espaço de deliberação, a lei simplesmente introduz mudanças nos termos da discussão. Então o que é de fato importante é manter aberto esse campo de deliberação. Diante disso todo o resto é secundário. Mudar a mente de outras pessoas por meio do cinema, da literatura, da música, da arte é importante, mas o que é mais importante é manter aberto o espaço de articulação de diferentes possibilidades de ser.

Mudar a mente de outras pessoas por meio do cinema, da literatura, da música, da arte é importante, mas o que é mais importante é manter aberto o espaço de articulação de diferentes possibilidades de ser.

Achille Mbembe

16. Então é uma espécie de multiculturalismo e do direito de vivê-lo sem cercear uns aos outros? Existe neste planeta um lugar em que isso ocorra?

R.: Na verdade, têm existido muito poucas sociedades fechadas, incluindo sociedades que tentam se definir como homogêneas. Praticamente não existiu algo que se possa chamar de sociedade fechada. De modo que temos na história da humanidade um imenso arquivo de coabitação e coexistência, entrelaçamento, mistura. É isso o que todos os impérios representam. É isso que algumas religiões permitem. Eu sustentaria que, em certa medida, a humanidade tem uma tradição muito profunda de ecumenismo, a qual não exploramos como poderíamos.

Claro que ela tem também uma longa história de conflitos terríveis, alguns deles sangrentos e mortais, mas já que estamos falando dentro do horizonte contextual de uma sociedade democrática, de direitos humanos, isso implica duas coisas. Por um lado, o projeto da democracia – porque não há democracia que seja divorciada das exigências dos direitos humanos. E por outro lado o projeto de uma comunidade humana mais ampla, um projeto cosmopolita. A democracia, fundamentalmente, é cosmopolita por essência.

De modo que o problema vem da contradição entre democracia e nacionalismo. Quando o nacionalismo se sobrepõe à democracia em seu duplo caráter de projeto universal, então o projeto cosmopolita e as diferenças culturais tornam-se um problema. Portanto a questão é: como aprofundar a democracia? O problema dos direitos humanos como problema cultural é inseparável da democracia e o meio de transcender a diferença é antes de tudo reconhecê-la, e em seguida aprofundar a democracia e um ethos cosmopolita em oposição ao nacionalismo e a várias formas de nativismo.

Praticamente não existiu algo que se possa chamar de sociedade fechada. De modo que temos na história da humanidade um imenso arquivo de coabitação e coexistência, entrelaçamento, mistura… É isso que algumas religiões permitem. Eu sustentaria que, em certa medida, a humanidade tem uma tradição muito profunda de ecumenismo, a qual não exploramos como poderíamos.

Achille Mbembe

17. O nacionalismo frequentemente não decorre do Estado – não é causado pela forma do Estado, mas muitas vezes emerge do seio da cultura nativa, do sentimento de identidade, de compartilhar a mesma cultura, a mesma língua, a mesma educação, de ter nascido na mesma área, e de ter ancestrais comuns. Isso leva a um tipo de chauvinismo que normalmente não é uma boa base para a democracia.

R.: A conclusão que provém daí, desse senso de comunidade, é sempre a de ter um Estado; de modo que a combinação da forma nação e da forma Estado nem sempre é muito favorável à espécie de versão cosmopolita da democracia de que estamos falando. Na verdade ela limita inclusive a própria ideia de direitos humanos, porque um Estado-nação basicamente só imagina direitos humanos como os direitos de seus cidadãos, em oposição aos direitos dos não-cidadãos. Portanto a diferença cultural é manipulada para estabelecer uma divisão entre cidadãos e não-cidadãos, nacionais e não-nacionais, homens e mulheres.

18. Essa é a razão da xenofobia ou, por exemplo, para o status incerto dos refugiados. Seria o deslocamento uma alternativa à estagnação cultural da nação? E se for, como se poderia promover o deslocamento? Isto é, as pessoas se deslocam para todo lado mundo afora. Está se tornando cada vez mais comum mover-se de um lado para outro. Isso poderia levar a uma espécie de aceitação das diferenças?

R.: A mobilidade é o outro. A mobilidade, a circulação, o outro, o que não significa que todo mundo que se move por aí se torna um sujeito cosmopolita, mas a pessoa tem mais probabilidade de acolher a diferença quando se expõe a outros mundos e a outros modos de vida. E portanto acredito que sim, o deslocamento é [uma alternativa à estagnação], porque outra coisa que os Estados-nações fazem é tentar criar fronteiras ao seu redor. De modo que a questão é em que medida reconhecer a diferença, e transcendê-la, requer fundamentalmente um mundo sem limites – um mundo sem fronteiras.

Sobre o entrevistado:

Achille Mbembe

Achille Mbembe é filósofo, historiador e intelectual camaronês que vive em Johanesburgo. É professor-pesquisador no WISER, o Instituto de Pesquisa Social e Econômica da Universidade de Witwatersrand, e é, ao lado de Felwine Sarr, organizador dos Ateliês do Pensamento (Dakar e Saint-Louis). PhD pela Universidade Sorbonne, lecionou na Columbia University em Nova York, na Brookings Institution em Washington D.C., na Yale University em New Haven e está atualmente na Duke University. Publicou diversas monografias no campo dos estudos pós-coloniais.

(Entrevista realizada por: Katharina von Ruckteschell-Katte, especialista em Literatura Comparada e História da Arte em Bonn. Foi diretora do Goethe-Institut em Joanesburgo e na África Subsaariana durante cinco anos. Desde 2013 é diretora do Goethe-Institut na América do Sul. Tradução: José Geraldo Couto. Grifos e adaptação para o Observatório da Evangelização, Edward Guimarães)

Fonte: 

Goethe Institut – Brasilien

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Dois anos do trágico crime socioambiental da Vale em Brumadinho: “O que está acontecendo é um crime continuado… Queremos dar voz aos atingidos e atingidas”. Entrevista com dom Vicente Ferreira https://observatoriodaevangelizacao.com/dois-anos-do-tragico-crime-socioambiental-da-vale-em-brumadinho-o-que-esta-acontecendo-e-um-crime-continuado-queremos-dar-voz-aos-atingidos-e-atingidas-entrevista-com-dom-vicente-ferreira/ Mon, 25 Jan 2021 14:11:41 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37723 [Leia mais...]]]> Tragédia de Brumadinho é exemplo da ‘economia que coloca o lucro acima da vida’, diz bispo

Bispo referencial para Brumadinho, dom Vicente Ferreira comenta sobre os dois anos do crime socioambiental da Vale que matou 273 pessoas em Minas:

Descobrimos que nosso luto tinha que ser verbo. Virar luta porque diante de tantas violações não seria possível a gente não ser uma voz política e profética.

dom Vicente Ferreira
Rompimento da barragem matou 273 pessoas (Mauro Pimente/AFP)

Por Thiago Ventura


Córrego do Feijão, distrito de Brumadinho. 25 de janeiro de 2019, 12h25. Há dois anos uma ferida aberta nas serras de Minas Gerais dói o corpo e alma de milhares de pessoas atingidas pelo crime socioambiental da mineradora Vale. O rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, conhecido como Tragédia de Brumadinho,  matou 273 pessoas, deixou 11 desaparecidas e provocou o segundo maior desastre ambiental da história do Brasil.

Na defesa dos direitos das vítimas, movimentos sociais e órgãos do judiciário têm atuado junto aos moradores. Contudo, a ação da Igreja Católica tem feito diferença no acolhimento do luto, conforto espiritual e força para reivindicar a devida reparação. Uma das vozes que têm feito ecoar esse clamor é dom Vicente de Paula Ferreira, C.Ss.R, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e referencial para a Região Nossa Senhora do Rosário (Renser). Devido a sua atuação, tem sido até mesmo reconhecido como ‘bispo de Brumadinho’.

Natural de Alegre (ES) e com 46 anos, dom Vicente é religioso da Congregação Redentorista e doutor em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Foi nomeado bispo auxiliar de Belo Horizonte e titular de Castra Nova pelo papa Francisco em março de 2017. Desde o rompimento da barragem tem se dedicado à atender os atingidos e denunciar abusos cometidos pela empresa e governantes.

Recebo críticas, mas não consigo ficar inerte diante de tantas atrocidades cometidas por empresas e por esses nossos governantes, em relação ao meio ambiente e as nossas comunidades

dom Vicente Ferreira

Entre fevereiro e março de 2020, dom Vicente participou de encontros internacionais em Viena, Bruxelas, Essen, Berlim e Genebra para falar sobe o crime socioambiental da Vale. Inclusive participou da 43ª Sessão de Direitos Humanos da ONU e concelebrou com o papa Francisco em memória das vítimas.

Seja nos salões nobres da diplomacia ou com o pé no barro de comunidades atingidas, o bispo mantém discurso afinado com os recentes documentos Laudato Si’ Fratelli Tutti na defesa do meio ambiente e dos pobres. Nesta entrevista, dom Vicente comenta sobre os dois anos da tragédia, bem como indica caminhos para evitar novas tragédias como a de Brumadinho.

É preciso mudar a cultura e para isso temos que formar as pessoas, exigir novas posturas políticas, mudar esse estilo de economia, a começar por uma vida mais simples até a criação de acordos nacionais e internacionais de proteção ao meio ambiente”

dom Vicente Ferreira

(Entrevista concedida a Thiago Ventura, para o portal Domtotal, publicada em 25/01/2021)

Dom Vicente Ferreira em oração por famílias de atingidos em Brumadinho (foto: Douglas Magno/AFP)


Confira a entrevista:

1. Nestes dois anos de Tragédia de Brumadinho, qual análise o senhor faz do tratamento que as vítimas receberam da empresa e das autoridades?

R.: A tragédia/crime da Vale, em Brumadinho, tem mostrado, cada vez mais, as estratégias perversas de um extrativismo que mata pessoas e meio ambiente. Uma economia que coloca o lucro acima da vida. São dois anos de impunidade e, no momento, denunciamos um provável acordo do estado de Minas Gerais com a Mineradora, sem a participação dos atingidos. As instâncias públicas estão enfraquecidas e as comunidades não se sentem por elas amparadas na luta por justiça. Muitas reuniões, audiências que não dão os resultados esperados. Além disso, a mineração compra as notícias, vendendo mensagens como se tudo estivesse sendo feito. Na verdade, o que está acontecendo é um crime continuado. Constantemente escutamos gritos de socorro pela falta de água, pelo domínio do território, inclusive por conflitos que a própria mineradora provoca entre as comunidades. No meio de tudo isso, estamos nós tentando defender a narrativa dos sobreviventes. Queremos dar voz aos atingidos e atingidas.

Desde o dia 25/01/19 nossa Arquidiocese de Belo Horizonte, sob orientação do arcebispo e presidente da CNBB, dom Walmor de Oliveira, tem se desdobrado, principalmente através da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário, para acompanhar as consequências dessa terrível tragédia. Num primeiro momento, acolhemos doações, amparamos as pessoas, acompanhamos as famílias enlutadas com diversas atividades. Vivemos, juntos, nossos ritos de fé, amor e esperança. Somos Igreja consoladora num cenário desolador. Depois, descobrimos que nosso luto tinha que ser verbo. Virar luta porque diante de tantas violações não seria possível a gente não ser uma voz política e profética. Aos poucos, formamos a Equipe Renser, acompanhamos as comunidades em diversos projetos, ajudamos na formação de um Coletivo dos Atingidos e Atingidas, juntamos nossa fé com a vida e nos colocamos a caminho, rezando e lutando. Povo de Deus peregrino! Como expressão forte de um ano, aconteceu a I Romaria Arquidiocesana, ano passado, e acontece, nesses dois anos, a II Romaria Regional pela Ecologia Integral a Brumadinho.

Focamos os seguintes pilares: memória das 273 pessoas mortas, das quais 11 ainda não foram encontradas, e defesa da bacia do Paraopeba, sendo que a morte de Júlio César no complexo da Mina do Córrego do Feijão, no dia 18/12/2021, reforça a incapacidade da mineradora de operar e reparar sem matar mais vítimas; denúncia do crime; luta pela reparação integral dos direitos; anúncio de uma Ecologia Integral. São cartas/vídeos produzidas pelos atingidos e atingidas, saraus, lives, vigílias, celebrações eucarísticas e o lançamento do Pacto dos Atingidos e Atingidas pelo Crime da Vale, em Brumadinho. Trata-se de um texto construído de forma coletiva e que está traduzido para o inglês e espanhol. Devido à pandemia, quase tudo acontece de maneira virtual.

2. Como evitar que novos crimes socioambientais ocorram?

R.: Essa tem sido uma das pautas muito importantes de diversas redes que estão em formação em nossa Igreja. Lembro, aqui, a Rede Igrejas e Mineração, a Comissão Especial de Ecologia Integral e Mineração da CNBB, recentemente criamos em nosso Regional CNBB Leste 2 um Grupo de trabalho sobre o tema e, na Arquidiocese de Belo Horizonte, também formamos um Vicariato Episcopal Ambiental.

Tudo isso indica a força de muitas pessoas e grupos que estão se empenhando para mudar uma estilística de extrativismo que, cada vez mais, se mostra insustentável. Nesse ponto, a Laudato Si’ é um documento fundamental. Ele nos pede uma conversão ecológica urgente. “Não existem duas crises separadas, uma ambiental e uma outra social, mas uma e complexa crise socioambiental. As diretrizes para uma solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, para restituir a dignidade aos excluídos e ao mesmo tempo para cuidar da natureza” (LS, n. 139).

Em nossa região, por exemplo, são tantas as barragens que correm risco de rompimento que chegamos à conclusão que estamos diante de um tecido estragado que não aceita mais remendo. É preciso mudar a cultura e para isso temos que formar as pessoas, exigir novas posturas políticas, mudar esse estilo de economia, a começar por uma vida mais simples até a criação de acordos nacionais e internacionais de proteção ao meio ambiente.

Bispo levou drama das vítimas em conferências na Europa e concelebrou com papa Francisco

3. O senhor tem feito uma atuação profética, denunciando incoerências do governo e empresas em relação ao meio ambiente e outras causas. O seu ministério episcopal foi mudado após a experiência de Brumadinho?

R.: Sim. Considero que com o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, eu iniciei um processo de conversão em minha vida e ministério episcopal. Durante muitos anos pesquisei o tema da pós-modernidade, mais precisamente sobre cristianismo e vulnerabilidade, sobre a herança cristã da caridade. Mesmo tendo uma grande proximidade com os mais pobres, as coisas ainda permaneciam num âmbito mais racional, organizacional. O rompimento da barragem foi um choque de realidade, a imposição de um trauma. Algumas coisas, que pareciam importantes no pensamento, tornaram-se reais na prática. Ganharam corpo, encarnaram-se. Tive que aprender com o povo a viver itinerários que nunca imaginava.

Quem está preparado para enfrentar um caos como esse? A vida tem seus imprevistos. Creio que a caminhada de fé e uma formação humanística me deram um grande suporte. Mas é com o povo que tenho aprendido a descobrir clareiras no caminho. É claro que recebo críticas, mas não consigo ficar inerte diante de tantas atrocidades cometidas por empresas e por esses nossos governantes, em relação ao meio ambiente e as nossas comunidades.

Eu conheço a dor dos atingidos e por eles grito, inclusive pela mãe terra. Como ficar calado diante das absurdas queimadas ocorridas ano passado, diante das flexibilizações das leis de proteção ambientais, se os povos originários estão morrendo, se outras barragens podem romper? Se eu me calar, será uma omissão da qual prestarei contas a Jesus porque foi ele quem disse: “o bom pastor dá sua vida pelas ovelhas” (Jo 10, 11).

4. Como fazer crescer na Igreja o cuidado e a ação na defesa da ecologia integral?

R.: O último capítulo da Laudato Sí trabalha o tema da Educação e Espiritualidade Ecológica. O texto toca em assuntos importantes. É preciso buscar um estilo de vida que supere a questão do egoísmo coletivo. A terra já não tem reservas que suportem uma sociedade tão consumista.

Trata-se, então, de fazermos nova aliança entre ser humano e meio ambiente. Família, escola, catequese são espaços privilegiados para esse processo de educação. Em muitos pontos de nossa evangelização nos acostumamos com uma ruptura entre fé e vida, liturgia e realidade, com cristianismo de massa. Temos que buscar outros caminhos e ele passará por um acompanhamento mais personalizado, dentro de pequenas comunidades.

No caso da conversão ecológica, nossa pastoral deve insistir no fato de que tudo está interligado nesse universo criado por Deus. E que nós recebemos do Criador uma vocação privilegiada de sermos cuidadores do jardim e não destruidores do planeta.

Dom Vicente em momento celebrativo em Brumadinho.

5. A crise na saúde e o colapso no Norte do país têm ampliado vozes a favor do impeachment. O senhor acredita que a Igreja católica poderá apoiar esse movimento?

R.: Desde o início da pandemia tenho manifestado indignação com as posturas do Governo Federal. Penso que nosso presidente se mostrou profundamente despreparado para o cargo que ocupa. Em muitas situações foi inconsequente e, agora, tem muitas responsabilidades por termos chegado ao caos que chegamos.

O colapso no Norte do país com a absurda falta de oxigênio é exemplo de situações que poderiam ter sido evitadas. Amargamos uma falta de planejamento do sistema de saúde no combate da pandemia. Sofremos com esse estilo desordenado de tratar uma situação tão grave que tem culminado com a perda de tantas vidas. Tudo isso é mais do que suficiente para que apoiemos o processo de impeachment.

A gente respeita as opiniões políticas divergentes, mas nesse caso, não podemos entrar para a história apoiando um governo “genocida”. É mais do que justo que a Igreja de Jesus ajude, nesse momento, a sociedade brasileira a pensar e escolher outro destino para nosso país, incluindo a luta por vacina para todos e por auxílio emergencial para os milhões de brasileiros sem emprego.

Termino lembrando a Fratelli Tutti somos chamados a amar a todos, sem exceção, mas amar a um opressor não significa consentir que continue a ser tal; nem levá-lo a pensar que é aceitável o que faz. Pelo contrário, amá-lo corretamente é procurar, de várias maneiras, que deixe de oprimir, tirar-lhe o poder que não sabe usar e que o desfigura como ser humano” (FT, n. 241).

Fonte:

www.domtotal.com

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“A religião como símbolo de dominação das milícias nas periferias”, uma entrevista Especial com a profª Christina Vital https://observatoriodaevangelizacao.com/a-religiao-como-simbolo-de-dominacao-das-milicias-nas-periferias-uma-entrevista-especial-com-a-profa-christina-vital/ Thu, 21 Jan 2021 10:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37656 [Leia mais...]]]> Professora analisa os chamados ‘traficantes evangélicos’ e como conjugam o monopólio de poderes políticos, éticos, assistenciais em lugares onde a relação com outras instituições é frágil

Imagem IHU

Por: João Vitor Santos | 20 Janeiro 2021

Houve um tempo em que a religião tinha ainda mais centralidade nas sociedades humanas, sendo o polo irradiador de lógicas políticas, éticas, sociais, impondo também desde a guerra sua hegemonia. Mas, no mundo moderno, causa estranheza pensar que a religião retoma esse lugar de polo irradiador. E ainda mais se falamos do mundo do crime.

Parece contraditório afirmar, mas os casos não nos deixam mentir: a religião, seus códigos, imagens e repertórios constituem hoje um símbolo de dominação de alguns grupos armados nos territórios”.

Profª. Christina Vital, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Ela analisa os chamados ‘traficantes evangélicos’ e sua atuação em periferias já dominadas pelo tráfico de drogas e, mais recentemente, pelas milícias. Para Christina,

não se trata de pensarmos esta relação, esta aproximação entre criminosos e redes e códigos evangélicos a partir da ótica da conversão, de uma transformação da vida do indivíduo, mas de uma composição específica que envolve expectativas de transformação, apelos morais, conexão com narrativas locais e uso de uma religião como ícone de dominação”.

Profª. Christina Vital, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Assim, a religião seria mais uma forma de demonstrar poder. A professora ainda observa que o crescimento das igrejas evangélicas entre os dirigentes do tráfico é mais sintoma do crescimento que vem ocorrendo como um todo no Brasil, especialmente nas periferias. E recorda, ao lembrar que todas essas ações vão diminuindo na mesma proporção em que a penetrabilidade das igrejas evangélicas vai aumentando:

Nestas áreas havia muita filantropia católica feita por freiras [católicas] residentes. O apoio social também era exercido, embora de modo menos estruturado, por terreiros de candomblé e casas de umbanda que exerciam suas atividades religiosas nessas localidades”.

recorda, ao lembrar que todas essas ações vão diminuindo na mesma proporção em que a penetrabilidade das igrejas evangélicas vai aumentando

Tal inserção se dá pela escuta, aproximação e relações de confiança que se estabelecem numa espécie de vazio nas relações com outras instituições e entidades, como o próprio Estado. E a profª. Christina Vital pondera:

Não acho correto dizermos que a Igreja cresce onde o Estado não está presente. O Estado está presente nessas localidades, mas de modo precário, reforçando sentimentos de desconfiança, elemento corrosivo da vida social”.

Profª. Christina Vital, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Estado esse que também está à frente da gestão do sistema carcerário, mas que, mais uma vez, deixa lacunas que na prática só são preenchidas por ações como as das igrejas evangélicas. E não só: Christina revela que os evangélicos estão nas direções dos presídios, são funcionários, o que indica mais um sintoma do crescimento dessa prática religiosa. E ela analisa:

Para reverter o quadro de ascendência de algumas religiões no sistema penitenciário, uma profunda reforma teria de ser feita. Pois, diante da precariedade estrutural e da desumanização às quais os encarcerados estão submetidos, as instituições religiosas, com destaque para as evangélicas pelo volume de sua presença, têm sido fundamentais para a sobrevivência de inúmeros internos e para a organização cotidiana dos próprios gestores desses espaços”.

Profª. Christina Vital, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Com tudo isso, não é difícil imaginar por que tráfico, milícia e práticas evangélicas ficam imbricados nas periferias. E salienta:

A subjugação de moradores é uma demonstração de força, de domínio. Uma atitude que combina crença religiosa com um modo de operação corriqueira do crime. Chama a minha atenção uma narrativa ‘moralizadora’ que vem acompanhando estas ações”.

Profª. Christina Vital, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Confira, a seguir, a entrevista na integra:



IHU On-Line – Um complexo de favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro é conhecido como “Complexo de Israel”, local onde impera a ação de milícias e o tráfico de drogas, mas também muito próximos da prática evangélica. Traficantes e milicianos se anunciam como evangélicos e têm grande penetrabilidade nessas comunidades confessionais. O que essa realidade carioca revela acerca da relação entre evangélicos, especialmente neopentecostais, e a criminalidade?

Christina Vital – Participei de alguns programas em 2020 nos quais já havia falado da associação entre Peixão (traficante do Terceiro Comando Puro – TCP) e milicianos. Esta situação foi confirmada por uma investigação policial que ganhou a mídia há alguns dias. Quem mora em favelas e periferias no Rio e/ou pesquisa nelas sabe que, desde a origem, o Terceiro Comando é uma facção conhecida por “tratar melhor” os policiais com fartos “arregos” e com uma política de redução de danos, ou seja, de contenção de mortes de policiais em suas áreas de atuação.

Região que compreende a dominação do Complexo de Israel (Imagem: Google Maps)

É claro que estas duas características de atuação sofrem mudanças circunstanciais, mas são reconhecidas como uma marca. Era corrente a “brincadeira” entre moradores de que várias ações governamentais de ocupação de favelas com consequente baixa nos ganhos dos traficantes (ainda que temporária) ocorriam de modo mais incidente (quando não exclusivo) nas áreas de domínio do Comando Vermelho. Observavam, com isso, que parecia haver uma coincidente proteção das áreas do Terceiro Comando – TC e depois TCP em relação a outras de comando distinto.

Se é verdade ou não, se os chefes do Executivo em cada época desde 1990 no Rio de Janeiro atuavam intencionalmente deste modo não há como comprovar, mas a sensibilidade popular indicava o que agora vem à mídia. Evidentemente que milícia não é igual a Estado, mas há muitos pontos de contato e inúmeras pesquisas sinalizam tal correlação.

Quem mora em favelas e periferias no Rio e/ou pesquisa nelas sabe que, desde a origem, o Terceiro Comando é uma facção conhecida por “tratar melhor” os policiais

Christina Vital

Justificações morais

O TCP é uma facção que tenta se estruturar a partir de justificações administrativo-econômicas e também morais. Em meu livro, Oração de Traficante: uma etnografia, apresento inúmeros casos que contribuem para compreendermos esta questão. A dimensão da honra tem ainda um peso que foi reforçado com a conversão de várias lideranças importantes a igrejas evangélicas. Há uma narrativa moralizadora também muito presente na mística em torno da milícia. No TCP existem chefes e gerentes ligados ao candomblé e umbanda, mas são residuais em relação ao grande número de traficantes que se identificam como evangélicos ou como simpatizantes, pessoas em processo de “libertação”. Como se sua participação no crime fosse passageira, rumo “à vida na graça”.

É importante lembrarmos que no Comando Vermelho há também esta aproximação entre traficantes e redes evangélicas no território, mas os modos de operação e “identidade” faccional são distintos.

Evidentemente que milícia não é igual a Estado, mas há muitos pontos de contato e inúmeras pesquisas sinalizam tal correlação

Christina Vital

Ostensividade evangélica

Mas por que esta ostensividade evangélica entre estes grupos armados? Qual o sentido? Qual ou quais funções isso teria? Esses grupos criminosos se afirmam no território a partir de ícones. A dinâmica da guerra na qual se encontram/construíram na fricção com o Estado e a corrupção visceral que alimenta o crime, se expressa por códigos linguísticos e imagéticos. Eles têm uma função de comunicação para dentro e para fora do grupo. Operam como âncoras de uma identidade.

Marcos Alvito trouxe em etnografia realizada anteriormente à minha em Acari, no Rio de Janeiro, e em outras favelas que as imagens de santos católicos e entidades afro-brasileiras eram fortemente mobilizadas pelos traficantes: pintavam os muros das favelas e faziam tatuagens em seus corpos. Usavam colares e grossos anéis com imagens de São Jorge, São Cosme e Damião, Nossa Senhora Aparecida. Zé Pilintra, Escrava Anastácia, Xangô também apareciam em pequenas edificações e em pinturas murais. Essa expressão religiosa foi migrando para evangélica. Não exclusivamente, mas majoritariamente.

Parece contraditório afirmar, mas os casos não nos deixam mentir: a religião, seus códigos, imagens e repertórios constituem hoje um símbolo de dominação de alguns grupos armados nos territórios. Ou seja, não se trata de pensarmos esta relação, esta aproximação entre criminosos e redes e códigos evangélicos a partir da ótica da conversão, de uma transformação da vida do indivíduo, mas de uma composição específica que envolve expectativas de transformação, apelos morais, conexão com narrativas locais e uso de uma religião como ícone de dominação. Como se os outdoors com inscrições como “Jesus é do dono deste lugar” em Acari falassem sobre o domínio do tráfico naquela localidade e não, necessária e exclusivamente, sobre a condição ética e moral local, sobre um domínio dos evangélicos. Esta é a hipótese com a qual trabalho e que tem me ajudado a pensar sobre casos como os que ocorreram na Baixada Fluminense recentemente.

A religião, seus códigos, imagens e repertórios constituem hoje um símbolo de dominação de alguns grupos armados nos territórios – Christina Vital

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IHU On-Line – Há uma máxima de que, na favela, onde o poder público não alcança, o tráfico – e agora as milícias – assume esse papel e passa a ditar suas regras. Podemos associar essa lógica ao crescimento evangélico nas periferias e favelas? É, de fato, a única religião que consegue alcançar essas pessoas?

Christina Vital – As periferias e favelas sempre foram territórios de forte atuação de religiões cristãs e também afro-brasileiras. Mais recentemente, com atuação crescente de muçulmanos, ainda que estatisticamente não tão relevante. Nestas áreas havia muita filantropia católica feita por freiras residentes. O apoio social também era exercido, embora de modo menos estruturado, por terreiros de candomblé e casas de umbanda que exerciam suas atividades religiosas nessas localidades.

As igrejas evangélicas se dispersaram nessas localidades a partir, principalmente, dos anos de 1970. Sua multiplicação no ambiente é ao mesmo tempo propulsora e resultado do crescimento evangélico identificado no Brasil de 1980 em diante. Quer dizer, desde 1940 o número de evangélicos cresce no Brasil, mas, de modo acentuado, desde os anos 1990. As cidades são o principal foco de crescimento e nelas, em suas favelas e periferias. As igrejas evangélicas, como toda religião, desempenham um papel social. Sua atuação envolve uma dimensão espiritual e social.

Desde 1940 o número de evangélicos cresce no Brasil, mas, de modo acentuado, desde os anos 1990. As cidades são o principal foco de crescimento e nelas, em suas favelas e periferias

Christina Vital

A atuação dos evangélicos

Em especial, as igrejas evangélicas foram investindo cada vez mais no trabalho emocional com pastores formados em psicologia, escuta constante da membresia, oferecimento de cursos direcionados a casais e a jovens nos quais os trabalhos chamados de “cura e libertação” emocional são um ponto alto. Além destas dimensões, a igreja tem um lugar importante na sociabilidade de seus integrantes e seu crescimento impacta a sociabilidade local na medida em que vários marcadores da vida cotidiana nestas localidades passam a ser orientados pelas igrejas: festividades, cultos públicos e mesmo o comércio que vai assumindo uma face gospel com salões, lanchonetes, pequenos mercados com nomes referidos ao universo cristão, além de pinturas com passagens bíblicas tão comuns em favelas hoje. As igrejas compõem, assim, redes de proteção espiritual, emocional e mesmo econômica (há muitas trocas e indicações de vagas de trabalho e cursos de capacitação e formação profissional entre os fiéis, por exemplo).

Igrejas evangélicas foram investindo cada vez mais no trabalho emocional com pastores formados em psicologia, escuta constante da membresia, oferecimento de cursos direcionados a casais e a jovens nos quais os trabalhos chamados de “cura e libertação” emocional são um ponto alto

Christina Vital

Igreja e Estado

Não acho correto dizermos que a Igreja cresce onde o Estado não está presente. O Estado está presente nessas localidades, mas de modo precário, reforçando sentimentos de desconfiança, elemento corrosivo da vida social. Para uma coletividade existir e conseguir administrar suas tensões é necessário que seus integrantes confiem uns nos outros e em instituições.

A atuação (talvez intencionalmente) precária do Estado interfere na produção ou reforço de inseguranças formando um terreno propício para organizações que promovam sentimentos coletivos de confiança. Então, a correlação direta entre ausência do Estado e crescimento de religiões é parcialmente válida.

Por que umas e não outras

Importante também entender por que crescem umas religiões e não outras. Ao destacar o caráter multifacetado da atuação evangélica busquei apresentar uma das razões para o seu crescimento no campo. Evidentemente, em um país de hegemonia católica, uma narrativa igualmente cristã conforma um elemento significativo para o seu crescimento. Ou seja, acionavam uma linguagem que já comunicava culturalmente.

Para reverter o quadro de ascendência de algumas religiões no sistema penitenciário, uma profunda reforma teria de ser feita

Christina Vital

IHU On-Line – Como compreender o trabalho e a grande adesão a igrejas evangélicas dentro dos presídios? Por que parece que esses grupos conseguem chegar aonde nenhuma outra igreja consegue? Quais os limites de outras ações como, por exemplo, a Pastoral Carcerária da Igreja Católica?

Christina Vital – Há uma relação muito importante entre atuação evangélica nos presídios e no acolhimento a usuários de drogas e a adoção de uma linguagem evangélica pelos traficantes. O “cristianismo estrutural”, revelado em acordos que favorecem a fé cristã nas instituições públicas, é importante para pensarmos também o crescimento desta linguagem religiosa entre milicianos, tendo em vista que vários destes criminosos são oriundos de forças policiais em cujas estruturas a presença de uma narrativa religiosa cristã de viés cada vez mais evangélico é muito significativa. O direito à assistência religiosa em expedições militares, hospitais, penitenciárias e outros estabelecimentos oficiais foi garantido no artigo 113, número 6 da Constituição Federal Brasileira de 1934.

Observamos em pesquisas realizadas no Iser, assim como podemos ver em outros trabalhos, que de um direito do interno (em penitenciária ou em espaços socioeducativos), a assistência religiosa virou um direito das instituições. As igrejas evangélicas se multiplicam nesses espaços e, dada a vinculação evangélica de vários funcionários e mesmo da direção dos locais, conforme vimos em entrevistas, há um favorecimento na inscrição regular daqueles que são líderes e missionários de igrejas evangélicas. A Igreja Católica tem, historicamente, uma atuação nesses espaços de privação de liberdade, mas, há pelo menos 20 anos, perdeu a centralidade nesta interlocução tanto com presos quanto com funcionários e direção penitenciária.

As igrejas evangélicas oferecem redes de apoio aos presos que envolvem cuidados com higiene, alimentação, para os familiares do preso e dos egressos do sistema. Além deste suporte material e emocional, tem o espiritual e de proteção e organização da vida carcerária de cada um, como vimos em reportagens e em trabalhos acadêmicos de expressão.

Assim, para reverter o quadro de ascendência de algumas religiões no sistema penitenciário, uma profunda reforma teria de ser feita. Pois, diante da precariedade estrutural e da desumanização às quais os encarcerados estão submetidos, as instituições religiosas, com destaque para as evangélicas pelo volume de sua presença, têm sido fundamentais para a sobrevivência de inúmeros internos e para a organização cotidiana dos próprios gestores desses espaços.

A subjugação de moradores é uma demonstração de força, de domínio. Uma atitude que combina crença religiosa com um modo de operação corriqueira do crime

Christina Vital

IHU On-Line – Como compreender o controle e os ataques sobre outras religiões, especialmente de matriz africana, que o tráfico e a milícia ‘evangélica’ impõem nas favelas cariocas?

Christina Vital – É preciso entender, em primeiro lugar, que o domínio territorial sempre foi um modo de operação de grupos armados no Rio de Janeiro. Desde os grupos de extermínio, aos milicianos e traficantes de drogas, todos atuavam a partir de um controle territorial exercido de alguns modos. Como argumentei acima, a criação de uma identidade imagética, gramatical e de procedimentos é importante entre estes criminosos, embora estas formas de identidade/acordo tenham um caráter mais provisório do que o esperado, dado o ritmo da própria vida no crime.

A intolerância religiosa praticada por vários desses traficantes atende, em parte, à vinculação institucional ou cultural deles aos evangélicos, mas também aos seus próprios grupos na medida em que ícones, códigos religiosos são utilizados para expressar seu domínio e sua força. A referência à Israel, ao Deus de Davi, do Antigo Testamento tem uma função importante que se refere ao próprio grupo criminoso, suas tentativas de proteção espiritual e contenção da “paranoia” e “neurose” que a vida no crime lhes oferece.

São fenômenos complexos e com motivações muitas vezes pouco evidentes. Um exercício responsável de compreensão destes casos deve levar este quadro diverso em consideração. A subjugação de moradores é uma demonstração de força, de domínio. Uma atitude que combina crença religiosa com um modo de operação corriqueira do crime. Chama a minha atenção uma narrativa “moralizadora” que vem acompanhando estas ações. Como se os traficantes fossem doutrinar as pessoas, subjugarem para lhes melhorar a existência. Uma operação parecida com a mística das milícias em sua origem.

IHU On-Line – Além do contexto do Rio de Janeiro, o jornal El País revelou em reportagem que, no Acre, um grupo formado por ex-criminosos agora pastores administram conflitos com facções e dão salvo-conduto para que integrantes deixem a vida do crime. Como a senhora analisa essa realidade? Que relações podemos fazer com o contexto do Rio de Janeiro? 

Christina Vital – Este tipo de ação não é nova. A intercessão de pastores ex-traficantes em “tribunais da morte” em socorro das vítimas ocorre há bastante tempo no Rio de Janeiro. Pode ser exercido por missionários e por pastores de várias denominações. Em especial, no Rio, vimos a atuação da Assembleia de Deus dos Últimos Dias – Adud, com o pastor Marcos Pereira.

Em Acari, um famoso chefe do tráfico do TCP tinha se convertido à Adud no início dos anos 2000. Naquele período, gozava de uma vida na igreja e ainda no comando do tráfico local. Se autoconsiderava no papel de “super-homem” por estar limpo na vida civil e social e ainda gozar de grande prestígio entre os traficantes. Ele fez uma referência muito interessante porque, se observarmos, são poderosos nesses ambientes: sabem os códigos e por isso estabelecem uma comunicação fluida, conhecem as pessoas, os esquemas, as negociações possíveis. E fazem uso disso em seu favor e de suas denominações e grupos religiosos.

No Rio de Janeiro a ala religiosa em presídios já é real. Para além do espetáculo que essas ações promovem, ficamos pensando qual o pagamento pela libertação da morte? Quais os deveres e obrigações morais impostos? Em diversos trabalhos vemos que se espera do “liberto” fidelidade à instituição, ao projeto, ao centro. Deste modo, são impelidos a evangelizar na rua, vender quentinhas nas praias, vender doces e balas em sinais etc.

A intercessão de pastores ex-traficantes em “tribunais da morte” em socorro das vítimas ocorre há bastante tempo no Rio de Janeiro

Christina Vital

IHU On-Line – Suas pesquisas também versam sobre a influência da religião no campo político. Mas que novidade essa associação entre criminalidade e religião pode trazer ao campo político?

Christina Vital – Candidaturas de sucesso exigem investimento financeiro e apoios institucionais. Infelizmente, a dobradinha milicianos, leia-se, criminosos armados, e igrejas evangélicas pode ter um rendimento eleitoral muito positivo e corroer a vida pública de uma forma avassaladora. Esta junção realiza o que uma campanha necessita: influência, fartas quantias em dinheiro investidas em candidaturas, instituições fazendo o apoio e apresentando os nomes escolhidos.

Candidaturas de sucesso exigem investimento financeiro e apoios institucionais. Infelizmente, a dobradinha milicianos, leia-se, criminosos armados, e igrejas evangélicas pode ter um rendimento eleitoral muito positivo

Christina Vital

IHU On-Line – A senhora também está iniciando uma pesquisa acerca da ‘esquerda’ evangélica nas eleições 2020. Poderia nos explicar em que consiste essa ideia de ‘esquerda evangélica’? Como ela se manifestou nas eleições de 2020?

Christina Vital – As eleições 2020 foram muito singulares. Pela sua ocorrência neste contexto de pandemia e de uma sensação pública de atordoamento muito acentuada em relação às eleições que ocorreram desde 2014, momento no qual este sentimento público ficou tão evidente. Partidos fisiológicos tradicionais se organizaram, assim como os nanicos de outrora e que se fortaleceram em 2018. Partidos de esquerda também fizeram seus investimentos. Algumas legendas de esquerda e centro-esquerda fizeram questão de convidar evangélicos identificados com suas pautas para comporem um grupo que fizesse frente ao mainstream (corrente principal, convencional) evangélico na política identificado com conservadorismo moral e liberalismo econômico.

Por outro lado, atores ligados ao movimento evangélico de esquerda na sociedade perceberam a relevância destas eleições em termos de preparação para 2022 e se organizaram para lançar candidaturas que se contrapunham à Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional. Estes evangélicos de esquerda que acompanhamos nas eleições, uma parceria entre Iser, Fundação Heinrich Böll e LePar/UFF, tinham perfis distintos, estavam em diferentes denominações e partidos. Em comum a quase todos eles havia um pertencimento de classe (a maioria residentes em periferias e que tinham nessas localidades suas bases políticas) e uma defesa da vida e de direitos de pessoas negras e de mulheres em nossa sociedade.

As trajetórias dessas pessoas que acompanhamos na pesquisa são riquíssimas do ponto de vista de suas atuações, inserções, aspirações. Vamos soltar os resultados mais completos ao longo do ano.

Sem dúvida alguma as igrejas evangélicas têm um papel muito importante na assistência social de pessoas em favelas, periferias e em espaços de privação de liberdade

Christina Vital

IHU On-Line – Não podemos perder a perspectiva de que vivemos uma pandemia que tem consequências muito mais duras em regiões periféricas. Como tem analisado a rede de apoio a essas comunidades no contexto atual? O mundo do crime e as igrejas evangélicas mais uma vez são os que mais tocam essas populações?

Christina Vital – Sem dúvida alguma as igrejas evangélicas, como falei anteriormente, têm um papel muito importante na assistência social de pessoas em favelas, periferias e em espaços de privação de liberdade. Em um contexto como o da pandemia, com o aumento significativo da vulnerabilidade dessas populações, a igreja passou a ser ainda mais central e acolhedora. No início da pandemia, os traficantes lançaram toque de recolher em várias favelas. As motivações eram várias, mas tiveram sua relevância no contexto específico.

Posteriormente as coisas foram se rotinizando e o tráfico perde a centralidade organizativa, digamos, mas segue como fonte de socorro para muitos moradores em situação de extrema necessidade nessas localidades. Há variações em termos desta relação tráfico-população residentes, mas, no geral, atuam com um suporte financeiro para muitas pessoas em situação emergencial.

Sobre a entrevistada:

Profª. Drª. Christina Vital da Cunha

Christina Vital da Cunha é professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense – UFF, coordenadora do Laboratório de estudos em política, arte e religião – LePar e colaboradora do Instituto de Estudos da Religião – Iser. É autora do livro Oração de Traficante: uma etnografia (Rio de Janeiro: Garamond, 2015) e coautora de Religião e política: uma análise da participação de parlamentares evangélicos sobre o direito de mulheres e de LGBTS no Brasil (2012), entre outros livros e artigos.

Fonte:

IHU

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Um olhar sobre a Pastoral Universitária – ENTREVISTA https://observatoriodaevangelizacao.com/um-olhar-sobre-a-pastoral-universitaria-entrevista/ Wed, 11 Apr 2018 21:26:54 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27785 [Leia mais...]]]> ABERTURA DE HORIZONTES

A realização de orações bíblicas, abertas, ecumênicas; a atuação da Pastoral em jornadas de formação realizadas pela Prefeitura de Contagem, visando o fortalecimento da tolerância religiosa; as ações relacionais cotidianas; o cultivo da espiritualidade; o desafiador trabalho comunicacional, inclusive na programação da TV;  a participação em “Jornadas de Pesquisa, Extensão e Pastoral” e em “Jornadas mais que Jurídicas”, dentre tantas outras práticas, apontam para a abertura da Pastoral Universitária de Contagem e nos ajudam a compreender as razões de sua credibilidade junto à comunidade local.

Esta é a nossa conclusão após a entrevista com o Professor José Ruiz Guillén (Pepe), coordenador da Pastoral Universitária PUC Minas no Campus de Contagem. Destaca-se, pois, no percurso realizado ali pela Pastoral Universitária a exitosa busca de caminhos para o diálogo com a academia através da promoção de atividades conjuntas.

Tânia Jordão

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OE: Quais são os “espaços criativos de evangelização” presentes em seu contexto universitário e como se concretiza a evangelização no seio da mesma?

Pepe: O “locus” da Pastoral Universitária é a Universidade. Não está limitado ao espaço físico do campus, mas se espalha da mão da academia chegando – como realidade ou desejo – à comunidade, à sociedade. Nesse sentido, a Pastoral está presente, de maneira explícita ou implícita, no ensino, na pesquisa e na extensão. Cada situação tem suas especificidades e requer presença e criatividade.

Há também o espaço físico – capela – disponibilizado para celebrações religiosas, conversas com as pessoas da comunidade acadêmica, cultivo e expressão da espiritualidade.

OE: Há necessidade de uma adequação da linguagem eclesial ao meio universitário? De que maneira se dá o acesso ao conhecimento da fé cristã e quais meios a Pastoral PUC Minas utiliza para promover a experiência cristã no campus Contagem?

Pepe: A linguagem sempre é uma questão a ser observada. Trabalhamos com a TV na divulgação de notícias de atualidade da vida acadêmica, social e eclesial através da divulgação de vídeos oriundos do youtube e alguns filmes elaborados com o Movie Maker (aliás, seria interessante se os programas produzidos pela PUC TV fossem legendados). No ano de 2017 não tivemos nenhuma ação direcionada para a iniciação da fé. Atualmente nas quartas e sextas, às 18:30, acontecem dois encontros de oração, um relacionado ao GOU, outro à oração bíblica na qual se favorece a partilha e a comunhão. Temos conversas iniciais para fazer deste um encontro aberto e ecumênico.

OE: Considerando a iniciativa descrita acima, a Pastoral consegue interagir com outros credos e saberes presentes na Universidade? Como a dimensão ecumênica de toda ação evangelizadora se explicita na Pastoral?

Pepe: Dentro do campus existe um respeito explícito às crenças e às pessoas. São divulgados e praticados valores humanos que acreditamos ser supra religiosos.

OE: No que concerne ao âmbito externo da PUC, como se dá a interação da Pastoral com as realidades sociais que nos interpelam? 

Pepe: Como Pastoral Universitária temos participado por dois anos em mesas organizadas pela prefeitura de Contagem com motivo de jornadas de formação permanente dos professores da rede municipal com temáticas sobre tolerância religiosa.

Algumas ações relacionadas a instituições próximas  (creches), como campanhas de  arrecadação de alimentos e campanha da solidariedade.

OE: Ainda na perspectiva da abertura dialogal, a Pastoral da PUC Minas tem experiências de parcerias com outras instituições, fora do âmbito desta universidade?

Pepe: Não

OE: Através das ações levadas a termo pela Pastoral, é possível dizer que ela contribui para que estudantes desta instituição participem ativamente para a construção de um mundo mais ético e justo?

Pepe:  Certamente sim. Há sempre a preocupação com a informação e a conscientização com as situações e motivações.

OE: Sabe-se que há a celebração da Eucaristia nas diferentes unidades da PUC. Além da vivência sacramental, quais são os momentos oferecidos à comunidade acadêmica para experimentar e viver a fé cristã?

Pepe: Encontros de oração e espiritualidade programados e que acontecem regularmente e aqueles relacionados a momentos significativos, como  a Campanha da Fraternidade, da Solidariedade, homenagem pelo dia do professor… Participamos da recepção de calouros e outros eventos institucionais onde a presença da Pastoral é sempre ética e coerente com o evangelho.

OE: Não se constroem mais capelas na PUC Minas, mas Centros de Espiritualidades. O que há subjacente nessa mudança?

Pepe: Em Contagem contamos com uma capela. Mas ela é um espaço físico que faz parte da proposta da Pastoral Universitária. As ações Pastorais acontecem nas relações com as coordenações, no teatro, nos encontros casuais com professores, alunos e funcionários, na programação da TV etc

OE: Quais os projetos pastorais mais desafiadores para vocês? Há outros projetos também, de formação humanística, por exemplo, ou de cunho social, que são encampados pela Pastoral?

Pepe: Os projetos mais desafiadores são os relacionados com a comunicação. A estrutura do campus e sua localização não são as melhores para facilitar encontros. Assim precisamos investir e inovar em programação, conteúdos e meios, redes sociais etc.

OE: O que mais você gostaria de dizer a quem nos acompanha nesta entrevista?

Pepe: A participação da Pastoral nas “Jornadas de Pesquisa, Extensão e Pastoral” (anuais), assim como nas “Jornadas mais que Jurídicas” (semestrais) são grandes desafios e oportunidades que nos permitem expressar nossa visão da presença da Pastoral Universitária, pois são encontros nos quais aparecem e se produzem o diálogo com a academia, o testemunho dos participantes, o envolvimento com professores e alunos.

A Pastoral tem conseguido manter e garantir presença, respeito e credibilidade na comunidade acadêmica.

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