Entrevista com o Pe. José Marins – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 28 May 2020 01:31:55 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Entrevista com o Pe. José Marins – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 “O Sínodo da Amazônia é tão precioso como foi o Vaticano II, abriu muitas portas”. Entrevista com José Marins https://observatoriodaevangelizacao.com/o-sinodo-da-amazonia-e-tao-precioso-como-foi-o-vaticano-ii-abriu-muitas-portas-entrevista-com-jose-marins/ Thu, 28 May 2020 01:31:55 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34730 [Leia mais...]]]> Depois de ter acompanhado as comunidades eclesiais de base durante mais de 50 anos, podemos dizer que o Padre José Marins é um dos grandes conhecedores desse jeito de ser Igreja que pretende recuperar a forma de viver o Evangelho das primeiras comunidades cristãs, algo que ele avalia desde uma perspectiva histórica, que foi evoluindo até os dias de hoje.

Ele considera que o Vaticano II tentou recuperar esse modo de ser Igreja, mas “o clero se tornou a grande dificuldade para construir comunidades”, fazendo com que as comunidades ficassem “como uma coisa de elite”. Segundo o teólogo e assessor continental das CEBs, “as comunidades, nessa altura, deveriam sintonizar plenamente com Francisco e com o que ele vai dizendo, especialmente com o Sínodo da Amazônia”. Ele chega a afirmar que “esse Sínodo da Amazônia é tão precioso como foi o Vaticano II, abriu muitas portas possíveis”, por isso “as comunidades de base deveriam ter uma grande sintonia com o Sínodo da Amazônia, conhecê-lo, tomar todos os seus elementos”.

Um dos grandes problemas da Igreja é que “os grandes desafios do mundo, depois do Vaticano II, não foram assumidos pela hierarquia e pelos presbíteros, e também pelas comunidades de base”, provocando “uma distância entre o caminhar da sociedade” e a Igreja, inclusive dentro das comunidades eclesiais de base, onde muita gente “não fez uma atualização para viver de acordo com o novo processo”. Isso se percebe sobretudo no mundo urbano, onde “cada paróquia é uma ilha, ela vive em torno dela mesma, não interessa as outras ilhas, não há pontes, cada um faz a sua experiência”, sem capacidade para a Igreja “pensar o mundo no modelo urbano”.

Por isso, segundo José Marins, “o mundo não precisou mais, não perguntou mais nada para a Igreja e a Igreja perdeu a capacidade de acompanhar”. A alternativa que ele propõe é uma Igreja na qual “praticamente acabasse o clero, e fosse o Povo de Deus que assumisse a responsabilidade”, voltando assim à prática da Igreja primitiva.

Confira a entrevista na íntegra:

“O Sínodo da Amazônia é tão precioso como foi o Vaticano II, abriu muitas portas”. Entrevista com José Marins

1. Depois de mais de 50 anos acompanhando as Comunidades eclesiais de base na América Latina, o que o senhor pensa que as CEBs significam para a Igreja?

Eu distinguiria em duas partes. Na primeira parte, aquilo que eu acho que deveria ser no seu conteúdo fundamental, e, na segunda parte, o que de fato acontece ou não acontece. Então, a primeira parte, evidente, elas são o que a Igreja foi desde o começo. Era um encontro comunitário onde todos se conheciam e se ajudavam. Basta olhar os Atos dos Apóstolos 12, 12, sem Jesus, se reúnem na casa de Maria, mãe de João Marcos. E aí, cada um apresentava a sua situação, a sua esperança, a sua realidade comunitária. Era a Igreja da casa, isso durou quatrocentos anos.

O que é que faziam esses cristãos, era uma presença de base da Igreja, compartiam o que tinham, escutavam a Palavra de Deus, os apóstolos ajudavam os mais necessitados e anunciavam a proposta de Jesus. A comunidade de base é retomar o primeiro nível da Igreja, como os bispos disseram, primeiro e fundamental nível da Igreja. Isso significa a Igreja segundo aquilo que foi pensado ou querido, buscado por Jesus e os primeiros cristãos. Ela influi, para onde for, esse é o estilo de ser seguidor de Jesus. Durante muito tempo era um grupo pequeno que se distinguia em qualquer parte porque o que chamava a atenção é que como é que essa gente se quer, como é que essa gente vivem como irmãos não sendo irmãos de sangue.

A comunidade eclesial seria, no começo da Igreja, a referência fundamental para ser Igreja. De tal maneira que daí vem o modo de ser Igreja maior. A partir do século IV, com o Império Romano abraçando e tomando conta da Igreja, perde-se o aspecto da comunidade na casa, porque de um dia para outro, com Constantino, a Igreja se torna a religião oficial do Império Romano, e depois com Teodósio, fica obrigatório para um romano ser cristão. De um dia para outro, aquelas comunidades que tinham 20, 25 membros, talvez, passaram a ter 200, 300, 400, que muitas vezes não se batizavam, mas ficavam como catecúmenos, esperando durante a vida para só em caso praticamente de morte pedir o batismo. Porque a tradição cristã nesse momento, na maioria, não dava uma segunda oportunidade de perdão para quem tendo sido batizado não era fiel.

Os imperadores romanos cederam os edifícios públicos para a reunião dos cristãos. A comunidade passa do grupo conhecido na casa para as grandes estruturas do Império Romano, as basílicas, perdemos a experiência do cristianismo comunitário, personalizado. O sonho da gente era recuperar este primeiro nível, que a partir do século IV desapareceu, e o que aconteceu foi o que se chamou a paróquia, que é a comunidade dentro da perspectiva da  cristandade. A Igreja é um lugar de encontrar-se com coisas emocionais, grandiosas e poderosas. A autoridade da Igreja é uma autoridade igual a autoridade do Império.

Esse período de cristandade chega até o Vaticano II, que tentou e vai produzir isso, renovar e reconstruir o primeiro nível, porque a paróquia deixou de ser o primeiro nível, ela ficou sendo um nível multitudinário da Igreja.  A comunhão das comunidades formariam a paróquia, a comunhão das paróquias formariam a Igreja local. Esse seria o sonho, mas aí vem a segunda a parte, isso não aconteceu. Primeiro porque o clero sentiu-se que se ele abrisse a perspectiva da comunidade, perderia o lugar de pastor que coordena o Povo de Deus, e as comunidades tem que ter uma autonomia. Os presbíteros não estavam preparados para isso, eles não tiveram um estudo do que seria uma comunidade de base, muitos nasceram depois do Vaticano II, então não tiveram nenhuma perspectiva do modelo de Igreja comunitário, básico, e ao mesmo tempo, transformador do mundo.

O clero se tornou a grande dificuldade para construir comunidades, com exceção de alguns que sempre ajudaram e estão ajudando. Mas a maioria não entendem, e por não entender, não quer a comunidade de base, eles colocaram na categoria de movimento. Em alguns dos encontros, depois de Medellín y depois de Puebla, se tentou colocar a comunidade, junto com os leigos, não no primeiro nível da Igreja, mas um grupo de leigos que na Igreja tem, a partir da Palavra, a partir da oração, algum serviço para os pobres, mas como se fosse um movimento. Quer dizer, aquilo que a gente sonhou com o Vaticano II, o que vai acontecendo é que deixa de ser uma novidade, mas passa a ser uma continuidade dos movimentos para a paróquia que queira ou deseje.

2. Desde essa perspectiva do Vaticano II, dentro dessa Igreja que deixa de ser uma Igreja de cristandade, como as Comunidades de base poderiam ajudar no caminhar futuro da Igreja e na evangelização do povo?

Como todo processo da Igreja, a paróquia demorou mais de 500 anos para poder ser plenamente viável, as comunidades também vão ter um tempo grande. Tiveram, logo depois do Vaticano II, mais ou menos 20 anos de grande novidade, grande procura, quase todas as conferências episcopais procuraram formar comunidades de algum modo. Isso acabou dentro do pontificado de João Paulo II e depois de Ratzinger, que perdeu essa perspectiva. Antes de ser o Papa Bento XVI, ele faz uma declaração em 1985, dizendo que realmente as comunidades foram mais problema do que ajuda, foram uma grande esperança que se perdeu.

Dentro desse período, que vem até Aparecida e depois de Aparecida, as comunidades ficaram, mais ou menos, como uma coisa de élite, é um grupinho que se querem pode fazer, na melhor das hipóteses pode fazer comunidade, mas na prática, a maioria do clero não está interessado e a maioria dos bispos também não está interessado. Eu falo da América Latina, fora da América Latina houve um desejo na Ásia, na África, mas eu estou aqui dirigindo à perspectiva latino-americana.

3. O papa Francisco tenta fazer na realidade uma Igreja a partir da sinodalidade, da comunhão, que é uma dimensão sempre muito presente nas Comunidades eclesiais de base. Como as Comunidades eclesiais de base poderiam ajudar nessa tentativa que o papa Francisco está propondo?

As comunidades, nessa altura, deveriam sintonizar plenamente com Francisco e com o que ele vai dizendo, especialmente com o Sínodo da Amazônia. Creio que esse Sínodo da Amazônia é tão precioso como foi o Vaticano II, abriu muitas portas possíveis. O Papa diz mesmo no documento papal que tudo aquilo que foi proposto não está cancelado e ele dá campo aberto para que as dioceses peçam aquilo que acham que é importante e dá força à Igreja local. As comunidades de base deveriam ter uma grande sintonia com o Sínodo da Amazônia, conhece-lo, tomar todos os seus elementos, não só na Amazônia, mas também para nós, e aquilo que o Papa está proclamando, retomar os documentos e o testemunho do Papa Francisco na Igreja.

Esse é o grupo que vai apoiar o Papa, porque a maioria do episcopado está aplaudindo o Papa, mas não está acompanhando, a não ser uns poucos. Aplaudem, até gostam, mas não transformam a sua diocese naquela perspectiva que o Papa anuncia.

4. E por que essa dificuldade de muitos bispos, presbíteros, em assumir essas propostas do Papa e traduzi-las em uma organização das paróquias e das dioceses?

Eu sinto que o Vaticano II, para a maioria dos bispos que vieram depois, ainda tem que ser inaugurado. Muitos nasceram depois do Vaticano II mas não tiveram uma preparação, e aquele estímulo que apareceu no começo no Vaticano II, nos 20 primeiros anos depois do Vaticano II, onde nós, pelo menos na América Latina, e no Brasil de um modo muito especial, tivemos um episcopado extraordinário, que realmente motivou e recomeçou um processo novo. Passado esse episcopado, não fomos capazes de preparar uma segunda geração, ficamos esperando e apoiando naquilo que esses bispos, Luciano Mendes, por exemplo, para dizer um entre eles, que eles fizeram muito bem.

Vamos ver se isso continua, mas não se comprometeram naquela proporção em que o bispo se comprometeu, e desapareceu a comunhão dos assessores, falo na América Latina, os assessores que durante e depois do Vaticano II significaram um grande processo de atualização, desapareceram. Por muitas razões, porque terminou, eles ficaram mais velhos, ou outros pensaram que bastava chegar onde haviam chegado, e não continuaram atualizando o Vaticano II nas propostas que ele fazia. De tal maneira que a Igreja da comunidade de base ficou aqui, mas o mundo foi muito mais na frente.

Os grandes desafios do mundo, depois do Vaticano II, não foram assumidos pela hierarquia e pelos presbíteros, e também pelas comunidades de base que vieram depois disso. De maneira que há uma distância entre o caminhar da sociedade, basta ver nos jovens, que hoje deixam a Igreja e nem tem ideia de pertencer a uma comunidade. Então, na comunidade nós temos gente com muita idade, que tem 10, 20, 30 anos de experiência de comunidade, mas não fez uma atualização para viver de acordo com o novo processo.

A Igreja ainda não foi capaz de integrar-se com o processo urbano do mundo, nas grandes cidades do mundo, e o mundo tem cada vez mais maioria de cidades, o mundo rural está terminando, e o que existe prepara para não ser mundo rural. Todos os filhos do pessoal do mundo rural terminam sendo professores, advogados, médicos, saindo do mundo rural, a maioria não volta para o mundo rural, o mundo está se transformando. Dentro da cidade, a teologia permanece como se fosse ainda a cristandade e o rural. O que é o mundo urbano, praticamente não acontece nas paróquias, cada paróquia é uma ilha, ela vive em torno dela mesma, não interessa as outras ilhas, não há pontes, cada um faz a sua experiência.

O urbano não nos tomou de surpresa, mas nós não fomos capazes de pensar o mundo no modelo urbano, e os processos que estão acontecendo no mundo são muito rápidos. Por exemplo, a Bíblia, que todo mundo usava a Bíblia, hoje o pessoal usa o celular, e no celular tem a Bíblia, e é muito menor, não tem peso nenhum, e é muito mais rápido para achar uma citação bíblica. Mas nós estamos preocupado em manter o livro e sempre fazer através daquele livro grande e pesado. Esse é um exemplo de que a maioria está no mundo do celular e nós estamos ainda no mundo do papel, da imprensa, do Gutemberg, que é do século XVI.

5. Por que a gente poderia dizer que a Igreja hoje não apaixona mais os jovens?

Não há uma só causa, há várias causas. Na minha opinião, primeiro foi o descredito da Igreja, que sempre, tudo o que foi novo do mundo moderno, primeiro a Igreja o condenou, ou ficou esperando para ver o que ia acontecer. No fim do século XIX a Igreja não aceitou a vacina, os papas daquele tempo fizeram um documento contra a vacina, contra o trem, dizendo que esse trem ia levar todos para o inferno. Depois o psicoanálise, a psicologia, tudo a Igreja deixou de lado. O mundo não precisou mais, não perguntou mais nada para a Igreja e a Igreja perdeu a capacidade de acompanhar. Segundo, o tema de abuso de menores, etcétera. Terceiro, a formação clerical, que é muito mais para a cristandade do que para o mundo de hoje. Eu colocaria pelo menos esses três aspectos que nos tocam mais fortemente.

6. Olhando para o futuro, o que o senhor sonha para as Comunidades de base na América Latina, para a Igreja e para o mundo como um todo?

Para o mundo eu sonharia terminar com as diferenças entre o conjunto das nações, que a terra é de todos, não é de um país. De tal maneira que a ONU, seria muito mais poderosa se dissesse as áreas que juntos cuidam das pessoas existentes, de tal maneira que não precisasse os povos sair do seu território para outros territórios, mas aí teria o necessário. Então, eu queria um tipo de ONU diferente do que temos hoje, que não decide as coisas pela guerra, mas decide por um processo deles.

Na linha da Igreja, eu esperaria que praticamente acabasse o clero, e fosse o Povo de Deus que assume a responsabilidade, e alguns ministros que apoiam o Povo de Deus, e que ajudam o Povo de Deus. Mas o clero não foi instituído por Jesus, foi instituído pela Igreja, a Igreja passou pelo menos 400 e 500 anos sem ter clero. Era o bispo das grandes cidades, só grande cidade tinha bispo, e depois que o Império Romano apoiou e se misturou com a Igreja, então multiplicaram bispos para cidades menores. Então, perdeu aquele sentido de que a Igreja não está ajudando o sistema econômico, ela ajuda as pessoas a se chegar na sua plenitude humana, e não entrar no sistema que chamamos religioso e que controla toda a vida da pessoa.

A  figura do bispo seria outro tipo de figura, mais próximo ao começo do cristianismo, que se reúne, que acompanha as pessoas e não precisa ser um bispo para 4 milhões de pessoas, pode ser muito maior o número de bispos, porque não vai ter nada de precioso para comprar e para vestir, senão a simplicidade. Aquele que hoje nós teríamos como um presbítero seria o bispo do futuro, e o presbítero desaparece e fica muito mais claro o Povo de Deus assumindo.

Sobre o autor:

Luiz Miguel Modino

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.

Confira, a seguir, a íntegra da entrevista em espanhol:

José Marins: “El Sínodo de la Amazonía es tan precioso como el Vaticano II, abrió muchas puertas”

Después de haber acompañado a las comunidades eclesiales de base durante más de 50 años, podemos decir que el Padre José Marins es uno de los grandes expertos en esta forma de ser Iglesia que tiene la intención de recuperar la forma de vivir el Evangelio de las primeras comunidades cristianas, algo que el Padre Marins evalúa desde una perspectiva histórica, que ha evolucionado hasta hoy.

Considera que el Vaticano II trató de recuperar esta forma de ser Iglesia, pero “el clero se convirtió en la gran dificultad en la construcción de comunidades”, haciendo a las comunidades “como una cosa de élite”. Según el teólogo y asesor continental de las CEB, “las comunidades, en ese momento, deberían sintonizar completamente con Francisco y lo que está diciendo, especialmente con el Sínodo de la Amazonía”. Llega al extremo de afirmar que “este Sínodo de la Amazonía es tan precioso como el Vaticano II, abrió muchas puertas posibles”, lo que debería hacer que “las comunidades de base deberían tener una gran armonía con el Sínodo de la Amazonía, conocerlos, asumir todos sus elementos”.

Uno de los grandes problemas de la Iglesia es que “los grandes desafíos del mundo, después del Vaticano II, no fueron asumidos por la jerarquía ni por los presbíteros, tampoco por las comunidades de base”, lo que causó “una distancia entre el camino de la sociedad” y la Iglesia, incluso dentro de las comunidades eclesiales de base, donde muchas personas “no se actualizaron para vivir de acuerdo con el nuevo proceso”. Esto se puede ver especialmente en el mundo urbano, donde “cada parroquia es una isla, vive en torno de sí misma, no hay interés en las otras islas, no hay puentes, cada uno tiene su propia experiencia”, sin capacidad para que la Iglesia “piense el mundo en el modelo urbano”.

Es por eso que, según José Marins, “el mundo no necesitó más, no hizo más preguntas a la Iglesia y la Iglesia perdió la capacidad de acompañar”. La alternativa que propone es una Iglesia donde “el clero prácticamente terminaría, y sería el Pueblo de Dios el que se haría responsable”, volviendo así a la práctica de la Iglesia primitiva.

1. Después de más de 50 años de acompañar a las comunidades eclesiales de base en América Latina, ¿qué cree que ellas significan para la Iglesia?

Distinguiría dos cosas, lo primero, lo que creo que debería estar en su contenido fundamental, y en segundo lugar lo que realmente sucede o no. Entonces, la primera parte, evidentemente, lo que la Iglesia era desde el principio, era una reunión comunitaria donde todos se conocían y se ayudaban mutuamente. Basta con mirar los Hechos de los Apóstoles 12, 12, sin Jesús, se encuentran en la casa de María, madre de Juan Marcos. Y allí, cada uno presentó su situación, su esperanza, la realidad de su comunidad. Era la iglesia de las casas, duró cuatrocientos años.

Lo que hacían estos cristianos era una presencia básica de la Iglesia, compartían lo que tenían, escuchaban la Palabra de Dios, los apóstoles ayudaban a los más necesitados y anunciaban la propuesta de Jesús. La comunidad de base es recuperar el primer nivel de la Iglesia, como decían los obispos, el primer y fundamental nivel de la Iglesia. Esto significa la Iglesia de acuerdo con lo pensado, querido, buscado por Jesús y los primeros cristianos. Influye, donde quiera que vaya, ese es el estilo de ser un seguidor de Jesús. Durante mucho tiempo fue un pequeño grupo que se distinguía en cualquier lugar, llamaba la atención cómo estas personas se querían, cómo vivían como hermanos, sin ser hermanos de sangre.

La comunidad eclesial sería, al comienzo de la Iglesia, la referencia fundamental para ser Iglesia. De tal manera que a partir de ahí viene la forma de ser una Iglesia mayor. Desde el siglo IV en adelante, con el Imperio Romano abrazando y protegiendo a la Iglesia, el aspecto de la comunidad en la casa se perdió, porque de la noche a la mañana, con Constantino, la Iglesia se convirtió en la religión oficial del Imperio Romano, y luego con Teodosio, es obligatorio que un romano sea cristiano. De un día para otro, las comunidades que tenían 20, 25 miembros, tal vez, tenían 200, 300, 400, que a menudo no se bautizaban, sino que permanecían como catecúmenos, esperando durante sus vidas para solo prácticamente en caso de muerte, pedir el bautismo. Porque la tradición cristiana en ese momento, en su mayor parte, no daba una segunda oportunidad de perdón a aquellos que, después de haber sido bautizados, no eran fieles.

Los emperadores romanos cedieron los edificios públicos para la reunión de los cristianos. La comunidad se traslada del grupo conocido en la casa a las grandes estructuras del Imperio Romano, las basílicas, perdemos la experiencia del cristianismo comunitario personalizado. Nuestro sueño era recuperar este primer nivel, que desapareció del siglo IV en adelante, y lo que sucedió fue lo que se llamó la parroquia, que es la comunidad desde la perspectiva del cristianismo. La Iglesia es un lugar para encontrarse con cosas emocionales, grandiosas y poderosas. La autoridad de la Iglesia es una autoridad igual a la del Imperio.

Este período de cristiandad se prolonga hasta el Vaticano II, que lo intentó y lo producirá, renovará y reconstruirá el primer nivel, porque la parroquia ya no es el primer nivel, se ha convertido en un nivel multitudinario de la Iglesia. La comunión de las comunidades formaría la parroquia, la comunión de las parroquias formaría la Iglesia local.

Ese sería el sueño, pero aquí viene la segunda parte, no sucedió. Primero, porque el clero sintió que si abrían la perspectiva de la comunidad, perderían el lugar de pastor que coordina al Pueblo de Dios, y las comunidades deben tener autonomía. Los presbíteros no estaban preparados para esto, no tenían un estudio de cómo sería una comunidad de base, muchos nacieron después del Vaticano II, por lo que no tenían una perspectiva sobre el modelo de Iglesia comunitario, básico, pero al mismo tiempo transformador del mundo.

El clero se convirtió en la mayor dificultad para construir comunidades, con la excepción de algunos que siempre han ayudado y están ayudando. Pero la mayoría no entiende, y como no entienden, no quieren la comunidad de base, la ubican en la categoría de movimiento. En algunas de las reuniones, después de Medellín y Puebla, hubo un intento de ubicar a la comunidad, junto con los laicos, no en el primer nivel de la Iglesia, sino como un grupo de laicos que hay en la Iglesia, a partir de la Palabra, de la oración, de algún servicio para los pobres, pero como si fuera un movimiento. Es decir, lo que soñamos con el Vaticano II, lo que está sucediendo es que ya no es una novedad, sino que se convierte en una continuidad de los movimientos para la parroquia que quiere o desea.

2. Desde esta perspectiva del Vaticano II, dentro de esta Iglesia que ya no es una Iglesia de cristiandad, ¿cómo podrían las comunidades de base ayudar en el caminar futuro de la Iglesia y en la evangelización de la gente?

Como cualquier proceso en la Iglesia, la parroquia tardó más de 500 años en ser completamente viable, las comunidades también necesitarán un tiempo grande. Tuvieron, justo después del Vaticano II, más o menos 20 años como gran novedad, gran demanda, casi todas las conferencias episcopales trataron de formar comunidades de alguna manera. Esto terminó dentro del pontificado de Juan Pablo II y después de Ratzinger, se perdió esa perspectiva. Antes de ser el Papa Benedicto XVI, hizo una declaración en 1985, diciendo que las comunidades eran realmente más un problema que una ayuda, eran una gran esperanza que se había perdido.

Dentro de este período, que llega a Aparecida y después de Aparecida, las comunidades se convirtieron, más o menos, como una cosa de élite, de un pequeño grupo que si quieren pueden, en el mejor de los casos, formar una comunidad, pero en la práctica, la mayoría el clero no está interesado y la mayoría de los obispos tampoco están interesados. Hablo de América Latina, fuera de América Latina hubo un deseo en Asia, en África, pero estoy aquí abordando la perspectiva latinoamericana.

3. El Papa Francisco trata de hacer realidad una Iglesia basada en la sinodalidad, en la comunión, que es una dimensión que siempre ha estado muy presente en las comunidades eclesiales de base. ¿Cómo podrían ayudar las comunidades eclesiales de base en este camino que propone el Papa Francisco?

En ese momento, las comunidades deberían sintonizar completamente con Francisco y lo que está diciendo, especialmente con el Sínodo de la Amazonía. Creo que este Sínodo de la Amazonía es tan valioso como el Vaticano II, abrió muchas puertas posibles. El Papa incluso dice en el documento papal que todo lo que se ha propuesto no se cancela y da un campo abierto para que las diócesis pidan lo que creen que es importante y fortalece a la Iglesia local. Las comunidades de base deben tener una gran armonía con el Sínodo de la Amazonía, conocerlo, tomar todos sus elementos, no solo en la Amazonía, sino también para nosotros, y lo que el Papa está proclamando, retomar los documentos y el testimonio del Papa Francisco en la Iglesia.

Este es el grupo que apoyará al Papa, porque la mayoría del episcopado está aplaudiendo al Papa, pero no lo sigue, excepto unos pocos. Aplauden, incluso les gusta, pero no transforman su diócesis en esa perspectiva que anuncia el Papa.

4. ¿Y por qué es tan difícil para muchos obispos, sacerdotes, aceptar las propuestas del Papa y traducirlas en una organización de parroquias y diócesis?

Siento que el Vaticano II, para la mayoría de los obispos que vinieron después, aún no se ha abierto. Muchos nacieron después del Vaticano II, pero no tuvieron una preparación, y ese estímulo que apareció al principio en el Vaticano II, en los primeros 20 años después del Vaticano II, donde nosotros, al menos en América Latina y Brasil, de una manera muy especial, tuvimos un episcopado extraordinario, que realmente motivó y comenzó un nuevo proceso. Después de ese episcopado, no pudimos preparar una segunda generación, nos quedamos esperando y apoyando lo que estos obispos decían, Luciano Mendes, por ejemplo, para hablar de uno de ellos, que lo hicieron muy bien.

Veremos si esto continúa, pero no se comprometieron en la medida en que el obispo se comprometió, y la comunión de asesores desapareció, hablo en América Latina. Los asesores que durante y después del Vaticano II significaron un gran proceso de actualización, desaparecieron. Por muchas razones, porque terminó, se hicieron mayores, u otros pensaron que era suficiente para llegar a donde habían llegado, y no continuaron actualizando el Vaticano II en las propuestas que hizo. De tal manera que la Iglesia de la comunidad base se quedó aquí, pero el mundo estaba mucho más adelante.

Los grandes desafíos del mundo, después del Vaticano II, no fueron asumidos por la jerarquía y los presbíteros, tampoco por las comunidades de base que vinieron después de eso. De manera que hay una distancia con el caminar de la sociedad, solo hay que fijarse en los jóvenes, que hoy abandonan la Iglesia y no tienen idea de pertenecer a una comunidad. Entonces, en la comunidad tenemos personas muy mayores, que tienen 10, 20, 30 años de experiencia en la comunidad, pero no se actualizaron para vivir de acuerdo con el nuevo proceso.

La Iglesia aún no ha podido integrarse con el proceso urbano del mundo, en las grandes ciudades del mundo, y el mundo tiene una mayoría creciente de ciudades, el mundo rural está terminando y lo que existe prepara para que no sea un mundo rural. Todos los hijos de la población rural terminan siendo maestros, abogados, médicos, abandonando el mundo rural, la mayoría no regresa al mundo rural, el mundo está cambiando. Dentro de la ciudad, la teología permanece como si todavía fuera el tiempo de de cristiandad y lo rural. Lo que es el mundo urbano, prácticamente no entra dentro de las parroquias, cada parroquia es una isla, vive en torno de sí misma, las otras islas no interesan, no hay puentes, cada uno tiene su propia experiencia.

Lo urbano no nos tomó por sorpresa, pero no fuimos capaces de pensar el mundo en el modelo urbano, y los procesos que están ocurriendo en el mundo son muy rápidos. Por ejemplo, la Biblia, que todos usaban la Biblia, hoy la gente usa el teléfono celular, y el teléfono celular tiene la Biblia, y es mucho más pequeño, no tiene peso, y es mucho más rápido para encontrar una cita bíblica. Pero nos preocupa mantener el libro y siempre hacerlo las cosas a través de ese libro grande y pesado. Este es un ejemplo de que la mayoría están en el mundo de los teléfonos celulares y todavía estamos en el mundo del papel, de la imprenta de Gutemberg, que es del siglo XVI.

5. ¿Por qué deberíamos decir que la Iglesia hoy ya no cautiva a los jóvenes?

No hay una sola causa, hay varias causas. En mi opinión, primero fue la incredulidad de la Iglesia, que siempre, todo lo que era nuevo en el mundo moderno, primero la Iglesia lo condenó, o esperó a ver qué iba a suceder. A fines del siglo XIX, la Iglesia no aceptó la vacuna, los papas de esa época hicieron un documento contra la vacuna, contra el tren, diciendo que este tren iba a llevar a todos al infierno. Luego el psicoanálisis, la psicología, todo eso la Iglesia lo dejó de lado. El mundo ya no la necesitó más, no le hizo más preguntas a la Iglesia y la Iglesia perdió la capacidad de acompañar. Segundo, el tema del abuso infantil, etc. Tercero, la formación clerical, que es mucho más para la cristiandad que para el mundo de hoy. Pondría al menos esos tres aspectos que nos tocan con más fuerza.

6. De cara al futuro, ¿qué sueña para las comunidades de base en América Latina, para la Iglesia y para el mundo en general?

Para el mundo, soñaría con terminar con las diferencias entre el conjunto de naciones, que la tierra pertenece a todos, no a un país. De tal manera que la ONU, sería mucho más poderosa si dijera las áreas que cuidan juntas de las personas, de tal manera que los pueblos no necesiten abandonar su territorio hacia otros territorios, porque allí habría lo que fuera necesario. Entonces, quería un tipo de ONU diferente al que tenemos hoy, que no decide las cosas por la guerra, sino por su proceso.

Sobre la Iglesia, esperaría que el clero prácticamente terminara, y sería el Pueblo de Dios el que se responsabilizaría, y algunos ministros que apoyen, que ayuden al Pueblo de Dios. El clero no fue instituido por Jesús, fue instituido por la Iglesia, que pasó al menos 400 y 500 años sin tener clero. Era el obispo de las grandes ciudades, solo una gran ciudad tenía un obispo, y después de que el Imperio Romano apoyó y se mezcló con la Iglesia, multiplicaron los obispos por ciudades más pequeñas. Luego, se perdió la sensación de que la Iglesia no está ayudando al sistema económico, ayuda a las personas a alcanzar su plenitud humana, y no a ingresar al sistema que llamamos religioso y que controla la vida de la persona.

La figura del obispo sería otro tipo de figura, más cercana al comienzo del cristianismo, que se reúne, acompaña a las personas y no necesita ser un obispo para 4 millones de personas, el número de obispos puede ser mucho mayor, porque no habrá nada precioso para comprar y usar, sino simplicidad. El que tenemos hoy como presbítero sería el obispo del futuro, el presbítero desaparece y el Pueblo de Dios se hace cargo.

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