Élio Gasda – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 17 Dec 2020 13:27:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Élio Gasda – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 “Mortos não são números”, com a palavra o prof. Élio Gasda, SJ https://observatoriodaevangelizacao.com/mortos-nao-sao-numeros-com-a-palavra-o-prof-elio-gasda-sj/ Thu, 17 Dec 2020 13:27:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37149 [Leia mais...]]]> No país da “ignorância ostentação”, reina a deusa Estupidez rodeada de seu séquito: fanatismo religioso, ódio, hipocrisia, superstição. Diante de tantas evidências, a maioria da sociedade silencia e um terço aplaude. O país normalizou o genocídio dos pobres. A morte, mais do que banalizada, é celebrada. Famílias inteiras dilaceradas enquanto tantos festejam nos bares, fazem festas madrugada afora, lotam os shoppings. Desprezam a dor profunda dos atingidos pela morte. Muitos somente entenderão a gravidade da pandemia quando os mortos forem seus mortos.

Confira a reflexão do prof. Élio Gasda:

Cemitério Parque da Saudade em São Gabriel da Cachoeira (AM) em 13 de maio (Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real)

MORTOS NÃO SÃO NÚMEROS

A ganância pelo poder e pelo dinheiro tem seu lado perverso e bestial

A violência atravessa a história do Brasil. Os “conquistadores” europeus promoveram um genocídio de 4 milhões de seres humanos logo que aqui chegaram. A população indígena foi reduzida a menos de 1 milhão (cf.: IBGE/Censo 2010). Africanos também foram exterminados. Dos 12.521.337 que embarcaram em navios de traficantes de seres humanos mais de 2 milhões morreram na viagem. 

Segundo o IBGE, o Brasil tem mais de 13 milhões de pessoas na extrema pobreza, gente que vive com menos de R$150,00/mês. 53 milhões na pobreza – com renda de até R$ 430,00/mês. Pessoas que não possuem acesso à saneamento básico, água tratada e recolhimento de esgoto são alvos fáceis da Covid-19. 14,6% da população brasileira está desempregada.

A pandemia agravou uma crise já existente

A pandemia tem demonstrado que algumas vidas valem mais que outras, e “quem tem pouco valor” pode ser descartado. Há uma divisão entre vidas passíveis de luto daquelas cujas condições de humanidade é negada: indígenas, negros, pobres, gays, imigrantes, refugiados, idosos, desempregados, os periféricos. Necropolítica! A ‘prosperidade capitalista’ não é para todos. A população pobre é coisa descartável para que os milionários continuem acumulando riqueza. Tudo aquilo que representa algum obstáculo a mercantilização da vida deve ser eliminado, principalmente os “indesejáveis”.

O papel de um governo que arrecada impostos é devolvê-los à população em forma de serviços em várias áreas, como na saúde. A função do Ministério da Saúde é prevenir doenças, tratar os pacientes e reduzir o número de mortes. Mas deixou estragar 6,8 milhões de testes para Covid-19, não tem estratégia para conter a segunda onda da pandemia, e nem plano de vacinação! Analfabetismo científico.

Políticos tomam decisões conscientes de que irão matar milhares de pessoas

O governo sabe que um dos segredos é fazer desaparecer os corpos. Retirar números de circulação, questionar dados, abrir covas em lugares invisíveis. O presidente e seus generais vindos dos porões da ditadura militar sabem como fazer isso.

A violência é a matriz do capitalismo brasileiro. Somos a pátria da guerra civil, dos genocídios sem nome, dos massacres sem documentos, da acumulação de riqueza feitos à base da bala, do fogo e do terror. A política de morte é executada de forma estrutural no Brasil.

Bolsonaro está cometendo um genocídio quando substitui profissionais experientes em epidemias por militares inexperientes em saúde, quando distribui hidroxicloroquina para povos indígenas, retém recursos destinados ao enfrentamento da pandemia, veta medidas de segurança e estimula que as pessoas saiam às ruas sem máscaras, boicota vacinas! Há quatro pedidos de investigação de Bolsonaro por genocídio e outros crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional.

No país da “ignorância ostentação”, reina a deusa Estupidez rodeada de seu séquito: fanatismo religioso, ódio, hipocrisia, superstição. Diante de tantas evidências, a maioria da sociedade silencia e um terço aplaude. O país normalizou o genocídio dos pobres. A morte, mais do que banalizada, é celebrada. Famílias inteiras dilaceradas enquanto tantos festejam nos bares, fazem festas madrugada afora, lotam os shoppings. Desprezam a dor profunda dos atingidos pela morte. Muitos somente entenderão a gravidade da pandemia quando os mortos forem seus mortos.

Um desastre! Ultrapassaremos facilmente os 200 mil mortos

Devemos pedir perdão por nossa indiferença estúpida como nação. Pedir perdão aos mortos cada um com seu nome, sua história, seus desejos, seus sonhos, seus amores. Pedir perdão por aqueles enterrados em covas sem nome, em caixas de papelão porque faltou caixão. Pedir perdão aos profissionais da saúde que arriscam sua vida diariamente.

Receber a notícia da perda de alguém que amamos é devastador. Não é apenas um cadáver. É uma pessoa na grandiosidade da vida que viveu. A morte é um vazio. Somos carregadores de ausências. Cada um sabe de sua dor. As despedidas importam! Quais seriam as “últimas palavras” de uma pessoa que morreu de Covid? Qual seria seu último pensamento, sozinho, entubado, testemunhando o próprio fim? Sem velório, enterrado em uma vala de algum cemitério público.

Não somos um número!Ou seguimos o caminho da solidariedade ou a situação vai piorar. Não se sai de uma crise da mesma forma que antes. A pandemia é uma crise. De uma crise só se sai melhores ou piores. Temos que escolher. E a solidariedade é um caminho para sairmos melhores da crise. Faço uma pergunta: penso nas necessidades dos outros? Cada qual responda no seu coração. No meio de crises e tempestades, o Senhor interpela-nos e convida-nos a despertar e a ativar esta solidariedade capaz de conferir solidez, apoio e um sentido a estas horas em que tudo parece naufragar” (Papa Francisco).

(Adaptação e grifos, Edward Guimarães, para o Observatório da Evangelização)

Sobre o autor:

Prof. dr. Élio Gásda, SJ

Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.

Fonte:

www.domtotal.com

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“Economia de Francisco”, com a palavra o prof. Élio Gasda, SJ https://observatoriodaevangelizacao.com/economia-de-francisco-com-a-palavra-o-prof-elio-gasda-sj/ Thu, 19 Nov 2020 22:32:01 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=36464 [Leia mais...]]]> A humanidade precisa mudar. É fundamental mudar a economia. O sistema mundial em sua vertente capitalista neoliberal financeirizada é insustentável. A desigualdade é o mal estrutural maior do planeta. Especulação e idolatria do dinheiro: os pecados do nosso tempo. As agressões mais frequentes e cruéis contra a vida e a Criação vêm do poder dinheiro. Essa economia não salva ninguém... As relações econômicas necessitam de uma mudança radical de orientação: da competitividade para a colaboração; da exploração para a sustentabilidade; da acumulação egoísta para a distribuição justa; do consumismo individualista desenfreado ao consumo consciente e solidário. Pensar em um mundo menos desigual. Não há democracia política sem democracia econômica.”

Confira a reflexão do prof. Élio Gasda:

ECONOMIA DE FRANCISCO

A Economia de Francisco se tornou o mais amplo movimento de jovens economistas e empreendedores do mundo (Reprodução/Vatican Media)
A Economia de Francisco se tornou o mais amplo movimento de jovens economistas e empreendedores do mundo (Reprodução/Vatican Media)

Hoje, 19 de novembro, começa o Encontro Economia de Francisco.

Em modalidade virtual, o evento se estenderá até o dia 21 e poderá ser acompanhado no portal francescoeconomy.org. A versão on-line permite que todos os jovens inscritos participem do encontro nas mesmas condições de compartilhar suas experiências, trabalhos, propostas e as reflexões amadurecidas nos últimos meses.

É a primeira vez que um líder mundial de uma instituição global convoca os jovens para pensar uma economia diferente daquela que descarta e “mata” milhões de pessoas e destrói a natureza.

O compromisso de Francisco com a proposta de vida de Jesus, “o Reinado de Deus “, é um convite. A economia que o inspira está baseada no encontro com Jesus de Nazaré.

É preciso escutar os jovens!

O projeto Economia de Francisco se tornou o mais amplo movimento de jovens economistas e empreendedores do mundo. Aconteceram mais de 300 encontros preparatórios on-line envolvendo 3 mil jovens de 120 países. Estão previstas conferências de economistas renomados como Muhammad Yunus, Jeffrey Sachs, Vandana Shiva, Stefano Zamagni, Nelson Barbosa. 

As 12 “aldeias” temáticas foram transformadas em sessões de trabalho on-line que os jovens realizaram nos últimos meses:

  1. trabalho e cuidado;
  2. gestão e dom;
  3. finanças e humanidade;
  4. agricultura e justiça;
  5. energia e pobreza;
  6. lucro e vocação;
  7. políticas para a felicidade;
  8. CO2 da desigualdade;
  9. negócios e paz;
  10. economia e mulher;
  11. empresas em transição;
  12. vida e estilos de vida.

Pensar outra economia é uma obrigação moral.

A humanidade precisa mudar. É fundamental mudar a economia. O sistema mundial em sua vertente capitalista neoliberal financeirizada é insustentável. A desigualdade é o mal estrutural maior do planeta. Especulação e idolatria do dinheiro: os pecados do nosso tempo. As agressões mais frequentes e cruéis contra a vida e a Criação vêm do poder dinheiro. Essa economia não salva ninguém.

As gerações futuras vão herdar um mundo grandemente deteriorado. Nossos filhos e netos não têm de pagar o preço da irresponsabilidade de nossa geração” (Papa Francisco).

É urgente corrigir modelos de crescimento que não respeitem a vida humana, o meio ambiente e a justiça. Devemos redescobrir a essência mais importante da economia. Não se trata apenas do dinheiro, investimentos e finanças. A Igreja, liderada por Francisco, quer contribuir para mudar a economia. Uma economia inclusiva, sem descartar ninguém.

O documento que embasa o movimento Economia de Francisco é a encíclica Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum (2015). Ecologia integral significa pensar no bem comum. A ideia é colocar a economia a serviço da sociedade.

O dinheiro deve servir, e não governar! (Evangeli gaudium, 58).

O fim último da economia não está na economia, mas no seu propósito. A economia é uma atividade realizada por pessoas e orientada ao serviço das pessoas. Significa administrar a casa comum para garantir a sobrevivência material. “A dignidade da pessoa humana e o bem comum deveriam estruturar toda a política econômica” (Evangeli gaudium, 203).

A economia é uma prática social relacionada com outras práticas para constituir uma forma de vida racional e ecologicamente sustentável. A casa comum é uma só. Não é possível uma ecologia integral sem uma economia integral. Pensar a economia a partir de questões básicas como: O que produzir? Quanto produzir? Como produzir? Com que impactos ambientais? Como será distribuída a produção?

As relações econômicas necessitam de uma mudança radical.

As relações econômicas necessitam de uma mudança radical de orientação: da competitividade para a colaboração; da exploração para a sustentabilidade; da acumulação egoísta para a distribuição justa; do consumismo individualista desenfreado ao consumo consciente e solidário. Pensar em um mundo menos desigual. Não há democracia política sem democracia econômica.

Uma economia gerada desde a cotidianidade da vida. A vida é o ponto de partida. A vida é a condição absoluta de tudo o que o ser humano faz. Se matamos as condições que permitem a vida se reproduzir, estamos condenados. Não pode haver dúvidas quanto a isso. “Façamos um ‘pacto’ para mudar a atual economia e dar uma alma à economia do amanhã” (Papa Francisco).

(Adaptação e grifos, Edward Guimarães, para o Observatório da Evangelização)

Sobre o autor:

Prof. dr. Élio Gásda, SJ

Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.

Fonte:

www.domtotal.com

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Fratelli Tutti: Somos todos irmãos https://observatoriodaevangelizacao.com/fratelli-tutti-somos-todos-irmaos/ Thu, 22 Oct 2020 15:07:33 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=35996 [Leia mais...]]]> A fraternidade e a paz universal precisam do diálogo, de boas políticas e da boa vontade de todos. Só se chega ao bem comum com uma política que tenha como eixos a dignidade humana e a fraternidade, garantidora dos diretos universais básicos a todos.  

Confira a reflexão do prof. Élio Gasda, SJ:

Fratelli Tutti: Somos todos irmãos

É preciso libertar o mundo do desejo do domínio de uns sobre os outros (Pixabay)
É preciso libertar o mundo do desejo do domínio de uns sobre os outros (Pixabay)

São Francisco de Assis é considerado pela Igreja o santo da pobreza, aquele que reconhece na criação a presença de Deus. Foi junto ao seu túmulo, na cidade de Assis, que outro Francisco, o papa, assinou a encíclica Fratelli Tutti. O documento sobre a fraternidade e a amizade social tem oito capítulos, 287 parágrafos e duas orações: ao Criador e Cristã Ecumênica.

Um convite a “fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita” (FT, 1).

Francisco, que iniciou os escritos antes da pandemia, confessa ter sido inspirado pelo santo que amava a tudo e a todos, semeava a paz e se vazia presente junto aos “pobres, abandonados, doentes, descartados”. O pontífice propõe um mundo sem fronteiras, onde o amor e a justiça superem as origens, a cor, a língua, a cultura e as religiões.

Ao relembrar os tempos vividos por São Francisco, um mundo cheio de muralhas, guerras sangrentas entre poderosos, e, ao mesmo tempo, a miséria crescente das periferias, o Papa nos faz refletir sobre o século XXI. Quais são as muralhas contemporâneas? Quem são os poderosos que elas protegem? E as periferias e suas misérias, onde estão?

É preciso libertar o mundo do desejo do domínio de uns sobre os outros, dos conflitos que causam a fome, a desigualdade, que levam a migração de milhões, e os colocam em situação de escravidão moderna. Dar um basta à cultura do descarte e ao individualismo. É preciso dar dignidade humana ao outro, ao meu próximo, independente da sua posição geográfica. 

O Papa reafirma que “a fraternidade e a amizade social” sempre estiveram entre suas preocupações. Realmente, ganharam visibilidade quando abraçou os imigrantes em Lampedusa, no aperto de mãos entre Shimon Peres e Abu Mazen e no encontro com Imã Ahmad Al Tayyeb. Atos que nos fazem lembrar que somos todos irmãos em Deus e que a paz mundial deve ser nossa meta. Francisco assume que a encíclica reúne e desenvolve grandes temas expostos na Declaração de Abu Dhabi, uma janela para o diálogo, aberta em 2019. Um diálogo religioso que torna Deus presente em todas as sociedades. As religiões a serviço da fraternidade.

De acordo com Francisco, o documento não é um resumo da doutrina do amor fraterno, mas sobre sua dimensão universal. É sua contribuição para que todos se animem a uma reflexão e sejam capazes de reagir, superar as várias formas de eliminar ou ignorar os outros. Passaremos ao largo dos feridos ou, como o Bom Samaritano, os acolheremos? O momento de escolher é agora.

A pandemia evidenciou a incapacidade de uma ação conjunta por parte dos países na solução para a um problema que é de todos. É preciso humanizar nossas conexões, muito além de “melhorar os sistemas e regras já existentes”. O ser humano não tem fronteiras, podemos acolher, proteger, promover e integrar. Precisamos cuidar uns dos outros.

A fraternidade e a paz universal precisam do diálogo, de boas políticas e da boa vontade de todos. Só se chega ao bem comum com uma política que tenha como eixos a dignidade humana e a fraternidade, garantidora dos diretos universais básicos a todos.  

Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade. Entre todos: «Aqui está um ótimo segredo para sonhar e tornar a nossa vida uma bela aventura. Ninguém pode enfrentar a vida isoladamente (…); precisamos duma comunidade que nos apoie, que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em frente. Como é importante sonhar juntos! (…) Sozinho, corres o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos». Sonhemos como uma única humanidade (…), como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos.” (FT, 8) 

Fraternidade ou barbárie! Todos são rostos diferentes da mesma humanidade amada por Deus.

(Os grifos e destaques são nossos.)

Sobre o autor:

Prof. dr. pe. Élio Gasda, SJ

Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia – FAJE. É colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas. Dentre suas obras encontramos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

Fonte:

www.domtotal.com

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Ecumenismo: em defesa da vida, contra as forças da morte https://observatoriodaevangelizacao.com/ecumenismo-em-defesa-da-vida-contra-as-forcas-da-morte/ Thu, 28 May 2020 13:00:32 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34750 [Leia mais...]]]> Em tempos de pandemia, Semana de Oração pela Unidade Cristã torna-se mais necessária

Que todos sejam um (Jo17, 21)! Esse foi o desejo de Jesus na última ceia. A reconciliação da humanidade com Deus e das pessoas entre si é um dos maiores desafios cristão. Ninguém foi feito para viver só, mas existe na humanidade uma tendência para segregação.

Este ano a Igreja celebra 25 anos da encíclica Ut unum sint (UUS), que é um apelo à unidade, dentro da Semana de Oração pela Unidade Cristã. Preparada pelas Igrejas cristãs de Malta e Gozo a semana tem como tema “Eles nos demonstraram uma benevolência fora do comum” (At 28,2) e como o lema “Gentileza gera gentileza”!

O tema, escolhido ainda em 2019, não poderia ser tão atual. A ideia inicial era colocar em evidencia os migrantes e refugiados que em várias partes do mundo enfrentam os perigos por terra e mar para fugir da pobreza, dos desastres naturais e das guerras. Enfrentam as indiferenças políticas, econômicas e humanas. Entre eles estão cristãos e não cristãos. Todas as vidas importam.

Em tempos de pandemia o evento torna-se mais necessário. “Os crentes em Cristo não podem permanecer divididos” (UUS, 1) precisam de coragem e vontade sincera para superar o egoísmo. Papa Francisco alerta que “a indiferença egoísta é uma crise pior que a pandemia”, nos leva a incapacidade de cuidar do outro, daquele que está solitário, abandonado e doente, mas também é uma “oportunidade para nos prepararmos para nosso futuro coletivo”.

O esforço de recuperação precisa envolver a todos. Caso contrário, “não haverá futuro para ninguém”. É preciso misericórdia com os que estão vulneráveis. No Brasil antes mesmo da pandemia mais de 23 milhões de brasileiros faziam parte do saldo perverso de pessoas em situação de vulnerabilidade financeira e social, em maior número os negros, as mulheres, homossexuais e trans.

A grande motivação para a Semana de Unidade é para que todas as comunidades, independente de sua tradição confessional, celebrem Pentecostes, maior representação da unidade. Prova de que a diversidade fortalece e une para uma só ação: a caridade. Como a comunidade de Malta acolheu Paulo e outras pessoas após um naufrágio, precisamos agir com extraordinária bondade, acender a fogueira para aquecer corações aflitos e fornecer suprimentos aos que tem fome física e de justiça.

Tudo o que ameaça a sobrevivência da humanidade precisa de ser enfrentado em conjunto. “A unidade cristã só será autêntica quando a desigualdade social entre cristãos for superada” (dom Manoel João Francisco). O evangelho, a fé, a esperança, os dons do Espirito Santo nos unem para além das igrejas, mas é o amor e a caridade que nos une em um mesmo propósito, a acolhida do outro.

A unidade cristã emerge da consciência diante dos grandes problemas sejam eles sociais, políticos, ambientais, econômicos, mas sem priorizar a colaboração apenas entre cristãos, pois “tudo está interligado”. A vida plena é responsabilidade de todos.

Ecumenismo é o processo de busca unitário. O termo ecumênico tem origem na palavra grega oikouméne e significa mundo habitado, no sentido de povo civilizado aberto a cultura e espaço geográfico. Restringir seu sentido em unidade das igrejas cristãs é não se abrir ao diálogo do pluralismo religioso: “a unidade do Espírito harmoniza todas as diversidades”… “a diversidade é bela quando aceita entrar num processo de reconciliação”(Evangelii gaudium, 230).

O ecumenismo é uma prioridade do pontificado de Francisco, um convite ao trabalho conjunto “para dar voz ao grito dos pobres”, para que não sejam abandonados às leis de uma economia que muitas vezes considera o homem “apenas como consumidor”, ou um descarte, vida substituível.

As vidas brasileiras estão assim, sendo destratadas pelo desgoverno Bolsonaro. Não importam, são apenas CPFs, se morre é substituível. Na economia de Paulo Guedes não há espaço para dor, para o luto, apenas para a vida das grandes empresas. Ecumenismo não é apenas um movimento favorável à união das igrejas cristãs. É compromisso fraterno pela justiça e pela paz. Diante deste projeto de morte, os cristãos devem defender a dignidade humana. Ninguém pode ficar indiferente na luta pela vida. Religiões cristãs não podem compactuar com a violência e nem despertar sentimentos de ódio.

O que une os cristãos é o amor ao próximo. Gentileza gera gentileza: “O que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles” (Mt 7, 12).


Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: ‘Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja’ (Paulinas, 2001); ‘Cristianismo e economia’ (Paulinas, 2016)

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Natal: culto ao consumo?, confiram a provocante reflexão do prof. pe. Élio Gasda, SJ https://observatoriodaevangelizacao.com/natal-culto-ao-consumo-confiram-a-provocante-reflexao-do-prof-pe-elio-gasda-sj/ Thu, 19 Dec 2019 12:02:58 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33840 [Leia mais...]]]> É Natal! Desde muito pequenos somos estimulados a sonhar. Fazer pedidos a Papai Noel. Ainda criança somos encorajados ao consumismo. Crescemos e capitalizamos os sonhos. Entendemos que Papai Noel é o sinônimo de mercado. O capitalismo neoliberal transforma tudo em comércio. O Natal foi descristianizado. Jesus tornou-se personagem secundário.

No empenho utópico do capitalismo neoliberal, o capital tornou-se a mais poderosa estrutura de controle, tudo deve se ajustar a ele. A autonomia, a liberdade e a religião foram usurpadas pelo fascínio do dinheiro. Materializamos os sonhos.

A exploração do trabalho é o pilar de sustentação desse modelo. Um modelo econômico que funciona baseado, por um lado, na lógica da acumulação ilimitada, e por outro lado, na miséria do operário necessitado de vender seu trabalho. O trabalho foi convertido em mercadoria. Não só o trabalho, mas tudo tem o seu preço e deve ser encontrado no mercado. O que não cria valor para o capital não vale nada.

Para que esta economia funcione, se faz necessária a subordinação da política. Portanto, será sempre uma economia política de mercado. A maximização da riqueza torna-se a medida da economia e da sociedade. Desigualdade de riqueza e de renda é uma característica essencial deste modelo de economia. De acordo com OXFAM apenas oito homens possuem a mesma riqueza que os 3,6 bilhões de pessoas que compõem a metade mais pobre da humanidade. Uma em cada nove pessoas sobrevive com menos de U$ 2 por dia. A fortuna dos bilionários do mundo aumentou 12% em 2018 (US$ 900 bilhões), ou US$ 2,5 bilhões por dia, enquanto a metade mais pobre do planeta (3,8 bilhões de pessoas) viu sua riqueza reduzida em 11%.

O Brasil tem uma das mais altas concentrações de renda do mundo, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da ONU. O país está em segundo lugar em má distribuição de renda, atrás apenas do Catar. Os 10% mais ricos no Brasil concentram 41,9% da renda total. “Assim como o mandamento ‘não matar’ põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigual­dade social’… Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco” (Evangelii gaudium, 53).

O fim último da economia não está na economia, mas na sua finalidade. Economia é o estudo do abastecimento material da casa familiar ou da cidade. Tem uma dimensão natural e vital. Toda comunidade está constituída em vista de algum bem. A economia não é uma estrutura independente da realidade humana. Não se separa da natureza, da razão e do bem da cidade. As escolhas, tanto na ordem dos fins quanto na ordem dos meios supõe a ética. Papa Francisco tem sido um dos críticos mais ferrenhos do modelo atual econômico: “Os recursos da terra estão sendo depredados também por causa de formas imediatistas de entender a economia e a atividade comercial e produtiva” (Laudato sí, 32).

Por que continuamos estimulando nossas crianças ao consumismo, por que não reagimos? Porque a sociedade está anestesiada pela cultura do bem-estar (Evangelii gaudium, 54). É urgente dizer não ao consumismo que reprime a solidariedade e neutraliza a consciência da responsabilidade pelo bem comum. Para o papa, “a economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas administração da casa comum. Isto implica cuidar da casa e distribuir adequadamente os bens entre todos. Uma economia verdadeiramente comunitária – uma economia de inspiração cristã – deve garantir aos povos dignidade, prosperidade e civilização em seus múltiplos aspectos. A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano não é filantropia. É dever moral. Para os cristãos é mandamento devolver aos pobres o que lhes pertence”.

Toda pessoa é uma imagem e semelhança de Deus dotada de uma dignidade e valor irredutível. A melhor ordem econômica é aquela que busca preservar essa dignidade fundada na Trindade Santa. “O princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais é a pessoa humana, a qual, por sua mesma natureza, tem absoluta necessidade da vida social” (GS, 25).

O humanismo autêntico requer que se removam as principais fontes de privação da dignidade: pobreza, carência de oportunidades econômicas, negligência dos serviços públicos, intolerância ou interferência de Estados repressivos. Atender as reivindicações mínimas para que as pessoas possam existir dignamente. Oxalá o Natal do Senhor, representado na misteriosa imagem do presépio, possibilite repensar as regras do jogo:

O Presépio é um convite a sentir, a tocar a pobreza que escolheu, para Si mesmo, o Filho de Deus na sua encarnação, tornando-se um apelo para O seguirmos pelo caminho da humildade, da pobreza, do despojamento. As ruínas e os pobres ali representados recordam que eles são os privilegiados deste mistério. Não podemos deixar-nos iludir pela riqueza e por tantas propostas efémeras de felicidade” (Admirabile signum, carta apostólica do papa Francisco sobre o presépio).

“A simplicidade é o último grau da sabedoria e só os sábios conseguem vê-la” (Khalil Gibran).

Fonte:

www.domtotal.com

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A Amoris laetitia do papa Francisco chegou para ficar e seus frutos de misericórdia já começam a ser colhidos, gestando outra prática pastoral possível https://observatoriodaevangelizacao.com/a-amoris-laetitia-do-papa-francisco-chegou-para-ficar-e-seus-frutos-de-misericordia-ja-comecam-a-ser-colhidos-gestando-outra-pratica-pastoral-possivel/ Sun, 15 Dec 2019 19:59:33 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33805 [Leia mais...]]]> “Amoris laetitia vem diminuindo a distância entre o magistério e a realidade pastoral. Uma mudança está em curso. Com Francisco, a Igreja está se tornando inclusiva.” A reflexão é do teólogo jesuíta Élio Gasda, confira:

Amoris laetitia chegou para ficar

… desculpem! Existe nesta palavra a nossa consciência de ter-vos ignorado muitas vezes em nossas comunidades paroquiais. Talvez tenham sofrido por nossas atitudes de julgamento e crítica em relação a vocês. Declaramos por muito tempo que vocês não poderiam ser totalmente admitidos nos sacramentos da penitência e da Eucaristia, enquanto em muitos de vocês havia um desejo de serem sustentados pelo dom dos sacramentos e pelo afeto de uma comunidade”.

Este é o trecho da carta do bispo italiano Renato Maragoni a casais separados, divorciados, casados civilmente ou não. Mas poderia ser destinado também aos casais homoafetivos. A verdade é que a exortação do papa Francisco, Amoris laetitia, começa a colher frutos.

Polêmica entre os tradicionalistas, Amoris laetitia vem diminuindo a distância entre o magistério e a realidade pastoral. Uma mudança está em curso. Com Francisco, a Igreja está se tornando inclusiva.

Um pastor não pode sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações ‘irregulares’, como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas. É o caso dos corações fechados, que muitas vezes se escondem até por detrás dos ensinamentos da Igreja ‘para se sentar na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas’” (Amoris laetitia, 305).

Acolher as famílias feridas com amor, promovendo a alegria é o tom da carta do bispo italiano aos casais:

…nos tornamos rígidos sobre uma visão muito formal das situações familiares que vocês viviam. Estávamos errados em não considerar também a situação pessoal, os sonhos que vocês haviam alimentado, a vossa vocação para a vida conjugal com os projetos de vida que ela envolvia, embora atravessados por conturbações familiares complicadas, em que tantos fatores podem ter sido decisivos para criar obstáculos a tudo isso. 

É nessas situações complexas que a responsabilidade pessoal precisa ser sustentada e ajudada justamente na fragilidade. Para aqueles que entre vocês ficaram desanimados e deixaram as nossas comunidades paroquiais, estamos aqui para dizer que sentimos sua falta e que precisamos de vocês e de seu testemunho de vida. Estamos cientes de que os eventos conturbados que vocês atravessaram e que perturbaram e machucaram vossos afetos familiares podem ajudar a nós todos a considerar a vida como um dom nunca dado como certo, como uma responsabilidade nunca concluída, como uma possibilidade de recomeçar o caminho da existência pela promessa que ele representa”.

Oxalá, uma abertura como essa, “prover para determinados casais que não vivem plenamente o matrimônio cristão a possibilidade de participar dos sacramentos” fosse entendida e compartilhada por todos os cristãos. A atitude dos bispos Renato Marangoni e Vittorio Veneto, que também se abriu à mudança, não é anarquista, os casais que desejarem participar dos sacramentos serão acompanhados pelo pároco ou pelo próprio bispo. Papa Francisco ensina que “os divorciados e recasados não são excomungados e não devem ser tratados como tais: eles sempre fazem parte da Igreja”.

Um passo de cada vez e, claro, dentro da realidade de cada diocese. Não se pode ignorar e nem negligenciar os cristãos de coração aflito desejosos de afeto e escuta. A Igreja não pode abandoná-los.

Nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções magisteriais. Naturalmente, na Igreja, é necessária uma unidade de doutrina e práxis, mas isto não impede que existam maneiras diferentes de interpretar alguns aspectos da doutrina ou algumas consequências que decorrem dela. Assim há de acontecer até que o Espírito nos conduza à verdade completa (cf. Jo 16, 13), isto é, quando nos introduzir perfeitamente no mistério de Cristo e pudermos ver tudo com o seu olhar. Além disso, em cada país ou região, é possível buscar soluções mais inculturadas, atentas às tradições e aos desafios locais. De fato, «as culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral (…), se quiser ser observado e aplicado, precisa de ser inculturado” (Amoris laetitia, 3).

As novas configurações familiares são temas complexos e caros à sociedade. Francisco talvez não os tenha tratado de forma aberta em Amoris laetitia por saber que a tarefa é árdua, e ainda encontra resistências. Contudo, não cede às recriminações. Apesar de entender a família cristã fundada no matrimônio, lembra a importância de superar “um estereótipo ideal da família” por considerá-lo “um interpelante mosaico feito de diferentes realidades” (Amoris laetitia, 57).

Francisco ensina que

o caminho da Igreja é sempre o de Jesus: o caminho da misericórdia e da integração. (…) é o de não condenar eternamente ninguém; derramar a misericórdia de Deus sobre todas as pessoas que a pedem com coração sincero (…). A caridade verdadeira é sempre imerecida, incondicional e gratuita. Por isso, temos de evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diversas situações, e é necessário estar atentos ao modo em que as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição” (Amoris laetitia, 296).

Não percamos a esperança por causa dos nossos limites, mas também não renunciemos a procurar a plenitude de amor e comunhão que nos foi prometida (Amoris laetitia, 325).

O amor é o núcleo da família. Se divorciados em segunda união vivem o amor e são cristãos como todos os demais, por que não podem comungar? Discernimento e opção de consciência. Quem somos nós para julgar? Somos orientados a entrar na dinâmica do amor. O princípio da misericórdia é o coração que dá vida à doutrina cristã.

Sobre o autor:

Prof. Élio Gasda, S.J.

Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

Fonte:

www.domtotal.com

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Pecado ecológico, com a palavra o teólogo Élio Gasda, SJ https://observatoriodaevangelizacao.com/pecado-ecologico/ Fri, 01 Nov 2019 00:57:17 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32853 [Leia mais...]]]> A devastação da natureza não é somente um problema ético, é também um problema religioso.

“Em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há” (Ex 20,11). A terra é um presente de Deus, que logo apresenta seu termo de Aliança com o povo israelita: os dez mandamentos. Entre eles a determinação: “Não matarás” (Ex 20,13). Qualquer pessoa entende que é pecado matar. Então, podemos considerar a partir de uma perspectiva cristã pecado a destruição do planeta?

O conceito de “pecado ecológico” foi debatido durante o Sínodo para a Amazônia. Desde o início de seu pontificado Francisco vem sinalizando a necessidade de um exame de consciência, arrependimento e confissão dos males causados à natureza: “Somos participantes de um sistema que impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza. Arrependamo-nos do mal que estamos fazendo à nossa casa comum”.

A devastação da natureza não é somente um problema ético, é também um problema religioso, pois se opõe à vontade de Deus. Somente Deus pode revelar até que ponto sua obra é destruída pelo ser humano. São muitas as causas da maior crise ecológica da história, porém na sua raiz se encontra o pecado, tanto em seu aspecto pessoal como no próprio modelo de civilização. Os mecanismos perversos do sistema econômico funcionam contra o bem comum, contra a obra da criação e contra o bem do próximo. O pecado da avareza leva ao pecado ecológico. Uns poucos acumulam riquezas às custas da devastação da natureza.O pecado contém uma configuração pessoal, interpessoal, comunitária, social e cósmica, afeta a humanidade e a criação.

Devastar a natureza é pecar. A crise ecológica é, essencialmente, um problema espiritual. O bom relacionamento entre a humanidade e a Terra foi quebrado e essa ruptura é pecado. Como toda forma de pecado, o ecológico incomoda quem o pratica: ruralistas, o agronegócio que desmata e queima, as mineradoras predatórias como a Vale, a invasão de territórios indígenas, uso irresponsável de agrotóxicos. Ospecados ecológicos também precisam ser confessados. Exigem penitência e conversão. A reconciliação com Deus passa pelo respeito e preservação da natureza. A urgência da conversão ecológica revela a gravidade do pecado contra o meio ambiente como um pecado contra Deus, contra o próximo e as futuras gerações. O pecado espalha a morte e rouba o futuro.

Crime, ecocídio, pecado ecológico são marcas do capitalismo. “Este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão nem na destruição da natureza. Este sistema é insuportável: não o suportam os povos. Nem sequer o suporta a irmã Mãe Terra. Por trás de tanto sofrimento, morte e destruição, sente-se o cheiro daquilo que Basílio de Cesareia chamava ‘o esterco do diabo’: reina a ambição desenfreada de dinheiro” (Papa Francisco).

Tudo quanto agride a terra e agride os filhos da terra. Diz o documento final: “Propomos definir o pecado ecológico como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o ambiente. É um pecado contra as futuras gerações e se manifesta em atos e hábitos de contaminação e destruição da harmonia do ambiente, transgressões contra os princípios da interdependência e a ruptura das redes de solidariedade entre criaturas e contra a virtude da justiça. Também propomos criar ministérios especiais para o cuidado da ‘casa comum’ e a promoção da ecologia integral em nível paroquial e em cada jurisdição eclesiástica, que tenham como funções, entre outras, o cuidado do território e das águas, assim como a promoção da encíclica Laudato si. A defesa da vida da Amazônia e de seus povos requer uma profunda conversão pessoal, social e estrutural… Nesse sentido, é importante estarmos cientes da força do neocolonialismo que está presente em nossas decisões diárias e do modelo de desenvolvimento predominante que se expressa no crescente modelo de monocultura agrícola, nossos modos de transporte e no imaginário do bem-estar… O consumo que vivemos na sociedade tem implicações diretas e indiretas na Amazônia….queremos abraçar uma espiritualidade de ecologia integral, a fim de promover o cuidado da criação”.

O Sínodo da Amazônia reforça a “esperança de abraçar e praticar o novo paradigma da ecologia integral, o cuidado da “casa comum” e a defesa da Amazônia”. O documento final faz um convite a conversão integral, pastoral, cultural, ecológica e sinodal, pois “tudo está intimamente relacionado” (Laudato si, 16). Somos todos responsáveis por esse modelo de desenvolvimento predatório, dessa economia que mata. Permitimos a destruição e consentimos a criminalização dos que lutam pela casa comum e pelos direitos dos povos.

O documento lembra que o respeito a vida e aos direitos humanos não são mera opção, dever político ou tarefa social, para os cristãos é “exigência de fé”. Por isso precisamos nos converter e colocar em prática o projeto, nada fácil, mas possível, para modificar o atual modelo de desenvolvimento. O pior pecado é aquele ao qual nos acostumamos.

Sobre o autor:

Prof. Élio Gasda, S.J.

Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

Fonte:

www.domtotal.com

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“A ética de Jesus”, com a palavra o prof. Élio Gasda, SJ https://observatoriodaevangelizacao.com/a-etica-de-jesus-com-a-palavra-o-prof-elio-gasda/ Fri, 25 Oct 2019 01:47:33 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32647 [Leia mais...]]]> Quem abraça a ética de Jesus se volta necessariamente para o outro

O 'espelho' do comportamento ético é o rosto daqueles com quem se convive (Unsplash/ Laura Dewilde)
O ‘espelho’ do comportamento ético é o rosto daqueles com quem se convive (Unsplash/ Laura Dewilde)

Jesus é fonte da ética cristã. Seus ensinamentos são referências para se pensar as grandes questões sociais da atualidade.

A chave de leitura para compreender a ética de Cristo é a encarnação. Tudo o que conhecemos e sabemos de Deus encontramos no homem Jesus de Nazaré. Deus se fez “carne” (Jo 1,14), se fez vulnerável, loucura e escândalo, como afirma Paulo (1Cor 1,23). A ética de Cristo se apresenta como uma ética da humanização que evidencia a superioridade do amor em relação ao cumprimento de deveres religiosos e submissão a sistemas políticos.

O Sermão da Montanha (Mt 5-7) é o programa ético de Jesus. É a passagem da moral das obrigações para a ética da felicidade. As bem-aventuranças são apresentadas no plural, indicando que se trata de uma felicidade a ser vivida em comunidade. A lei maior: “Tudo que desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles” (Mt 7, 12). Portanto, amai vossos inimigos e rezai pelos que vos perseguem (Mt 5, 44).

Na ética de Jesus os últimos são os primeiros (Mc 10,31). E a situação dos últimos para esta sociedade é desesperadora. Jesus dedicava especial atenção aos pequeninos, aos discriminados, aos que não tinham vez na sociedade. Era sinal de contradição: felizes são os pobres e os que agora têm fome; os que agora choram; os que são odiados, insultados e amaldiçoados por causa de mim (Lc 6,21s). Jesus dedicou atenção especial aos preteridos de sua época.

Pelos relatos bíblicos, constata-se que a ética de Jesus se pautava na defesa da dignidade de todos os seres humanos. Jesus não inaugurou um código moral para condenar os impuros e pecadores. Ao acolher os discriminados e excluídos da sociedade (pessoas mal afamadas, estrangeiros, crianças, mulheres) Jesus deixava desconcertadas as pessoas mais religiosas. Sua ética questiona a moral vivida dos que não se misturam e só sabem apontar o dedo. O amor era sua norma: “ninguém tem maior amor do que quem dá a vida pelo irmão” (Jo 15,13).

O “espelho” do comportamento ético é o rosto daqueles com quem se convive. A ética de Cristo tem seu fundamento no cuidado com a vida, com a humanização. Não é uma ética de cumprimento de normas, mas da busca da felicidade dos outros. A diferença entre a ética religiosa de cumprimento de deveres e a ética de Cristo é ilustrada no relato da cura do homem da mão paralisada na sinagoga em dia de sábado (Mc 3,1-6). A religião muitas vezes se torna uma “armadilha” quando coloca o cumprimento dos deveres acima da satisfação das necessidades mais elementares. A ética de Cristo coloca o bem do outro acima de tudo. Muitas vezes a fidelidade às obrigações religiosas serve de falsa justificativa para legitimar a indiferença diante do sofrimento dos irmãos.

“Se vocês tivessem compreendido o que significa: misericórdia é o que eu quero, não o sacrifício, não condenariam inocentes” (Mt 12,7). Eis o pilar que sustenta toda a ética de Jesus: a compaixão. Quem abraça a ética de Jesus se volta necessariamente para o outro, para os de fora: “Quando foi que te vimos com fome e sede?” (Mt 25,38s). Enquanto o cristão estiver voltado para si mesmo e suas normas religiosas, será como o sacerdote e o levita da parábola do bom samaritano, no máximo, um cumpridor de deveres que passa longe dos necessitados – identificado com Cristo (Lc 10,29-37). A misericórdia, mais do que “sentir pena”, é uma “reação visceral” ao sofrimento alheio. Para Jesus a indiferença é tão grave quanto a violência. As parábolas do rico epulão e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31), do bom samaritano (Lc 10,25-37) e do “juízo final” (Mt 25,31-46) atestam a misericórdia como pilar da vida cristã. Na ética de Jesus se retribui o mal com o bem: “Quando somos ofendidos, abençoamos; quando perseguidos, suportamos” (1 Cor 4, 12-13).

Porquê é tão difícil praticar a ética de Jesus? Em nome da “moral e dos bons costumes”, subterfúgios têm sido praticados para impor atitudes discriminatórias de contingentes enormes da população. No Reino de Deus há lugar para todos – a começar pelos mais discriminados. A condição para fazer parte desse Reino é acolher a todos na sua diversidade.

A falta de ética soma-se ao fingimento oportunista e hipócrita de muitos cristãos. Como diz papa Francisco: “Quando as pessoas se tornam autorreferenciais e se isolam na própria consciência, aumentam a sua voracidade” (Laudato Si’, 204). As atitudes de alguns cristãos estão, muitas vezes, vinculadas a interesses que nada têm a ver com a ética. Porque é tão difícil aceitar que Deus ama tanto os justos quanto os pecadores? (Mt 5,45-48). Quem realmente são os justos? E quem são os pecadores?

A partir da ética de Cristo, o que seria inviolável? “O ser humano” ou “a doutrina”? O cristianismo não pode ser uma religião de acusadores enraivecidos, mas de homens e mulheres de misericórdia e de justiça. A justiça do cristão precisa ultrapassar a dos escribas e fariseus (Mt 5,20). Quem consegue viver esse tipo de ética proposta por Jesus?

Sobre o autor:

Prof. dr. pe. Élio Gasda, SJ

Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia – FAJE. Dentre suas obras encontramos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

Fonte:

www.domtotal.com

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“Teologia e diversidade afetivo-sexual: gênero, decolonialidade e humanismo”, com a palavra o prof. Élio Gasda, SJ https://observatoriodaevangelizacao.com/teologia-e-diversidade-afetivo-sexual-genero-decolonialidade-e-humanismo-com-a-palavra-o-prof-elio-gasda-sj/ Sat, 19 Oct 2019 10:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32466 [Leia mais...]]]> Diversidade é característica ou estado do que é diverso, que não é igual. Somos diversos! A diversidade cultural, étnica, religiosa, sexual e ideológica é uma realidade. As temáticas de gênero e da sexualidade são incontornáveis e inadiáveis para a reflexão teológica e para a pastoral. Reconhecer e alegrar-se com a diversidade é uma característica de todo humanista.

O humanismo se refere à humanidade de modo concreto, ao corpo real, sua essência e suas peculiaridades como gênero, orientação sexual, etnia, religião, cultura. Diversos grupos de seres humanos ainda precisam lutar pelo reconhecimento pleno de sua humanidade. Há um elo entre as lutas históricas dos indígenas, das mulheres e dos negros por direitos e as lutas contemporâneas das comunidades LGBT. A ampliação dos direitos humanos o consequente reconhecimento de direitos iguais é gradativo. Mas não se trata apenas de definir direitos, mas também sua titularidade. Ou seja, quem tem direito a ter direitos? Tod@s!

Acolher o outro é reconhecer a dignidade inerente a todos os membros do gênero humano. A extensão dos mesmos direitos aplicados a todos sem exceção apoia-se no princípio da igualdade e da não discriminação. O Art.1º da Declaração Universal dos Direitos dos Humanos é claro: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Não se admitem exceções. O Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou em 2011 a Resolução 17/19 expressando apreensão com a violência e a discriminação contra indivíduos em razão de sua orientação sexual e identidade de gênero.

O direito à diversidade e à igualdade fundamental são indissociáveis. A partir da noção de igualdade se definem os “direitos iguais”. Os direitos humanos requerem três critérios: naturais (inerentes aos seres humanos), iguais (os mesmos para todo o mundo) e universais (aplicáveis em toda a parte). Não são os direitos de humanos num estado de natureza: são os direitos de humanos em sociedade. Portanto, cabe ao Estado reconhecer direitos a grupos específicos. Todo Estado democrático deveria priorizar a questão de gênero no desenvolvimento de suas políticas.

Fazemos gênero o tempo inteiro. Temos que usar uma teoria se ela nos serve para alguma coisa. Não é mais possível invisibilizar as questões que envolvem gênero e sexualidade. A “cegueira de gênero” (gender blindness) precisa desaparecer da sociedade e das instituições públicas. Como garantir igualdade sem falar das formas de desigualdades as quais são submetidas mulheres e pessoas LGBT? As diferenças não podem ser transformadas em desigualdade, numa divisão entre um superior e um subalterno. As estruturas sociais naturalizam as assimetrias de poder para excluir as mulheres, os LGBT, os negros e pobres. Essa desigualdade de gênero é uma afronta aos Direitos Humanos.

Ninguém pode ser inferiorizado só pelo fato de ser “diferente”. O conceito “humano” abarca todos membros do gênero humano. Por que razão alguns se acham mais humanos do que outros? Porque razão alguns se acham mais filhos de Deus do que outros? Como condenar alguém que está buscando garantir seus direitos? Nenhum grupo ou indivíduo tem autoridade para decidir quem é menos ou mais humano.

A nenhuma religião foi dada a autoridade divina para decidir quem é filho de Deus, muito menos se uns são mais amados por Ele que outros. Todos os esforços em favor do reconhecimento da dignidade humana são um sinal do Reino de Deus. O amor cristão também se concretiza no compromisso em defesa da justiça e do direito em prol dos não reconhecidos em sua dignidade. “O que é justo não é originariamente determinado pela lei, mas pela identidade profunda da pessoa humana” (João Paulo II, Sollicitudo rei socialis, n. 40). Todos têm uma mesma identidade fundamental: ser criatura e, pela graça, filho de Deus, herdeiro da vida eterna.

Em tempos sombrios a academia deve fazer ecoar a voz de um humanismo concreto. O futuro do país está em jogo. A covardia, a omissão e a preguiça cobram um preço muito alto. Neste sentido, a Faje acolhe, no próximo dia 23, o evento Rodas de conversa – Teologia & Diversidade Afetivo-sexual: Gênero, decolonialidade e humanismo. Conversa que gira em torno da articulação entre humanismo, gênero e diversidade no campo da educação, do cristianismo e da política. Uma iniciativa necessária e urgente!

Uma questão extremamente atual não poderia estar ausente das academias. Nesta direção, reproduzimos aqui, extrato do Manifesto em defesa dos Estudos de Gênero e Religião, da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião (Anptecre): “A categoria de gênero como instrumental de análise das relações e estruturas sociais tornou-se uma ferramenta importante para os Estudos Feministas ainda na década de 1980. Com trajetórias e usos diversos, essa categoria também foi incorporada nas pesquisas e estudos no âmbito da Teologia e das Ciências da Religião, constituindo um campo próprio de discussão acadêmica sustentado em referenciais teóricos e metodológicos que foram se desenvolvendo e se articulando com diversas outras questões, em transversalidades relacionais e analíticas. Manifestamos nosso compromisso ético e político com esse campo científico de pesquisa e repudiamos os ataques que o mesmo e quem nele atua vêm sofrendo de forma desrespeitosa, ideologicamente arquitetada, anticonstitucional em relação à liberdade de expressão e desconhecedora do próprio campo de estudos em questão”.

Fonte:

www.domtotal.org.br

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Para inspirar, no dia 07/09/2018, o 24º Grito dos Excluídos https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-no-dia-07-09-2018-o-24o-grito-dos-excluidos/ Thu, 06 Sep 2018 13:51:22 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28902 [Leia mais...]]]>

‘Ôh! Mundo tão desigual, tudo é tão desigual!’

Somente relações igualitárias que respeitem a diversidade de gênero, cultural, racial, religiosa garantem a paz social.

Por Élio Gasda*

7 de setembro deveria ser uma festa democrática para comemorar a independência do Brasil. Mas não, é dia de colocar a “boca no trombone”. Esse ano acontece o 24º Grito dos Excluídos que tem como lema: “Desigualdade gera violência: basta de privilégios!” A manifestação, que desde 1995 tem como máxima “A vida em primeiro lugar”, é carregada de simbolismo. Não tem dono! Seu partido são os pobres, os negros, as mulheres, os trabalhadores, os índios, os LGBTI+, as periferias. O espaço é a rua, sinônimo de pluralidade, ecumenismo, comprometimento, profecia e luta!

O grito não é de patriotismo passivo. O que se quer é uma cidadania ativa para a construção de uma sociedade justa, solidária, plural. É dia de denunciar essa estrutura excludente que nega a vida e abraça a ganância. “Denúncia profética a serviço da esperança” (Laudato si, 76).

Esse Grito acontece em um momento trágico da vida nacional. Políticas de austeridade são criminosas. O Estado mínimo gera diversos tipos de violência. Destrói políticas públicas, queima patrimônios nacionais. No último domingo, um acervo estimado em 20 milhões de itens virou cinzas. Assim como o emprego e o saneamento básico, a educação e a saúde, o transporte e a segurança. Um desgoverno incendiário. Congelou os gastos em políticas sociais por 20 anos. Territórios, rios, matas estão sendo destruídos com sua permissão. Políticas afirmativas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, Prouni, Ciências sem Fronteiras, viraram cinzas. Há 28 milhões de trabalhadores desempregados. Um Brasil em chamas.

Um país em ruínas que desrespeita a vida e a dignidade do seu povo. Nossa história é marcada pela violência contra povos indígenas, negros e quilombolas, pobres, mulheres e juventudes das periferias. Segundo dados do 12º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), lançado em agosto, em 2017 foram assassinadas 63.880 pessoas: 175 por dia – 7 por hora. 64 mil é mais do que os 58 mil americanos mortos na Guerra do Vietnã. Enquanto isso, psicopatas juntam mãozinhas inocentes para ensinar a atirar.

A desigualdade mata e estrupa mulheres! Em 2017, 4.539 foram assassinadas. Mais de 60 mil estupros foram registrados. Como crime subnotificado, estima-se que menos de 10% das ocorrências sejam denunciadas à polícia, o total de casos pode chegar a 500 mil. Um a cada minuto. 68% dos registros de estupro no SUS são de menores até 13 anos. Dados aterrorizantes!

Marielle Franco, assassinada no início do ano, simboliza esse vínculo entre desigualdade e violência: mulher LGBT, negra, mãe e moradora da favela da Maré. Pré-conceito mata! Relatório do Grupo Gay da Bahia aponta para 445 assassinatos de LGBTI+ em 2017. A ganância pela terra mata! Segundo relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em 2016, 118 índios foram assassinatos violentamente e 735 crianças indígenas até cinco anos morreram por causas diversas, como desnutrição.

Somente relações igualitárias que respeitem a diversidade de gênero, cultural, racial, religiosa garantem a paz social. É preciso resistir ao oligopólio da comunicação que defende os interesses do sistema financeiro e das elites que lucram à custa do povo. “Enquanto os benefícios de uns poucos crescem exponencialmente, a maioria está ficando distante do bem-estar de uma minoria feliz” (Evangelium gaudium, 56).

Todo um povo está sendo excluído! O Grito é por uma nação que garanta dignidade à população. É luta por atenção aos pequenos produtores, à indústria nacional, à educação pública gratuita e de qualidade. É bandeira na defesa e fortalecimento do SUS, do desenvolvimento da pesquisa e da ciência. Também pelo direito à cultura, à moradia, à terra, ao trabalho, à alimentação. A luta é por um Estado alicerçado na justiça social a serviço da vida. É luta pela “casa comum”: “Não pode haver terra, não pode haver teto, não pode haver trabalho se não temos paz e se destruímos o planeta” (Papa Francisco).

A rua é um espaço de luta. Na rua derruba-se o racismo, o machismo, a homofobia. Todos juntos e misturados na defesa de um projeto de sociedade onde todos caibam. “É possível desenvolver uma nova capacidade de sair de si mesmo rumo ao outro […]. A superação do individualismo possibilita uma mudança relevante na sociedade” (Laudato si, 208). “Somos a semente, ato, mente e voz. Magia!” (Gonzaguinha).

O desgoverno ilegítimo que congela gastos em pesquisas fechou acordo com o STF concedendo um reajuste de 16,38% para o judiciário federal. O salário da “Justiça” de R$ 33,7 mil (atuais) ultrapassará R$ 39 mil no próximo ano. A previsão de reajuste do salário mínimo para 2019 é de 3,3%. De R$954,00 passará para R$998,00. Verba usada no Museu Nacional em 2018 equivale a 2 minutos de despesas do Poder Judiciário. Apenas um ano do gasto com salário de juízes no Brasil equivale a todo o investimento que o país faz em Ciência e Tecnologia durante 4 anos. Com os 50 milhões escondidos nas malas do Geddel daria para manter o Museu por 100 anos. O deputado foi absolvido… pelo Judiciário. A Câmara Federal gasta 563 mil reais para lavar os carros dos parlamentares. O valor é quase três vezes superior ao destinado ao Museu Nacional, um dos mais importantes do mundo.

Descoberto em Lagoa Santa (MG), o crânio de Luzia, mulher mais antiga da América Latina, foi a principal vítima do incêndio. O crânio serve para proteger o cérebro quando se tem um. Acéfalos vivem apenas para encher os bolsos. Não se importam com a destruição de crânios, de vidas e da nação.

 

03-03-2017-entrevista-padre-elio-livro

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

 

Fonte:

www.domtotal.com

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