Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 22 Dec 2020 11:45:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 SÍMBOLO ELOQUENTE DO NATAL https://observatoriodaevangelizacao.com/simbolo-eloquente-do-natal/ Tue, 22 Dec 2020 11:45:39 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37249 [Leia mais...]]]> Dentre os símbolos do Natal
Perguntei-me: qual deles
É o mais eloquente?

Confesso ficar extasiado
Ante aquele brilho misterioso
Da “estrela guia de Belém”

Declaro ficar encantado
Diante da beleza imponente
De uma “árvore de Natal”

O mesmo pode ser dito
Do pisca-pisca das luzes,
Da mesa posta e preparada
Da reunião e prece em família
Da troca de afeto e carinho

No entanto, nenhum deles
Nem de longe, se compara
Com a contagiante simplicidade
Do “presépio de Jesus”

O casal pobre, Maria e José,
Excluído, vulnerável e sem lugar
Como qualquer família pobre
Se vira como pode
Na labuta de sobreviver

Em meio às dores do parto
Encontram um canto qualquer
Um cocho se faz manjedoura
As palhas servem pra aquecer
Animais, pastores e magos
Afugentam a solidão, o medo
A tragédia da indiferença

E, naquela noite estrelada,
Anjos revelam a transcendência
Da discreta presença divina
Do Deus que, por graça, se abaixa:
Solidário, se faz igual aos pobres,
Inusitado Caminho de amor

Quando assimilamos este quadro
O acontecido com o menino Jesus
Um fato, infelizmente, tão normal
Tão repetido em nossas periferias
Nas quebradas de nossas cidades,
No sem lugar, sob os viadutos…
O Natal se torna fonte de conversão
Interpelação ética para o conviver Justo, solidário, fraterno-sororal!!!

Feliz Natal – 2020
Que não permitamos, no ano vindouro, a normalidade dos presépios da exclusão 

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Em nosso horizonte cultural, como entender a práxis libertadora de Jesus de Nazaré de expulsar demônios narrada nos evangelhos? https://observatoriodaevangelizacao.com/em-nosso-horizonte-cultural-como-entender-a-praxis-libertadora-de-jesus-de-nazare-de-expulsar-demonios-narrada-nos-evangelhos/ Tue, 09 Jun 2020 00:42:45 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34838 [Leia mais...]]]> Meu comentário se dirige, antes de tudo, aos cristãos que, enquanto homens ou mulheres de fé, buscam discernir a vontade de Deus para suas vidas. Um pressuposto importante é que todo texto, como também o religioso, é polissêmico, ou seja, permite mais uma leitura. Dito isso, portanto, sem qualquer pretensão de explorar ou de esgotar todos os sentidos sigamos com esta reflexão:

1. Um cristão quando lê a Bíblia a acolhe como Palavra de Deus, seja para ele, seja para sua comunidade de fé e partilha de vida. Por isso é tão importante, como uma leitura de fé que busca discernir e conhecer a vontade de Deus, compreender bem a mensagem do texto bíblico.

Num primeiro momento, importa situar o texto no contexto em que foi escrito [o que estava a acontecer, como os envolvidos diretamente com o surgimento do texto entendiam a dinâmica da vida, da cultura, da sociedade, da política, da economia, da religião…] e buscar conhecer o(s) pretexto(s) que levou(ram) a escrever o texto [para quem escreveu(ram) e com que objetivo(s)]  para, em seguida, interpretar a luz da fé o conteúdo da mensagem, mas em diálogo fecundo com o nosso contexto e pretexto(s).

Invocar o Espírito Santo, usar boa tradução bíblica (por exemplo: a da CNBB, a de Jerusalém, a TEB – tradução ecumênica, a pastoral…), acompanhar a leitura com um bom comentário bíblico (há diversos em português) e criar pequenos círculos bíblicos ou grupos de reflexão (a busca da vontade de Deus em comunhão fraterna)… Este pequeno conjunto de procedimentos tem se mostrado um excelente caminho para o cultivo da intimidade com os textos sagrados na tradição cristã.   

2. Os evangelhos não são biografias de Jesus, mas sobretudo narrativas de fé dos/as discípulos/as para transmitir, pela força do Espírito Santo, a experiência de fé confiante no Deus Emanuel (Deus estradeiro, sempre conosco), pois, enquanto peregrinos não estamos sozinhos na luta diária pela vida digna, realização e felicidade, no enfrentar os desafios e as adversidades do caminho. A fé dos pobres, oprimidos e excluídos, revela um Deus que está sempre junto conosco, a promover e provocar libertação, mesmo quando pensamos com pessimismo ou realismo histórico que neste mundo, a vitória é sempre dos poderosos e/ ou espertalhões capazes de fazer qualquer coisa para alcançar seus objetivos.).

Os evangelhos anunciam o testemunho do profeta da Galileia, Jesus de Nazaré, que por meio de palavras e ações, revelou a presença do Reino do Deus da vida no meio de nós. Na fé de Jesus, Deus é o Abba (paizinho amoroso), que está conosco na luta contra as forças de morte. Na dinâmica conflitiva dos acontecimentos – mesmo na tragédia da traição, prisão, paixão e morte violenta na cruz –, os evangelhos revelam, de forma esperançada, a presença atuante e libertadora de Deus, o Senhor da história. Jesus encarna em sua vida, fiel até as últimas consequências, a um caminho que nos ensina a viver segundo a vontade de Deus: ele passou a vida fazendo o bem. A Ressurreição de Jesus da morte revela a presença e a soberania de Deus: ele tem a última palavra sobre o destino da vida.

Os cristãos hoje são chamados a fazer a mesma experiência dos/as discípulos/as de Jesus, deixar-se transformar pela certeza gerada pela fé na presença atuante do Deus libertador na história, mesmo em meio as cruzes da violência dos tiranos de nosso tempo. A presença amorosa e libertadora do Deus de Jesus é capaz de vencer a forças do mal e da morte.

3. No tempo de Jesus [como também em qualquer momento da história e, portanto, hoje também], cada pessoa precisava fazer experiência transformadora da “liberdade libertada”, ou seja, experimentar a dignidade de ser sujeito de sua história, a autonomia de discernir e escolher o melhor caminho a seguir e, assim, poder concretizar a realização e a felicidade. Para isso, era preciso vencer as “forças malignas” que lhe escravizam e impedem a concretização da liberdade.

Na linguagem religiosa, “demônio” poderíamos traduzir como a personificação histórica do inimigo da liberdade dos filhos e filhas de Deus, ou seja, de tudo o que impede concretamente cada pessoa ou grupo avançar na conquista da dignidade humana. Pode ser considerado “demônio”, portanto, qualquer realidade que domina, escraviza ou mesmo retira a autonomia e a coragem do ser humano, seja no nível pessoal, social, cultural, econômico, político, religioso. Demônio é o que rouba a esperança, o ânimo, a coragem e a força interior de lutar, o que impede a libertação para a realização da vida digna dos filhos e filhas de Deus.

São tantos os demônios a ser expulsos para que a vida seja o bem maior a ser cuidado: uma pessoa pode ser um demônio; um preconceito social pode ser um demônio; uma prática cultural pode ser um demônio; uma estrutura injusta pode ser um demônio; uma postura religiosa impiedosa pode ser um demônio; uma lógica econômica que explora e exclui pode ser um demônio; um modo de exercer a política de forma tirânica e que legitima a violência e a morte pode ser um demônio…

Neste sentido, no tempo de Jesus era possível discernir e reconhecer as forças do mal, os muitos demônios que estavam a impedir as pessoas, concretamente cada homem ou mulher daquele tempo, de experimentarem a liberdade de amar e serem amados, partilhar e serem incluídos na mesa da dignidade, de servir e de serem servidos, de cuidar e de serem cuidados. Eram demônios a dominação romana, os procuradores, os centuriões e seus soldados, a dominação de Herodes, dos herodianos e seus soldados, dos cobradores de impostos, a dominação dos saduceus (elites políticas e econômicas), a dominação do sumo sacerdote, doutores da lei, fariseus (elites religiosas). Mas também eram demônios a mentalidades com seus preconceitos e mecanismos de exclusão social dos pagãos, dos(as) samaritanos(as), das mulheres em geral, dos(as) órfãos(ãs) e viúvas, das crianças, dos(as) doentes, leprosos por exemplo, dos(as) escravos(as). Outros demônios que Jesus expulsava, com sua autoridade e curas, por onde passava: da indiferença social e seus males, do egoísmo e seus males, da corrupção e seus males, da mortalidade infantil e seus males, da hipocrisia religiosa e seus males, do preconceito e seus males, da ignorância do o Reino de Deus e do amor gratuito e universal de Deus e seus males… A práxis libertadora de Jesus contagiou e envolveu os/as seus/suas discípulos/as, de forma que dela também participaram e, após a morte de Jesus, deram continuidade.

Os evangelhos narram a vida de Jesus como alguém que passou a vida fazendo o bem, libertando as pessoas, ajudando que estas experimentassem a Deus como fonte de vida nova. Ele provocou nas pessoas a possibilidade de experimentarem a Deus, a si mesmas, a vida, a cultura, a sociedade, a política, a economia e a religião de “outra maneira”. Esta outra maneira é que era profundamente libertadora… O jeito de Jesus, o modo dele viver e de ensinar a viver, concretizava, por onde passava, “outra maneira” possível de convivermos, de assumirmos juntos a liberdade dos filhos e filhas de Deus.

Concluindo, pode-se afirmar que a experiência cristã ou é libertadora dos “demônios” que escravizam a mente e a liberdade humanas ou não é uma experiência fiel à fé cristã. O Deus de Jesus se revela como o anti-mal, como aquele que está conosco na luta contra as forças demoníacas que impedem, sobretudo, aos pobres e oprimidos de viver. A ação evangelizadora da Igreja é uma ação de “exorcismo dos demônios” que concretizam e perpetuam o mal em nosso meio. As pastorais, portanto, precisam assumir a luta contra as forças do mal.

Um cristianismo que aceitasse, acolhesse e convivesse com os “demônios” de hoje, sem lutar para expulsá-los de nosso meio, seria uma traição à memória perigosa de Jesus de Nazaré. Seria como um sal que tivesse perdido o sabor e o poder de salgar. Seria como uma luz que tivesse perdido o poder de iluminar por estar encoberta pelos candeeiros do mal. Não há vida cristã, portanto, vida nova, sem profetismo, sem luta e expulsão dos nossos “demônios” pessoais e sociais, as forças perversas que impedem a vida de ser o bem maior e o seu cuidar cotidiano como o culto que agrada a Deus.

Prof. Edward Guimarães

Prof. Edward Guimarães é doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE, membro da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – SOTER. É professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas, onde é o secretário executivo do Observatório da Evangelização.

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Em contexto de pandemia, Semana Santa fará emergir a centralidade dos leigos e leigas na vida da Igreja? https://observatoriodaevangelizacao.com/em-contexto-de-pandemia-semana-santa-fara-emergir-a-centralidade-dos-leigos-e-leigas-na-vida-da-igreja/ Thu, 09 Apr 2020 14:46:32 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34532 [Leia mais...]]]> A pandemia do Covid-19 trouxe a exigência do “ficar em casa” como medida de defesa da saúde coletiva, para que a circulação do coronavírus não leve o sistema de saúde a entrar em colapso diante da simultaneidade de um gigantesco número de doentes em situação emergencial. A triste realidade de um sistema de saúde coletivo colapsado infelizmente tem acontecido até em países considerados de primeiro mundo. Neste sentido, o sair em defesa do nosso Sistema Único de Saúde – SUS, denunciando aqueles que pretendem destrui-lo, deve ser visto como ação profética de defesa da vida. Temos acompanhado estarrecidos o cortejo de centenas de mortos, sendo enterrados, por medidas de segurança, sem os tradicionais ritos religiosos fúnebres, com o consolo da presença de familiares e amigos/as.

Quem já cultiva a centralidade do valor da vida e a corresponsabilidade social, enquanto balizas da postura ética, acolheu imediatamente e aderiu a esta medida emergencial, mesmo ciente de todos os impactos e consequências socioeconômicas previstas para um futuro imediato. A economia pode ser recuperada com esforços depois, mas as vidas ceifadas pela pandemia não. Foi o caso de muitas famílias, grupos, organizações da sociedade civil, universidades, escolas, empresas, estabelecimentos comerciais, religiões e igrejas reconhecidas por sua seriedade e cuidado com a vida. Digno de nota, foi o caso da Igreja particular de Belo Horizonte, pois a Arquidiocese colocou todos os seus templos à disposição do Poder Público para que estes, caso necessário, fossem transformados em hospitais de campanha.

Aqui objetiva-se refletir sobre os impactos e consequências da quarentena na dinâmica da vida eclesial cristã católica. Em primeiro lugar, os templos foram imediatamente fechados e cancelados os ritos e eventos coletivos já programados. Segundo, como aconteceu com os professores e professoras de muitas escolas e universidades, catequistas, agentes de pastoral, lideranças cristãs, seminaristas, diáconos, presbíteros, bispos e, de forma contundente, o papa Francisco, muito mais do que já vinham fazendo, prontamente, assumiram as mídias digitais como espaço e meio propício de evangelização e vivência da fé cristã. De tal modo o fizeram que se fala, com nuance inédita, de uma autêntica “Igreja virtual” ou, se quiser, de uma “Igreja em saída digital”. Todos estão experimentando, como sinal dos tempos, um chamado imperativo à capacitação e ao uso criativo das mídias digitais e suas capilares redes sociais.

Há, de fato, neste quesito muitas iniciativas criativas e inovadoras, outras nem tanto, mas, uma coisa pode ser afirmada sem sombras de dúvida: a ação evangelizadora da Igreja nunca mais será a mesma depois do fim desta pandemia. Além dessa constatação, que outras reflexões podem ser feitas?

I – O desafio utópico de se criar dinâmica eclesial na qual todos os cristãos batizados sejam, de fato, corresponsáveis na Missão

No Batismo, cada catecúmeno celebra o seu enraizamento na vida de Jesus (expressão da conversão a Deus), assumindo a perspectiva de uma vida nova. Esta fundada no compromisso do seguimento do Profeta da Galiléia, Jesus de Nazaré, acolhido na fé como Filho de Deus e o seu jeito de ser e viver como caminho de salvação. Trata-se, portanto, da responsabilidade e fidelidade para com o anúncio-testemunho do Reino de Deus no mundo e a busca diária de pautar a própria vida pelos valores do Evangelho: cultivo contagiante da dignidade e intimidade filial com Deus por meio da Palavra (Jesus encarna esta Palavra), amor fraterno-sororal, partilha de vida e dos bens, práxis da justiça, da inclusão social, da solidariedade, da misericórdia, do cuidado-resgate da dignidade da vida, sempre a partir dos mais pobres e vulneráveis… (busca de outra convivência humana possível). Pode-se dizer que estas duas dimensões formam a cruz do cristianismo (dimensão vertical e horizontal), o amor de Deus e a Deus no amor ao próximo, ao outro, ao mundo. No Batismo, assume-se, então, o compromisso de cultivar a vida cristã vivida em comunidades de fé no Deus da vida e partilha de vida com os irmãos e irmãs, na busca do bem conviver já aqui, enquanto sacramento do projeto salvífico universal de comunhão de todos em Deus.

Desde o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica vem buscando recuperar a centralidade do Batismo e a corresponsabilidade dos fieis, homens e mulheres batizados, no seguimento de Jesus, na ação evangelizadora e no dinamismo da vida cristã enquanto fermento transformador no próprio seio da Igreja, na sociedade, no mundo.

Esta busca eclesial, mesmo quando nos alegramos ao reconhecer que passos concretos significativos já foram ou estão sendo dados nesta direção, ainda não se concretizou suficientemente. A maioria das pessoas adultas que se assumem como cristãos católicos infelizmente não foi suficientemente evangelizada, no sentido de ter consciência e experiência vivencial deste libertador e transformador amor gratuito de Deus por nós. Mais do que isso, poderíamos dizer que o contexto atual de crescente consciência da subjetividade, clama de forma ensurdecedora por uma profunda reforma da Igreja. Não é esta a perspectiva eclesial que o papa Francisco vem tentando impulsionar e concretizar?

Francisco vem denunciando recorrentemente e com ênfase profética, como um “câncer” que penetrou e cresce no tecido eclesial, o clericalismo, ou seja, o poder centralizado e centralizador nas mãos dos clérigos, os ministros ordenados, diáconos, presbíteros (padres, sacerdotes) e bispos. Esta deturpação da forma de exercício do poder está mais entranhado na mentalidade e na dinâmica da vida eclesial do que, a princípio, se poderia imaginar. Com o clericalismo, continua a operar no seio da Igreja uma subliminar lógica de exclusão dos fieis leigos e leigas, sobremaneira das leigas das instâncias de poder e de deliberação, com consequências perversas na vida e na missão da Igreja na sociedade e no cuidado com a nossa Casa comum.

A consequência mais grave situa-se no impedir, na mentalidade religiosa da grande maioria dos cristãos leigos, a emergência da identidade batismal adulta e de sua consequente corresponsabilidade na dinâmica da vida eclesial e na concretização da missão da Igreja na sociedade, no mundo. Além de ser continuamente infantilizada no nível da vivência da fé, a maioria dos cristãos adultos não está sendo suficientemente evangelizada. Por isso experimenta-se geralmente submissa, dependente dos clérigos e reduzida a mera espectadora do dinamismo eclesial, consumidora de ritos sacramentais e, no máximo, chamada a ser financiadora das ações do clero. Pasmem, tudo isso para o seu benefício de salvação futura após a morte. É como se o submeter-se passivamente ao clero, abrindo mão da cidadania eclesial fundada no Batismo (enraizamento libertador em Jesus Cristo), garantisse “a salvação da alma no juízo final”.

Outra consequência tão grave quanto a que foi acima descrita, é a deformação na mentalidade dos próprios clérigos que, em grande número, se experimentam superiores e ordenados, legitimamente, para centralizar em si mesmos, cada qual em sua instância própria, as decisões e o que deve ou não, o que pode ou não, ser feito na dinâmica da vida eclesial. Acolhem, a partir de leitura fundamentalista e seletiva de textos da Escritura, que esta foi a vontade de Deus revelada em Jesus Cristo para a Igreja. É como se Jesus tivesse entregado uma dinâmica de poder centralizado e centralizadora na vida da Igreja a Pedro e aos demais Apóstolos.

Que a todos fique claro, o clericalismo não está nas funções e responsabilidades específicas na dinâmica eclesial atribuídas pelo magistério aos ministros ordenados, mas na forma, contraria e contraditoriamente ao Evangelho de Jesus, como estes exercem o poder: que deixa de ser exercido e compreendido como poder-serviço aos irmãos e irmãs do Caminho e assume a forma diabólica de poder-dominação sobre os demais. E é tão contagiante esta sedução para o poder-dominação que os evangelhos não esconderam a presença desta tentação já presente entre os primeiros discípulos e discípulas de Jesus. Ele seduz da mesma forma a muitos leigos e leigas, que talvez por contágio direto com a práxis deturpada de muitos clérigos, quando estes assumem algum ministério ou serviço eclesial acabam se tornando muito mais clericalistas que os próprios clérigos. Todos devem ficar vigilantes para não cair nesta tentação. Urge igualmente se concretizar outra estrutura organizava na dinâmica da vida da Igreja nas comunidades, paróquias, pastorais, movimentos, grupos, congregações religiosas.

Nesse sentido, pode-se dizer há 55 anos do término do Concílio, que a corresponsabilidade de todos os cristãos batizados na dinâmica missionária, continua a ser, no seio da Igreja católica, um dos maiores desafios à ação evangelizadora. Trata-se da utopia do Reino que, fundada no amor gratuito de Deus por nós, amor anunciado-testemunhado por Jesus, a todos irmana e responsabiliza.

II – Igreja doméstica: via privilegiada para a emergência de protagonismo inédito dos cristãos leigos e leigas na vida da Igreja?

A grande força simbólica do Domingo de Ramos está em situar, de forma significativa, no horizonte que se aproxima, a vivência da Semana Santa, cujo mistério celebrativo explicita o próprio núcleo da fé cristã. Estas reflexões nasceram impulsionadas por esta força simbólica da Semana Santa, que neste ano será celebrada na Igreja doméstica.

Dentre muitas outras maneiras, o núcleo da fé cristã pode assim ser explicitado: Jesus, que passou a vida fazendo o bem, sobretudo aos pobres e excluídos do sistema religioso, sociopolítico e econômico, anunciou-testemunhou profeticamente a chegada e a presença do Reino de Deus no meio de nós. Sua ação profética libertadora atraiu discípulos e discípulas, mas também suscitou poderosos inimigos, que lhe fizeram graves ameaças de morte. No entanto, por experimentar a proximidade libertadora do amor de Deus e a força do Espírito Santo junto d’Ele, depois de orar e discernir o caminho a seguir, decide permanecer fiel até o fim, assumindo todas as consequências de seu agir profético. Por causa desta opção Jesus foi perseguido, traído, preso, torturado, julgado na calada da noite, condenado e executado, de forma exemplar, impactante e amedrontadora, na cruz. No entanto, Jesus foi ressuscitado por Deus e, monstrando-se mais forte que os poderosos deste mundo que lhe decretaram a morte, apareceu aos seus discípulos e discípulas. Esta experiência de fé transformou completamente a vida dos seguidores do Profeta da Galileia. Estes, ao receberem o Espírito Santo, passam a anunciar-testemunhar a mesma fé de Jesus e sua fidelidade ao Reino de Deus como verdadeiro caminho de Salvação. Assim nasce a vocação e missão da Igreja de Jesus Cristo.

Explicita-se desse modo a identidade última, escatológica, da Igreja em sua relação constitutiva com a Trindade: nasce da força criativa dinamizadora do Espírito Santo, para anunciar-testemunhar a libertação da vida nova em Cristo Jesus, como projeto amoroso salvífico universal de Deus Pai.

Todos os anos a liturgia da Igreja nos convida a celebrar e reviver este Mistério da fé e, assim, renovar a disposição de todos para a conversão a Deus, deixando-se transformar por aquele compromisso batismal de ser Igreja viva no mundo, na sociedade em que vivemos e no enfrentamento dos desafios e urgências contemporâneas.

O que será diferente e singular na celebração da Semana Santa de 2020? Trará algo novo o fato dela ser vivida, pela imensa maioria dos cristãos católicos espalhados pelo mundo inteiro, em pequeninas comunidades familiares no interior de suas casas, confinados pela grave situação do contexto de quarentena?

Acredita-se que sim. Algo inédito acontecerá e, de tal forma que, pela luz e criatividade do Espírito Santo, fonte de renovação de todas as coisas, a Igreja não poderá mais voltar a ser do mesmo jeito, sob pena de trair ou ignorar os sinais do tempo.

A Semana Santa vivida no espaço sagrado da Igreja doméstica será fermento libertador de renovação profunda da dinâmica estrutural da vida eclesial. Será uma experiência capaz de impulsionar e acelerar avanços significativos que até então estavam travados diante do poder clerical.

Esta esperança de renovação tem fundamento e razão de ser em três fatores decisivos. Primeiro pela democratização da vivência eclesial via internet. Mesmo quando contemplamos inúmeros ministros ordenados – diáconos, presbíteros e bispos – continuarem a ser protagonistas da palavra e buscarem presidir os ritos litúrgicos tradicionais de forma virtual, via mídias digitais (e isso positivamente tem sido uma experiência fundamental para muitos cristãos manterem seu horizonte de sentido e de esperança nesse contexto de pandemia), a internet sutilmente tende a democratizar o poder de deliberação. Quando as pessoas fazem a experiência de ser sujeitos de sua caminhada, na segurança de seus lares, elas tendem a se transformar, pois, surge nova consciência de si mesmas. A experiência vivida no ambiente digital, ainda que muito vulnerável a manipulações perversas, vem oportunizando positivamente às pessoas profundas transformações. De usuários passivos e leitores-consumidores de informação, quase sempre sem se darem conta conscientemente do processo transformador, passam a ser construtores e elaboradores de informação e se tornam sujeitos da palavra, ainda que fazendo bricolagens de pedaços de narrativas alheias, banco de imagens disponíveis etc.

Outro fator digno de reflexão é a experiência libertadora que o regaço da casa oportuniza. A vivência da privacidade tem efeito profundamente libertador. Oferece o poder de cada um ser ele mesmo, sem as máscaras sociais. Oportuniza experiência da dignidade de ser sujeito, ainda quando esta seja uma vivência circunscrita, parcial e limitada. A pessoa tende a tornar-se sujeito do próprio tempo, do espaço doméstico e do que-fazer. Quando se está em casa tende-se a ser mais subjetivo. Quando a casa se torna autenticamente um lar, geralmente, mais do que a pessoa se experimentar em terreno seguro, de se sentir amada e aceita, ao tirar as máscaras sociais, ela percebe e assume, a sua singularidade. Experimenta-se, assim, a própria dignidade.

Nesta Semana Santa, de um modo inédito, cada pai ou mãe de família que se assume cristão católico, vai experimentar o chamado de assumir a sua participação no sacerdócio de Cristo – somos em Jesus um povo sacerdotal – e, com a criatividade do Espírito Santo, assumir a presidência da celebração do Mistério da fidelidade profética de Jesus até as últimas consequências, a sua paixão, morte e ressurreição. Do mesmo modo, cada catequista, agente de pastoral, conselheiro/a, coordenador/a, cada liderança cristã assumirá este lugar de sujeito, participante ativo da liturgia da vida cristã.

No espaço da casa, o clero não pode arbitrariamente entrar. Ali, neste espaço, ele não tem o mesmo poder sobre os fieis ou, pelo menos, não pode exercê-lo do mesmo modo que no templo. No espaço da casa, o clero, como Jesus que está à porta e bate, pode ser acolhido e convidado a sentar-se à mesa, a entrar na roda, para juntos celebrar a partilhar da fé e da vida. E isso faz muita diferença, quando, ao redor da mesa ou na roda celebrativa, a experiência da Igreja doméstica se torna experiência refletida, acolhida e por todos legitimada. Quando a CNBB, assume a metáfora da casa – casa da palavra, casa do pão, casa da caridade e casa da missão – como imagem da Igreja que reflete, renova e organiza seu projeto de evangelização, ela oferece elementos significativos e fecundos para esta reflexão.

Defender profeticamente políticas públicas que garantam a dignidade das famílias e de seus membros – com igual cidadania para todos, acesso de todos a moradia digna e com saneamento básico, o funcionamento e acesso de todos ao eficiente Sistema Único de Saúde – SUS, o trabalho e salário dignos, a educação integral, a creche, a reforma agrária e urbana, o transporte, o lazer… -, é concretizar a missão evangelizadora da Igreja no mundo. Uma sociedade de casas dignas pode ajudar a concretizar uma Igreja de casas e nas casas. Assim, no fundo, defender a dignidade do espaço de cada família, de cada casa com a dignidade de casa-lar, a Igreja estará concretizando a sua missão de ser fermento, sal e luz, estará ajudando a reformar a sociedade e a si própria.

A rica experiência de capilaridade das CEBs, com sua miríade de pequenos círculos bíblicos e grupos de base, com sua dinâmica de rodas de conversa e troca de ideias, sendo recuperada, revitalizada e adaptada para os diversos contextos eclesiais urbanos, pode servir de modelo de inspiração.

Que esta Semana Santa seja tempo de graça de Deus, tempo de ação do Ressuscitado, tempo do Espírito Santo! Por isso tempo de profunda renovação da vivência da fé. Fé no Deus da vida, Emanuel, sempre estradeiro conosco. Tempo de ação do fermento transformador da dinâmica eclesial na experiência, em nossas casas, da presença de Jesus Ressuscitado conosco, aquele que vende as forças das trevas e da morte. Tempo de crescimento da corresponsabilidade batismal na missão de concretizar, na Igreja e na sociedade, a vida nova, libertada, em Cristo Jesus.

Uma abençoada Páscoa para todos!

Sobre o autor:

Edward Guimarães

Prof. Edward Guimarães é doutorando em ciências da religião pela PUC Minas, mestre e graduado em teologia pela FAJE e licenciado em filosofia pela UFMG. É professor do Departamento de ciência da religião da PUC Minas, onde atua como secretário executivo do Observatório da Evangelização. É membro do Conselho arquidiocesano de pastoral e assessor do Vicariato episcopal para ação pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte. 

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Em tempos de pandemia, o desafio da vivência da fé como fonte de lucidez, coragem e criatividade https://observatoriodaevangelizacao.com/em-tempos-de-pandemia-o-desafio-da-vivencia-da-fe-como-fonte-de-lucidez-coragem-e-criatividade/ Sat, 28 Mar 2020 03:05:54 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34460 [Leia mais...]]]> Entre os frutos ou desdobramentos que a experiência de fé provoca na vida de uma pessoa, observa-se com destaque que ela geralmente suscita posturas de crescente confiança interior. Esta confiança se torna fonte de lucidez, coragem e criatividade para que a pessoa, nos altos e baixos da vida, enfrente as travessias impostas nos grandes desafios e urgências do viver… A pessoa transformada pela experiência da fé passa a viver consciente da proximidade amorosa do Deus estradeiro conosco, a buscar a direção a seguir pelo discernimento interior, pessoal e coletivo, a partir da centralidade do amar e servir e, pelo dom da coragem dos profetas, a enfrentar, com responsabilidade e determinação, os desafios e urgências do caminho… Acontece que a história da humanidade nos mostra que a experiência da fé pode assumir formas deturpadas, desequilibradas e até mesmo doentias no viver concreto das pessoas.”

Confira a reflexão do teólogo Edward Guimarães:

Em tempos de pandemia, o desafio da vivência da fé como fonte de lucidez, coragem e criatividade para a arte do cuidado e da busca do bem viver

O bem viver pode ser definido com uma sabedoria prática, a de viver com equilíbrio e moderação, prudência e justiça, no cultivo diário da sensibilidade e do cuidado amoroso nas relações que a pessoa estabelece consigo mesmo, com os outros, com a Casa comum e com Deus. O fato da vida ser frágil traz, por um lado, a urgente exigência de aprender a dela cuidar e a protegê-la, mas, por outro, oferece o acesso às suas fontes de delicadeza e beleza. Reconhecer a fragilidade e os limites que a vida nos impõe é caminho fecundo de humanização.

A experiência de fé é uma vivência espiritual que toca o mais profundo de nosso ser e por isso traz consequências importantes para a totalidade da vida de uma pessoa. Por isso, a vivência da fé não deve ser acolhida de qualquer jeito ou compreendida de modo superficial.

O objetivo maior deste texto teológico-pastoral é refletir criticamente sobre a experiência da fé e aprofundar sobre o seu verdadeiro sentido e, igualmente, sobre seus riscos para o nosso viver e conviver. 

Entre os frutos ou desdobramentos que a experiência de fé provoca na vida de uma pessoa, observa-se com destaque que ela geralmente suscita posturas de crescente confiança interior. Esta confiança se torna fonte de lucidez, coragem e criatividade para que a pessoa, nos altos e baixos da vida, enfrente as travessias impostas nos grandes desafios e urgências do viver. 

I – A singularidade da experiência da fé cristã

No caso da fé cristã, essa experiência espiritual provoca uma entrega confiante da própria vida nas mãos de Deus. Ela fundamenta-se na experiência trinitária da proximidade amorosa de Deus Pai Criador, que se revela, pela chama transformadora do Espírito Santo presente no interior de cada um, na vida de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que veio e se abaixou até pertinho nós, tornando-se em tudo igual a nós, menos no pecado.

Desse modo, em nome do Pai e pela força Espírito Santo, Jesus torna-se caminho humano de salvação oferecido a todos: um caminho trilhado pelo cultivo da centralidade do amar, servir, proteger e cuidar da vida na busca do conviver pautado pelo afeto fraternal-sororal, pela justiça, pela partilha solidária com os pobres e marginalizados, pela misericórdia com os caídos pelo caminho e pelo cuidado com a Casa comum.

O Pai e o Filho enviam o Espírito Santo aos nossos corações para que a vivência da fé em Deus provoque a liberdade humana para que esta acolha o projeto de Deus. Projeto que se concretiza pela busca do bem viver: viver confiante, livremente comprometido com o amar, o servir, o proteger e o cuidar da vida e do conviver afetuoso, justo e solidário. Desse modo, a pessoa transformada pela experiência da fé, alimentada pela Palavra de Deus e pelo testemunho coerente dos irmãos e irmãs da comunidade de fé, passa a viver consciente da proximidade amorosa do Deus estradeiro conosco, a buscar a direção a seguir pelo discernimento interior, pessoal e coletivo, a partir da centralidade do amar e servir e, pelo dom da coragem dos profetas, a enfrentar com responsabilidade e determinação os desafios e urgências do caminho.

Em outras tradições religiosas, a experiência da fé provoca e promove algo muito semelhante no sentido de iluminar o caminho a seguir, suscitar serenidade, discernimento e sabedoria para a busca diária do bem viver pautado pelo amar, servir, proteger e cuidar da vida e das relações constitutivas da vida humana.

II – Sobre a experiência ingênua e deturpada da fé

Acontece que a história da humanidade nos mostra que a experiência da fé pode assumir formas deturpadas, desequilibradas e até mesmo doentias no viver concreto das pessoas. Por isso a vivência da fé exige estudo, aprofundamento, contínua reflexão crítica-autocrítica, discernimento, avaliação do caminho percorrido, troca de ideias em boas rodas de conversa e orientação. Afinal, em nome de sua religião ou de uma divindade, um fiel pode fazer coisas abomináveis, tais como dominar, explorar, violentar, discriminar e matar seus irmãos e irmãs mesmo que estes sejam, como ele, filhos e filhas de Deus, membros da mesma humanidade e companheiros de partilha da mesma Terra, nossa Casa comum. 

A grande maioria dos brasileiros e brasileiras se reconhece cristã, membro de uma entre as diversas denominações cristãs (igrejas) ou mesmo sem vínculos institucionais (os cristãos desigrejados, conforme denominou o teólogo Leonildo Silveira Campos). Debruçando sobre a experiência cristã, percebe-se claramente que determinadas leituras de trechos específicos dos textos sagrados, de narrativas dos testemunhos de fé e de passagens da vida dos santos e santas, geralmente feitas de forma literalista ou fundamentalista, mesmo quando movidas por boa vontade e sinceridade da parte dos fieis, geram compreensão deturpada do sentido da fé e de seu dinamismo histórico. Consequentemente, a experiência da fé passa a ser vista como uma espécie de acesso a um poder mágico, absoluto e manipulável por meio de certos objetos, ritos e gestos. Isso traz graves consequências para a vida concreta das pessoas e para seus grupos de convivência, pois, ela determina, de certa forma, a maneira como elas passam a encarar suas relações religiosas, familiares, sociais, políticas, econômicas, ecológicas. 

Com tal compreensão deturpada, ou simplesmente ingênua, homens e mulheres de fé acabam assumindo posturas muito imprudentes e até mesmo insanas, como as que estamos observando nesses tempos difíceis de pandemia de novo coronavírus.

Aqui importa, com urgência, dizer de modo claro e contundente, com as palavras proféticas da teóloga Romi Bencke: a fé não imuniza as pessoas! E, consequentemente, o que faz com que muitas peguem o Coronavírus (Covid-19) não é a falta de fé ou confiança em Deus, mas a ignorância dos modos de transmissão ou, mesmo quando imbuídos de religiosidade e sincera piedade, por um comportamento ingênuo e simultaneamente imprudente e insano!

III – Em busca das origens da compreensão ingênua ou deturpada da experiência da fé

Quem está mais familiarizado com a tradição judaico-cristã, por exemplo, ao ler literalmente e sem as devidas considerações necessárias à interpretação de um texto sagrado, passagens como as dez pragas do Egito (Cf. Ex 7-12), a epopeia da travessia pelo mar Vermelho com a libertação dos escravos hebreus no Egito (Cf. Ex 14) e, sobretudo, os milagres de Jesus narrados nos evangelhos (Cf. Mt 8, 1-34; 9, 1-8.18-34; 12, 9-14.22-32; 14, 13-36; 15, 21-39; 17, 14-21; 20, 29-34; Mc 1, 21-45; 2, 1-12; 3, 1-12; 4, 35-41; 5, 1-43; 6, 30-56; 7, 24-37; 8, 1-9.22-26; 9, 14-29; 10, 46-52;  Lc 4, 31-41; 5, 1-26; 6, 6-11; 7, 1-17; 8, 22-56; 9, 10-17.37-43; 11, 14-26; 14, 1-6; 17, 11-19;  18, 35-43; Jo 2, 1-12; 4, 43-54; 5, 1-18; 6, 1-21; 9, 1-41; 11, 38-44), dentre muitos outros trechos, pode conceber o agir de Deus na história como uma espécie de força invisível onipotente que a tudo submete à vontade divina. Algumas passagens bíblicas dos evangelhos são decisivas para que se acolha a força da oração de uma forma ilimitada, tais como: “Pedi e vos será dado! Procurai e encontrareis! Batei e a porta vos será aberta! Pois todo aquele que pede recebe, quem procura encontra, e a quem bate, a porta será aberta…” (Cf. Mt 6, 7-8).

O problema é que, sem critérios de interpretação, sem educação da fé, o agir divino passa a ser acolhido, geralmente com a anuência de pregações de líderes religiosos despreparados ou mal-intencionados, como um poder onipotente que está disponível e que pode ser manipulado por um fiel em oração, desde que este tenha fé incondicional em Deus.

Além disso, ao ler na Bíblia, por exemplo, que, após a morte-ressurreição de Jesus e a vinda do Espírito Santo, seus discípulos deram continuidade ao agir taumaturgo do Mestre (Cf. At 3, 1-10; 5, 12-33; 9, 32-43), diante de tantos relatos de milagres de Deus operados pelas mãos de Maria, a mãe de Jesus, e dos santos e santas de Deus, sem mais, muitos cristãos, com toda sinceridade piedosa, são induzidos a pensar que a força da fé pode ser manipulada através de um objeto, rito ou gesto sagrado de devoção.

Por isso vemos, por exemplo, pessoas de boa fé, às vezes estimuladas por certas pregações, conceberem que – se fizerem o sinal da cruz com devoção e fé, se andarem com o crucifixo ou algum outro amuleto sagrado no pescoço, se receberem a aspersão de água benta, se comungarem a Hóstia sagrada, se rezarem o rosário com devoção, se estiverem de joelhos, se fizerem uma novena ou uma peregrinação a um santuário ou a Terra Santa, dentre muitos outros gestos e ritos –, tudo o que pedirem a Deus com fé elas alcançarão, ainda que o que peçam signifique violar as leis da natureza (causa e efeito, gravidade, temporalidade…), os limites da frágil condição humana ou a seriedade do complexo dinamismo sociopolítico e econômico da história. Alimenta-se tais desejos com o recorrente postulado acolhido geralmente de forma tácita e irrefletida: “para Deus nada é impossível”. 

Acontece que tal compreensão do agir divino não se funda na revelação presente na tradição judaico-cristã, mas em determinada interpretação geralmente a-histórica, literalista e fundamentalista. Isso porque não foi por falta de fé que o povo de Israel foi escravizado no Egito e perseguido ao longo de sua história. Não foi igualmente por falta de fé de Jesus e de seus discípulos e discípulas, que o Profeta da Galileia foi traído por Judas, foi preso, julgado na calada da noite e condenado por Anás, Caifás e Pilatos à pena de morte na cruz. Não foi também por falta de fé que muitos homens e mulheres foram contaminados ao dedicar-se integralmente aos cuidados de doentes portadores de moléstias contagiosas. A fé não deve ser concebida como uma redoma ou um escudo capaz de anular a nossa vulnerabilidade ou fragilidade diante do perigo.

Importa perceber que o dinamismo da natureza, a realidade da vida, a própria condição humana e a seriedade dos acontecimentos da história devem ser compreendidos com sabedoria, de modo que estejam a serviço do aprendizado central de nossa vida: aprender a arte de amar, de colocar-se a serviço, de proteger e de cuidar uns dos outros, da vida e de nossa Casa comum. Não é isso que está sendo chamado de ecologia integral?

IV – O desafio de cuidar da mentalidade religiosa

Não é fácil conhecer o processo histórico de formação da mentalidade religiosa de uma pessoa e avaliar os fatores ou acontecimentos que foram cruciais para sedimentar determinada concepção de fé crítica, ingênua ou deturpada. Apesar disso, o caminho que se apresenta favorável para se trilhar é o da vigilância, do estudo, da reflexão crítica-autocrítica, do aprofundamento, do discernimento, da avaliação, da busca de lucidez e da verdade do sentido da fé e do bem viver.

Quando se toma consciência das possibilidades e limites de determinada mentalidade religiosa, a pessoa é chamada a procurar discernir, aprofundar, purificar ou mesmo superar determinadas compreensões que vão se revelando inconsistentes, ingênuas ou deturpadas. No entanto, importa reconhecer que é com a mentalidade religiosa que a pessoa se relaciona com Deus, que concebe as formas do agir divino no mundo, na história e nos acontecimentos da vida concreta de cada um. Do mesmo modo, é a mentalidade religiosa que interfere na maneira de agir e no nível de qualidade das diversas relações que cada pessoa de fé estabelece.

Há muitas mentalidades religiosas distintas: algumas atribuem toda causalidade, consequência e responsabilidade diante dos acontecimentos diretamente a Deus. Outras atribuem toda causalidade, consequência e responsabilidade aos seres humanos enquanto sujeitos históricos. Entre as duas primeiras, há mentalidades religiosas que procuram unir os dois polos com equilíbrio e discernimento, embora procurando distinguir o nível da ação divina, sempre transcendente, e o da ação humana, histórica e imanente. Estas procuram discernir a (inter)relação entre as duas, a ação divina e humana. Quanto maior o peso atribuído à ação divina, menor a responsabilidade humana e vice-versa.

A revelação judaico-cristã funda-se na experiência de uma aliança histórica entre duas liberdades: de um lado, a livre iniciativa de Deus em nos criar livres e responsáveis e aproximar-se amorosamente da pessoa humana (proposta ou projeto de Deus) e, de outro, a livre resposta humana a Deus em acolher o dom da liberdade e assumir a responsabilidade no amar-servir e no cuidar da vida, da convivência fraterna-sororal e da Casa comum.

V – A urgência de outra compreensão da fé

É muito importante sublinhar que, de modo algum, a fé deve ser compreendida, como uma espécie de superpoder que torna a pessoa humana protegida, agraciada e invulnerável diante das fragilidades e de qualquer tipo de ameaça à vida: endividamentos, violências, doenças, acidentes, tragédias…

Ao contrário, a fé adulta é acolhida como fonte de confiança no Amor de Deus por nós – trata-se de um Deus que se revela Emanuel, sempre estradeiro conosco – e de responsabilidade humana para o amar, o servir e o cuidar da vida, da convivência e da Casa comum.

A fé, em última instância, é fonte de lucidez, coragem e criatividade para o discernir e para a busca do bem viver: para a prática do amar que se coloca a serviço a vida, do amar que se faz solidário para com o próximo, do amar que se faz misericórdia e opção pelos pobres e vulneráveis, do amar que se faz partilha inclusiva e práxis de justiça social, do amar que se faz cuidado com a nossa Casa comum.

Prof. Edward Guimarães é doutorando em ciências da religião pela PUC Minas, mestre e graduado em teologia pela FAJE e licenciado em filosofia pela UFMG. É professor do Departamento de ciência da religião da PUC Minas, onde atua como secretário executivo do Observatório da Evangelização. É membro do Conselho arquidiocesano de pastoral e assessor do Vicariato episcopal para ação pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte. 

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A caminhada das CEBs, com sua rica experiência de fé-vida, sem aparecer explicitamente, fecundou a VI APD da Arquidiocese de Belo Horizonte https://observatoriodaevangelizacao.com/a-caminhada-das-cebs-com-sua-rica-experiencia-de-fe-vida-sem-aparecer-explicitamente-fecundou-a-6a-apd/ Wed, 27 Nov 2019 11:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33587 [Leia mais...]]]> Na tradição latino-americana, as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs são a expressão histórica da Igreja dos pobres, que inspiradas pelo Espírito Santo libertador e na consciência bíblica dos riscos de andar “com Jesus na contramão”, concretizaram corajosa e preciosa experiência eclesial. Com fidelidade ao Evangelho do Reino, encarnado nas culturas dos povos deste continente, elas conseguiram uma vivência da fé cristã em contexto profundamente injusto, marcado pela pecaminosa exclusão social de tantos filhos e filhas de Deus.

As CEBs suscitaram ao longo do continente latino-americano imensa rede de comunidades de fé e partilha de vida, com grande diversidade de pastorais sociais a caminhar de mãos dadas com os movimentos populares, sindicatos, cooperativas, grupos, associações, partidos políticos comprometidos com a mesma causa… todos juntos irmanados na defesa da dignidade da vida e na conquista da cidadania para todos, com direitos humanos e sociais.

As CEBs surgiram, no final dos anos 60, resultantes das constantes interpelações da Palavra de Deus diante do grito dos oprimidos. Brotaram onde havia gente irmanada pela fé e pela esperança teimosa de que dias melhores virão. Mesmo acorrentados no cativeiro, em longas noites de opressão e tirania, seus membros tomaram consciência de que não estavam sozinhos e nem abandonados por Deus. À luz da Palavra de Deus, pela força que nasce da solidariedade de muitos irmãos e irmãs, que denunciavam profeticamente a lógica da injustiça, a violência da exclusão e que se colocavam destemidamente ao seu lado, e pelo testemunho de inúmeros mártires que, diante das ameaças não arredaram o pé, os membros das CEBs descobriram que Deus fica ao lado dos pobres, fortalece de coragem os fracos, na luta contra a pobreza e a exclusão.

Deus quer fazer chegar sua proposta de aliança de amor a todos, por isso não é surdo ao clamor das vítimas da injustiça e da violência e não abandona seus filhos e filhas nas garras da morte. A caminhada do povo de Deus registrada na Bíblia, da escravidão do Egito até a conquista da terra prometida de Canaã, o ensinamento dos profetas e, de modo especial, a prática libertadora de Jesus, oportunizou aos membros das CEBs a experiência de fé no amor de Deus que é mais forte do que a tirania e a violência que mata. Animados pela fé no Deus da vida, experimentaram que são também povo que marcha, que são membros do mesmo povo de Deus da Bíblia e que caminha rumo a terra prometida herança dos justos. Ao fazerem juntos a memória perigosa de Jesus, experimentaram que o Deus da ressurreição é mais forte que o poder da cruz imposta pelos poderosos desse mundo. Se há cruz, há ressurreição!

As CEBs, desde então, vem cultivando a experiência de fé no Deus da vida, no Deus dos profetas e profetisas da história, no Deus de Jesus. Por isso cultivam uma espiritualidade resiliente do seguimento de Jesus, vivo e ressuscitado, sempre estradeiro conosco. Cultivam, além disso, a centralidade da Palavra de Deus, sempre lida, estudada, celebrada e rezada em comunidade reunida ou em pequenos círculos bíblicos. Esta Palavra de vida, acolhida com fé, revela-se fonte de luz e de força para a árdua e sofrida caminhada de libertação.

As CEBs, como ficou estampado no último Encontro Intereclesial, por todo o Brasil e por outros países da América Latina, estão se reinventando no complexo contexto urbano e continuam a concretizar essa Igreja dos pobres em mutirão, Igreja sempre inacabada, como é a casa dos mais pobres nas vilas e favelas, mas com avanços concretizado pela união dos movimentos populares de defesa da vida.

As CEBs e a VI APD da Arquidiocese de Belo Horizonte

Sem que seu nome tenha sido evocado, podemos reconhecer fortes reflexos da caminhada das CEBs no conteúdo das novas Diretrizes aprovadas pela VI APD da Arquidiocese de Belo Horizonte, especialmente quando:

1. Nas diretrizes da Casa da Palavra, fica claro a importância dos ministérios leigos e dos círculos bíblicos para que todos tenham acesso à Palavra de Deus e, daí, haja dinamismo criativo na vida cristã em pequenas comunidades de fé e partilha, suscitando um laicato adulto e consciente de sua corresponsabilidade batismal na vida da Igreja e da sociedade. No cultivo da centralidade da Palavra de Deus e na comunhão eucarística, há o fortalecimento da identidade da fé cristã e da adesão a Jesus Cristo e ao projeto salvífico de Deus; favorece o despertar crescente da consciência de ser e da responsabilidade de se viver conscientes de sermos filhos e filhas de Deus. Desse modo, surgem novas lideranças para animar e fortalecer a caminhada de fé e partilha de vida na Igreja e na sociedade.

Nas CEBs é muito forte o papel dos ministérios leigos, exercidos por homens e mulheres, e a dinâmica dos círculos bíblicos, nos quais a Palavra é acolhida como o combustível para a perseverança na caminhada.

2. Nas diretrizes da Casa do Pão, fica explícito a importância de se cultivar uma espiritualidade do seguimento de Jesus em todos os níveis e âmbitos da Igreja, valorizando a religiosidade popular, capaz de fazer o povo entregar-se confiante nas mãos de Deus, e a criativa tradição litúrgica da Igreja, capaz de atualizar no mistério celebrado a presença viva de Jesus Ressuscitado, sempre conosco, e a comunhão que nasce do Evangelho do Reino que nos faz, pela força do Espírito Santo, Corpo de Cristo na história. Cristãos abertos ao diálogo fraterno com todos e capazes de dar as mãos e juntar forças com não cristãos em defesa da vida, da justiça e da casa comum.

Nas CEBs é muito forte a passagem do cristão meramente devoto ao cristão que, por causa da espiritualidade cultivada, se desafia a ser um cristão discípulo de Jesus hoje.

3. Nas diretrizes da Casa da Caridade, fica evidente a importância da unidade fé-vida para superar deturpações graves no seio da vivência da fé cristã, tais como a que faz dos pobres objeto da caridade dos ricos, a que concentra todo poder decisório nas mãos do clero ou ainda a que não percebe a contradição entre adesão à experiência cristã e uma postura de indiferença diante das mentalidades individualistas, das estruturas injustas da sociedade e do desenvolvimento que destrói o equilíbrio da casa comum. Nesse sentido, as diretrizes deixam claro, que é preciso concretizar a opção pelos pobres em todas as instâncias da Igreja, sendo fermento transformador de toda a sociedade. Daí a importância de se promover e investir em uma criativa primavera das pastorais sociais, no compromisso de todos os cristãos com a ecologia integral e com a participação em grupos de fé e política, já que a vida cristã é para ser vivida na Igreja e na sociedade.

Nas CEBs é muito rico o modo como a fé é vivida em unidade com a dinâmica cotidiana da vida, de mãos das com os movimentos populares, no enfrentamento das ameaças, nas lutas por políticas públicas inclusivas, na promoção dos direitos humanos e sociais.

4. Nas diretrizes da Casa da Missão, enfatiza-se a importância de cuidarmos da dimensão missionária da Igreja, que é chamada a ser presença qualificada, autêntico fermento pelos valores do Evangelho que nos move, atuante e solidária, nos diversos espaços e situações fora da Igreja, nas casas das famílias, nas vilas e favelas, edifícios, condomínios, povoados rurais quilombolas etc. Presença capaz de fazer a diferença para o bem de todos, ao anunciar-testemunhar a beleza da luz que irradia do Evangelho encarnado na vida nova vivida por quem acolheu a presença do Reino. Presença atenta às singularidades das juventudes e ao novo que elas são portadoras para o bem de todos. Quase todas as revoluções culturais da história contou com significativa contribuição das juventudes. Presença atenta aos desafios e urgências da cultura urbana em que vivemos, discernindo os sinais do tempo, de modo especial, em relação à complexa realidade virtual midiática. Presença capaz de fazer das redes sociais lugares autênticos de evangelização e profecia.

Nas CEBs é forte o profetismo, tanto em seu aspecto de denúncia, quanto no de anúncio-testemunho de vida nova. Como todos nós, ela é desafiada a acolher e se reinventar no dinamismo da cultura urbana e das mídias digitais.

Edward Guimarães é leigo, casado, teólogo pastoralista, assessor das CEBs, alguém comprometido com a caminhada da Igreja, engajado na Igreja particular de Belo Horizonte. Ele é membro do Conselho Pastoral Arquidiocesano e é o atual secretário executivo do Observatório da Evangelização PUC Minas.

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Evangelização e a necessidade de outro olhar para a cultura da periferia https://observatoriodaevangelizacao.com/evangelizacao-e-a-necessidade-de-outro-olhar-para-a-cultura-da-periferia/ Tue, 05 Nov 2019 15:18:13 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32970 [Leia mais...]]]> A grande mídia, por retratar apenas os casos de violência e os limites visíveis impostos pelo déficit de políticas públicas e pela ausência do Estado, passa uma imagem unilateral e falsa das comunidades de periferia: aglomerados, favelas e morros. Mas, ali a vida concreta de muitas pessoas acontece e muitas histórias de vida, com trajetórias lindas de criativa superação e realização de sonhos, são nelas construídas.

Três exigências do Evangelho

Evangelizar exige amor, proximidade e partilha da Palavra de Deus e da vida, mas a gente só ama o que conhece. Para isso, é preciso cultivar a cultura da proximidade e do encontro amigo com as pessoas e criar pequenos círculos bíblicos para entorno da luz da Palavra de Deus, que está encarnada na pessoa de Jesus, em seus ensinamentos, gestos e posturas diante da vida, refletirmos sobre a nossa vida. E ao discernirmos os caminhos de ação que devemos trilhar, caminharmos juntos.

O que é preciso para avançarmos juntos?

Em primeiro lugar, reconhecer a sua dignidade de filhos de Deus e de cidadãos, pois, de fora ou de longe, sem escutá-las e acolher seus sentimentos, não é possível conhecer minimamente a vida das pessoas: suas origens, suas trajetórias, suas lutas já travadas, suas conquistas, seus fracassos, suas organizações, seus sonhos e seus valores.
Em segundo lugar, reconhecer que o caminho está na comunidade. Sem formar comunidades de fé e partilha de vida não há verdadeira evangelização: desde modo todo o esforço da Igreja deve ser, como tem enfatizado o papa Francisco, o de concretizar uma caminhada de conversão, com pessoas transformadas pela vida nova que nasce e, criativamente, cresce pela experiência vivida do amor gratuito de Deus revelado em Jesus na Igreja e na sociedade. Um amor verdadeiro e concreto que nos irmana e nos desafia, no dia a dia a vivermos fraternalmente pela prática da justiça, da honestidade, da solidariedade e partilha do tempo e dos bens com o próximo, a começar com os mais pobres. Desse modo, a realidade concreta da periferia não pode ser ignorada em um planejamento da ação evangelizadora pela Igreja, cuja missão é fundamentalmente a de anunciar-testemunhar a boa nova do amor de Deus que nos irmana e nos desafia na construção do Reino da justiça, da fraternidade e da partilha de vida.
Em terceiro lugar, não há autêntica evangelização, no complexo contexto urbano em que vivemos, sem concreta opção pelos pobres, um dar as mãos e caminhar junto com os movimentos populares e grupos diversos que vão surgindo diante das muitas demandas pela dignidade da vida.

O programa Rolê nas Gerais tem contribuído ao dar vez, visibilidade e voz às pessoas que moram na periferia. Confira a edição, muito interessante, do programa, no sábado, 21/09/2019:

  • Do bairro Vila da Paz, em Belo Horizonte: mostra o músico Fumaça que partilha o sentido singular de morar no morro: proximidade, partilha de vida, vizinhança, enfim, convivência em comunidade; o músico e guarda municipal, Ivan de Souza, que partilha sobre o papel da música para quem mora no morro: dar voz ao sem voz, veiculo para fazer ouvir o seu protesto; o presidente da Central Única das Favelas – CUFA/ MG, Francis Henrique, que traduz o termo favela como o conceito atual de quilombo, cujos membros ajudam a construir a cidade; o músico e professor Andinho fala da favela como celeiro de grandes músicos e que cria perspectivas de vida para a conquista da felicidade.
  • Do bairro Barragem Santa Lúcia, em Belo Horizonte: mostra a dona de salão de beleza Marli Nascimento Gonçalves, que partilha o gosto e da felicidade de ter vivido e viver praticamente sua vida toda no Aglomerado e de ali ter criado os seus filhos com dignidade, mesmo depois que seu marido faleceu; o presidente da Central Única das Favelas – CUFA/ MG, Francis Henrique, que fala da favela como um lugar de criação de solidariedade, de organização popular, de partilha concreta da vida, de experiência de mutirão. Ele denuncia que infelizmente a cobertura que a grande mídia faz da favela só da violência e as coisas negativas. Parece não haver interesse em mostrar a pauta positiva, a beleza da vida que também está presente na periferia;
  • Do bairro Alto Vera Cruz, em Belo Horizonte: mostra o Sr. Agripino Francisco dos Santos, 96 anos, uma referência no bairro de pessoa prestativa, de “porta aberta”, que para melhor concretizar o seu dom de ajudar às pessoas, fundou o Centro Espírita “Irmã Alcione”, em 1975, e através dele consegue ajudar a muita gente, com a campanha do quilo, as doações, a manter creches, a fazer enxoval para as gestantes, a dar comida para quem passa fome. No Centro, quem o procura é sempre acolhido, recebe carinho, apoio, ajuda e conselho; a voluntária Maria Fernandes de Souza, que há mais de 30 anos ajuda o Sr. Agripino, e dá seu testemunho sobre a generosidade e o amor encarnado na vida e nas atitudes de Sr. Agripino; o empreendedor Marcus Antônio Crispin, criador do projeto “Comunidade em ação”, que reuni diversos profissionais e oferece cursos para jovens, crianças e famílias da comunidade: aulas de inglês, de artes marciais, de dança, assessoria jurídica… Com um olhar profundamente esperançado, ele fala da Alto Vera Cruz como um lugar de realização social, familiar, amizades, de oportunidades e de realização de sonhos;
  • Do bairro Vila Cafezal, em Belo Horizonte: mostra o comerciante ambulante Renato de Souza, que fala da cultura e de valores como a honestidade, a confiança e a proximidade entre as pessoas que moram na Vila;
  • Do bairro Morro das Pedras, em Belo Horizonte: a Ita Canuto, que de empregada doméstica se tornou, como empreendedora, dona de um restaurante, que partilha a sua felicidade de sozinha ter criado dos dois filhos que já cursam universidade. Ela fala do morro como um lugar onde todos a respeitam; o presidente da Central Única das Favelas – CUFA/ MG, Francis Henrique, que fala que ser morador de favela é ser alguém que corre a trás, um batalhador, que procura conhecer seus direitos e se sacrifica para integrar na sociedade.

Conhecer a trajetória de vida dessas pessoas nos dá acesso à cultura, aos valores e às lutas contra a miséria e a exclusão social nas muitas periferias de nossas cidades. 

Prof. Edward Guimarães

O prof. Edward Neves Monteio de Barros Guimarães é teólogo pastoralista, leigo, casado e pai. É professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas, onde atua como secretário executivo do Observatório da Evangelização PUC Minas. Ele é membro do Conselho pastoral arquidiocesano da Arquidiocese de Belo Horizonte e da Comissão permanente de assessoria do Vicariato episcopal para ação pastoral.

Fonte:

www.globoplay.globo.com

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Evangelização e a força criativa da mulher nas comunidades de periferia https://observatoriodaevangelizacao.com/evangelizacao-e-a-forca-criativa-da-cultura-popular-como-resposta-aos-desafios-de-viver-em-contexto-urbano/ Sun, 03 Nov 2019 10:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32918 [Leia mais...]]]> É impressionante a força da mulher presente nas lutas pela cidadania em defesa da dignidade da vida na periferia de nossas cidades. A mulher vem conquistando espaço e reconhecimento e, apesar de toda cultura machista ainda predominante, da violência cotidiana que lhe ameaça dentro de casa, na rua, no transporte coletivo e no trabalho e dos mecanismos que perpetua a sua exclusão social, tem concretizado admiráveis trajetórias de vida.

De forma crescente, as mulheres, decididas e criativamente, de forma individual, mas sobretudo nos grupos e coletivos, vem dando passos importantes na conquista da igual dignidade cidadã e, empoderadas, as mulheres tem ajudado a transformar, além de suas próprias histórias de vida, a realidade cultural, sociopolítica e econômica onde vivem.

Trata-se, portanto, de uma realidade que não pode ser ignorada em um planejamento de ação evangelizadora da Igreja, cuja missão é a de anunciar-testemunhar a boa nova do amor de Deus que nos irmana e nos desafia na construção já aqui do Reino da justiça, da fraternidade e da partilha.

Além disso, importa reconhecer que não há autêntica evangelização, no complexo contexto urbano em que vivemos, sem um dar as mãos e caminhar junto com os movimentos populares e grupos diversos que surgem diante das muitas demandas da vida.

O programa Rolê nas Gerais tem dado visibilidade e voz às pessoas que vivem nas periferias das cidades de Minas Gerais. Confira a criativa edição do programa no dia 05/10/2019:

  • Do bairro Pedra Branca, de Ribeirão das Neves, mostra a rapper Tamara Franklin, que trabalha pela arte com micropolíticas junto com os movimentos sociais para transformar a realidade com a força do coletivo das comunidades;
  • Do bairro Pedreira Prado Lopes, de Belo Horizonte, mostra a líder comunitária Juthay Nogueira, idealizadora da Casa Acolher que abriga o projeto Romper. Um projeto criado em 2014 para atender mulheres, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, vítimas das muitas formas de exclusão social e ameaça à dignidade da vida;
  • Do bairro Morro das Pedras, na Vila São Jorge, de Belo Horizonte, mostra a família Silva Ribeiro, que construíu uma linda, mas desafiante trajetória de luta e conquista da dignidade da vida;
  • Do bairro Meneses, de Ribeirão das Neves, mostra a auxiliar de serviços gerais Ivone Passos, com sua resistência e luta diária, de segunda a sexta, de 4h da manhã às 20h da noite, duas conduções para ir e duas para voltar, para sobreviver e sustentar a sua família;
  • Do bairro Várzea Alegre, de Ribeirão das Neves, mostra uma roda de conversa com um grupo de cinco mulheres negras e periféricas (Maruaia Castro Cruz, professora e ativista social; Patrícia de Castro, técnica social e conselheira comunitária; Nicélia dos Anjos, pilotista de moda e conselheira comunitária; Winy Franklin, advogada e produtora cultural; Tamara Franklin, artista, cantora e compositora) que falam dos desafios de ser mulher, negra e periférica, e dão o testemunho de suas lutas políticas sociais por maior reconhecimento e dignidade cidadã da mulher e de políticas públicas para a periferia.

Conhecer a trajetória de vida dessas mulheres nos dá acesso à cultura, aos valores e às lutas contra a miséria e a exclusão social nas muitas periferias de nossas cidades. E se para evangelizar temos que ser evangelizados, as mulheres, dentro e fora da Igreja, estão nos evangelizando.

Que tal pensarmos seriamente em nossa conversão a Deus, provocados pelas lições diárias que nos chegam pelas lutas travadas pelas mulheres e, junto com elas, de mãos dadas, nos corresponsabilizarmos na construção coletiva de outra sociedade possível?

Prof. Edward Guimarães

O prof. Edward Neves Monteio de Barros Guimarães é teólogo pastoralista, leigo, casado e pai. É professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas, onde atua como secretário executivo do Observatório da Evangelização PUC Minas. Ele é membro do Conselho pastoral arquidiocesano da Arquidiocese de Belo Horizonte e da Comissão permanente de assessoria do Vicariato episcopal para ação pastoral.

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Há grande sintonia entre o objetivo das DGAE da CNBB e o da VI APD da Arquidiocese de Belo Horizonte https://observatoriodaevangelizacao.com/ha-grande-sintonia-entre-o-objetivo-das-dgae-da-cnbb-e-o-da-vi-apd-da-arquidiocese-de-belo-horizonte/ https://observatoriodaevangelizacao.com/ha-grande-sintonia-entre-o-objetivo-das-dgae-da-cnbb-e-o-da-vi-apd-da-arquidiocese-de-belo-horizonte/#comments Thu, 24 Oct 2019 18:48:57 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32282 [Leia mais...]]]> Quando colocamos em paralelo os dois objetivos gerais, o das Diretrizes gerais da ação evangelizadora – DGAE (2019-2023), proposto e assumido pela CNBB em sua última assembleia, e o do projeto de evangelização Proclamar a Palavra, proposto na VI Assembleia do povo de Deus da Arquidiocese de Belo Horizonte, percebemos um vasto horizonte de sintonia fina entre os dois.

Podemos dizer que o grande desafio da Igreja, seja no nível nacional, seja no nível da Igreja particular em Belo Horizonte, é o mesmo: diante dos desafios e urgências que emergem do contexto da sociedade em que vivemos, cada vez mais urbana e plural, suscitar um rico e criativo processo de recepção e de concretização do que está definido nas DGAE e no projeto Proclamar a Palavra. Dito de outra maneira, como ser fiel ao seguimento de Jesus na realidade em que vivemos.

Vejamos:

I – Objetivo Geral das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil (2019-2023):

1. EVANGELIZAR

2. NO BRASIL CADA VEZ MAIS URBANO,

3. FORMANDO DISCÍPULOS E DISCÍPULAS MISSIONÁRIAS DE JESUS CRISTO,

4. EM COMUNIDADES ECLESIAIS MISSIONÁRIAS,

5. À LUZ DA EVANGÉLICA OPÇÃO PELOS POBRES,

6. CUIDANDO DA CASA COMUM

7. E TESTEMUNHANDO O REINO DE DEUS

8. RUMO À PLENITUDE.

II – Objetivo Geral do Projeto de Evangelização Proclamar a Palavra da VI APD da Arquidiocese de Belo Horizonte (2019-2023):

1. EVANGELIZAR

2. O POVO DE DEUS NA ARQUIDIOCESE DE BELO HORIZONTE, DE REALIDADE URBANA COMPLEXA

3. POR MEIO DO ANÚNCIO DA PALAVRA DE DEUS, EM PALAVRAS E AÇÕES,

4. COMO DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS DE JESUS CRISTO,

5. PARA REVITALIZAR E MULTIPLICAR AS COMUNIDADES ECLESIAIS,

6. COLOCAR EM PRÁTICA A OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES

7. E A ECOLOGIA INTEGRAL,

8. TESTEMUNHANDO O REINO DE DEUS.

III – Explicitação do horizonte de sintonia fina

1. Os dois objetivos gerais assuem como verbo principal EVANGELIZAR (1) que é a razão de ser da Igreja, ou seja, ela existe para evangelizar, sua missão primeira é evangelizar.

Mesmo que haja muitas compreensões a cerca do conteúdo do que seja evangelizar, todas são chamadas a deixar-se interpelar pela vida, ações e palavras, de Jesus Cristo. Nenhuma compreensão de evangelizar pode negar que se trata de um anúncio-testemunho de uma boa notícia da parte de Deus revelada para nós, de modo visível, encarnada na pessoa de Jesus: Deus tem um projeto salvífico universal de amor, o Reino de Deus, que começa e cresce na caminhada histórica da humanidade, sendo que a plenitude de sua realização é atingida na comunhão de amor com Deus, portanto, para além dos limites da história. A Igreja é chamada a ser sacramento do Reino de Deus para toda a humanidade.

2. A ação evangelizadora da Igreja é concretizada na realidade cultural, política, econômica e religiosa em que os homens e mulheres, sejam os que anunciam-testemunham, sejam os que acolhem e se deixam transformar, estão inseridos. Os dois objetivos gerais assumem o desafio de evangelizar em contexto predominantemente urbano: “NO BRASIL CADA VEZ MAIS URBANO” (2) e “O POVO DE DEUS NA ARQUIDIOCESE DE BELO HORIZONTE, DE REALIDADE URBANA COMPLEXA (2).

Não se pode ignorar a realidade urbana que envolve e afeta a vida de todos, mesmo os que ainda habitam em uma realidade rural. VER e conhecer de perto as dinâmicas, as possibilidades novas, os desafios, os limites e as ameaças que emergem deste contexto contemporâneo é vital para uma ação evangelizadora que seja fiel à tradição e ao ser humano que vive no tempo do anúncio-testemunho.

3. Se no objetivo geral das novas DGAE explicita-se o desafio e a necessidade de cuidarmos e investirmos na formação da consciência de cristãos adultos: FORMANDO DISCÍPULOS E DISCÍPULAS MISSIONÁRIAS DE JESUS CRISTO (3), no do projeto de evangelização proclamar a Palavra da Arquidiocese de Belo Horizonte, se assume esta condição fundamental que deve estar muito presente na consciência de cada cristão batizado que se torna adulto na fé e corresponsável na vida eclesial: somente COMO DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS DE JESUS CRISTO (4) poderemos assumir e concretizar a missão de evangelizar.

4. No objetivo geral das DGAE, explicita-se que a experiência cristã não meramente uma doutrina ou um conteúdo a ser aprendido, mas o encontro pessoal e comunitário com a pessoa de Jesus Ressuscitado, mas que acontece numa vida EM COMUNIDADES ECLESIAIS MISSIONÁRIAS (4). Comunidades de fé cujos membros são transformados pelo cultivo da vida nova, o viver em Cristo, na práxis da justiça, da misericórdia e da partilha do amor fraterno. Não há vida cristã autêntica fora do enfrentamento cotidiano do desafio de viver, e portanto conviver, em comunidade. Por isso, no objetivo geral do projeto de evangelização proclamar a Palavra, fica muito claro que a finalidade de toda ação evangelizadora missionária deve ser PARA REVITALIZAR E MULTIPLICAR AS COMUNIDADES ECLESIAIS (5). Sem este ambiente propício para a fé brotar, crescer, fortalecer, frutificar e se multiplicar pela força contagiante de um testemunho coerente – comunidade cristã é lugar da convivência, da superação, do testemunho de serviço e de partilhar – o anúncio-testemunho da vida cristã fica comprometido e facilmente se deturpa.

5. Desde a Conferência de Medellín, em 1968, a Igreja da América Latina tomou consciência, de forma explícita, da centralidade do pobre no anúncio-testemunho do Reino de Deus encarnado na vida de Jesus. Essa opção foi retomada em Puebla e Aparecida, nas DGAE da CNBB e agora, de forma singular, no magistério do papa Francisco que conclama a todos concretizarmos uma Igreja pobre e para os pobres. Por isso, as novas DGAE assumem que a ação evangelizadora da Igreja, por fidelidade a Jesus, deve ser feita À LUZ DA EVANGÉLICA OPÇÃO PELOS POBRES (5). E de forma contundente e concretamente profética, aparece também no objetivo geral do projeto de evangelização Proclamar a Palavra: COLOCAR EM PRÁTICA A OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES (6).

6. Com a consciência eclesial assumida com a Encíclica do papa Francisco, Laudato Si’, que chama a atenção como dimensão importante da fé, para a necessidade de assumirmos uma cultura do cuidado de nossas Casa Comum, documento que suscitou a convocação e a realização do Sínodo para a Amazônia, não podemos ficar indiferentes aos sinais do tempo. E a explicitação desde chamado profético do papa Francisco aparece tanto no objetivo geral das DGAE, que define que evangelizar hoje implica o dever de estarmos CUIDANDO DA CASA COMUM (6) e no do projeto de evangelização Proclamar a Palavra, de forma direta e contundente, assume como anseio do Espírito Santo o colocar em prática a opção pelos pobres E A ECOLOGIA INTEGRAL (7).

7. Nos dois objetivos aparece de forma explícita, como sentido maior de toda ação evangelizadora o acolher, proclamar e testemunhar o Reino de Deus, Reino de justiça e fraternidade. No primeiro, está unido o chamado para que todos estejam cuidado da Casa Comum E TESTEMUNHANDO O REINO DE DEUS (7). No segundo, mostra que o sentido maior do dinamismo assumido de estarmos TESTEMUNHANDO O REINO DE DEUS (8) no hoje de nossa realidade é concretizar a opção pelos pobres e a Ecologia Integral. Em outras palavras, testemunhar o Reino de Deus é ouvir o grito dos pobres e o grito da Terra.

8. Se repararmos bem, há apenas uma expressão singular em cada um dos objetivos gerais que não aparece no outro. No objetivo geral do projeto de evangelização Proclamar a Palavra da Arquidiocese de Belo Horizonte, há a expressão POR MEIO DO ANÚNCIO DA PALAVRA DE DEUS, EM PALAVRAS E AÇÕES (3), ou seja, explicita que toda e qualquer ação evangelizadora tem como mediação central ou baliza a Palavra de Deus, cujo anúncio, como contemplamos encarnado na pessoa de Jesus, acontece em palavras (ensinamentos) e ações (práticas concretas que dão credibilidade e coerência). Já o objetivo geral das DGAE é finalizado apontando para um horizonte escatológico, ou seja, que nossa caminhada tem um sentido último revelado pela vida de Jesus: caminhamos RUMO À PLENITUDE (8). Isso significa que as nossas ações, aqui e agora, todo o nosso esforço de resposta de fé à proposta do amor de Deus revelada pela vida de Jesus, são acolhidos por Deus como uma verdadeira história de salvação.

Evangelizar é, portanto, concretizar, em nossas ações, na Igreja e na sociedade, uma caminhada autêntica de fé. A nossa fé no Deus da vida se faz fé na vida, assumindo a cultura do cuidado com a vida, se faz fé no homem, nos comprometendo a cultura humanista do cuidado com cada pessoa humana, sobretudo dos pobres, excluídos e sofredores, se faz fé no que virá, colocando-se, em cada passo e mesmo diante das dificuldades, confiantes nas mãos do Deus estradeiro conosco. Tudo isso porque d’Ele procedemos (Deus é a nossa origem), n’Ele existimos (Deus é o nosso sustento) e para Ele caminhamos (Deus é nosso destino último) como nossa pátria definitiva de plenitude de amor. Amém.

Edward Guimarães

Prof. Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães é teólogo pastoralista leigo, casado, membro do Conselho Pastoral Arquidiocesano, da Comissão Permanente de Assessoria do Vicariato episcopal para ação pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte e é o atual secretário executivo do Observatório da Evangelização PUC Minas.

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Pela 6ª APD, aconteceu, no sábado 05/10/19, a Assembleia do Conselho Arquidiocesano de Pastoral e do Vicariato Episcopal para a Ação Pastoral https://observatoriodaevangelizacao.com/pela-6a-apd-aconteceu-no-sabado-05-10-19-a-assembleia-do-conselho-arquidiocesano-de-pastoral-e-do-vicariato-episcopal-para-a-acao-pastoral/ Tue, 08 Oct 2019 13:12:02 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=32209 [Leia mais...]]]> A Arquidiocese de Belo Horizonte, desde agosto de 2019, vivencia a sua VI Assembleia do Povo de Deus. Durante o mês de setembro aconteceram as assembleias em nível paroquial e forâneo, agora no mês de outubro acontecem as assembleias em nível regional e a de conselhos, órgãos e grupos específicos da Arquidiocese como os vicariatos episcopais. Tudo isso acontece em preparação para a grande Assembleia Arquidiocesana que acontecerá no dia 23 de novembro de 2019.

No sábado, dia 05 de outubro de 2019, no Convívium Emaús, aconteceu a Assembleia do Conselho Pastoral Arquidiocesano (CPA) e do Vicariato Episcopal para Ação Pastoral (VEAP). Confira, a seguir, a breve síntese deste evento, bem como as prioridades levantadas:

Assembleia do Conselho Pastoral Arquidiocesano e do Vicariato Episcopal para Ação Pastoral

Deu-se início à assembleia com uma afetuosa e fraterna acolhida e com a saudação de boas-vindas aos participantes, feitas pelo pe. Joel Maria dos Santos, vigário episcopal para ação pastoral e coordenador da comissão de preparação e execução da VI APD da Arquidiocese de Belo Horizonte.

Passou, então, a palavra para Lucimara Trevizan, membro da comissão de preparação e execução da VI APD, que orientou a disposição do grupo para a abertura ao Espírito Santo através de um momento de oração fundado num trecho da Carta de Paulo enviada a comunidade cristã de Corinto (1 Cor 9, 16-23) sobre a importância do ato de liberdade em colocar-nos a serviço do Reino e da ação evangelizadora.

Em seguida, pe. Joel, a partir das orientações consignadas no Instrumento de trabalho da VI APD da Arquidiocese de Belo Horizonte, depois de recordar o seu Objetivo Geral, apresentou a metodologia desta assembleia do CPA (Conselho Pastoral Arquidiocesano) e do VEAP (Vicariato Episcopal para Ação Evangelizadora): primeiro momento, divisão e trabalho em grupos; segundo momento, apresentação e partilha dos grupos, seguido de comentários, sugestões e propostas de encaminhamento; terceiro momento, aprovacão coletiva das prioridades eleitas por esta assembleia como etapa preparatória para a grande Assembleia arquidiocesana da Igreja de Belo Horizonte.

Trabalho dos grupos e eleição das prioridades pastorais

Os participantes foram divididos em quatro grupos, de acordo com os quatro pilares da metáfora da Igreja – Casa, assumidos nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da CNBB (DGAE 2019-2023): Casa da Palavra; Casa do Pão; Casa da Caridade; Casa da Missão.

A seguir, dentro dos limites de nosso registro e que portanto precisa ser complementado e corrigido, apresentamos as prioridades e sugestões de cada grupo que foram assumidas, ao final, por esta assembleia:

Grupo 01: Casa da Palavra

  • Criar, ampliar e acompanhar Grupos de Reflexão Bíblica: Encontros Bíblicos, Círculos Bíblicos, Leitura Orante da Palavra e outros meios possíveis numa cultura digital, a fim de que cresça o encontro dos fiéis com a Palavra de Deus, fomentando o espírito comunitário em redes de pequenas comunidades”;
  • Priorizar a Iniciação Cristã com adultos que não receberam os sacramentos”.
  • Promover uma catequese atenta à cultura urbana, numa metodologia e linguagem que  utilizem a arte (música, cinema, teatro, imagens e outros), a serviço da educação da fé”;

Sugestões: Em vista do desafio de se fazer uma Igreja em saída, formar pequenas comunidades com afeto e proximidade; evangelizar adultos e criar pequenas comunidades bíblico-catequéticas.

Grupo 02: Cada do Pão

  • Ressaltar a importância das celebrações da Palavra com os ministros leigos devidamente formados e instituídos e diáconos permanentes;
  • Evangelizar a religiosidade popular, sobretudo nas cidades históricas e santuários, como caminho para despertar e aprofundar a fé, iluminado pela Palavra de Deus, rumo a pertença à comunidade eclesial”;
  • Investir no cultivo da espiritualidade do seguimento de Jesus Cristo, nos processos de formação inicial e permanente dos presbíteros, bem como dos agentes de pastoral, para que isso possibilite a saída de uma experiência religiosa fechada em si mesma e clericalista”.

Sugestões: Repensar a política de distribuição dos presbíteros; suscitar o diaconato permanente nas comunidades; ampliar os ministérios, incluindo nestes as mulheres;

Grupo 03: Casa da Caridade

  • Cuidar para que todas as instâncias da Arquidiocese sejam espaços de promoção da dignidade humana (sobretudo) e, por causa da opção pelos pobres e de mãos dadas com os movimentos populares, lutar pela inclusão social dos marginalizados, especialmente por meio dos Núcleos de Acolhida e Articulação da Solidariedade (NAASP) e a Rede de Articulação da Solidariedade (REARTSOL)“;
  • Capacitar os evangelizadores para que as comunidades sejam verdadeiras casas de acolhida e do cuidado de todas as pessoas, especialmente dos pobres”;
  • Ter como prioridade o compromisso de comunidade de fé o cuidado com a Casa Comum, que implique um novo modo de ser no mundo e, para isso, refletir permanentemente sobre uma ecologia integral (e aproveitar os momentos de reforma e construção e fazê-las de forma sustentável)

Sugestões: 1ª) Transferir o 1º ponto da Casa da Missão como prioridade para a Casa da Caridade: “Provocar uma primavera das Pastorais sociais, na Arquidiocese de Belo Horizonte, incentivando sua criação e organização onde não existem, incrementando as que já atuam, oferecendo adequada formação aos agentes, à luz da Palavra de Deus e do Ensino Social da Igreja, com vistas a um revigoramento da presença pública da Igreja em todos os municípios da Arquidiocese” para a Casa da Caridade; 2ª) Alterações nas redações já incluídas no texto acima;

Grupo 04: Casa da Missão

  • Priorizar a ação missionária nas vilas e favelas, condomínios e edifícios, criando comunidades alicerçadas na Palavra”;
  • Investir nas redes sociais, lugares de evangelização e profecia, que denunciam e anunciam, despertando pessoas e comunidades para a vivência da fraternidade e da comunhão nesses novos espaços”;
  • Criar e fomentar Grupos de Fé e Política, bem como outros organismos eclesiais, que propiciem, a partir da Palavra de Deus e Ensino Social da Igreja, vocacionados às funções públicas e partidárias, assumam de forma consciente sua missão”;
  • Garantir os meios necessários para que os Conselhos Pastorais, em todas as instâncias, sejam efetivos espaços colegiados de discernimento e de decisão, em atenção ao protagonismo dos leigos e sempre mais comprometidos com a missão da Igreja”.

Sugestões: Transferir o 1º ponto: “Provocar uma primavera das Pastorais sociais…” para a Casa da Caridade.

Alguns registros:

Prof. Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães

Secretário executivo do Observatório da evangelização PUC Minas; membro do Conselho pastoral arquidiocesano e da Comissão permanente de assessoria do Vicariato episcopal para ação pastoral

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A Dom Geremias e todos os perseguidos por causa do Evangelho do Reino https://observatoriodaevangelizacao.com/a-dom-geremias-e-todos-os-perseguidos-por-causa-do-evangelho-do-reino/ https://observatoriodaevangelizacao.com/a-dom-geremias-e-todos-os-perseguidos-por-causa-do-evangelho-do-reino/#comments Thu, 18 Jul 2019 00:35:08 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30847 [Leia mais...]]]> Os que ousam ser discípulos e discípulas de Jesus, profeta crucificado, morto e ressuscitado, vivo e estradeiro conosco, inseridos num Continente ainda marcado pela violência da desigualdade e opressão cultural, religiosa, econômica e sociopolítica, mas também numa terra fecundada pelo sangue de tantos mártires da defesa da justiça, da liberdade, dos direitos humanos, da democracia cidadã, do equilíbrio ambiental, não podem se esquecer do que ouvimos da boca do próprio Jesus: “Se me perseguiram, perseguirão a vós também” (Jo 15, 20) e “virá a hora em que todo aquele que vos matar, julgará estar prestando culto a Deus. Agirão assim por não terem conhecido nem ao Pai, nem a mim” (Jo 16, 2-3), mas atenção, a perseguição por causa da justiça, na ordem do Reino de Deus, é bem-aventurança (Cf. Mt 5, 10), “pois foi deste modo que perseguiram os profetas que vieram antes de vós” (Mt 5, 12).

Acontece que o anúncio/ testemunho profético do Evangelho do Reino, Evangelho da justiça, numa sociedade de conflitos, desigualdades e injustiças sociais, não é tarefa fácil. Implica necessariamente a denúncia do anti-reino, a opção pelos pobres e marginalizados, a postura de defesa incondicional da dignidade e o colocar-se ao lado das vítimas do sistema opressor. É isso que provoca a perseguição aos/às discípulos/as de Jesus. É o que suscita as ações virulentas dos filhos das trevas. Foi assim com Jesus, com todos os homens e mulheres que ousaram levantar bandeiras de luta e transformação socioeconômica, política e cultural, e será igualmente com os discípulos e discípulas de Jesus que continuam a assumir posturas proféticas.

Tive a alegria de conhecer a pessoa de Dom Geremias Steinmetz durante o 14º Encontro Intereclesial das CEBs, em Londrina, no Paraná. Lembro-me da serenidade evangélica e da firmeza profética em sua postura de defesa da caminhada das Comunidades Eclesiais de Base em meio ao turbilhão de calunias e perseguições perpetradas nas mídias digitais por pessoas que se dizem cristãs, mas que agem de forma virulenta, cruel e imoral contra quem ousa contestar seus privilégios de classe ou ameaça a margem crescente de seus lucros. Certamente, nessa nova onda de perseguição por posturas proféticas, em sintonia com o papa Francisco e com a CNBB, contra a perversa reforma trabalhista recentemente aprovada e o igualmente perverso projeto de reforma da Previdência que não corta privilégios, não corrige distorções e aumenta ainda mais o sofrimento e a dor dos mais pobres e excluídos quando estes mais precisam do amparo do governo.

Esses “cristãos” não acolhem o fermento transformador do Evangelho de Jesus que nos irmana e iguala em dignidade pela experiência da boa nova da gratuidade do amor de Deus, amor exigente que nos transforma por dentro e nos desafia a concretizar socialmente a centralidade do amor, a partilha solidária dos bens e a conviver de outra maneira já aqui rumo à plenitude futura de comunhão junto de Deus.

Esses “cristãos” que se julgam guardiões da ortodoxia e da sã doutrina, por isso não concordam com a caminhada dessas comunidades cristãs e, sobretudo, dos que acolhem a reflexão da Teologia da Libertação que, por usar mediações sócio-analíticas advindas das ciências humanas e sociais, colocou o dedo na ferida e explicitou as contradições de quem diz acolhe a pessoa de Jesus e o Evangelho do Reino e permanece indiferente, seja ao grito dos pobres e sofredores, seja diante das estruturas sociais injustas geradoras de destruição da nossa Casa comum, miséria, exclusão e morte de inúmeros irmãos. Abominam um cristianismo que acolhe o grito dos pobres e marginalizados, indígenas, negros, mulheres, migrantes, refugiados, ciganos, LGBTs e que promove a justiça social e a cultura da paz que é fruto da justiça entre os homens e os países, povos e nações.

Esses “cristãos” acusam de comunistas, marxistas, revolucionários, subversivos, baderneiros, esquerdopatas, petralhas etc. os membros das CEBs, aos que, como Dom Geremias, apoiam essas comunidades cristãs proféticas do Reino, a luta dos movimentos populares em defesa da justiça e da igual cidadania e aos defensores da teologia latino-americana brotada da caminhada da Igreja dos pobres. Julgam que, ao procurarem acolher as interpelações do Evangelho e dinamizar a vida cristã a partir da unidade Fé-vida, assumem uma fé cristã deturpada e impura. Por isso se irmanam e caminham de mãos dadas com os cristãos de outras igrejas, com fiéis de outras tradições religiosas e com pessoas sem vínculos religiosos, comprometidos com a justiça social e a cultura da paz, com as lutas em defesa da vida, tendo como culto agradável a Deus o compromisso eucarístico e sociopolítico de participar da construção de uma sociedade justa, com partilha solidária dos bens e com inclusão de todos na mesa da dignidade cidadã e que seja ecologicamente sustentável e eco-éticas.

Em tempos sombrios de perseguição, ajuda-nos o cultivo da memória viva do caminho de Jesus, ter presente a sua prática libertadora, os ensinamentos e gestos proféticos, os conflitos que ela suscitou junto aos poderosos e as violentas consequências de sua prisão e morte na cruz. Do mesmo modo, ajuda-nos o cultivo da memória de tantos homens e mulheres de nosso Continente injusto que trazem em seus nomes, corpos e história, as marcas da calúnia, da perseguição, da violência e da morte. Ajuda-nos igualmente a fé teimosa e incondicional no Deus da ressurreição, cujo projeto salvífico universal é mais forte que a força bélica e violenta dos poderosos deste mundo.

Entre os desafios de quem se tornou discípulo missionário numa Igreja em saída, semeador da utopia do Reino numa sociedade de conflitos, sobressaem tanto o da coragem-firmeza profética, quanto o da perseverança militante, esperançada, resiliente e teimosa. Implica, por isso, o cultivo de uma espiritualidade libertadora e a confiança na presença do Espírito de Cristo, a fonte fecunda que faz o trigo brotar e produzir frutos, mesmo diante do joio semeado pelo inimigo.

Não devemos ceder diante da perseguição dolorosa e cruel, muitas vezes desferida por aqueles que se infiltram e se colocam no seio da Igreja de Jesus Cristo. Por isso lanço aqui um discernimento para aumentar a responsabilidade do perseguidor ante da lógica do Reino de Deus: uma coisa é o diálogo franco ou a correção fraterna, tão necessários em toda caminhada humana, outra é a calúnia e a agressão, covardes e anti-fraternas, de quem visa destruir o nome e eliminar a pessoa do outro.

Desse modo, termino convocando a todos os cristãos comprometidos com a evangelização a se unir na mesma prece ao Deus da vida, para que com a luz e força do Espírito Santo, Ele conceda o dom da fidelidade ao Reino e da perseverança na defesa da justiça e da cultura da paz, a Dom Geremias e a todos os que, como Jesus, estão sendo caluniados, perseguidos e violentados por terem assumido as causas do Evangelho da Justiça.

Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães

Teólogo leigo e secretario executivo do Observatório da Evangelização.

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