Edward Guimarães – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Fri, 31 May 2024 00:14:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Edward Guimarães – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Corpus Christi: outra compreensão necessária a partir dos sinais dos tempos https://observatoriodaevangelizacao.com/corpus-christi-outra-compreensao-necessaria-a-partir-dos-sinais-dos-tempos/ https://observatoriodaevangelizacao.com/corpus-christi-outra-compreensao-necessaria-a-partir-dos-sinais-dos-tempos/#respond Thu, 30 May 2024 13:50:13 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49889 [Leia mais...]]]> A Eucaristia, na experiência cristã católica, é o sacramento do Corpo de Cristo. Jesus de Nazaré, o enviado no Pai, pela luz e força do Espírito Santo, revelou-nos o Amor de Deus por nós e abriu-nos um caminho de salvação, um caminho a ser trilhado: transformados pela força da experiência do amor gratuito de Deus por nós, somos chamados a cultivar o amar, cuidar e servir. Na Eucaristia celebramos este Mistério de Amor que vem até nós e, com claridade solar, nos revela que somos filhos e filhas, amados de Deus, que somos irmãos e irmãs e que o caminho da salvação é amar como Jesus nos amou. Os cristãos batizados, que enraizaram as suas vidas em Jesus, são chamados a uma missão: serem o “Corpo de Cristo” hoje. Continuarem, portanto, a missão de Jesus. Em pequenas comunidades de fé e partilha de vida, os cristãos são chamados a ser fermento, sal e luz de outra sociedade possível e necessária. Sociedade firmada na mesa da irmandade, na prática da justiça divina, da misericórdia e da compaixão pelos sofredores, pela partilha solidária com os pobres, pela defesa da dignidade da vida de quem está excluído.

Jesus, em sua última ceia, depois de lavar os pés de seus discípulos, na véspera de sua paixão-morte-ressurreição, sintetizou, num gesto profundamente simbólico, o sentido maior que deu à sua vida: uma entrega, com fidelidade ao Projeto salvífico de Deus! Jesus fez de sua vida um serviço a Deus, concretamente como serviço ao próximo. A práxis acolhedora-libertadora de Jesus, desde os desfigurados da dignidade humana: escravizados, explorados, empobrecidos, marginalizados, encarcerados, por serem considerados impuros desprezados, doentes, sofredores. Em nome de Deus, pela força da Ruah divina, Jesus, o Filho amado, libertou da cegueira, da surdez, da paralisia, da exclusão do amor social, das garras do mal… Após a sua traição, prisão, condenação, tortura e execução na cruz, Jesus, por sua fidelidade a missão, foi ressuscitado pelo Pai. A Ressurreicão de Jesus confirma, aos olhos da nossa fé, que o Caminho aberto por Jesus, é o nosso caminho de salvação. A vida de Jesus, para a fé cristã, é sim: o nosso caminho de salvação, a verdade do Projeto de Deus e a fonte geradora de vida, de vida nova com a consciência de nossa filiação divina e de compromisso fratersororal. Como nos diz o papa Francisco, “somos todos irmãos e irmãs” (Fratelli Tutti).

 

Um pouco da história da festa de Corpus Christi

Tapete de Corpus Christi 002Tapete para a festa de Corpus Christi

A festa de Corpus Christi, tradicionalmente, teve como objetivo maior o testemunho público da fé e da devoção católica na adoração ao Corpo de Cristo presente na hóstia consagrada. Segundo antiga tradição, a festa de Corpus Christi teve origem em torno do ano de 1243, em Liège, na Bélgica, quando uma freira, Ir. Juliana de Cornion, teve visões nas quais o próprio Jesus Cristo pede que o mistério celebrado na Eucaristia tivesse maior destaque e reconhecimento público. Ela compartilha as suas experiências espirituais com aquele que, mais tarde, viria a se tornar o papa Urbano IV. Este, no ano de 1264, decide instituir esta festa litúrgica para toda a Igreja.

Procissão de Corpus ChristiProcissão de Corpus Christi

O Papa pediu, então, que Tomás de Aquino preparasse textos litúrgicos específicos para esta data. A procissão com a hóstia consagrada, como um cortejo público de ação de graças a Deus, teve início no ano de 1274. No Brasil, como em Portugal, tornou-se popular a tradição de enfeitar as ruas com lindos tapetes com imagens e símbolos religiosos. Na liturgia, a celebração de Corpus Christi inclui missa, procissão e adoração ao Santíssimo Sacramento.

Tapete para a festa de Corpus Christi Confecção dos tapetes com símbolos cristãos para a festa de Corpus Christi

Um contexto cultural de insensibilidade ecumênica e de pouca atenção à necessidade de diálogo inter-religioso favoreceu deturpações e muitos conflitos religiosos. A festa de Corpus Christi, em muitos lugares, tornou-se mais que uma celebração da liturgia cristã católica. Passou a ser encarada ou utilizada, por muitos infelizmente, como momento oportuno para explicitar, publicamente, a supremacia do catolicismo, em relação às outras igrejas cristãs, bem como às outras tradições religiosas.

 

Outra compreensão se faz necessária a partir dos sinais dos tempos

Hoje, nós cristãos somos chamados a agir na Igreja e na sociedade, com a consciência de sermos desafiados a ser o Corpo de Cristo, ou seja, a continuar a missão de Jesus em nosso contexto. Somos interpelados pela vida de Jesus, a testemunhar o amor universal de Deus e o amor fratersororal entre nós. Pelo diálogo fraterno, somos chamados a melhor cuidar da Casa comum e defender, irmanando-se nas lutas dos movimentos populares, a igual dignidade de todos os filhos e filhas amados de Deus. O amor de Deus nos irmana e nos compromete com a unidade da família de Deus: a humanidade.

Para os cristãos, não deveria haver fronteiras culturais ou religiosas para irradiar, cultivar e praticar o amor, pois, pela vida de Jesus, todo ser humano, independente de qualquer critério, é acolhido como filho e filha amado de Deus. Ser cristão, portanto, é um desafio que se faz compromisso sociopolítico, econômico, ecológico e religioso – em todas as dimensões da vida – de testemunhar-anunciar a boa notícia da universalidade, gratuidade e incondicionalidade do Amor de Deus, desde os últimos, Amor que nos transforma em cuidadores da inclusão de todos na grande mesa da irmandade e da igual dignidade dos filhos e filhas amados de Deus.

Grito dos excluídos - 2014Caminhada ecumênica de 7 de setembro – Grito dos excluídos organizado pelas Igrejas cristãs em defesa da dignidade da vida.

Aconteceram muitas mudanças culturais em nosso meio que se tornam autênticos sinais dos tempos, como nos ensinou o papa João XXIII, nos albores do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). Dentre outras, merecem destaque:

  • cresce a consciência planetária e que a humanidade compartilha uma mesma “aldeia global”;
  • cresce a percepção de dois gritos: dos pobres e da Terra. Nossos modelos de desenvolvimento e busca do progresso e da felicidade, nem inclui a todos – parcela significativa de irmãos e irmãs ficam de fora, é excluída da mesa -, nem cuida do equilibrio e do futuro da vida na Terra;
  • com as novas tecnologias de transporte e comunicação passamos a reconhecer a beleza enriquecedora do pluralismo cultural e religioso;
  • em muitos países, o Estado se tornou laico e democrático, defensor dos direitos fundamentais, entre estes o da liberdade de crença, de culto e também de convicções areligiosas;
  • em vista da paz entre os povos, nações, grupos, pessoas, cresceu a consciência da importância de desenvolvermos e cultivarmos o espírito ecumênico entre as igrejas cristãs e posturas de diálogo inter-religioso, diante, sobretudo, da conquista da legitimidade cultural da diversidade religiosa.

Tais sinais clamam por outras posturas sociopolíticas e religiosas possíveis e necessárias. A Igreja católica, há 60 anos, no Concílio Ecumênico Vaticano II, reconheceu essas mudanças culturais, legitimou e convocou os cristãos católicos, a  assumirem o movimento ecumênico com as outras igrejas cristãs e posturas dialógicas para com as outras tradições religiosas. Alguns passos já foram dados, mas ainda temos muito que aprender e caminhar.

Mutirão pela moradia para todos!Mutirão ecumênico por moradia para todos!

A festa de Corpus Christi – como todas as festas valorizadas pelo cristianismo católico, tais como Natal, Semana Santa, Páscoa, Pentecostes, festividades de Nossa Senhora e todos os santos e santas da devoção popular – é chamada a deixar-se fecundar e transformar pelos sinais dos tempos. Em toda ação evangelizadora da Igreja, por fidelidade a Jesus Cristo e a tradição apostólica, não deve conter qualquer resquício de espírito apologético agressivo ou mentalidade eclesiocêntrica ou religiocêntrica arrogante e que provoca beligerância religiosa em nome de Deus. Importa dizer não a qualquer compreensão de guerra santa!

Mutirão pelos desabrigadosMutirão pelos desabrigados promovido por iniciativa da Caritas.

A festa de Corpus Christi, balizada pelos valores do Evangelho do Reino, tem como objetivo favorecer aos fiéis oportunidades criativas de encontro com o Jesus Ressuscitado, de crescimento na vida cristã e aprofundamento da identidade cristã católica, mas sem qualquer pretensão de agredir ou diminuir outras igrejas cristãs e/ou tradições religiosas.

O fundamento bíblico deve prevalecer na ação evangelizadora: cada cristão, enquanto seguidor ou seguidora de Jesus e alguém que se alimenta da vida do Mestre do Caminho, do Verbo de Deus ressuscitado e sempre estradeiro conosco, é chamado pelo batismo a concretizar em suas ações, no contexto em que vive, a vontade de Deus. Ele se nutre da memória dos feitos de Jesus para, juntamente com seus irmãos e irmãs de fé, agir e atuar na Igreja e na sociedade, em vista do bem comum, com a consciência de ser membro vivo do Corpo de Cristo hoje.

Para refletirmos: que significa celebrar a festa de Corpus Christi no contexto em que vivemos?

Sobre o autor:

Edward  Guimarães é doutor em Ciências da Religião pela PUC Minas e mestre em Teologia pela FAJE.  Professor do Mestrado Profissional em Teologia Prática e de Cultura Religiosa da PUC Minas.
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Lives Por uma Igreja Sinodal – Anima PUC Minas https://observatoriodaevangelizacao.com/lives-por-uma-igreja-sinodal-anima-puc-minas/ Wed, 22 Dec 2021 14:26:43 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=43288 [Leia mais...]]]>

  1. História da Sinodalidade, com o prof. Frei Luiz Antônio

2. Experiências sinodais, com o prof. pe. Manoel Godoy

3. Francisco e a sinodalidade, com a profª. Alzirinha

4. Experiências sinodais da Igreja, com o prof. pe. Geraldo De Mori

Fonte:

Anima PUC Minas

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“Fortalecendo as relações de gênero. Para a Igreja, um terreno árido que pode se transformar em jardim.”, com a palavra Vânia de Fátima Fonseca Pinto https://observatoriodaevangelizacao.com/fortalecendo-as-relacoes-de-genero-para-a-igreja-um-terreno-arido-que-pode-se-transformar-em-jardim-com-a-palavra-vania-de-fatima-fonseca-pinto/ https://observatoriodaevangelizacao.com/fortalecendo-as-relacoes-de-genero-para-a-igreja-um-terreno-arido-que-pode-se-transformar-em-jardim-com-a-palavra-vania-de-fatima-fonseca-pinto/#comments Sun, 10 Oct 2021 02:39:41 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=41923 [Leia mais...]]]> O texto a seguir foi elaborado pela aluna Vânia de Fátima Fonseca Pinto para o seminário promovido pela disciplina Pedagogia Dialógica Participativa, Corresponsabilidade e Ação Pastoral, ministrada pelo prof. dr. Edward Guimarães no curso de pós-gradução em Teologia Pastoral da PUC Minas.

Confira:

FORTALECENDO AS RELAÇÕES DE GÊNERO. Para a Igreja, um terreno árido que pode se transformar em jardim

“Separados somos fracos, juntos somos fortes,

unidos e unidas somos uma avalanche de amor, um tsunami de amor”.

(Dito popular do Haiti)

A todas as mulheres que com coragem, ousadia, não se amedrontaram em arriscar novos traçados e levantar a voz contra todo tipo de opressão, exploração e exclusão!

INTRODUÇÃO

A marginalização do feminino é um processo que infelizmente também tem se sustentado por meio da interpretação fundamentalista e ahistórica de determinados escritos bíblicos. Estes são utilizados anacronicamente como justificadores de uma sociedade patriarcal. No contexto bíblico e ainda hoje suprime-se a imagem da igual dignidade da mulher.

Muitas mulheres inteligentes, articuladoras, estrategistas e com grande capacidade de liderança foram e continuam a ser marginalizadas, deturpadas ou invisibilizadas não conseguindo colocar em evidência o seu protagonismo no meio social e eclesial. Sofreram e continuam a sofrer todos os tipos de violência: física, psicológica, patrimonial, moral, ante as persistentes desigualdades de gênero, marcadas nas relações sociais que se estabelecem.

No entanto, segundo diversos textos bíblicos, no Segundo Testamento encontramos mulheres que foram valorizadas, respeitadas e fizeram parte do Movimento de Jesus. Não somente seguiram Jesus como foram verdadeiras discípulas que percorreram o caminho da Galiléia até Jerusalém. Isso quer dizer que: seguiram, foram solidárias e fiéis a Jesus, acompanhando-o ao longo da missão e, inclusive, na sua paixão, morte e ressureição. Enquanto que a maioria dos apóstolos, por medo, não seguiram Jesus nessa travessia.

Jesus inicia o seu mistério público através de uma mulher, Maria, sua mãe, quando ela o instiga a resolver um problema: a falta de vinho em uma festa em Caná da Galiléia (Jo 2, 1-12). Jesus dialoga teologicamente e se revela como Messias a uma mulher estrangeira, uma samaritana (Jo 4, 4-42) e Maria, irmã de Marta, escuta atentamente os seus ensinamentos (Lc 10, 38-42).

Não se encontra nenhum texto bíblico com atitude ou palavra de Jesus de Nazaré contrária a dignidade da mulher, questionando suas capacidades ou limitando sua atuação. Jesus quebra todos os tabus e preconceitos de sua época. Ao contrário, Jesus atribuía grande valor às mulheres. Algumas citações bíblicas explicitam o relacionamento de Jesus com mulheres, tais como: Lc 7, 36-50; 8, 2-3; Mc 10, 2-12. Elas são, inclusive, as primeiras testemunhas da Ressurreição (Mc 16, 9-11; Lc 24, 9-11; Jo 20, 1-3.11-18; Mt 28, 1-10).

Também o apóstolo Paulo, com todos os limites culturais de seu tempo, de certa forma, segue a mesma “linha” de Jesus. Ele respeitou as mulheres que eram lideranças nas comunidades com atribuições de diáconas, colaboradoras, trabalhadoras, apóstolas e as considerava parceiras na evangelização (Cf. Rm 16).

A intuição dessa reflexão é a de despertar o olhar crítico da Igreja que não escuta e ignora os sinais dos tempos frente a realidade da exclusão das mulheres. As transformações desejadas para a sociedade, começam nas comunidades eclesiais e estruturas internas, portanto, não cabe a Igreja paralisar pelo medo e se contradizer mantendo padrões tradicionalistas, conceitos e paradigmas retrógrados. Isso é uma ameaça para que não aconteça uma autêntica ação evangelizadora pautada na promoção e defesa da vida. 

Fundamentada na proposta do apóstolo Paulo na Carta aos Gálatas (Gl 3, 28), novas relações de gênero – Não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus -, e no conteúdo da entrevista da Teóloga luterana Wanda Deifelt ao Instituto Humanistas Unisinos, em 17 de julho de 2016, elaborada por João Vitor Santos intitulada: “Maria Madalena e as discípulas de Jesus. Protagonistas que resistem a um apagamento.”, apresentaremos uma espécie de subsídio para o desenvolvimento do tema que aqui nos propomos: uma reflexão sobre a questão de gênero na Igreja.

DESENVOLVIMENTO

Não se faz uma leitura bíblica sem conhecer o contexto e o pretexto em que foi escrito, por isso, vamos percorrer um pequeno caminho histórico.

No mundo greco-romano, as mulheres não eram respeitadas como cidadãs. Grande parte delas eram escravizadas; as mulheres da classe dominante eram mães, esposas e filhas de cidadãos. Do ponto de vista da lei, elas estavam submetidas ao pai de família. Enquanto as mulheres gregas ficavam reclusas em suas casas, as romanas até podiam acompanhar seus maridos em banquetes e festas, mas não muito mais do que isso.

Na Grécia, de um modo geral, as mulheres não tinham acesso ao mundo intelectual. Entretanto, havia tendências filosóficas, como o epicurismo e o cinismo, que eram abertas à participação das mulheres. No mundo das religiões, elas tinham participação ativa, de modo especial nos cultos às deusas, seja nas casas seja nos templos. Exerciam o papel de profetisas e sacerdotisas, especialmente nos ritos ligados ao nascimento e à morte. Nas religiões romanas, as mulheres tinham bem menos participação que no mundo grego.

Enquanto os homens tinham acesso ao poder e à glória – eles eram os políticos, os guerreiros e comerciantes – as mulheres tinham uma vida de submissão aos homens. Elas sempre ficavam sob a tutela de um membro da família do sexo masculino, fossem eles seus pais, maridos ou filhos, caso ficassem viúvas.

As “igrejas domésticas” helenistas rompem com o modelo patriarcal, com a ordem hierárquica da casa greco-romana, vivendo relações de igualdade de direitos.

Nas relações de gênero, Paulo divulga relações de parceria, de complementaridade, de respeito às diferenças. No contexto da Carta aos Gálatas, judeus, gregos, homens e mulheres estão subjugados à dominação do Império romano e a propostas religiosas opressivas. Paulo traz a possibilidade de solidariedade, promove a igualdade.

No Brasil, há algumas décadas, as mulheres eram reduzidas à função de formar famílias (procriação) e cuidar dos filhos e do marido. Basta revermos as fotografias antigas das famílias, rodeadas por muitos filhos e netos. Época em que as mulheres ainda estão no espaço doméstico compreendido pelo capitalismo como extensão da fábrica. O Estado e os homens se apropriam de seus corpos sob a aparente proteção e generoso acolhimento tutelar. As mulheres são forçadas a funcionar como um meio de acumulação de capital e reprodução do trabalho. Elas eram exploradas no cotidiano como imposição sumária, no espaço do lar e não eram assalariadas. Eram contribuintes e ajudavam a sustentar o sistema capitalista, enquanto que o homem tinha o privilégio de trabalhar fora do espaço doméstico e tinha o seu salário, o que ocasionava desequilíbrio do sistema produtivo de bens e serviços e restringia a emancipação feminina. Esta era entendida como uma ameaça à estabilidade familiar. As mulheres em constante dominação são as verdadeiras vítimas e não as culpadas, como querem imprimir o patriarcado.

O apóstolo Paulo apóstolo entende que pelo batismo somos “UM SÓ” em Cristo, o que se torna uma proposta de inclusão estabelecida pelo batismo em Cristo Jesus. Esse batismo não se adequa ao ritualismo de purificação e, sim, à confirmação de que revestidos em Cristo, somos novas criaturas.

De fato todos vocês são filhos de Deus, por meio da fé em Cristo Jesus. Pois todos vocês já foram batizados em Cristo, se revestiram de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vocês são UM só em Cristo Jesus” .

Gl 3, 26-28

O longo processo histórico de desigualdade de gênero, não impediu a luta das mulheres em defesa de sua dignidade e nem o surgimento uma grande aliada: a Teologia Feminista. Esta anuncia um novo conceito no fortalecimento das relações de gênero, encarrega de ser representante do rosto, da voz e do corpo do feminino, resgata o protagonismo de personagens bíblicos e históricos que resistiram e resistem a invisibilidade no palco da vida.

Quando se trata de discutir temáticas relacionadas à emancipação da mulher para dentro das casas, das igrejas e das comunidades, infelizmente, as mentes, os corações e as portas se fecham. Não há espaço livre para o diálogo. A Teologia Feminista passa a ser considerada por muitos como uma “aberração” na definição da supremacia androcêntrica e machista. É um trabalho árduo desmistificar a imagem criada e imposta ao feminino para definir o papel da mulher no meio em que vive – sedutora, pecadora, dona de casa, esposa e mãe.

Maria Madalena é apenas um exemplo conhecido das muitas mulheres difamadas. Ela foi injustamente retratada na Igreja Católica pelo papa Gregório, “o grande” (540-604) como pecadora e prostituta.

Em 2016,

“o papa Francisco fez justiça e elevou Maria Madalena ao status de apóstola, não mais como a sua imagem estigmatizada como prostituta, mas como parte integral da comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus e modelo de libertação para os coletivos femininos, que estão dentro e fora da Igreja Católica”.

https://domtotal.com/noticia/1385901/2019/09/papa-confirma-maria-madalena-foi-apostola/

A Teologia Feminista busca libertar tais estigmas e outros termos desqualificados expressos por misóginos. Contudo, fica mais complicado quando essas instituições dominantes instigam a uma leitura fundamentalista. “Está escrito na Bíblia”, alegam, tentando bloquear qualquer reflexão. Como parceira das mulheres, mesmo não sendo reconhecida e aceita por muitas delas, a Teologia Feminista faz provocações no sentido de revelar que muitos dos textos bíblicos contribuem para legitimar o patriarcado social. Neste, o homem entende ser o estereótipo, exclusivo na representação coletiva. No ambiente eclesiástico, por meio da alegada sucessão apostólica, no caso da Igreja Católica Apostólica Romana, pelo sacramento da Ordem, todos os bispos (homens) legitimamente consagrados, em comunhão com o papa (o sucessor de Pedro), são todos sucessores dos doze.

Se somente os homens são detentores da sucessão apostólica, como fica a questão de obter o sacramento da Ordem para as mulheres? Como se define a legitimidade da mulher consagrada e da leiga?

Fica evidente que por todos os lados os principais postos de poder e de decisões são ocupados pelo sexo masculino. Esse é o retrato da sociedade patriarcal, machista, onde a mulher fica submissa ao pai, aos irmãos, ao marido, aos teólogos da religião, aos governantes. É preciso dar um basta a toda e qualquer discriminação!

De acordo com a tradição, Maria Madalena foi chamada de “apóstola dos apóstolos”. Foi ela a primeira anunciadora e testemunha da Ressurreição de Jesus Cristo. É necessário usar a perspicácia para compreender como os homens, com poder opressivo, transformaram e reduziram, ao longo da história, esta mulher de coragem e sabedoria a uma pecadora arrependida, prostituta e possuidora de sete espíritos maus. Essa criminalização de Maria Madalena só interessa a reprodução do machismo e do patriarcalismo. Maria Madalena foi uma das discípulas mais destacadas da Galiléia.

Cabe aqui discernir que ser discípulo ou discípula não é apenas ser seguidor(a) de ideias, mas cuidar das vidas que sofrem desmedidamente. É expressar, na prática, a palavra de Jesus que, mais tarde, vai aparecer escrita no Evangelho do Discípulo Amado; “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Nas últimas três décadas, os estudos bíblicos e as teologias críticas feministas demostraram que Miriam de Magdala não foi uma pecadora ou mulher decaída, mas uma liderança do movimento judaico que recebeu o nome de Jesus (Movimento de Jesus). Chamada pela Sabedoria Divina, Maria Madalena buscou viver e modelar uma comunidade de iguais voltada para o discipulado. Pode-se concluir que Maria de Magdala é espelho para a luta feminista, ícone da Teologia Feminista.

PARA REFLETIR…

Muitas perguntas e inquietações surgem sem respostas. Jesus fazia mais perguntas do que dava respostas (Mc 8,17-21). Vejamos:

  1. Como a Igreja hoje pode abrir-se a discussão da questão de gênero e promover a construção de novas relações de gênero distintas das práticas patriarcais?
  2. Como e quando a mulher leiga ou consagrada fará parte da toma de decisões que afetam a vida das comunidades cristãs?

CONCLUSÃO  

Trilhar novos caminhos, questionar e analisar de forma racional e inteligente é um grande passo, desalienar e perceber que se a Bíblia pode ser instrumento de dominação pela parte masculina, também pode ser instrumento de inclusão para a parte feminina e lhes conferir autoridade, liberdade e equidade.

Nós mulheres queremos igualdade de direitos, uma caminhada integral na dança do amor que se desagua na plenitude da vida. Para que uma transformação aconteça é imprescindível que haja uma profunda mudança de mentalidade, de ideias, de pensamento: “metanóia”. Somente assim poderemos entender que homens e mulheres são portadores do Espírito, que este não se detém diante das diferenças de sexo. Juntos somos chamados a construir um projeto de vida que seja voltado para o humanismo inclusivo, inspirado na prática libertadora de Jesus.

Os membros do clero são convidados a perceber a influência do patriarcalismo, a rever seus conceitos, atitudes e ações diante de um sistema cultural que fere, exclui, escraviza e, muitas vezes, mata. Descer do pedestal do triunfalismo e pisar no “terreno árido” das relações humanas que se encontram desgastadas pelo sistema patriarcal.

A utopia ativa nos faz voar, sonhar, acreditar em uma Igreja acolhedora, cuidadora, inclusiva, aberta, dialogal, de escuta. Como nos anunciou o grande profeta Dom Helder Câmara: Que tua mão ajude a voar, mas que jamais ela tome o lugar das asas”.

Jesus ensinava que os problemas humanos são mais urgentes, e que discussões teóricas (Leis) e ritos não são tão necessários quanto resgatar a dignidade humana e as suas relações fraternais. Essa é uma das propostas de Jesus para atingir a justiça. 

O terreno é árido, mas abre-se possibilidades: caminhos e oportunidades de cultivar um grande jardim. Na singeleza da minha experiência de vida, concordo plenamente com as questões abordadas pela teóloga luterana Wanda Deifelt. Sonhamos juntas um “lugar ao sol” para as mulheres, lugar que reconhece a sua igual dignidade humana, na sociedade e na Igreja.

Que a Divina Ruah, com o seu dinamismo, ternura, cuidado, amorosidade e sabedoria possa romper barreiras e construir pontes que conduzam a uma ação evangelizadora criadora e transformadora em defesa da vida.

Quero terminar esta reflexão com um poema que fiz para expressar esta utopia:

Maria Flor, leveza da mulher!

Por Vânia de Fátima Fonseca Pinto

Sou mulher,

Jovem ou idosa,

Branca ou negra,

Sou o que eu quiser.

Cobiçada pelo sexo, carente de amor,

o meu corpo não convida,

mas isso nunca adiantou.

Meu país? Intermitente!

Muita política que ninguém entende.

Muita coisa privada que deveria ser pública.

Muita coisa pública que deveria ser privada.

Sou mulher,

O Sistema não me adotou!

Sou de uma religião sem nome,

Caracterizada pela expressão do Amor,

É forte e grita: 

Serei amada e respeitada!

Sou mulher,

Sou o que eu quiser!

Meu poder foi conquistado.

Meu valor ainda é negado,

Mesmo sendo ilegal!

Não sou melhor,

também não sou pior.

Só quero ser igual.

Sou mulher,

Sou o que eu quiser!

Quando Deus me criou,

no céu, a lua cheia brilhava,

nos campos, as flores desabrochavam nas mais vivas cores,

o frescor da brisa assoviava perto da cachoeira,

grandiosa e fluida,

que desaguava em duras rochas,

fortes e resistentes.

Nessa paisagem, Deus se inspirou!

E hoje perfeita sou:

lua, flor, brisa, cachoeira, rocha e mulher.

Sou o que eu quiser!

Salve Maria Flor!

Todas somos Marias na vida,

Como dizia o poeta,

“Maria, uma mulher

que deve viver e amar

como outra qualquer do planeta”.

Mas nunca deixemos de ser Flor!

Viver é amar, sorrir, sonhar, realizar, desejar!

REFERÊNCIAS

BOHN, Ildo Gass. As Primeiras Comunidades – Novo Testamento. Módulo 10. Curso de Bíblia por Correspondência: CEBI, 2003, p. 77-79.

PEREIRA, Sandra Regina. As mulheres e o Patriarcado nas Comunidades Paulinas, PNV 329, São Leopoldo: CEBI, 2015.

BENCKE, Romi Márcia. Ecumenismo e Feminismo, Parcerias da casa comum, PNV 298 CEBI – São Leopoldo/RS, 2012, p. 39.

FIORENZA, Elisabeth Schüssler. Caminhos da Sabedoria. Uma Introdução à Interpretação Bíblica Feminista. São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2009.

SCHOTTROFF, Luise; SCHROER, Silvia; WACKER, Marie-Theres. Exegese feminista: resultados de pesquisas bíblicas a partir da perspectiva de mulheres. São Leopoldo: Sinodal/Faculdades EST/CEBI; São Paulo: ASTE, 2008, p. 185.

MUSSKOPF, André; BLASI, Marcia (Orgs). Ainda feminismo e gênero. Histórias, gênero e sexualidade, sexismo, violência e políticas públicas, religião e teologia, São Leopoldo/RS: CEBI, 2014.

IHU ON LINE. “Maria Madalena e as discípulas de Jesus. Protagonistas que resistem a um apagamento”. Entrevista com a teóloga luterana Wanda Deifelt, em 17 de julho de 2016. Elaborada por João Vitor Santos. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/557752-maria-madalena-e-as-discipulas-de-jesus-protagonistas-que-resistem-a-um-apagamento-entrevista-especial-com-wanda-deifelt>. Acesso em: set 2021.

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https://observatoriodaevangelizacao.com/fortalecendo-as-relacoes-de-genero-para-a-igreja-um-terreno-arido-que-pode-se-transformar-em-jardim-com-a-palavra-vania-de-fatima-fonseca-pinto/feed/ 1 41923
“Vislumbrando o ministério feminino: Um discipulado de iguais”, com a palavra Vera Lúcia Nogueira https://observatoriodaevangelizacao.com/vislumbrando-o-ministerio-feminino-um-discipulado-de-iguais-com-a-palavra-vania-lucia-nogueira/ Fri, 17 Sep 2021 10:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40973 [Leia mais...]]]> O texto a seguir foi elaborado pela aluna Vera Lúcia Nogueira para o seminário promovido pela disciplina Pedagogia Dialógica Participativa, Corresponsabilidade e Ação Pastoral, ministrada pelo prof. dr. Edward Guimarães no curso de pós-gradução em Teologia Pastoral da PUC Minas.

Confira:

Vislumbrando o ministério feminino:

Um discipulado de iguais

RESUMO

O princípio norteador deste trabalho é o de buscar compreender a dinâmica pedagógica da fé e a contribuição das mulheres nesta caminhada do conhecimento e fazer pastoral em tempos contemporâneos. Como também, o valor dado pelo mistério de Deus, que se adquire pela sabedoria através da comunhão com o Espírito, e que age em nós, uma formação atuante, dialógica e, participativa, em sua comunidade. Frente aos desafios surgidos no processo de uma nova cultura contemporânea, requerente de uma fé esclarecida, é indispensável repensar a importância do papel da mulher na dinâmica de um fazer ativo, caminhante e atuante em suas raízes, tendo uma abordagem histórica social consciente, que dialogue com os demais atores e tradições religiosas. Faz-se necessário uma nova visão pedagógica, concatenada à uma também nova Pastoral, situada em um contexto urbano e feminino. Para tanto, precisamos analisar: a participação das mulheres e as vivências sociais por elas experienciadas nas comunidades, a importância da fé na dinâmica de uma abordagem histórico social; as dificuldades do ministério feminino num contexto patriarcal, fator produtor da necessidade de um novo fazer pedagógico na ação pastoral, com a finalidade de dar condições de possibilidade a um discipulado de iguais, vislumbrando a prática de um ministério feminino.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é compreender o porquê de a Igreja resistir em ordenar as mulheres para o diaconato e os outros ministérios. Além disso, pretende entender qual origem do preconceito contra as mulheres no âmbito eclesial.

A fim de explicitar e operacionalizar os objetivos indicados neste trabalho, a metodologia utilizada pretende demonstrar através da análise de palestras, entrevistas, bem como a leitura de artigos publicados por teólogas femininas/feministas como poderíamos pensar as vertentes de atuação das mulheres no fazer feminino/ feminista da vida social e religiosa.

Além disso, ambiciono tentar avançar na compreensão sobre alguns aspectos e dificuldades que acabam por prejudicar o dinamismo de um discipulado baseado na igualdade. Pretendo discutir as implicações de tais entraves na vida das mulheres dentro da Igreja, investigando se a resistência da Igreja em manter a não aceitação de um Ministério Feminino não acaba por obstaculizar uma visão mais igualitária das mulheres dentro das comunidades. Pretendo, com isso, criar condições para pensarmos em uma vida religiosa feminina emancipada, ao menos dentro do ambiente da Eclésia.

DESENVOLVIMENTO

Muitas são as minhas inquietações no que se refere ao papel da mulher na Igreja e sobre o porquê do feminino estar sempre em segundo plano no contexto religioso, com as mulheres estando sempre cerceadas no direito de tomar a palavra. Busquei conhecer, nas Escrituras, como as mulheres atuavam e, também, a origem do preconceito sexista, identificável, por exemplo, na negação às mulheres do direito ao diaconato, ou mesmo, do ministério ordenado. Sempre imaginei Deus como Pai e Mãe em minha vida, pois sinto sua proteção como meus pais sempre o fizerem para minha segurança em meu processo de desenvolvimento. As duas imagens de Deus Pai e Deus Mãe, para mim, se completam, porém, percebo que acabo por usar mais a figura masculina, devido ao que a tradição cultivou longamente em nosso imaginário, sem questionar ou pensar no porquê desta permanência, ou de outra forma, qual seria o óbice a uma outra possibilidade.

A Bíblia é um livro que precisamos aprender a ler e a ler, inclusive, nas entrelinhas, interpretando-o com perícia e percebendo, explicita ou implicitamente, como as mulheres fizeram sua história, tanto na interpretação, quanto no próprio texto. O texto é traspassado pelo feminino em diversos pontos, mas, muitas vezes, devido ao contexto opressivo, não é lido, ouvido ou interpretado adequadamente. Ver o texto bíblico sobre a ótica feminina nos remete a Gn 2, 20-23. Na formação do mundo, Deus não encontrou auxiliar que correspondesse ao homem e criou a mulher, Eva, que olhando pelo prisma de uma “narrativa de rebeldia”, decide comer do fruto da árvore do conhecimento. Em Gn 13,16, Sara mostra a determinação de uma mulher para alcançar seu objetivo, assim como Raquel em Gn 31 demonstra sua resistência ao enfrentar o pai Labão, ‘roubando os ídolos domésticos’ que lhe pertencia por herança e evoca a lei do “impuro”. A profetisa e juíza Débora teve um ministério reconhecido como o daquela que liderou a libertação do povo de Israel da opressão dos Cananeus (Jz 5), era respeitada como uma “mãe em Israel” (Jz 5, 7). Outras mulheres de igual valor, pela luta e resistência, deixaram sua marca registrada no Primeiro Testamento como Rute (Rt 1-4), Judite (1-16), Ester (1-10). No Segundo Testamento, as mulheres se fazem presente e assumem a importância do feminino na construção do “Caminho”, como Maria, mãe de Jesus, mulher que aceita o serviço de Serva do Senhor (Mt 1) e estimula Jesus ao ministério nas Núpcias de Caná (Jo 2), como também Maria Madalena, a Apóstola da ressurreição (Jo 20). Outras mulheres se destacaram no movimento das comunidades cristãs primitivas, como registrado pelas Cartas Paulinas (Rm 16, 1-16); temos a efetiva atuação das mulheres como Priscila; de Febe, esta, portadora de modo específico do título de diaconisa, além do ministério eclesial de anúncio da Palavra; Júnia, a apóstola; além de Pérside; Trifena; Trifosa; Júlia e Olimpas, mulheres que, com suas ações e seus corpos, tomaram a palavra e foram o rosto feminino de Jesus Cristo na formação das Comunidades cristãs primitivas. Estas mulheres tinham como objetivo recuperar a palavra profética e não deixaram apagar a chama do Anúncio da Boa nova e, até hoje, nos inspiram.

Posteriormente, o arquétipo do feminino ficou concentrado na figura das “mães da igreja”, mulheres viúvas às quais a Igreja atribuiu a tarefa da oração e das obras de caridade, suprindo as necessidades de pregadores itinerantes. Assim, ao longo do tempo, as mulheres foram colocadas numa posição de subordinação à autoridade do marido ou do clero sacerdotal. Alguns padres da Igreja alimentaram o preconceito em relação a sexofobia como Agostinho de Hipona, Tertuliano, Tomás de Aquino, entre outros. As Igrejas do Oriente aceitavam a ordenação diaconal feminina, mas essa prática não foi aceita no ocidente e foi eivada de críticas em diversos sínodos.

As mulheres precisam partir para o movimento de tomar a palavra, usar seus corpos e suas vozes para mostrarem seu valor; sua capacidade inequívoca de estar nos espaços que desejarem. Nesta memória de tantas mulheres no fazer religioso e eclesial, é possível apontar para práticas de relacionamentos sociais, políticos, religiosos e raciais, marcados pela opressão sobre a figura feminina. No entanto, emergem com grande potência, também, o tanto que representam para nós, mulheres, a força deste fazer feminino. Isto, pois, há resistências reveladas em toda a Escritura Sagrada. Para nós, mais do que nunca, se apresenta o convite para sairmos do contexto patriarcal em todos os níveis, o que se impõe não apenas como uma exigência de justiça em relação a nós mesmas, mas também às nossas antepassadas, constituindo, também, uma forma de pavimentar uma Igreja melhor para as gerações de mulheres que virão no futuro. Isto só será possível com o empoderamento da mulher, em sua luta por direitos iguais, inclusive dentro do espaço religioso.

Percebe-se, em quase todos os livros da Bíblia, uma estrutura patriarcal, a partir de uma perspectiva masculina e suas preocupações, demostrando que a boa mulher é aquela que obedece a lei. ‘O feminino, na estrutura literária bíblica, abusa do excludente e a mulher é colocada como mãe, amiga, irmã, esposa, amante, adúltera, estranha, estrangeira, prostituta, mesmo as mulheres detendo sabedoria’. Era-lhes podado o direito de tomar a palavra e, isto, é algo que continuamos a ver nos nossos tempos. [1]

Conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei determina. Se, porém, queres aprender alguma coisa, interroguem em casa a seu próprio marido; porque para a mulher é vergonhoso falar na igreja. [2]


Causa espanto que das 93 mulheres que existem na Bíblia, 49 são citadas e estas falam um total de 14.056 palavras coletivamente, cerca de 1,1% do total de palavras do livro sagrado. Maria, a mãe de Jesus, pronuncia 191 palavras, Maria Madalena, 61, e Sara, esposa de Abraão, 141 palavras.[3] Muitos dos escritos apresentam as diferentes experiências das mulheres nas comunidades cristãs primitivas e, também, o papel que nelas as mulheres representaram para a constituição destas eclesias, constituindo grande exemplo para as mulheres contemporâneas. As mulheres devem tomar a palavra nas rodas de conversas e em todos os espaços, demonstrando seu saber e posicionamentos, para assim conseguirem atingir seus objetivos.

Em Pr 1, 13, lemos: “Apega-te à Sabedoria e não a largues; guarda-a, porque ela é a tua vida” temos um sopro de luz, uma vez que o autor considera importante fazer memória da sabedoria. Podemos ressignificar este verso por um novo olhar, como o lançado sobre o universo feminino por mulheres que tomaram a palavra na sociedade brasileira, como a professora mineira Maria Lacerda de Moura, uma das pioneiras do anarco-feminismo no Brasil. Esta intelectual produziu artigos anarquistas tratando de questões como: educação literária, anticlericalismo e emancipação da mulher. Assim como a imigrante italiana Marietta Baderna, uma notável dançarina do Teatro Municipal, no tempo do Imperador D. Pedro II, líder de greves e dos movimentos abolicionistas, com importante contribuição para a formação de quilombos no Rio de Janeiro. Também a sabedoria de Maria Escolástica da Conceição Nazaré, conhecida como Mãe Menininha do Gantois, com liderança extremamente importante para a liberdade religiosa do Candomblé, se destacando por socializar a religião de matriz africana entre intelectuais, artistas, políticos e religiosos de outras tradições. Devemos nos lembrar, de igual modo, da médica Nise Magalhães da Silveira, que trouxe um novo olhar para a psiquiatria, revolucionando o tratamento da saúde mental. Na tradição indígena, a Mestra Maria Muniz, da tribo Pataxó Hã-hã-hãe, criada junto aos Tupinambás, denominando-se como uma Tupinaxó e, com isto, dedicando-se a retomada da cultura de seu povo, notadamente por meio da luta no processo organizacional para a educação indígena, em especial na Aldeia Caramuru Paraguaçu.[4] Tal empreendimento favoreceu a aliança com outros povos. Vale lembrar, também, que a Mestra Maria Muniz fora a guardiã de sementes crioulas, assim como Vovó Bernaldina, esta, mestre dos saberes do povo Macuxi da comunidade Maturuca, na Terra indígena Raposa Serra do Sol, de Roraima. Vovó Bernaldina faleceu em junho de 2020, em decorrência da pandemia do Covid 19. De maneira igualmente recente, devemos lembrar de Marielle Franco, vereadora carioca assassinada em 2018, conhecida internacionalmente pela formulação de projetos de leis com pautas em defesa do direito da população LGBTQI+ e das mulheres pretas e faveladas.

A teóloga Ivone Gebara, uma freira católica de descendência sírio-libanesa, com vinculação à Teologia da Libertação, é outro exemplo de mulher com atuação nos movimentos sociais e políticos na periferia do Recife, pautando suas atividades na perspectiva da libertação dos pobres. Ao narrar sua inserção no mundo feminista, ela rememora que ao trabalhar o estudo da Bíblia com um grupo de mulheres nas casas dos operários e, ao interpelar uma das mulheres que exercia o papel social de esposa, esta alegou não participar das aulas devido às atividades “do lar”. Ao ser confrontada, a mesma mulher fora categórica em responder: “Você não entende porque não quero participar de suas conversas, porque não fala a partir de nós”.[5] Uma mulher muito simples e sem estudos conseguiu abrir-lhe os olhos para sua condição de mulher na Igreja. Posteriormente, seu caminho na teologia feminista se intensificou com a aproximação junto à grupos feministas, como o “SOS corpo, democracia e cidadania”, de Recife. Neste espaço de fazer feminista, ao ser questionada sobre a natureza da perspectiva teológica que trazia ao focalizar a questão das mulheres no espaço eclesial, Gebara fora provocada a repensar suas bases teológicas, o que a conduziu a um aprofundamento na elaboração teórica sobre temas como aborto e sexualidade, fazendo-a refletir sobre o impacto de tais ideias sobre a vida das mulheres. Instigada por tais inquietações, Gebara se viu na defesa da causa da mulher e trouxe certo incômodo para a Igreja, por esta considerá-la “uma pessoa ingênua que precisava aprender novamente a doutrina católica”. Fora enviada para o exterior e respondeu a processos no Vaticano, por querer tomar a palavra e desconstruir o discurso religioso justificador de uma pretensa superioridade masculina, bem como de um Deus misógino, identificado com certa concepção do masculino. Ela não pertence a nenhum movimento feminista determinado, mas transita por todos eles, como o grupo Católicas pelo Direito de Decidir, e continua como livre pensadora, ministrando suas palestras sob o epíteto teóloga feminista.

CONCLUSÃO

Com a mulher sempre no papel de penitente e piedosa, a Igreja Católica nunca abriu espaço para que se vislumbrasse o ministério feminino, tendo nas leis apenas a admissão de exceção em caso de não se poder dispor de um homem, ou se houver “bom motivo”. Quanto à ordenação feminina, a posição de não as admitir, segundo determinada leitura, está baseada nos fundamentos da Sagrada Escritura, como afirmou o papa João Paulo II no Documento Pontifício Ordinatio Sacerdotalis, de 1994:[6]

[…] não é admissível ordenar mulheres para o sacerdócio, por razões verdadeiramente fundamentais. Estas razões compreendem: o exemplo-registrado na Sagrada Escritura de Cristo, que escolheu os seus Apóstolos só de entre os homens; a prática constante da Igreja, que imitou Cristo ao escolher só homens; e o seu magistério vivo, o qual coerentemente estabeleceu que a exclusão das mulheres do sacerdócio está em harmonia com o plano de Deus para a sua Igreja.

A sucessão apostólica, no caso, a Igreja Católica Apostólica de Roma, define a partir do sacramento da Ordem, que todos os bispos (homens) legitimamente consagrados, em comunhão com o papa (o sucessor de Pedro), são em sua totalidade sucessores dos doze. Contudo, resta-nos indagar: Onde estão as “Marias Madalenas”? Necessitamos de menos discurso machistas e, pelo contrário, de mais inclusão.

A proposta de “discipulado de iguais”, suscitada pela Teologia Feminista, quer ser uma resposta cristã articulada e eficaz para todas essas questões desafiadoras que se apresentam à ação evangelizadora de hoje. Que tenhamos muitas outras diaconisas como ocorreu no primeiro Sínodo da Amazônia.

A pertença religiosa das mulheres está fundamentada, também, em seu direito de decidir sobre seus corpos e dirimir o pensamento patriarcal da Igreja, pela assunção do ministério diaconal ou ordenado. A igualdade, aliada ao termo discipulado, é ter igual oportunidade de, sendo mulher, seguir como discípula o Caminho de Jesus, e se isto significa adentrar a nova comunidade eclesial para fortalecer e dinamizar a ação evangelizadora, que lhes seja concedido a formação e a ordenação. As Escrituras Sagradas do Novo Testamento deixam claro pelas Cartas Paulinas, a efetiva participação de mulheres como Febe. Esta, ao receber o título de diaconisa, (Rm 16,1) recebera de um modo específico pelo Apóstolo Paulo o ministério eclesial de anúncio da Palavra. Ele divulga que nas relações de gênero é imprescindível a relação de parceria, de complementariedade, de respeito às diferenças. As “igrejas domésticas” helenistas rompem com o modelo patriarcal, com a ordem hierárquica da casa greco-romana, vivendo relações de igualdade.

Reafirmo, assim, a tese da teóloga Nancy Pereira, que indicara a necessidade da mulher tomar a palavra, ocupando, inclusive, seu espaço no universo eclesial, se esta for sua vontade. Neste sentido, é motivo de grande admiração a vida de Ivone Gebara, por enfrentar consequências duras ao defender as mulheres no seu direito de decidir sobre seus corpos. Além disso, é de grande importância que ela some sua voz também na luta pela aprovação do Ministério Feminino Diaconal, por ser uma teóloga de uma Congregação Católica. Certamente, sua palavra irá ecoar em consonância com outras mulheres leigas, cristãs, desejosas de uma atuação mais efetiva no Serviço Eclesial.

NOTAS

[1] Pereira, Nancy Cardoso, Palestra CEBI- MG, julho 2021;

[2] 1Cor 14,34-35. A Bíblia Sagrada, Almeida João Ferreira- SP- Sociedade Bíblica do Brasil,1993;

[3] Retirado de: https://www.huffpost.com/entry/bible-womwen-words_n_6608282. Acesso em:
27/07/21;

[4] IHU-Entrevista com Ivone Gebara: Uma clara opção pelos direitos das mulheres- por Jonas, 25 de julho de 2012;

[5] Veja nota 04;

[6] Documento Pontifício, João Paulo II, Ordinatio Sacerdotalis,1994, p.1.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, JOÃO FERREIRA. A Bíblia Sagrada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil,1993.

BRASIL DE FATO. Entrevista com Ivone Gebara. Por Débora Britto (Marco Zero Conteúdo), Recife, 18 de julho de 2019.

DOCUMENTOS PONTIFÍCIOS. João Paulo II. Ordinatio Sacerdotalis, Roma: Vaticano, 1994.

GEBARA, IVONE. Teologia Ecofeminista – Ensaio para repensar o conhecimento e a religião. Ed. Olho D’água, setembro 1997.

https//www.huffpost.com/entry/bible-womwm-words_n_66082822.

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Entrevista com Ivone Gebara: Uma clara opção pelos direitos das mulheres. Por Jonas, 25 de julho de 2012.

MUNHOZ, Alzira. O “Discipulado de Iguais” como desafio para ação evangelizadora. Feminismo e evangelização: interpelações e perspectivas. 2000. (Dissertação Mestrado em Teologia). São Paulo: Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, 2000.

PEREIRA, Nancy Cardoso. Palestra em Oficina Bíblica On-Line. Cebi – Julho de 2021. In: Revista Encontros Teológicos, nº 70, Ano 30, Número 1/2015, p. 121-125.

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Paradoxos do tempo atual… Um convite ao pensar! https://observatoriodaevangelizacao.com/paradoxos-do-tempo-atual-um-convite-ao-pensar/ Mon, 13 Sep 2021 12:05:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40799 [Leia mais...]]]>
Foto: https://www.haikudeck.com/the-making-of-industrial-society-education-presentation-a2CbNhfck8#slide5

Hoje, no complexo contexto urbano, as pessoas estão morando mais próximas geograficamente, mas, reparem, há mais solidão, depressão e indiferença entre nós; há mais carros possantes e velozes, com estradas mais asfaltadas, mas parece haver mais desencontros, desentendimentos e distâncias entre as pessoas; há mais comércio, sim, mas menos trocas, partilhas e há cada vez maior desigualdade entre as pessoas, com crescente número de excluídas da mesa da vida digna e da cidadania; adquirimos as coisas com maior facilidade, há serviços que trazem os objetos de consumo até nós, mas reparem há maior desperdício e menor tempo de uso. Rápido demais, tudo parece se tornar obsoleto, sem interesse, descartável, inclusive estamos fazendo isso com pessoas, seres vivos, relações afetivas, postos de trabalho…

Diferente do mundo dos pobres e dos excluídos, as casas dos ricos ficam cada vez maiores e protegidas, mas as suas famílias tem se tornado cada vez menores; há mais facilidades, sim, no entanto, nosso tempo livre e os espaços de gratuidade se tornam mais escassos; levamos uma vida mais sedentária e adquirimos mais doenças; há mais diplomas de doutores e de especialistas, mas encontramos mais dificuldades de cultivar um olhar abrangente e de darmos as mãos para juntos buscar soluções coletivas e transdisciplinares; há mais ciências e produções científicas, sim, mas não se pode dizer que estamos mais sábios enquanto humanidade; temos mais tecnologias, isso é evidente, mas há mais desequilíbrios ambientais, desigualdades sociais e maior produção de lixo e desperdícios; gostamos de frequentar as praias, mas jogamos lixo nos mares; há mais avanços na medicina, mas muitas pessoas não têm acesso a ela, não podem pagar planos de saúde e dela são excluídas.

Nova York – Visão Noturna – Documentário Human, de Yann Arthur-Bertrand.

Hoje se frequenta mais as drogarias e os consultórios de psicologia do que as bibliotecas, as praças e parques; há pílulas para quase tudo, mas não para a felicidade e para o bem viver; há mais áreas de lazer, mas, no conviver, há menor alegria, diversão e prazer. As crianças têm mais brinquedos, mas menos criatividade no brincar e no interagir. Anda-se mais rápido, mas estamos quase sempre atrasados e com menor paciência uns com os outros; dorme-se menos e vive-se com mais estresse; passa-se mais tempo diante das telas da TV e do computador, e cada vez temos menor tempo de leitura e reflexão.

Há aumento da produção, mas menor contemplação e realização criativa. Multiplicam-se as posses, mas as concentram em poucas mãos; valoriza-se e cuida-se mais do PIB e das bolsas de valores do que do IDH e do pacto social; há mais propriedades privadas, mas com menor função social; falamos mais e ouvimos menos; temos dificuldade de dialogar; há mais agitação e menos tempo de silêncio; aumentamos a expectativa dos anos de vida, mas sem ampliação de sua qualidade; desejamos viver bem, mas não alcançamos o bem viver; conquistamos, a cada dia mais, o espaço sideral, mas temos dificuldade de conhecer a própria interioridade; conseguimos ir até a Lua e sonhamos habitar o planeta Marte, mas temos, cada vez mais, dificuldade de adentrar ao coração e de respeitar o vizinho; quebramos o núcleo de um átomo de urânio, mas não conseguimos acabar com os preconceitos e discriminações.

Nova York – Visão Noturna – Documentário Human, de Yann Arthur-Bertrand.

Quem conquista mais rendimentos, paulatinamente, parece ficar mais pobres em valores morais ou humanidade; os mais abastados acumulam ainda mais fortuna e fartura, mas conseguem viver tranquilos sem universalizar os direitos humanos. E o pior, conseguem conviver com a miséria e a fome de tantas pessoas. se desenvolvemos mais obesidade, bulimia, anorexia, aporofobia e perdemos mais a noção do autocontrole, da saciedade, da necessidade da partilha e da solidariedade; vivemos com inteligentes smartphones nas mãos, mas, ao que parece, diminuímos a capacidade de comunicação e de entendimento nas relações familiares e sociais; passamos mais tempo conectados do que na convivência interpessoal; cultivamos mais a realidade virtual do que a proximidade e o contato afetivo; adquirimos maior acesso a informação, mas aceitamos passivamente fakenews, posturas negacionistas e temos a sensação de termos menor conhecimento da realidade em que vivemos.

Diante de tantos paradoxos, que tal tirarmos um tempo para contemplar a vida que estamos a levar, refletir e discernir juntos, em rodas de conversa, com familiares e amigos, os caminhos a seguir: Para onde estamos indo? Onde queremos chegar? O que é necessário para avançarmos na arte de conviver e amar? Que tal partilhar o que pensamos sobre a justiça, a paz, a felicidade e o bem viver?

Edward Guimarães

Edward Guimarães

Educador e teólogo leigo

Secretário Executivo do Observatório da Evangelização

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No ano do Centenário da Arquidiocese de Belo Horizonte, o marco celebrativo dos 50 anos do “Mês da Bíblia” (1971-2021) https://observatoriodaevangelizacao.com/no-ano-do-centenario-da-arquidiocese-de-belo-horizonte-o-marco-celebrativo-dos-50-anos-do-mes-da-biblia-1971-2021/ Thu, 09 Sep 2021 19:35:34 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40150 [Leia mais...]]]> Que a tua Palavra, Senhor, encarnada em Jesus Cristo, seja lâmpada para a nossa ação evangelizadora e luz no discernimento dos caminhos a seguir…

No Jubileu de Ouro da fundação da Arquidiocese de Belo Horizonte (1921-1971), há 50 anos atrás, dom João Resende Costa (1910-2007) promoveu uma consulta às pastorais, comunidades religiosas, paróquias sobre sugestões para bem celebrar, de forma pastoral, o significativo marco simbólico.

As Irmãs Paulinas, que já vinham desenvolvendo no Brasil um trabalho de evangelização centrado na Palavra de Deus (semanas e missões bíblicas), apresentaram uma proposta a dom João Resende Costa e ao Conselho Presbiteral, que foi acolhida imediatamente. Nas palavras de Ir. Neli Manfio, fsp,

a proposta de realizarmos um vasto e profundo movimento bíblico durante o mês de setembro, que atingisse todos os segmentos da Arquidiocese: paróquias, colégios, escolas, hospitais, penitenciárias, meios de comunicação etc.

BATISTA; SILVANO, 2021, p. 71

As Irmãs Paulinas, ir. Eugênia Pandolfo e ir. Neli Manfio, já na proposta inicial afirmavam que assumiriam esta tarefa, mas com o apoio e a ajuda de algum membro da Igreja local. Assim, em junho de 1971, “o Conselho Presbiteral decidiu que o pe. Antônio Gonçalves (1933-2014) e o pe. Paulo Lopes de Faria (1931-2009) comporiam com as Irmãs Paulinas a Equipe de Coordenação do Mês da Bíblia” (BATISTA; SILVANO, 2021, p. 71).

Já na primeira reunião a Equipe de Coordenação do Mês da Bíblia definiu como objetivos:

a) infundir no povo a convicção que a Bíblia, Palavra de Deus, é por excelência o livro que deve ser inserido na vida de cada um;

b) fazer com que as famílias sintam a necessidade de ter em casa a Bíblia e transformá-la em livro de cabeceira;

c) por ocasião do Mês da Bíblia, constituir na Arquidiocese de Belo Horizonte um Centro Bíblico.

BATISTA; SILVANO, 2021, p. 71-72

Para se alcançar tais objetivos, buscou-se envolver os meios de comunicação social disponíveis na época: rádio, jornal e TV. Além disso, impulsionou-se, por meio de reuniões, um amplo processo participativo e corresponsável, com várias comissões – de comunicação e publicidade, de estudos bíblicos, de exposição bíblica, de grupos de oração, de grupos de jovens, de liturgia etc. – e equipes de leigos e leigas, engajados nas diversas pastorais, envolvendo de forma estratégica as grandes estruturas com presença eclesial: paróquias, colégios, hospitais, presídios etc.

O mês de setembro foi escolhido porque “desde 1947 já se celebrava em todo o Brasil, no último domingo, o Dia da Bíblia, na proximidade da festa de São Jerônimo, no dia 30 de setembro. O lema escolhido para o primeiro Mês da Bíblia foi tirado do refrão da música “Jesus Cristo”, de Roberto Carlos, que fazia grande sucesso na época: “Jesus Cristo, eu estou aqui”.

O resultado foi surpreendente cursos de formação para animadores oriundos das 113 paróquias da Arquidiocese, milhares de famílias adquiriram a Bíblia, nasceu um programa de TV centrando no comentário do Evangelho do domingo e a verdadeira proliferação de mais de setecentos pequenos grupos de leitura, oração e reflexão, os chamados Círculos Bíblicos que contaram com a preciosa colaboração do Frei Carlos Mesters.

Foram realizadas muitas e diversificadas atividades envolvendo a Bíblia. Em todas elas, uma mensagem de fundo: que uma das formas privilegiadas de se experimentar a proximidade amorosa de Deus se concretiza através da luz irradiada da leitura e do estudo da Palavra de Deus. Como diz o Salmo 119, 105: “A Tua Palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho!

A experiência foi tão rica e frutuosa que, no final do mês, surgiu um grande apelo: que a celebração do “Mês da Bíblia” fosse assumida oficialmente na caminhada da Arquidiocese de Belo Horizonte.

Para maiores informações…

Recomendamos a leitura do maravilhoso estudo que está consignado no livro que foi lançado este mês pelas Edições Paulinas:

BATISTA, Edinaldo Medina; SILVANO, Zuleica, fsp. 50 anos 1971-2021 Mês da Bíblia: memórias, desafios e perspectivas. São Paulo: Paulinas, 2021.

O Observatório da Evangelização publicará uma série de entrevistas sobre a caminhada dos 50 anos do Mês da Bíblia, aguarde.

Edward Guimarães

Secretário Executivo do Observatório da Evangelização

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Sinodalidade e Assembleia Eclesial Latino-americana e caribenha: Emergência de um tempo novo na Igreja Católica contemporânea? https://observatoriodaevangelizacao.com/sinodalidade-e-assembleia-eclesial-latino-americana-e-caribenha-emergencia-de-um-tempo-novo-na-igreja-catolica-contemporanea/ Thu, 09 Sep 2021 13:39:57 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40640 [Leia mais...]]]> A corresponsabilidade esperada dos batizados nos lança à reflexão sobre a sinodalidade!

Papa Francisco tem impulsionado processos eclesiais significativos como o Sínodo para a Amazônia e a criação da Ceama (Vatican News)

A sinodalidade é, antes de tudo, uma mentalidade eclesial de quem acolheu a igual dignidade batismal dos cristãos e que, por causa disso, deseja “caminhar juntos”. A mentalidade sinodal desperta e provoca a busca e concretização criativa de uma prática cada vez mais democrática, corresponsável e participativa na vida da Igreja. Pode haver uma sinodalidade restrita, por exemplo, compartilhada somente entre os bispos. Mas também pode haver uma sinodalidade ampla, envolvendo todos os cristãos batizados. Nesta, homens e mulheres que pelo batismo enraizaram suas vidas em Jesus Cristo, atraídos e irmanados pelo projeto amoroso salvífico de Deus Pai, com a força do Espírito Santo, assumem, como projeto de vida, o desafio de concretizar a vida nova pautada no Evangelho da fraternidade universal, da partilha, da justiça e da misericórdia.

Ao pensar sobre a questão inscrita no título deste texto, ocorreu-me a imagem da mulher em dores de parto. No entanto, o uso estilizado desta imagem, com a consequente alegria do nascimento e do prazer de aconchegar a criança nos braços, não diz tudo. Isso porque não evoca nem as condições do longo processo de gestação que o precede, nem o acompanhamento da criança no lento dinamismo histórico de crescimento e conquista paulatina da autonomia e responsabilidade.

Nesse sentido, para melhor compreendermos o atual momento eclesial e o importante projeto de “reforma da Igreja” em curso – há oito anos sendo encetado pelo papa Francisco –, temos que ter presente o momento anterior e os grandes desafios que virão.

Sobre o momento anterior, primeiramente, recordo a profunda crise eclesial agravada a partir das duas Grandes Guerras, advinda do esgotamento do “modelo de cristandade”, que funcionou hegemonicamente na Igreja ao longo dos séculos IV ao XIX. Em segundo lugar, o processo histórico do paulatino surgimento do “sujeito social moderno” na Igreja, com o advento de diversos movimentos de renovação – bíblico, litúrgico, ecumênico, missionário, leigo, teológico, social – que precederam a convocação do Concílio Vaticano II, pelo papa João XXIII, nos inícios dos anos 1960. Em terceiro lugar, o próprio evento do Concílio que impulsionou uma revolução decisiva na autocompreensão da Igreja, no dinamismo de seu agir no mundo e na relação com as outras igrejas cristãs e tradições religiosas. Em quarto lugar, importa ter presente a recepção criativa e corajosa do concílio em nosso continente, recepção consignada de forma simbólica na 2ª Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, em Medellín, no ano de 1968. Este evento eclesial é considerando por muitos o Pentecostes da Igreja dos pobres e com rosto latino-americano. Por fim, não pode ser olvidado, o longo inverno vivido na Igreja, caracterizado por Libanio como um esforço de “volta à grande disciplina” tridentina, após a primavera do Vaticano II.

Se hoje, a partir do fecundo magistério do papa Francisco, fala-se da busca de “uma Igreja pobre e para os pobres”, de uma “Igreja em saída”, de uma “ação evangelizadora não autorreferencial”, de uma “Igreja hospital de campanha”, de uma “Igreja Casa da misericórdia e não de uma alfândega de juízes controladores e dificultadores da graça”, de uma “Igreja toda missionária, servidora e ministerial”, de uma “Amazonização da Igreja”, de uma “Igreja não clerical, mas Povo de Deus a caminho”, de uma “Igreja profundamente sinodal”, dentre outras expressões, é porque, ainda que seja com forte resistência interna e constantes embates provocados por grupos católicos ultraconservadores e com fortes tendências tradicionalistas, há uma recuperação do espírito do Concílio de forma atenta às urgências e desafios do contexto atual.

De fato, o papa Francisco tem impulsionado processos eclesiais significativos que sinalizam e estão a gerar avanços na concretização de uma urgente e necessária reforma na Igreja Católica. Entre estes processos podemos aqui mencionar alguns:

  1. A criação do conselho de cardeais para auxiliá-lo no projeto de reforma da Cúria Romana, já no primeiro ano de seu magistério, e de muitos outros conselhos eclesiais;
  2. A recuperação do papel e uma mudança significativa na dinâmica interna dos sínodos – da família, da juventude, para a Amazônia e, agora, da sinodalidade – de forma a reconhecer maior autonomia e autoridade, tanto nos processos de escuta e de participação quanto na de seus documentos de trabalho e de conclusão;
  3. A recuperação da compreensão da Igreja como comunhão sinodal, “Igreja de Igrejas”, com reconhecimento da autoridade e da autonomia das Igrejas locais com suas conferências episcopais;
  4. O impulso que deu à Igreja da Amazônia: a criação da Repam, a convocação e realização do Sínodo para a Amazônia, a publicação da exortação Querida Amazônia, pela qual reconheceu o Documento de Trabalho resultante da grande escuta e a criação da Conferência Eclesial da Amazônia e não de mais uma Conferência Episcopal. Um verdadeiro laboratório ou fermento de novas práticas eclesiais;
  5. As suas encíclicas Laudato si’ Fratelli tutti, bem como projetos como Economia da Francisco, Pacto Global pela Educação etc. inovaram na linguagem, na abordagem das temáticas e recuperaram certo protagonismo eclesial, com responsabilidade ético humanista, nas grandes discussões candentes da humanidade;
  6. O lançamento de uma Assembleia Eclesial Latino-americana e caribenha, com amplo processo de escuta;
  7. Uma crítica contundente, de forma recorrente e aberta, contra o clericalismo, acompanhada da nomeação estratégica de leigos e leigas para cargos de decisão na cúria e da convocação de um sínodo especial sobre a sinodalidade na Igreja.

Tudo isso sinaliza, de fato, a emergência e o vigor da chegada de um tempo novo no dinamismo eclesial católico contemporâneo? Tudo dependerá do pós-parto, de como cuidaremos da criança que está para nascer. Ou seja, qual será o nosso grau de abertura ao Espírito Santo, ao discernimento dos sinais do tempo e à vontade divina? Que grau de coragem teremos para assumir os processos de conversão pastoral e de fazer uma reforma das estruturas e práticas da Igreja? Qual será a adesão dos cristãos ao novo que nasce? Confesso, sinceramente, que não sei se, para este caso, a afirmação de que “o novo sempre vem” se confirmará, mas, como cristão e teólogo, desejo ardentemente que assim seja.

Sobre o autor

Edward Guimarães

Edward Guimarães é teólogo leigo. Doutor em Ciências da Religião pela PUC Minas e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas, onde atua como secretário executivo do Observatório da Evangelização. Assessor no Regional Leste 2 da CNBB, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da catequese, do ecumenismo e diálogo inter-religioso, pastorais sociais e movimentos populares. Membro da Comunidade Bremen, do grupo Emaús, da atual diretoria da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – SOTER.

Fonte:

www.domtotal.com

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“Ecumenismo: Do conflito à comunhão”, com a palavra Lorena Cristina Sousa Silva https://observatoriodaevangelizacao.com/ecumenismo-do-conflito-a-comunhao-com-a-palavra-lorena-cristina-sousa-silva/ Wed, 08 Sep 2021 20:01:24 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40604 [Leia mais...]]]> O texto a seguir foi elaborado pela aluna Lorena Cristina Sousa Silva para o seminário promovido pela disciplina Pedagogia Dialógica Participativa, Corresponsabilidade e Ação Pastoral, ministrada pelo prof. dr. Edward Guimarães.

Confira:

Ecumenismo: Do conflito à comunhão

Uma vida humana sem reflexão não vale a pena ser vivida.

Sócrates

INTRODUÇÃO

Buscar uma experiência de Jesus Cristo que seja capaz de nos unir na busca de anunciar e testemunhar o Evangelho, de superar muros criados por conceitos e conflitos históricos que dividem a Igreja cristã. Por que até hoje o ecumenismo não funciona pra nós?

O termo “ecumênico” provém da palavra grega οἰκουμένη (oikouméne), que significa mundo habitado. Num sentido mais restrito, emprega-se o termo para os esforços em favor do diálogo e da unidade na pluralidade de igrejas cristãs (microecumenismo); no sentido lato, designa a busca da unidade entre as religiões apesar das diferenças (macroecumenismo ou diálogo inter-religioso).

A divisão cristã é uma realidade dramática que assola a Igreja por séculos. A história das divisões na Igreja é marcada tanto por uma série de mal entendidos, quanto pela falta de disponibilidade para entender as razões do outro. Segundo Elias Wolff, cerca de 2 bilhões de pessoas ao redor do mundo professam a fé em Jesus Cristo, acreditam no seu Evangelho, vivem em comunidades que se entendem como uma concretização da Igreja de Cristo neste mundo e buscam orientar a sua vida no horizonte do Reino de Deus. Mas há um drama no mundo cristão que todos sentem: a divisão nas formas de compreender e viver os ensinamentos do Evangelho e de concretizar o seguimento de Jesus.

Por meio deste trabalho, buscamos entender as razões por trás da divisão e das dificuldades do avanço no ecumenismo e de refletir sobre como a Igreja poderia atuar no sentido de reverter o quadro apresentado.

DESENVOLVIMENTO

Para o autor pesquisado, Elias Wolff, teólogo especialista em ecumenismo, para entender as premissas que separam as igrejas é primordial conhecer a história dos conflitos e divisões, e as razões decisivas para o rompimento da comunhão.

Agregam elementos de caráter cultural e político que, não poucas vezes, se sobrepõe aos propriamente teológicos. Nas querelas entre Egito e Síria, no século IV, por exemplo, estava em jogo o conflito entre as grandes sedes patriarcais. Alexandria lutava ao mesmo tempo contra Antioquia e contra Constantinopla. Antioquia era metrópole da Síria e das regiões que falavam siríaco, herdeiras da cultura semítica. Alexandria era metrópole do Egito e dos povos que falavam copto. Nessas regiões o povo simples falava a língua tradicional e a elite falava grego. Isso configurava as lutas contra a Igreja de Constantinopla como uma luta contra a elite grega, a dominação do império romano que falava o grego de Constantinopla.

Este primeiro fato presente na história das divisões cristãs é pertinente e válido, afinal manifestaram-se as diferenças das culturas grega e oriental que afetaram a compreensão dos dogmas cristológicos (compreensão teológica de Jesus Cristo). Pela explicitação do progressivo distanciamento cultural e religioso entre Ocidente e Oriente, no século XI, o autor do artigo, Elias Wolff, nos provoca pensar sobre o que de fato pesou e influenciou nas questões teológicas que levaram ao cisma, tais como o Filioque (A discussão se o Espírito Santo procede do Pai e do Filho ou somente do Pai é apontada como uma das causas do cisma entre o Ocidente e o Oriente cristão), o uso de pães ázimos na celebração eucarística, a crença no purgatório, a epíclese na consagração eucarística (Invocação do Espírito Santo), bem como as questões culturais e disciplinares como o celibato dos padres e o uso da barba, interpretações que expressam, na verdade, as diferenças de mentalidade entre gregos e latinos.

O fato de compreender de modo diferente os acontecimentos complexos da história passada, como as diferenças que persistem nas questões centrais da nossa fé, não deve dividir-nos para sempre. Nem mesmo as recordações dos acontecimentos do passado deve limitar a liberdade dos esforços atuais para reparar os desastres provocados por tais acontecimentos.

Elias Wolff, cita também o caso do Concílio de Trento, que se propôs, em seu primeiro momento (1546-1547), como um concílio reformador, projetar uma Igreja mais espiritual, um cristianismo menos ritualista e menos jurídico. Falava de “decretos dogmáticos” e “decretos de reforma”. Mas a apologia contra Lutero levou a uma verdadeira “contra-reforma”, institucionalizando e disciplinando a fé, com viés contrário ao que Lutero propunha. Também o Concílio Vaticano I pretendia desenvolver uma compreensão da Igreja sob a noção de corpo de Cristo. E essa noção, de fato, estava presente na primeira redação da proposta deste Concílio. Mas foi superada pela eclesiologia da Igreja como sociedade perfeita, que, levada ao grau máximo, fez a definição dogmática sobre o ministério do papa como Pastor aeternus.

A divisão dos cristãos vai além das divergências sobre determinados elementos da doutrina cristã. Ser cristão da igreja a ou b, por exemplo, ser católico romano, ser ortodoxo, ser protestante luterano, anglicano, metodista ou batista, ser membro de uma entre as muits denominações pentecostais ou neopentecostais diz respeito ao modo de entender e viver o conjunto das verdades do Evangelho. A divergência está no modo de conceber o conjunto do que chamamos fé cristã. Os modos distintos de conceber aos poucos se transformam em diferenças também de conteúdo e constituem uma tradição própria.

Qual a causa mais profunda da divisão na Igreja?

Segundo Elias Wolff, na raiz de todas as causas está o pecado, que se expressa pelo orgulho e a vontade humana em desarmonia com a ação da graça divina. A divisão é, em última instância, expressão do pecado. Como os corações humanos têm dificuldades para se deixarem possuir plenamente pelo Espírito, e muitos, mesmo possuindo “as primícias do Espírito” (Rm 8,23), são ainda governados pela obstinação, fazendo com que a fidelidade ao Evangelho da comunhão e abertura para a graça da unidade não seja plena.

Para divergências de compreensão, culturais ou teológicas, se tornarem e se consolidarem em divisões, muros e separações, muitas outras coisas acontecem e contribuem para tal: a falta de escuta uns dos outros, de busca e de conversão à vontade de Deus, de diálogo fraterno, de respeito mútuo, bem como a sede de poder, de autoritarismo e de tentativa de dominação do outro etc.

Depois de tantas divisões históricas, muitas delas com ações violentas e mortes, é possível superarmos o ódio e os ressentimentos transmitidos de geração em geração? É possível aprendemos a conviver acolhendo o pluralismo e respeitando as diferenças, em nome do Evangelho? Muitos acreditam que sim. É preciso mudança de mentalidades. Muitas experiências de estudo e de práticas ecumênicas estão em curso em muitos lugares entre algumas igrejas. Outras acreditam que não e permanecem fechadas ou olham com desconfiança para a possibilidade histórica do ecumenismo. O ecumenismo está entre os maiores desafios para todos os cristãos. Há alguma pedagogia pastoral que pode ajudar a avançarmos no ecumenismo? E você, o que pensa sobre isso?

PARA REFLETIR…

Diante do imenso desafio do ecumenismo, duas questões para a discussão:

1. Por que avançamos tão pouco no ecumenismo, ou seja, por que ele não funciona tanto em nossa caminhada de fé?

2. Qual(is) a(s) causa(s) mais profunda(s) de divisão na Igreja de Jesus Cristo?

CONCLUSÃO

Sobre o desafio do ecumenismo, concordo com o autor lido, a realidade da divisão da Igreja nos leva a pensar que “as divisões são sim obras do homem, mas são também permitidas por Deus“. Nelas se verifica uma divisão dos espíritos, mediante a qual deve vir à luz a fidelidade dos cristãos. Afinal, não devemos pedir a ninguém que renuncie às próprias convicções sobre a verdade eterna, mas todos devem abandonar o que deve ser abandonado, no interesse da unidade e do que se pode desfazer em boa consciência.

O autor fala algo que me provocou muito, ele diz: Muitas vezes ‘a parte de verdade irrenunciável’ que habita cada igreja corre sempre o risco de ser também o lugar da própria perversão – isto me traz convicção que por trás de grandes sermões existem grandes perversões, se Cristo é inclusivo e veio ao mundo pra nos salvar e somar junto, porque estamos usando do fato pra fatiar?

Com isto, acredito que a forma de dar a volta por cima e fazer deste limão uma limonada é trabalhar em movimentos que buscam fortalecer equipes para ações sociais ecumênicas de forma criativa. Na cidade onde eu resido, por exemplo, há um fluxo de migrantes gigantesco, pois Nova Serrana é a capital do calçado esportivo e atrai muitas famílias em busca de um futuro melhor e emprego.

Em resposta ao desafio pastoral para promover o ecumenismo, algumas sugestões práticas:

  • 1. Criar a casa da sopa ecumênica: Com campanhas de doação de utensílios, alimentação e incentivo à leitura, curso de alfabetização etc. tudo em perspectiva ecumênica;
  • 2. Criar, inspirado no programa “Jovem aprendiz”, o programa pastoral jovem ecumênico: nele jovens de diferentes religiões seriam reunidos para produzir conteúdo digital para as mídias de evangelização (músicas, paródias, forma dinâmica de ler a bíblia) em perspectiva ecumênica;
  • 3. Criar o grupo escoteiro para adolescente: Poderia haver retiros nos quais o tema do ecumenismo ocupasse a temática central para desenvolver um olhar amplo sobre este propósito e a experiência do Deus acolhedor.
  • 4. Criar experiências de visita orientada ao asilo: Com tardes de louvor e/ou leituras orientadas, de forma ecumênica, com o objetivo de anunciar Jesus Cristo para os idosos.

A partir da característica principal da cidade, que é a diversidade cultural e religiosa, desenvolver o espírito de acolhida como expressão de amor fraterno. Nesse sentido, importa criar uma linguagem religiosa simples que seja capaz de anunciar e testemunhar o Deus único e amoroso. Cientes de que nenhuma igreja possui um conhecimento exaustivo da verdade do Evangelho que nada tenha a acrescentar ou a tirar no diálogo com as demais.

REFERÊNCIAS

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ecumenismo. Acesso em 06 agosto de 2021.

WOLFF, Elias. Caminhos do ecumenismo no Brasil. História, teologia e pastoral. São Paulo: Paulus, 2002.

Wolff, Elias. “Divisões na Igreja: Desafios para o ecumenismo hoje.” Theologica Xaveriana 180
(2015): 381-407. http://dx.doi.org/10.11144/javeriana.tx65-180.dideh. Disponível em: < http://www.scielo.org.co/pdf/thxa/v65n180/v65n180a05.pdf >. Acesso em 06 de agosto de 2021.

SANCHES, Jesus Hortal. E haverá um só rebanho. História, doutrina e prática católica do ecumenismo. São Paulo: Loyola, 1989.

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“O desafio de comunicar a fé cristã hoje”, com a palavra Ismael Oliveira Diniz https://observatoriodaevangelizacao.com/o-desafio-de-comunicar-a-fe-crista-hoje-com-a-palavra-ismael-oliveira-diniz/ Thu, 02 Sep 2021 15:20:43 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40503 [Leia mais...]]]> O texto a seguir foi elaborado pelo aluno Ismael Oliveira Diniz para o seminário promovido pela disciplina Pedagogia Dialógica Participativa, Corresponsabilidade e Ação Pastoral, ministrada pelo prof. dr. Edward Guimarães.

Confira:

O desafio de comunicar a fé cristã hoje

INTRODUÇÃO

Para esta breve reflexão lemos dois textos de Fernando Altemeyer Júnior e Vera Ivanise Bombonatto, que se encontram na obra Teologia e Comunicação, da qual eles são organizadores e autores de capítulos. Escolhemos o capítulo Trindade, mistério de comunhão e comunicação e as Considerações Finais do livro intitulada: A teologia entre a onomatopoese e o neologismo.

Ao optarmos pelo tema da comunicação, partimos da dificuldade enfrentada hoje em ambientes religiosos para entregar uma mensagem contextualizada de Jesus Cristo de modo compreensível e significativa para os ouvintes.

A opção por ingressar na vida de fé e de assumir o seguimento de Jesus Cristo é sempre da liberdade de cada pessoa. Isto posto, constatamos que estamos diante de grandes desafios no campo da pastoral: Como anunciar e comunicar a mensagem de Jesus Cristo para toda a humanidade? Queremos vislumbrar horizontes novos e romper com barreiras que se interpõe sobre nossa tarefa e vocação de levar a “boa nova” a uma sociedade que se mostra tantas vezes carente de um sentido maior em sua construção cotidiana. Nosso intuito é também a de amadurecermos a habilidade/qualidade de comunicar a fé cristã para as pessoas de nosso tempo.

Nas aulas da disciplina Pedagogia Dialógica Participativa, Corresponsabilidade e Ação Pastoral, constatamos que a teologia cristã tem se mostrado tímida frente a necessidade do ensino de uma espiritualidade cristã que seja saudável, defensora da justiça e da dignidade e geradora de vida. Antes, temos nos deparado com grupos fundamentalistas que, por vezes, tentam se passar por conservadores, mas que na verdade não o são. Muitos não sabem o que significa ou o que contribui para o anúncio da fé cristã no contexto complexo do mundo em que vivemos. Ignoram que uma comunicação ineficaz, presta enorme desserviço à sociedade atual.

Diante do caos típico de nossa contemporaneidade, deparamo-nos com pastorais cristãs com ação evangelizadora bastante reduzida e limitada. Percebemos muitas dificuldades em contribuir com uma boa comunicação em vista de construirmos uma sociedade melhor para todos, na qual o ser humano tenha suas necessidades e carências básicas atendidas e, portanto, acesso a uma vida digna dos filhos e filhas de Deus.

Diante das leituras realizadas para a apresentação deste pequeno trabalho, destacamos alguns trechos importantes que aqui compartilhamos no intuito de contribuir com a reflexão e a ação enquanto aprendizes e ensinadores deste caminho maravilhoso que trilhamos: a fé no Cristo de
Deus.


DESENVOLVIMENTO

Importa ter como exemplo o próprio Deus, que tomou a iniciativa, com liberdade e gratuidade, de comunicar, em Cristo Jesus e pela força do Espírito Santo, o seu amor por nós de maneira dialógica, respeitando a subjetividade e a cultura das pessoas, atuando de forma progressiva na realidade de seu tempo.

Os autores mencionados acima nos mostram que os Divinos três que formam a Santíssima Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – como aqueles estão em perfeita comunicação e comunhão. Há na Trindade um diálogo incessante que pode nos ensinar sobre e exemplificar a autêntica comunicação e comunhão. Por este ponto, começamos a perceber o quão longe podemos estar de uma boa e eficaz comunicação da mensagem do Evangelho, que Jesus nos designou, enquanto seus discípulos e discípulas, que comunicássemos a outros.

Embasado no conteúdo lido, entendemos que todo ser humano é chamado a si comunicar tanto com o Criador quanto como o seu próximo. A partir do Mistério de Comunhão na Trindade podemos aprender que somos chamados a comunicarmos. E isto deve ser algo muito bem feito e com excelência.

Diante destas colocações ampliamos a nossa compreensão sobre o verdadeiro significado e valor de nossa ação comunicadora enquanto pesquisadores no campo do saber teológico, especificamente no âmbito da pastoral.

Na pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus, percebemos o supremo exemplo de excelente comunicação: Encontramos também no Ressuscitado, o maior exemplo de comunicação entre Deus e humano. Jesus é a plenitude da comunicação entre Deus e a humanidade. No seu tempo, ele não apresentou um conjunto de verdades abstratas, mas o Evangelho da vida, da justiça, da misericórdia e do amor ao próximo, capaz de gerar comunidades de partilha de vida e de fé, de respeito mútuo.

Conforme constata os autores citados sobre a comunicação de Cristo:

A sua comunicação foi uma comunicação interpessoal plena e ao mesmo tempo, informativa, provocativa. Hoje, percebemos em alguns meios religiosos o oferecimento de modelos pré-fabricados de espiritualidades que, por vezes, inibem a fala e a crítica do outro; ao passo que, nosso Salvador (Cristo) propôs a seus contemporâneos uma comunicação aberta, dialogal, havendo espaço para as diferenças.

Compartilho a angústia e a frustração de quem, muitas vezes, se sente incapaz de comunicar, pelo menos de maneira satisfatória, a contagiante mensagem de fé em Jesus Cristo. Tal angústia, que também inquieta, é a mesma que me impulsiona a buscar compreender o outro, o destinatário a ser alcançado pela mensagem do evangelho que somos chamados a proclamar.

De uma coisa estou certo, não poderemos apresentar uma boa comunicação, sem antes cultivarmos uma boa escuta, daqueles que temos o objetivo de fazer chegar a mensagem da Palavra de Deus.

É necessário ouvir para compreender a realidade e a necessidade do outro. Não se trata de oferecer um “pacote pronto” de ideias, por vezes, sem significado algum, para a vida daqueles que necessitam de uma boa e sincera iniciação na fé cristã.


PARA REFLETIR…
a) Por que numa nação de maioria cristã, a vivência cotidiana das pessoas se revelam contrárias aos ensinamentos da Sagradas Escrituras (Por exemplo, pessoas que se dizem cristãs e contraditoriamente defendem a pena de morte)?

b) O que precisamos fazer, enquanto pastoralistas, para que o anúncio do evangelho desperte a atenção e provoque postura de abertura e acolhida nas pessoas (Por exemplo, muitas pessoas não querem ouvir nem saber sobre espiritualidade)?


CONCLUSÃO

A frase que expressa bem a conclusão deste trabalho é:

Uma boa teologia precisará sempre responder às perguntas reais dos aflitos de hoje. O teólogo é movido pela Palavra de Deus. Produz teologia sob o manto do Espírito de Deus em uma rigorosa disciplina mental auscultando os desígnios de Deus e confrontando-os com a realidade.”

A partir do conteúdo exposto, fica o convite de deixarmo-nos desafiar e a nos interpelar pela sociedade em que vivemos. As pessoas que formam esta sociedade clamam por serem acolhidas e ouvidas, clamam por palavras consoladoras e norteadoras, clamam por um testemunho coerente de seus pastores do modo de viver o Evangelho proposto por Jesus Cristo.

É preciso intensificar o labor em produzir ações capazes de minimizar o sofrimento de milhares de pessoas que jazem às margens de uma sociedade que solapa a esperança de dias melhores que virão. Não podemos esquecer que somos todos passageiros de uma mesma embarcação chamada planeta Terra, que estamos destruindo, mas que podemos e devemos aprender a cuidar.

Em síntese, deixemo-nos ser impelidos pelo Espírito Santo na privilegiada tarefa de testemunhar-ensinar a fé cristã através do diálogo, motivando a participar e a desenvolver uma consciência de corresponsabilidade na atuação pastoral e uma espiritualidade em prol do bem viver.

REFERÊNCIA

ALTEMEYER, Fernando Júnior; BOMBONATTO, Vera Ivanise (org.). Teologia e Comunicação: Corpo, palavra e interfaces cibernéticas. 1ª ed. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 106-129 . 216-224.

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“A relação da Igreja com a comunidade LGBTQIA+”, com a palavra Francisco de Assis Gomes https://observatoriodaevangelizacao.com/a-relacao-da-igreja-com-a-comunidade-lgbtqia-com-a-palavra-francisco-de-assis-gomes/ Thu, 02 Sep 2021 13:47:30 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=40491 [Leia mais...]]]> O texto a seguir foi elaborado pelo aluno Francisco de Assis Gomes para o seminário promovido pela disciplina Pedagogia Dialógica Participativa, Corresponsabilidade e Ação Pastoral, ministrada pelo prof. dr. Edward Guimarães.

Confira:

A relação da Igreja com a Comunidade LGBTQIA+

Se estivéssemos convencidos de que eles são filhos de Deus, as coisas mudariam muito.

Papa Francisco


PREÂMBULO

“Os católicos precisam ouvir a comunidade LGBTQIA+”. Está é a frase que me motivou a escolher o tema “A relação da Igreja com a comunidade LGBTQIA+” e adveio das aulas de Pedagogia dialógica e Pastoral Urbana. Em ambas as aulas pude entender que tratar-se de uma comunidade excluída, deixada à beira do caminho, sem amparo pastoral, sem direito ao amor de Deus e expulsos pelos cristãos do Reino de Deus.

Diante de tal realidade, nos propusemos a pesquisar sobre o tema e, devido a pandemia, tudo foi feito com a ajuda da internet. Na primeira busca deparamos com o livro “Building a bridge – Construindo uma ponte[1]” do padre jesuíta James Martin, SJ, consultor do Secretariado de Comunicações do Vaticano. O nosso olhar foi imediatamente fisgado pela obra e artigos relativos a ela. Salientamos que a leitura da obra não foi possível devido à exiguidade de tempo para produção do trabalho.

A pesquisa nos levou a constatar que o assunto possui um bom material escrito e cujo tema já chegou no Vaticano, dado o posicionamento explicito de SS. Papa Francisco em diversas oportunidades em que foi questionado. Entretanto, a discussão pública do tema ainda está bem acanhada.  

INTRODUÇÃO

Ao abrir este trabalho, proponho algumas questões[2] para a nossa reflexão, lembrando que elas nortearão, de forma diluída no texto, a abordagem da relação entre a Igreja e a comunidade LGBTQIA+:

  1. O que significa ser LGBTQIA+ diante do ser católico?
  2. A Igreja precisa ouvir e acolher a comunidade LGBTQIA+?
  3. É possível “construir uma ponte” entre as pessoas LGBTQIA+ e a Igreja?

O texto do Evangelho de João que apresenta Jesus como o Bom Pastor nos dá uma ideia clara do papel daqueles que ouvem o chamado ao pastoreio das ovelhas de Deus. Precisamente em Jo 10, 10c-11, temos o nível de engajamento que o pastor deve apresentar para ser uma mimese real do bom pastor: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância. Eu sou o bom pastor: o bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas”.

A vida pós-moderna nos revela uma realidade diferente do que o Evangelho nos propõe, pois a comunidade LGBTQIA+ não é acolhida pelo cristianismo em geral e foi colocada à margem, sofrendo todo tipo de discriminação e profunda carência de acolhimento. O diálogo foi simplesmente interrompido com a ovelha perdida, ou melhor: a ovelha foi descartada.

É muito estranho a falta de diálogo entre os cristãos e a comunidade LGBTQIA+. Aliás, ao longo da história, percebe-se uma tensão muito grande entre ambas. O aparecimento de grupos radicais neopentecostais acirrou ainda mais o clima, elevando a temperatura ao ponto de que em nome de Deus e de um purismo absurdo, partirem para a agressão física e psicológica de pessoas LGBTQIA+ de uma maneira irracional e selvagem, aumentando sobremaneira o distanciamento e dificultando as poucas e isoladas tentativas de aproximação.

CONSTRUINDO UMA PONTE  

A propósito do lançamento da edição ampliada e revisada de seu quase polêmico livro “Building a bridge” o padre James Martin concedeu uma entrevista à REVISTA IHU ON-LINE, com o título: “A Igreja precisa ouvir as pessoas homossexuais”. Nessa oportunidade, explicou que expandiu a obra para dar mais voz às pessoas LGBTQIA+ e deixá-las contar suas próprias histórias, uma vez que se aprende melhor ouvindo histórias. Aliás, um recurso pedagógico muito bem utilizado por Jesus Cristo. Além disso, Martin insiste que o “ouvir” o outro está na base do acolhimento. E é esse “ouvir” que abre as portas para uma aproximação e um acompanhamento, do qual não pode subestimar o valor da amizade que pode surgir entre as partes. Entretanto, aponta que o medo de ambos os grupos pode ser um entrave muito sério na relação entre estes dois mundos tão distintos. O diálogo só encontra espaço num ambiente de amor perfeito que afaste o medo. O autor da obra continua insistindo que o ambiente de amor também favorece à reconciliação entre a comunidade LGBTQIA+ e a Igreja, uma vez que foi esta que marginalizou o cristão LGBTQIA+.

Para Martin, não há dúvidas de que o diálogo respeitoso entre Igreja e cristãos LGBTQIA+ é o caminho mais eficaz para se construir pontes. Por outro lado, a comunidade LGBTQIA+ queixa da falta de acesso aos bispos, arcebispos e cardeais. Essa dificuldade apontada por Martin é tão grave que ele buscou apoio nas palavras do teólogo gay Jason Steidl para apresentar o protesto como a única maneira das minorias se fazerem ouvir e poder se expressar.  Ademais, o catecismo da Igreja trata o assunto com uma linguagem que afeta as pessoas LGBTQIA+ e isso não favorece ao diálogo. Pois, como aponta uma paroquiana de Martin, é uma linguagem que pode destruir os jovens. Como nos explica Javier e Martha – pais de jovem gay – “palavras vindas de padre e bispos têm verdadeira autoridade”.

Por tudo isso, o autor sugere um retorno reflexivo sobre algumas passagens do evangelho para meditar melhor sobre a pedagogia empregada por Jesus Cristo no encontro com pessoas marginalizadas e aponta o encontro do Mestre com a mulher samaritana. Para Martin, é um dos diálogos mais longo de todo Evangelho, não havendo nenhuma razão para Jesus Cristo fazer tal coisa, pois falar com mulher e samaritana não era algo esperado para um judeu. Na verdade, nos evangelhos, Jesus Cristo está acolhendo, ouvindo e dialogando com pessoas marginalizadas, coisa que todos nós cristãos podemos e devemos fazer, conclui o autor, abrindo a possibilidade para o acolhimento fraterno das pessoas LGBTQIA+.  

CONCLUSÃO

Apoio-me em  LIMA (2009) para responder as questões apresentadas no início deste texto, pois homossexualidade é apenas uma das tantas questões que interpelam a humanidade, exigindo desta uma abordagem séria e comprometida. Por conseguinte, a Igreja tem um papel fundamental. Nesse sentido, ele concorda com a reflexão de Martin (2019). Para o autor, pluralidade é a riqueza do mundo acadêmico e natural, uma vez que o próprio termo católico nos remete para o universal, de onde só se pode esperar uma multiplicidade de entes convivendo naturalmente e em harmonia. Portanto, a aspecto da natureza humana e pode “ajudar as pessoas a amarem a si mesmas como criação divina e a darem um sentido amoroso e transcendente às suas vidas”.   

LIMA (2009) aduz que “na verdade, nós estamos vivendo uma mudança de paradigma antropológico”, ou seja, no início do terceiro milênio de vida cristã, uma nova realidade humana desponta no horizonte e balança as frágeis estruturas de uma moral que já não se sustenta mais. Há muitos gays que se sentem felizes como são, pois acham que Deus os ama, os fez assim e não sentem vergonha ou culpa do que são.

O papa Francisco muito tem contribuído nesse sentido. Ao receber o padre James Martin no Vaticano para falar de sua missão de amparo e acolhimento das pessoas LGBTQIA+ e das diversas vezes que manifestou publicamente seu desejo de receber esta comunidade no seio da Igreja ao se expressar humildemente a respeito: “Quem sou eu para julgar”? Atitude assim nos dá a impressão de que há uma urgência em reparar essa lacuna que por muito tempo foi omitida, evitada e desconsiderada.

No entanto, não se pode ser inocente e achar que tudo está resolvido ao abrir as igrejas e colocar as pessoas LGBTQIA+ para dentro. Não é só isso. Há um longo caminho a ser percorrido. Podemos dizer que a acolhida no seio da Igreja é passo importante que está sendo dado. É preciso colocar o assunto em pauta de conversa, estudo e reflexão. Além disso devemos nos conscientizar de que as mudanças necessárias são enormes. O processo de mudança de mentalidade e práxis é lento e pode causar escândalos em muitos. É preciso cuidar para que as gerações que se sucedam cresçam em um ambiente acolhedor que favoreça aproximação e mudança de mentalidade. Com a graça de Deus, tenho certeza de que um dia chegaremos a um bom termo.

O texto levou-me a pensar que há um grande número de pessoas LGBTQIA+ que são motivados à fé cristã católica, que querem aderir ao projeto divino, experimentando o amor de Deus e seguir o caminho de Jesus Cristo do jeito que elas são. Entretanto, parte da Igreja ainda insiste em fechar-lhes as portas do Reino. Além dos problemas institucionais, a oposição ao acolhimento dos Gays é forte e vem da sociedade leiga também. Há um crescente número de grupos extremistas radicais de direita e de esquerda que lutam contra. Contudo, o trabalho do Padre James Martin e de outros pode e deve servir de inspiração para muitos que querem contribuir nessa tarefa de inclusão: “Construindo um complexo de Pontes” de mão dupla, ligando a comunidade LGBTQIA+, Igreja, Sociedade e Deus.

Respondendo diretamente às questões propostas:

a) O que significa ser LGBTQIA+ diante do ser católico?

Significa ser excluído, por ser considerado indigno de pertencer à comunidade cristã e poder ouvir a Palavra de Deus.

b) A Igreja precisa ouvir e acolher a comunidade LGBTQIA+?

Já passou da hora de se debruçar sobre o assunto e buscar uma solução. Todos têm direito à voz e fala. Portanto, não há justificativa para tanta exclusão.

c) É possível “construir uma ponte” entre as pessoas LGBTQIA+ e a Igreja?

É o que penso e que me motiva a trabalhar nesse espinhoso assunto. Aliás, já disse anteriormente, uma ponte só é pouco, precisamos de um complexo de pontes e com duas vias.

Finalmente, “OUVIR” foi o verbo que mais me chamou a atenção e que apareceu muitas vezes nos textos que li. Portanto, encerramos o trabalho com a mesma frase que abrimos: “Os católicos precisam ouvir a comunidade LGBTQIA+”.

REFERÊNCIAS

ANDERSON, John. Em ‘Construindo uma Ponte’, o Padre James Martin dá as boas-vindas aos católicos LGBTQ. AMERICA – THE JESUIT REVIEW. Disponível em: https://www.americamagazine.org/arts-culture/2021/06/16/anderson-building-bridge-movie-martin-240881. Acesso em: 04/07/21.

LEFEBVRE, Elizabeth. A conversa LGBT é um sinal de nova vida na igreja. U.S.Catholic – FAITH IN REAL LIFE, 03/04/18. Disponível em: https://uscatholic.org/articles/201804/the-lgbt-conversation-is-a-sign-of-new-life-in-the-church/. Acesso em: 04/07/21.   

LIMA, Luís Corrêa. A igreja e os homossexuais. REVISTA IHU ON-LINE, 24/08/19. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/24408-a-igreja-e-os-homossexuais-entrevista-comluis-correa-lima. Acesso em: 04/07/21.

MARTIN, James. A Igreja precisa ouvir as pessoas homossexuais. REVISTA IHU ON-LINE, 22/02/18. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/576294-a-igreja-precisa-ouvir-as-pessoashomossexuais-entrevista-com-james-martin. Acesso em: 04/07/21.

MARTIN, James. Os católicos precisam ouvir os LGBT. DW Brasil, 04/10/19. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/os-catolicos-precisam-ouvir-os-lgbt,c826ac7ec9b0d0f0b996a8672731f3ee10v6rf4g.html. Acesso em: 04/07/21.

SHINE, Robert. Teólogos católicos ficaram quietos demais sobre o livro “Building a Bridge”, do padre James Martin? REVISTA IHU ON-LINE, 07/03/18. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/188-noticias/noticias-2018/576706-teologos-catolicos-ficaram-quietos-demais-sobre-o-livro-building-a-bridge-do-padre-james-martin. Acesso em: 04/07/21.


[1] Livro escrito originalmente em inglês e sem tradução no Brasil. “Construindo uma ponte” é uma tradução livre, sem maiores pretensões.

[2] Estas questões foram tiradas ou parafraseadas a partir dos textos lidos.

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