educação – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Mon, 11 Jul 2022 12:18:33 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 educação – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Entrevista: Juventude, educação e espiritualidade na pós-modernidade https://observatoriodaevangelizacao.com/entrevista-juventude-educacao-e-espiritualidade-na-pos-modernidade/ Mon, 11 Jul 2022 12:18:33 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=45398 [Leia mais...]]]>

Entrevista realizada por René Dentz, professor da PUC-Minas e membro do Observatório da Evangelização (OE), ao professor Antonio Manzatto (PUC-SP).

Professor Antonio Manzatto é Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica) e Professor na Faculdade de Teologia da PUC-SP. Foi pioneiro nas pesquisas   da interface entre teologia e literatura no Brasil. É líder do Grupo de Pesquisa CAPES “Lerte”, na PUC-SP.

Nessa entrevista, prof. Manzatto analisa o comportamento da juventude na pós-modernidade a partir de suas características “líquidas” e faz uma reflexão importante sobre os caminhos da educação e da igreja em relação aos jovens.  

OE: Regina Novaes (2018), ao compreender as mudanças que impactam a relação entre jovens e religiosidade, nos mostra que a juventude contemporânea vive um tempo em que as religiões não são mais as principais fontes distribuidoras de sentido e imagens estáveis da vida entregues de geração a geração pelas autoridades religiosas, reconhecidas como tal. Ao mesmo tempo, hoje não há como falar de juventude sem falar de incertezas. Esse é o sentimento comum que atravessa toda uma geração. Da subjetividade dos jovens de hoje – com diferentes matizes e intensidades de acordo com suas condições de vida – fazem parte vários medos. A partir desses novos cenários, quais são as principais buscas, desejos, consumo, sonhos, que caracterizam os diversos rostos da juventude hoje? 

AM: Creio que a juventude de todos os tempos é, sempre, idealista. Sua característica principal é o sonho – transformado ou não em projeto concreto – que impulsiona sua vida e seu eu rumo ao futuro. Em tempos que são os nossos – de crítica à modernidade e à pós-modernidade – duas características principais se destacam, e talvez não apenas na juventude: a expectativa de que “alguém” realize o que se quer e a busca por entretenimento. A mudança de paradigma social – com a implementação do “curtir a vida”, faz com que a juventude se ligue mais com o momentâneo, mesmo que efêmero, em vez daquilo que é mais permanente ou definitivo, e daí a perspectiva do “aproveitar a vida” que se realiza, de maneira mais radical, nas drogas, por exemplo, ou de maneira mais suave nas redes sociais; também explica a violência, explícita ou não, contra aqueles que não pensam da mesma forma, e a formação de tribos as mais diversas, que caracterizam seus participantes. Por outro lado, a realização imediata de sonhos e desejos depende de “alguém que faça”, visto que são, em muitos casos, de impossível realização, ao menos a curto prazo. Daí a expectativa de “milagres e messias”, que infantilizam e vão na contramão do que é característico da juventude: o engajamento pela construção do futuro. Daí os cenários religiosos que temos atualmente, conjugados a uma desmobilização social bastante grande da juventude.

OE: A adolescência é complexa porque porta também uma ideia de limbo, quase como uma ideia de não-ser, mas tem que assumir sua liberdade. Ser e não-ser estão caminhando juntos, paradoxalmente. Há uma determinação e uma indeterminação do sujeito. O jovem não tem ainda uma identidade, busca incessantemente uma (comumente em grupos, ideias, pessoas). Como o adolescente de hoje vivencia sua liberdade no âmbito da cultura? Como podemos pensar a relação entre cultura (em especial a música), espiritualidade e juventude?

AM: Conhecemos um processo de infantilização em nossa sociedade. Sempre se espera que “alguém” faça as coisas, solucione os problemas e realize a vida desejada. Uma das características da adolescência é o não-conformismo, espécie de rebeldia, que aponta para uma insatisfação constante. A mesma sociedade é, por outro lado, narcisista ao extremo, o que repercute na necessidade de o adolescente ser como o centro das atenções. Nesse sentido, as redes sociais são importantes meios de afirmação porque, ali, há a possibilidade de realização da aparência e uma espécie de supervalorização do subjetivismo, em constantes fotos, vídeos ou ditos que querem chamar a atenção. Nesse fervilhar da sociedade é que flutuam as manifestações culturais. As referências mais tradicionais desaparecem, como as do mundo sertanejo, por exemplo, em vista de novas estéticas ou afirmação de valores. Na música, por exemplo, o “sertanejo raiz” dá lugar ao “universitário” ou à “sofrência”, o que caracteriza, exatamente, a mudança de padrões tradicionais. Se isso enfatiza a liberdade da juventude diante de comportamentos antigos, por outro lado, como expressão da sociedade que são, expressam aquilo que é visto como valor e objetivo a ser perseguido.

OE: A igreja tem conseguido apresentar aos jovens uma experiência cristã libertadora? Por que tantos jovens têm sido atraídos pelas propostas de grupos neoconservadores? 

AM: As pregações e comportamentos religiosos mais recentes apontam para a valorização dos milagres e do extraordinário como afirmação de poder. O que se cultua, ao menos em certos ambientes religiosos, é a ideia de que “alguém” vai resolver os problemas, seja Deus, o santo ou o ministro religioso; curiosamente em tempos de subjetividade, se demite aqui o papel do sujeito para que a responsabilidade da construção da vida dependa de outra pessoa, força ou realidade. Com isso se tem certa infantilização da sociedade como um todo, e a juventude dela faz parte. Entende-se, portanto, porque a mesma juventude é atraída pelos movimentos neoconservadores que, pela própria natureza, são incapazes de proporcionar uma experiência libertadora. Na busca, então, de liberdade, procuram-se líderes “carismáticos” e diferentes do tradicional que conduzirão a nova forma de dependência, estabelecendo verdadeiro círculo que denuncia como o atual sistema social é capaz de colocar a religião a seu serviço.

OE: Como a Igreja se posiciona hoje em relação aos impactos da desigualdade social na vida dos jovens? Quais são as respostas pastorais em curso? 

AM: As questões relacionadas à sociedade quase que desapareceram do cenário eclesial, reduzidas às atividades das chamadas “pastorais sociais”. Apenas mais recentemente, por conta do magistério do Papa Francisco, é que algumas questões retornaram às preocupações pastorais, como o compromisso em favor da vida e do meio ambiente. A questão da desigualdade social tem permanecido no âmbito das atividades de assistência ou situações de emergência, não alcançando realidades mais estruturais. A juventude, nesse sentido, tem permanecido, enquanto atividades pastorais, mais ligadas a questões de espiritualidade e organização eclesiástica que propriamente atividades de transformação social. Enquanto ligadas aos movimentos eclesiais, as iniciativas pastorais que contemplam a juventude não alcançam a dimensão sociopolítica por exemplo, permitindo que esse espaço seja ocupado pelos setores mais conservadores da Igreja e da sociedade.

OE: Hoje muito se fala sobre a inserção de mulheres em espaços de decisão da Igreja, o que tem sido um desafio enfrentado, não sem grandes resistências, por parte da hierarquia, com vários acenos positivos do Papa Francisco. No entanto, não se fala dessa mesma inserção do ponto de vista da juventude. Na verdade, os jovens que aparentemente estão mais próximos da hierarquia são aqueles em formação para o sacerdócio e, justamente estes, encontram-se na muitas vezes em condições ainda mais rígidas de vigilância, dependência e submissão. A ausência efetiva de jovens dentro de espaços privilegiados de decisão da Igreja não seria um impedimento para que suas questões fossem de fato contempladas nas reflexões eclesiais? Que espaços têm sido criados e que movimentos têm sido feitos para a manifestação e escuta ativa da juventude junto à uma hierarquia cuja alta cúpula é formada, majoritariamente, por idosos?

AM: Essa talvez seja uma realidade, e a Igreja encontra dificuldades para, no espírito da Christus Vivit, entender que o jovem é sujeito evangelizador da juventude. Mas creio que a questão não é exatamente de idade, em uma espécie de conflito de gerações, mas sim de perspectiva eclesiológica. Uma Igreja que é de todos, tendo todos como sujeito, comporta um lugar para a juventude; a Igreja que é apenas hierárquica, não tem lugar para quem não se submeta, simplesmente, ao poder estabelecido. A distância entre a Igreja e a juventude não é apenas de escuta ou de linguagem, é de modelo, no sentido de se ter como referência fundamental o Evangelho de Jesus e não situações específicas de comportamento religioso. 

OE: Frequentemente as instituições de ensino católicas se veem desafiadas por uma aparente contradição entre o pluralismo cultural e religioso da sociedade contemporânea e a consolidação de sua identidade confessional. Além disso, vemos também a tenção existente entre se manter viva e relevante no mercado educacional sem perder-se em estruturas elitistas que favorecem a desigualdade ao invés de minimizá-la. Nesse aspecto, as escolas e universidades católicas tem ainda um papel a cumprir junto à juventude no que diz respeito à transmissão de valores realmente evangélicos? E como favorecer aos jovens estudantes desses espaços uma experiência cristã madura que garanta não somente a excelência acadêmica, mas também uma formação humanista característica do cristianismo? 

AM: Creio que uma escola católica, sobretudo a universidade, é em primeiro lugar escola, e por isso precisa ter a qualidade acadêmica como distintivo fundamental. No caso específico da universidade, o que a caracteriza, em primeiro lugar, é sua necessidade de excelência acadêmica. Essa não é exclusivamente técnica, mas também humana, confessional e, por isso, aberta à realidade dos que mais sofrem. Quando se perdem de vista tais realidades, pensa-se que a universidade é apenas para formar para uma profissão rentável e que o fato de ser católica significa que é uma subsidiária da sacristia. Na verdade, os valores evangélicos são o fundamento para aquilo que chamamos de valores humanos, e é exatamente essa perspectiva de um humanismo renovado, para o qual o Papa Francisco convoca a todos, que deve presidir as preocupações de uma universidade católica.

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Reflexões sobre a Educação no contexto da CF 2022 https://observatoriodaevangelizacao.com/reflexoes-sobre-a-educacao-no-contexto-da-cf-2022/ Fri, 25 Mar 2022 12:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44530 [Leia mais...]]]> Em 2022, a Igreja Católica no Brasil, por meio da CNBB, promove a Campanha da Fraternidade, um dos maiores projetos de evangelização, que, pela terceira vez, envolve a temática da Educação: 1982, 1998 e agora 2022. Isso revela a importância da Educação na vida humana. Diante do tema Fraternidade e Educação, profundamente enraizado na nossa realidade, faz-se necessário refletir o que representa a Educação no contexto brasileiro e como ela está sendo tratada. A CNBB escolhe temáticas urgentes que precisam ser refletidas e transformadas pela sociedade e suas instituições políticas.

 O discurso sobre a necessidade de se valorizar a Educação é corrente em várias instâncias da sociedade, principalmente em campanhas eleitorais. Se reconhece que a Educação é um instrumento fundamental para a transformação da sociedade. A importância da Educação se acentuou, isto é, o reconhecimento da sociedade se tronou mais nítido, no momento em que o mundo se encontrou diante da pandemia da covid-19. Muitas crianças e jovens interromperam a sua ida presencial a escola, passando a entrar no regime das aulas remotas. Com isso, se agravou problemas existentes, tais como a falta de infraestrutura nos domicílios que possibilite um aprendizado, a escassez de recursos tecnológicos e a dificuldade no acesso à internet e a sinais de televisão (para aqueles que assistiam às aulas remotas). Com a pandemia, também se observou problemas familiares, sendo alguns novos, como a convivência em tempo integral do grupo familiar dentro de casa, aumentando o estresse e não permitindo os momentos de lazer que muitas crianças e jovens tinham fora de casa. Também os problemas velhos que eram ignoradas, como a violência doméstica que se agravou mais ainda no momento de isolamento sanitário.

Em vários discursos, a escola foi citada como um serviço essencial que não poderia parar, pois a mesma é responsável pelo processo de socialização e a formação das crianças e dos jovens. Diante de grande comoção e reconhecimento se esperava uma nova postura governamental, nas suas várias esferas (municipal, estadual e federal) visando maiores recursos, investimentos, reconhecimento salarial e capacitação humana. É notório que houve exemplos nesse sentido, mas são casos pontuais em relação à realidade brasileira, pois houve graves cortes de recursos na Educação e de fomentos em pesquisas científicas.

Além do aspecto institucional, da realidade da sociedade brasileira, especialmente das crianças, adolescentes e jovens, a Educação deve ser pensada a partir dos seus profissionais: professoras e professores, pedagogas e pedagogos, assistentes de serviços básicos,  secretárias e secretários, direção, ou seja, todo o corpo docente e técnico que ajuda a pensar, dinamizar, cuidar e manter a instituição escolar. Pessoas fundamentais que, coletivamente, contribuem para o funcionamento da escola e para o processo de ensino-aprendizagem. Mas como são tratados pela sociedade, pelo poder público e pela comunidade escolar?

Na realidade prática, muitos pais, mães e outras pessoas responsáveis não aceitam e nem apoiam quando profissionais da Educação reivindicam melhores condições de trabalho e salário. É preciso indagar: que tipo de Educação esperam para suas filhas e filhos? Como interpretam o papel da escola? Várias podem ser as possibilidades de respostas, mas quais posturas podem ser esperadas daquelas pessoas que se posicionam como cristãs?

A situação concreta e o cotidiano de nossas escolas e as condições de trabalho dos profissionais da educação, geralmente, não são mostradas adequadamente pelos meios de comunicação social, não despertam o zelo do poder público responsável em cuidar e não são conhecidas, com profundidade, e acompanhadas pela sociedade brasileira.

A Campanha da Fraternidade de 2022, cujo tema é Fraternidade e Educação, tem um lema muito significativo e belo retirado do livro dos Provérbios: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31, 26). A Educação, mesmo diante de um projeto político que é caracterizado por muitos como de sucateamento, mostra que muitos profissionais, apesar dos pesares, continuam a ensinar com sabedoria, amor e dedicação. Todas as profissões dependem da Educação e, geralmente, é decisivo a qualidade da instituição escolar. É um serviço de entrega ao outro, tornando o ato de ensinar, assim como o amor, um verbo intransitivo, isto é, um lado se entrega sem esperar a resposta do outro. Mas, enquanto seres humanos, queremos que a nossa entrega seja reconhecida, que nossos estudantes aproveitem o que é ensinado e que o amor doado seja reconhecido e valorizado. Que seja uma valorização material coerente com as necessidades diárias dessas pessoas.

É importante que cristãs e cristãos, católicos ou não, sejam os primeiros a conhecer a realidade da Educação em nosso país, a refletir sobres seus desafios e urgências, a apoiar as lutas por uma educação de qualidade, refletida nos investimentos materiais e humanos, na infraestrutura, no salário e na valorização dos profissionais da Educação. Que esta Campanha da Fraternidade seja uma oportunidade singular de conversão ao Deus da vida e ao seu projeto salvífico que nos responsabiliza e a Jesus que veio para que todos tenham vida.

 

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Paulo Vinícius Faria Pereira
É teólogo católico leigo. Professor de Sociologia na rede pública de ensino. Mestrando em Ciências da Religião pela PUC Minas, possui bacharelado em Teologia e licenciatura e bacharelado em Ciências Sociais pela mesma instituição. É licenciado em Pedagogia (Claretiano) e membro da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais.

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Livro sobre a Economia de Francisco e Clara para crianças é lançado em Belo Horizonte https://observatoriodaevangelizacao.com/livro-sobre-a-economia-de-francisco-e-clara-para-criancas-e-lancado-em-belo-horizonte/ Thu, 17 Mar 2022 23:15:48 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44400 [Leia mais...]]]> Elaborado em sintonia com o Diretório da Catequese e com o encontro convocado pelo Papa Francisco sobre a Economia de Francisco e Clara (EFC), foi lançado na Puc Minas Coração Eucarístico, o livro “Economia de Francisco e Clara para Crianças”. O mesmo tem como proposta uma Economia solidária que, por sua vez, está na contramão de uma economia de mercado, perversa e geradora de morte, desigualdade social e exclusão.

A publicação foi desenvolvida pela Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER) e o Grupo de Reflexão e Trabalho (GRT) da PUC Minas, em parceria com as editoras PUC Minas e Paulus. O reitor da PUC Minas e bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, professor Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, ressaltou a importância da obra: “Este livro pertence às crianças. Precisamos fazer chegar às crianças do Brasil inteiro. Eu não tenho conhecimento de outra iniciativa desta, de levar a EFC para crianças“.

Por sua vez, Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e responsável pela RENSER, ao destacar a importância desta obra não só para as crianças, mas também para os jovens enquanto chamados a serem protagonistas e não expectadores da difícil realidade que vivemos, disse que “Envolver as crianças é uma ação muito importante porque os jovens não podem ser apenas expectadores. Eles já estão pagando um preço muito alto por atitudes que são prejudiciais“. Além do mais o texto é genuinamente cristão, pois está ancorado no Evangelho de Jesus Cristo que veio para que todos tenham vida.

Você pode adquirir o seu exemplar através do link: https://www.paulus.com.br/loja/economia-de-francisco-e-clara_p_6589.html

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Convertei-vos e credes: a greve dos professores é para o bem da educação pública https://observatoriodaevangelizacao.com/convertei-vos-e-credes-a-greve-dos-professores-e-para-o-bem-da-educacao-publica/ https://observatoriodaevangelizacao.com/convertei-vos-e-credes-a-greve-dos-professores-e-para-o-bem-da-educacao-publica/#comments Tue, 15 Mar 2022 21:30:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44340 [Leia mais...]]]> A Igreja Católica no Brasil, por meio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realiza neste período quaresmal de 2022, a Campanha da Fraternidade (CF) “Fraternidade e Educação”, cujo lema é “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,26). Impulsionada pelo Pacto Educativo Global, convocado pelo Papa Francisco em 15 de outubro de 2020, esta edição da CF convida a todos nós, católicos, a promoção de “diálogos a partir da realidade educativa do Brasil, à luz da fé cristã, propondo caminhos em favor do humanismo integral e solidário” (CNBB, 2022)[1]

A realidade da educação pública brasileira, em especial os ensinos Fundamental e Médio, de competência das prefeituras municipais e dos governos estaduais, é caótica há décadas. Situação que piorou desde o início do governo do presidente Michel Temer (MDB), que reincorporou no país a agenda político-econômica internacional neoliberal, promovendo, dentre tantas outras medidas conservadoras, a Emenda Constitucional n°95 que congela os recursos do Governo Federal nas áreas da saúde e da educação por até 20 anos e a Lei Complementar nº 159/2017, que cria o Regime de Recuperação Fiscal, comprometendo completamente a já fragilizada qualidade da saúde e da educação pública brasileira. Não obstante, vimos em 2016 uma primavera de mobilizações nacionais de estudantes secundaristas e universitários que ocuparam as escolas estaduais e as faculdades em protesto à PEC 241 que instituía o chamado teto de gastos, ao Projeto de Lei n° 44 denominado Escola sem Partido e à medida provisória do Novo Ensino Médio.

 No último dia 09 de março, mesmo período em que a Igreja aprofunda, pela terceira vez, o tema da educação na CF, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), convocou greve geral nas escolas estaduais por tempo indeterminado. O sindicato da categoria denuncia: a falta de transparência no uso dos recursos da educação pelo governo Zema; o não investimento de 7 bilhões de recursos que só podem ser aplicados a educação pública; e o atual congelamento do salário dos servidores da educação de Minas Gerais, que já dura cinco anos. Destarte, os grevistas reivindicam que o governador Romeu Zema (NOVO) pague o Piso Salarial Profissional Nacional estabelecido pelo Ministério da Educação e Cultura a cada mês de janeiro e rejeitam a adesão de Minas ao Regime de Recuperação Fiscal por meio do Projeto de Lei n° 1202/2019, de autoria do governado estadual. “Lutamos pela correta utilização dos recursos do novo Fundeb! O governo Zema ainda possui a obrigação constitucional de investir 25% da receita corrente líquida em Educação, mas não paga o Piso Salarial!” (SIND-UTE, 2022)[2].  

O Regime de Recuperação Fiscal foi criado durante o governo Temer a partir da Lei Complementar nº 159/2017 e regulado no governo Bolsonaro pelo Decreto nº 10.681/2021. Trata-se de uma política pública de estado mínimo em que o Governo Federal concede flexibilização de regras fiscais, suspensão de dívidas e garantia em operações de crédito a estados endividados mediante a adoção de medidas econômicas conservadoras, como o chamado Teto de Gastos, por um longo período de tempo. Alegando que o Estado de Minas Gerais está quebrado, o governador Romeu Zema tenta aprovar na Assembleia Legislativa de Minas Gerais a adesão do estado ao Regime de Recuperação Fiscal. O que acarretará, porém, no completo sucateamento de todos os serviços estaduais, como Saúde e Educação, já fragilizados pela escassez de investimentos estaduais. Segundo a coordenadora-geral do Sind-UTE/MG, professora Denise Romano “não existirá Piso Salarial, carreiras, realização de concursos públicos, caso o Regime seja aprovado. Faremos a luta contra esse projeto que acaba com os serviços públicos” (SIND-UTE, 2022)[3]

No último dia 11 de março, o Sind-UTE/MG, por meio das sub-sedes, realizou atos na porta das Superintendências Regionais de Ensino (SRE’s) em todo o estado. Já no dia 14 de março o Tribunal de Justiça de Minas Gerais realizou, a pedido do Sind-UTE/MG, audiência de conciliação entre a entidade e o governo do Estado na ação da greve de 2022. E no próximo dia 16 de março, às 14h, uma nova Assembleia Estadual de greve será realizada no pátio da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em Belo Horizonte.

A Direção de Greve dos professores estaduais de Santa Luzia realizou um Ato de Greve na manhã do dia 14 de março em frente à Escola Estadual “Geraldo Teixeira da Costa”, na cidade de Santa Luzia/MG. O ato contou com o apoio do movimento social Salve Santa Luzia, de representante do mandato da Deputada Estadual Beatriz Cerqueira (PT-MG), além de estudantes secundaristas e universitários. Durante o ato, os grevistas e manifestantes denunciaram a forma desumana que o governo de Minas tem tratado os servidores da educação, se negando ao diálogo e judicializando a greve. Foi denunciado também que embora o prefeito de Santa Luzia, um delegado da Polícia Civil, esteja participando das manifestações pelo pagamento do piso salarial da sua categoria, tem se negado a pagar o piso salarial dos professores da rede municipal de educação. Isto porque, assim como o governador Zema, o prefeito Christiano Xavier (PSD) é favorável ao Regime de Recuperação Fiscal. Não obstante, os professores municipais de Santa Luzia convocaram uma Assembleia Geral da categoria para o próximo dia 16 de março as 9 horas da manhã em frente à Prefeitura de Santa Luzia.

Que nesta Campanha da Fraternidade 2022, cujo lema é “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,26), nós católicos possamos refletir sobre a greve dos professores estaduais de Minas Gerais e municipais de Santa Luzia. E sobretudo, os apoiar em sua luta pelas garantias do direito constitucional a condições dignas e humanas de trabalho e da educação pública de qualidade, bases fundamentais para a formação de cidadãos plenos.


[1] In: https://campanhas.cnbb.org.br/sobre-a-campanha-da-fraternidade-2022.html Acesso: 14/03/2022.

[2] In: https://sindutemg.org.br/noticias/zemapagueopiso-falta-transparencia-no-uso-dos-recursos-da-educacao-em-minas-gerais/ Acesso: 14/03/2022.

[3] In: https://sindutemg.org.br/noticias/naoaorrf-coordenadora-geral-do-sind-ute-mg-fala-da-importancia-de-luta-contra-o-regime-de-recuperacao-fiscal/ Acesso: 14/03/2022.

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Glaucon Durães da Silva Santos
É católico leigo da paróquia Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida, Santa Luzia/MG, doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas, professor de Sociologia, membro da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais e colaborador jovem do Observatório da Evangelização da PUC Minas. Desenvolve pesquisa nas áreas da Sociologia da Religião e da Sociologia Política.

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Agir: iniciar, promover processos https://observatoriodaevangelizacao.com/agir-iniciar-promover-processos/ Sat, 05 Mar 2022 21:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44116 [Leia mais...]]]> A Campanha da Fraternidade 2022 (CF 2022) segue os passos do método ver-julgar-agir em nova roupagem, explicitada pelo Papa Francisco como escutar, discernir, agir. Depois de tratar do eixo da escuta e do discernir, seguimos com dimensão do agir. A Campanha nos permite olhar para Jesus como quem inicia e promove a missão no mundo.

Iniciar, promover processos

O Papa Francisco, na Evangelii Gaudium, nº 222, nos apresenta um princípio que ilumina o agir desta CF 2022: “O tempo é superior ao espaço”. Com este princípio ele nos aponta que iniciar é promover processos é mais fecundo e transformador que uma decisão pontual tomada de cima para baixo. “Este princípio permite trabalhar a longo prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos […] é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. […] Trata-se de privilegiar as ações que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até frutificar em acontecimentos históricos importantes. Sem ansiedade, mas com convicções claras e tenazes” (EG 222).

Neste sentido, retomando a iluminação bíblica, logo após a ressurreição, Jesus se encontra com os discípulos na Galileia, lugar em que tinha iniciado sua caminhada educativa com os discípulos (cf. Mt 28,16-20). A pedagogia de reconduzir os discípulos à Galileia é indicativa de iniciar um novo processo missionário. Os discípulos, com a força do Ressuscitado, são feitos continuadores da missão de Jesus. Isto não está isento de dificuldades, veja que, mesmo na presença de Jesus, alguns duvidam, têm medo… (Mt 28,17). No entanto, Jesus mantém a sua aposta nos discípulos, se aproxima e, com autoridade, lhes confia a missão de fazer novos discípulos, por meio do batismo, ou seja do ser e viver em comunidade e do colocar em prática, viver, o que Ele ensinou. E lhes garante que eles não estariam sozinhos nesta missão.

Os discípulos tiveram de se decidir missionariamente. Isto revela que seguir Jesus, não é apenas aprender algo bonito sobre Ele, seguimento implica recriar seu jeito de ser e de agir e decidir-se a formar novos missionários. A Campanha da Fraternidade nos convida a discernir os desafios da realidade educativa para encontrarmos propostas capazes de superar as dificuldades que enfraquecem a qualidade da educação em todos os âmbitos, como nos mostra o Texto Base desta CF 2022 (TB 141). Somos convocados pela Igreja a discernir o caminho para uma educação que nos conduza ao humanismo solidário. Recuperar o melhor do ser humano na busca da de viver a solidariedade em todos os campos de nossa vida (TB 142).

Família e escola, eixos do processo educativo

A família é o primeiro espaço para a formação de discípulos missionários. É o primeiro lugar da educação para a fé e da iniciação à vida cristã, na Igreja doméstica (LG, n. 11). O espaço familiar se estende para a comunidade eclesial que é “família de famílias”. “Assim, a convivência familiar se torna o lugar do maior aprendizado que toca o profundo do nosso ser: experimentamos a cruz de Cristo nas crises mais profundas em nossos lares, mas também a graça da sua redenção quando o amor de Cristo renova uma família através da reconciliação, do perdão e da vida eclesial” (TB 181).

Mas isso não dispensa a presença nas escolas: “Os pais necessitam também da escola para assegurar uma instrução de base aos seus filhos, mas a formação moral deles nunca a podem delegar totalmente. O desenvolvimento afetivo e ético de uma pessoa requer uma experiência fundamental: crer que os próprios pais são dignos de confiança” (Amoris Laetitia, 24; TB 182). É na família que se projeta a virtude de perseverar nos bons propósitos em vista do cuidado das futuras gerações: “A promoção de uma autêntica e madura comunhão de pessoas na família torna-se a primeira e insubstituível escola de sociabilidade, exemplo e estímulo para as mais amplas relações comunitárias na mira do respeito, da justiça, do diálogo, do amor” (TB 185).

Não podemos esquecer que a educação é o caminho que nos permite amadurecer de forma integral, que nos humaniza e nos abre caminhos para a fraternidade universal. A Igreja compreende a educação como um direito universal, seja na infância, na juventude ou na vida adulta, afim de que a pessoa humana possa desenvolver suas capacidades e possa melhor colaborar para o bem da sociedade: “Ao direito inalienável a uma educação digna, corresponde, da parte da sociedade, uma obrigação, também fundamental, de propiciar os meios necessários para que tal direito democrático seja concretizado para todos”. Nesse sentido, “o Estado, administrador dos recursos que recebe da sociedade, deve providenciar, de modo equitativo, a distribuição dos meios que possam garantir o maior rendimento para a efetivação do direito de todos ao acesso à educação” (TB 187).

A família é a primeira responsável no processo educativo, mas não é a única “Uma educação para todos requer que todos – família, escola, sociedade – estejam pactuados para oferecer os melhores esforços para formar pessoas maduras e com responsabilidade na construção do bem comum.” (TB 190). E ainda, “as famílias constituem-se como sujeito fundamental da ação missionária da Igreja, lugar da iniciação à vida cristã” (TB 201).

Critérios para uma educação cristã

O Papa Francisco atualiza os critérios para uma educação autenticamente cristã por meio dos compromissos indicados no Pacto Educativo Global: 1º colocar no centro de cada processo educativo – formal e informal – a pessoa; 2º ouvir a voz das crianças, dos adolescentes e jovens; 3º favorecer a plena participação das meninas e dos jovens na instrução; 4º ver na família o primeiro e indispensável sujeito educador; 5º educar e educarmo-nos para o acolhimento; 6º empenhar-nos no estudo para encontrar outras formas de compreender a economia, a política, o crescimento e o progresso, na perspectiva de uma ecologia integral; 7 º guardar e cultivar a nossa casa comum protegendo-a da exploração de seus recursos.

O Texto Base (nº 256 a 267) aponta uma serie de iniciativas que podem iluminar ou dar pistas para o agir concreto a partir desta CF 2022. Esta CF vem em boa hora, aponta muitas pistas, pede a colaboração e o empenho de cada um de nós, há muito a ser feito, mãos à obra, com muita sabedoria e amor.

Para aprofundamento: Qual o gesto concreto que vamos assumir a partir desta CF 2022?

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Denilson Mariano
É religioso missionário sacramentino, Mestre e Doutor em Teologia (FAJE), Licenciado em Filosofia (PUC Minas), presidente do Movimento Boa Nova (MOBON) e agente da formação de cristãos leigos e leigas.  É membro da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER), apoiador da Animação Bíblica da Pastoral no Regional Leste II da CNBB e membro da Equipe Executiva do Observatório da Evangelização. 

Faça download do texto base da Campanha da Fraternidade aqui!

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Discernir: Jesus mestre e educador https://observatoriodaevangelizacao.com/discernir-jesus-mestre-e-educador/ Fri, 04 Mar 2022 21:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44106 [Leia mais...]]]> A Campanha da Fraternidade 2022 (CF 2022) segue os passos do método ver-julgar-agir em nova roupagem, explicitada pelo Papa Francisco como escutar, discernir, agir. Depois de tratar do eixo da escuta, seguimos com dimensão do discernir. A Campanha nos permite olhar para Jesus como grande mestre e educador.

Um jeito novo de educar

No tempo de Jesus, a sinagoga era o lugar de escuta e de estudo das Escrituras Sagradas e de debater os problemas e desafios da comunidade judaica. Jesus ensinava nas sinagogas (cf. Lucas 4,14-30) e, no conjunto dos evangelhos, vemos como Jesus aproxima as Escrituras da realidade da vida. O povo percebia que suas palavras não eram vazias (simples retórica), mas ensinava com autoridade, não como os doutores da lei (Mt 7,29).

O conteúdo do ensinamento de Jesus é profundamente comprometido com a vida e o futuro de seu povo. Ele escolhe no livro de Isaías o texto em que o profeta assume a missão de libertar os pobres, os presos, os oprimidos, de abrir os olhos dos cegos e anunciar o ano da remissão, em que as dívidas eram perdoadas e era dada uma nova oportunidade de refazer a vida com dignidade. Jesus assume esta missão e a atualiza em sua vida: “Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura” (Lc 4,21). Jesus coloca a palavra em ação, traduz a Escritura em atos e atitudes a favor da vida e dos mais vulneráveis, daí vem sua autoridade, como nos apresenta o Texto Base da CF 2022 (TB 149).

Jesus é um “mestre” que se coloca a serviço da vida do povo, um educador que abre os olhos, que leva a pensar de maneira crítica, relendo os acontecimentos, com novos olhos, sempre com misericórdia (TB 151). Jesus usa a Escritura como luz para discernir a falta de fé do povo de seu tempo. É o que ele deixa claro ao retomar a ação de Deus a favor da viúva estrangeira no tempo de Elias e a favor da cura do leproso, também estrangeiro, no tempo de Eliseu. Com visão clara, Jesus denuncia a falta de fé do povo da sinagoga de Nazaré. E mesmo com um ensinamento correto, fiel às Escrituras e de olhos abertos aos acontecimentos da história, Jesus foi rejeitado, expulso da cidade e ameaçado de morte, pelos seus irmãos de fé.

Porém, animado pelo Espírito, Jesus não perdeu o rumo ou a direção de seu projeto educativo-libertador: “passando no meio deles, continuou o seu caminho” (Lc 4,30). O conjunto dos Evangelhos nos revela que a pedagogia de Jesus liberta as diversas categorias de cativos: os pecadores (Lc 15,7-10), os cobradores de impostos (Lc 15,1-2; 19,7), os que são economicamente oprimidos (Lc 16,19-31), os possuídos pelos demônios (Lc 11,14), os doentes (Lc 13,10-17), os samaritanos (Lc 17,11-19) e os gentios (Lc 13,28-20)…

Educar um processo contínuo

A CF 2022 nos aponta a necessidade de um “modelo de educação que priorize o encorajamento ao aprendizado e à construção de conhecimentos significativos, que permitam a todos os atores do processo educativo abrirem-se à aprendizagem como tarefa que nos acompanha pela vida afora” (TB 112). Uma educação que não apenas garanta o acesso à escola, ao colégio, à faculdade, mas que esteja alinhada com a garantia de melhores condições de vida, pois sem a devida preparação para o exercício de uma profissão, cresce ainda mais o muro de separação entre ricos e pobres (TB 113). É preciso que o processo ensino-aprendizagem não seja apenas eficiente, mas que seja eficaz, de olhos abertos para a realidade unindo teoria e prática (TB 116). 

A pandemia também escancarou uma realidade de exclusão social quanto ao acesso às ferramentas digitais. As aulas podiam ser acompanhadas por meio de computadores, tablets e celulares, porém muitos não tinham acesso a essas ferramentas e outros, mesmo tendo os aparelhos, não tinham acesso à rede de internet com capacidade para participar das aulas. Importa lembrar que “as tecnologias podem muito, mas não podem tudo.” Quando ofertadas de maneira desigual, reforçam a exclusão que se espera superar (TB 118).

A valorização dos trabalhadores na educação é outro desafio a ser levado a serio. A polarização de opiniões se acirrou, aumentou a intolerância e desinibiu os violentos. Como resultado, há casos de agressões, abusos e violência dentro e fora da escola (TB 120). Somos chamados a trabalhar por uma educação que promova a vida em primeiro lugar, que resgate a dignidade da pessoa humana e eduque para a fraternidade e solidariedade, que valorize, em todos os sentidos os profissionais da educação. Onde também a escola se converta em uma comunidade sempre aberta a aprender. 

Abrir-se à acolhida

Educar e educar-nos para acolher, abrindo-nos aos mais vulneráveis e marginalizados. Num mundo globalizado, a igualdade geral não foi alcançada, mas se acentuaram muitas formas de desequilíbrios sociais, econômicos e culturais. Ao lado dos cidadãos que obtêm os meios apropriados para o desenvolvimento pessoal e familiar, muitos são “não cidadãos”, “semi-cidadãos” ou “sobras urbanas”, excluídos (cf. Evangelii Gaudium, n. 74).

A educação deve, portanto, ajudar a viver o valor do respeito, deve ensinar “o amor capaz de aceitar todas as diferenças, a prioridade da dignidade de cada ser humano em relação a qualquer uma de suas ideias, sentimentos, práticas” (Fratelli Tutti 191). Jesus Cristo é o modelo maior de mestre e educador e nossa missão é sermos discípulos missionários educadores, continuadores de sua missão no mundo (TB 155). Neste sentido é muito feliz o refrão do hino da CF 2022: E quem fala com sabedoria, é aquele que ensina com amor. Sua vida em total maestria, é pra nós luz, caminho, vigor”.

A educação é um caminho para o exercício da caridade cristã, a serviço de uma sociedade mais fraterna e justa (TB 156). E, é na vivência comunitária, na construção de relações fraternas, na qual vamos nos educando, nos humanizando, na medida em que procuramos colocar em prática o que Jesus viveu e ensinou. Somos chamados a formar a pessoa humana em todas as suas dimensões, criados à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,27), nossa missão é colaborar para que as pessoas sejam um retrato vivo de Deus na atualidade. E isto devemos começar a partir de nós mesmos e das pessoas que convivem conosco, cultivemos em nosso ser e agir o falar com sabedoria e ensinar com amor (cf. Pr 31,26).

Para aprofundamento: Nosso modo de ser, de agir e educar estão, cada vez, mais próximos ou distantes do jeito de Jesus? Por quê? Em que precisamos melhorar?

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Denilson Mariano
É religioso missionário sacramentino, Mestre e Doutor em Teologia (FAJE), Licenciado em Filosofia (PUC Minas), presidente do Movimento Boa Nova (MOBON) e agente da formação de cristãos leigos e leigas.  É membro da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER), apoiador da Animação Bíblica da Pastoral no Regional Leste II da CNBB e membro da Equipe Executiva do Observatório da Evangelização. 

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Escutar: antes de ensinar, aprender https://observatoriodaevangelizacao.com/escutar-antes-de-ensinar-aprender/ Thu, 03 Mar 2022 22:05:55 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44098 [Leia mais...]]]> A Campanha da Fraternidade 2022 (CF 2022) segue os passos do método ver-julgar-agir em nova roupagem, explicitada pelo Papa Francisco como escutar, discernir, agir. A Campanha  apresenta uma grande sintonia com o Pacto Educativo Global proposto pelo Papa Francisco para todo o mundo. Traz em seu eixo uma educação que coloque a pessoa no centro, que gere compromisso comunitário, que seja comprometida com o Diálogo e a Paz, que promova uma Economia Solidária e seja comprometida com a Ecologia Integral. Em um conjunto que procura desenvolver os três passos citados acima, abaixo o primeiro deles: escutar.

Escutar é mais que ouvir

O texto chave que conduz a reflexão desta CF 2022 é João 8,1-11, o exercício da misericórdia, trabalhada com amor e sabedoria, que recupera a pessoa para além de sua culpa. Nele, é interessante perceber que depois de ter ido ao monte das Oliveiras, provavelmente para rezar e escutar o Pai, Jesus desce para o Templo de Jerusalém, lugar de peregrinações, de estudo Palavra e de culto a Deus. Jesus, antes de ensinar, escuta o Pai, aprende com Ele, por isso tem outro olhar sobre os fatos e acontecimentos. Escutar é mais que ouvir, é o ponto de partida para acolher, compreender e transformar a realidade como nos apresenta o Texto Base da CF 2022 (TB n. 26).

Os doutores da Lei trouxeram uma mulher “pega em adultério” e, com as mãos cheias de pedras, colocaram Jesus à prova. Porém, os doutores faziam uma leitura distorcida da Lei. Segundo as Escrituras, ambos os envolvidos no adultério, o homem e a mulher, deviam ser punidos (cf. Dt 22,22; Lv 20,10). Se Jesus fosse favorável à mulher, seria acusado de violar a Lei de Moisés. Se fosse favorável à Lei, confirmaria as atitudes preconceituosa e distorcida dos doutores da Lei. A Lei que deveria ser uma pedagoga, uma educadora, estava sendo desviada do seu sentido maior: a escuta de Deus.

Diante do acontecimento, Jesus se abaixa, à semelhança dos escribas que curvavam diante dos textos sagrados (TB 13) e começa a escrever no chão, como que perguntando: “O que de fato está escrito na Lei?” e, ao mesmo tempo escreve um ensinamento novo que coloca a vida acima da Lei. E como que aprendendo com aquela situação exclama: “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra.” (Jo 8,7b). A escuta de Deus nos desarma e nos abre para a misericórdia que recupera a dignidade e a vida.

Depois Jesus abre um diálogo educativo com a mulher: “ninguém te condenou?”. Com isso dá a ela o direito de se expressar em público: “ninguém Senhor”. Depois vem o perdão que permite a reparação do erro “Eu também não te condeno” e enfim a misericórdia cria condições para um novo começo: “Vai e não peques mais” (Jo 8,11).

Educar é mais aprender que ensinar

O ato educativo está primeiramente no aprender e não tanto no ensinar. Educação não é adestramento ou simples transmissão de conteúdos, é ajudar a pessoa a tomar a própria vida em suas mãos, ser sujeito de seus pensamentos, sentimentos e ações (TB n. 22).

Escutar a realidade significa o esforço de compreender seus gritos e silêncios, seus excessos e ausências. A escuta, na esteira da pedagogia de Jesus, não orienta os ouvidos somente para os sons que nos interessam. É uma escuta integral, com o ouvido e com o coração (TB n. 29). A pandemia agravou muitas situações em nosso país. Seus reflexos são visíveis nas relações sociais, na situação econômica, na dura realidade do aumento da pobreza, da fome, da carestia, dos subempregos. A indiferença se apossou de muitas pessoas, a necessidade de fechar-se nas casas, fechou também mentes e corações.

Muitos se encheram de seu pequeno mundo pessoal, familiar e se desconectaram da realidade social mais ampla em que tudo está interligado. A Campanha da Fraternidade quer nos ajudar a compreender duas lições sobre o ato de educar: a primeira diz respeito ao valor da pessoa como princípio da educação. A segunda se refere ao ato de correção, que é conduzir ao caminho reto (TB n. 25). O que podemos aprender com tudo o que vivenciamos nesta pandemia? Escutar a realidade é uma condição para construir e reconstruir o projeto de humanidade a partir dos sinais de Deus na nossa história (TB n. 32).

Educar é humanizar

A CF 2022 nos aponta que educar é ajudar cada pessoa a buscar o que há de melhor dentro dela. Educar é humanizar, é “vestir-se de força e dignidade e sorrir para o futuro” (Pr 31,25). Educar é um ato comunitário, que implica uma comunidade inteira, ninguém se educa sozinho: “Os pais são os primeiros, mas não os únicos, educadores de seus filhos”. Educar é tarefa de uma “aldeia inteira”. Entretanto, no século XXI, essa aldeia é formada por uma imensa rede social, que tem abrangência global e plasma um novo jeito de ser e de viver (TB 60). A CF 2022 defende que “Uma educação pública inclusiva e de qualidade é condição da justiça social que ainda carecemos no Brasil. Quando não priorizamos a educação pública, construímos uma dupla defasagem: não enfrentamos uma dívida social histórica e prolongamos essa situação de injustiça para as próximas gerações” (TB 74).

A CF 2022 vê na família o primeiro e indispensável sujeito educador. A família é “a primeira escola de virtudes sociais, que todas as sociedades precisam. […] Especialmente na família cristã… os filhos desde cedo devem ser educados para perceber o sentido de Deus e venerá-lo e amar os outros”. Guiando-se pelos seguinte valores: 1. Prioridade da família na educação dos filhos; 2. Participação de representantes dos pais em órgãos colegiais de decisão; 3. Aumento de políticas a favor das famílias, em especial dos socioeconomicamente mais desfavorecidos.

Para aprofundamento: O que aprendemos sobre nós mesmos com a pandemia da Covid-19? Estamos saindo dela mais humanizados, com um projeto de sociedade para todos?

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Denilson Mariano
É religioso missionário sacramentino, Mestre e Doutor em Teologia (FAJE), Licenciado em Filosofia (PUC Minas), presidente do Movimento Boa Nova (MOBON) e agente da formação de cristãos leigos e leigas.  É membro da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER), apoiador da Animação Bíblica da Pastoral no Regional Leste II da CNBB e membro da Equipe Executiva do Observatório da Evangelização. 

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“Falar com sabedoria e ensinar com amor”: uma tarefa para todos nós. https://observatoriodaevangelizacao.com/falar-com-sabedoria-e-ensinar-com-amor-uma-tarefa-para-todos-nos/ Wed, 02 Mar 2022 13:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=43956 [Leia mais...]]]>

Com o avanço da vacinação, aos poucos vamos podendo retornar a algumas atividades que foram suspensas por causa da pandemia do coronavírus. No entanto, a realidade que nos rodeia já não é a mesma de antes. Muitas situações sociais, econômicas, políticas, climáticas e religiosas foram agravadas com a pandemia. Isso leva a certo sentimento de impotência e medo do futuro.

Neste ano de 2022, os bispos do Brasil nos convidam para, à luz da fé, refletir sobre a educação em nosso país, certos de que ela é indispensável para a construção de um mundo mais justo e fraterno. Somos convidados a não ser indiferentes à nova e desafiante realidade que se abre à nossa frente. O objetivo principal desta Campanha da Fraternidade 2022 (CF 2022) é: Promover diálogos a partir da realidade educativa do Brasil, à luz da fé cristã, propondo caminhos em favor do humanismo integral e solidário.

O tema desta campanha é: Fraternidade e Educação. O lema que a ilumina e guia é tirado do livro dos provérbios: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (cf. Pr 31,26). O Texto Base (TB) preparado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tem como pano de fundo a realidade atual agravada pela pandemia e a proposta do Papa Francisco do Pacto Educativo Global que foi lançado no dia 14 de maio de 2020, em Roma e no dia 31 de janeiro de 2021, no Brasil.

A situação da educação, com o aumento do êxodo escolar e do déficit na aprendizagem, nos questiona e exige profunda conversão de todos nós. Verdadeira mudança de mentalidade, reorientação da vida, revisão das atitudes e busca de caminhos que promovam o desenvolvimento pessoal integral, a formação para a vida fraterna em comunidade e para o exercício pleno da cidadania.

A Igreja do Brasil nos aponta que refletir e atuar a favor da educação é uma forma de viver a nossa penitência quaresmal. Olhando para Jesus, mestre e educador, reconhecemos que Ele passou a vida “falando com sabedoria e ensinando com amor”, até à sua doação total na cruz para a vida do mundo. Por meio d´Ele, reconhecemos que algo pode e deve mudar em nossa sociedade, em nosso país, principalmente, em nossas relações.

Neste sentido, o Papa convida a cuidar das fragilidades do povo e do mundo em que vivemos. Um convite que não é dirigido apenas aos cristãos, mas a todos os homens e mulheres da terra, a todas as pessoas de boa vontade. Para esse cuidado, a educação e a formação tornam-se prioritárias, pois nos ajudam a nos converter em verdadeiros sujeitos na Igreja e na sociedade, construtores do bem comum e da paz.

Esta CF 2022 faz eco à proposta do Papa Francisco no Pacto Educativo Global para que se alinhem, num esforço conjunto, família-escola-sociedade em um único objetivo de educar para além dos pensamentos simplistas e reducionistas de uma educação voltada apenas para aprender conteúdos. Trata-se de compreender e fazer da educação um processo de construção da cidadania global. Nessa empreitada, cada um tem o seu papel particular e o compromisso comunitário de formar um ambiente que eduque para a vida.

Estamos diante de um exercício concreto de fraternidade, que nos envolve, desde às atitudes mais pessoais e familiares, passando por nossa presença no ambiente de trabalho e de convivência social, para “falarmos com sabedoria e ensinar com amor”.

O Texto Base da CF 2022 (disponível para download aqui) segue os passos do método ver-julgar-agir em nova roupagem, explicitada pelo Papa Francisco como escutar, discernir, agir. Isso nos faz alargar nossa compreensão e aprofundar ainda mais nossa sensibilidade diante da situação das pessoas em relação à educação: uma educação que coloque a pessoa no centro, que gere compromisso comunitário, que seja comprometida com o diálogo e a paz, que promova uma economia solidária e seja comprometida com a ecologia integral. Falar com sabedoria e ensinar com amor é uma tarefa para todos nós.

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Denilson Mariano
É religioso missionário sacramentino, Mestre e Doutor em Teologia (FAJE), Licenciado em Filosofia (PUC Minas), presidente do Movimento Boa Nova (MOBON) e agente da formação de cristãos leigos e leigas.  É membro da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER) e apoiador da Animação Bíblica da Pastoral no Regional Leste II da CNBB.

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Carta do padre Konings https://observatoriodaevangelizacao.com/carta-do-padre-konings/ Sat, 23 Dec 2017 14:34:01 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27183 [Leia mais...]]]> “Não podemos ficar assistindo passivamente a uma política econômica e social suicida e ao esvaziamento da humanidade dos indivíduos. Inundados por informação, perdemos a capacidade de pensar e agir.

É isso aí, gente. Mas, ao recordar que alguém que nasceu numa estrebaria virou o profeta que mais mexeu com o mundo, creio que há esperança.”

Assim termina a carta de final de ano que J. Konings enviou a seus amigos. Tomei a liberdade de adaptá-la, em seu início, e publicá-la aqui para nos ajudar – a todos os que desejamos experimentar a prometida “paz na Terra aos homens de boa vontade” – a refletir sobre pontos relevantes, que podem fazer de 2018 um ano bem melhor… Que Deus nos abençoe!

Tânia Jordão

 

Caras amigas, caros amigos,

Ao enviar a minha saudação natalina, […]

Meu pensamento não abandonou o povo brasileiro, muito amado e muito abandonado. Decerto, há ainda uma aparência de bem-estar material, até de progresso… Mas que progresso? Venda de automóveis, aumento da violência e competição para um lugar debaixo das pontes…

Estou preocupado, sobretudo, com o que se chama de educação. Os brasileiros, em geral, são agradáveis, amáveis, corteses, têm boas maneiras. São simpáticos e comunicativos. Alegres até, pois riem para não chorar. Mas muitos chegam ao fim do ensino fundamental sem domínio da língua pátria, da matemática e das ciências. Sem compreensão da história, da sociedade e da própria pessoa. Nas escolas públicas é comum encontrar no oitavo ou nono ano pessoas “normais” que não sabem ler, por falta de método educativo coerente e/ou de atenção psicopedagógica. Perde-se muito tempo na aula. Não se aprende a aprender – coisa que exige disciplina. Professores e direções se veem impotentes diante de fatores estranhos à educação. Atmosfera generalizada de imediatismo, de consumismo, até na sala de aula. Substituição da recepção auditiva (ouvir e refletir) pela meramente visual (ver e crer que as coisas são assim mesmo…). E os profissionais da educação cruzando os braços ou levando as mãos à cabeça…

As crianças e adolescentes não aprendem a observar e a compreender o mundo em que vivem. Com isso viram vítimas de todo tipo de manipulação, comercial, política, religiosa. Falava-se em Paulo Freire, mas agora está sendo demonizado, seu nome tirado de praças e ruas… Fala-se ainda, às vezes, em Piaget. Mas o que queriam esses educadores? Que os jovens, e também os adultos, observassem o mundo em que vivem e a partir daí construíssem um saber que lhes servisse. Entretanto, muitos nem sabem o nome da rua vizinha ou até da sua própria. Não aprendem a agarrar o boi pelos chifres para os afazeres de cada dia. Muita alienação.

Estou preocupado também com o cristianismo, a tradição religiosa na qual me insiro. Digo “cristianismo”, porque muitas coisas são comuns à igreja católica e às protestantes. Estou preocupado com o fundamentalismo, o recorrer a frases bíblicas absolutizadas ou a dogmas e tradições inquestionáveis para não ter de refletir sobre a realidade vivida. E no meio disso, as inclarezas do ensino religioso na escola pública. Catecismo é questão de comunidade, mas na escola pode-se aprender a observar, estudar a fé das pessoas como elemento do mundo em que se vive. Como formação humana integral, respeitosa, aberta. Como saber viver. Se “a graça supõe e eleva a natureza”, como dizem os teólogos, comecemos enobrecendo a natureza…

Quem viveu com todo o entusiasmo os anos do Concílio Vaticano II não pode ficar quieto diante da onda de neoconservadorismo que sopra na igreja. Claro, não da parte do Papa Francisco – embora seja teologicamente mais prudente do que dizem seus adversários! Eu mesmo me considero como “tradicional”, acredite ou não. Dediquei tempo imenso à organização de grandes obras que representam a tradição cristã (a Bíblia) e católica (o Compêndio de Dogmas e Declarações de fé e moral).
No seio da CNBB estou articulando um ambiente para os biblistas católicos de nível acadêmico superior, porque eles e seus bispos têm questões e projetos específicos a serem contemplados. Amo nossa tradição, mas não o neoconservadorismo. A Idade Média passou. O Concílio de Trento foi atualizado no Concílio Vaticano II, que, por sua vez, precisa ser atualizado em cada parte do mundo, na África, na América Latina, e também na velha Europa.

E há um neoconservadorismo que não o parece: escondido atrás do som de guitarras elétricas, com melodias incantáveis que os fãs procuram impingir nas comunidades paroquiais, transformando a missa em show, tudo para curtir um Jesus “espiritual”, que não mexe com os conflitos do mundo. Perdeu-se a consciência de que a missa é a memória viva de Jesus, o qual, por amor e fidelidade até o fim, enfrentou a morte. Tremenda superficialidade que invadiu o mundo, no qual vale a nova máxima: “Eu posto, logo sou”.

Estamos vivenciando o fim de uma civilização. O Papa Francisco o diz abertamente: no caminho em que estamos não há mais como continuar. Por um lado, o esgotamento do habitat humano. Por outro, a morte do ser humano pessoal. O ser humano acoplado à eletrônica, se não se cuidar, poderá acabar anencéfalo, reduzido a registrar e reagir, sem saber o que está fazendo. O “sistema” é que vai mandar. Não podemos ficar assistindo passivamente a uma política econômica e social suicida e ao esvaziamento da humanidade dos indivíduos. Inundados por informação, perdemos a capacidade de pensar e agir.

É isso aí, gente. Mas, ao recordar que alguém que nasceu numa estrebaria virou o profeta que mais mexeu com o mundo, creio que há esperança.

Desde já, feliz Natal e Ano Novo.

Johan Konings, dezembro de 2017.

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