Ecumenismo e diálogo inter-religioso – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 09 Feb 2021 20:20:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Ecumenismo e diálogo inter-religioso – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O Concílio Vaticano II confirmou a necessidade de avançar na caminhada ecumênica e no diálogo inter-religioso https://observatoriodaevangelizacao.com/o-concilio-vaticano-ii-confirmou-a-necessidade-de-avancar-na-caminhada-ecumenica-e-no-dialogo-inter-religioso/ Tue, 09 Feb 2021 20:20:48 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=38006 [Leia mais...]]]> Em 4 de fevereiro de 2021, completou-se dois anos desde a assinatura do histórico “Documento sobre a fraternidade humana para a paz mundial e a convivência em comum” entre o papa Francisco e o grande Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyib. O pacto não se tornou apenas uma pedra miliar nas relações entre cristianismo e islamismo, mas uma bússola para cultura do diálogo, da colaboração comum e do conhecimento mútuo entre diferentes religiões.

Dom Manoel João Francisco, presidente da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso da CNBB.
Foto: Comunicação CNBB.

Aproveitando a data e a proximidade de lançamento da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 (CFE), republicamos uma entrevista concedida ao portal da CNBB, há um ano, pelo  bispo de Cornélio Procópio (PR) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Manoel João Francisco. Na conversa, ele apresentou em quais documentos fundamentais da Igreja se assentam as bases para a promoção do ecumenismo e do diálogo inter-religioso.

Segundo o bispo, a tentação da separação existiu desde os primórdios da Igreja. Sabendo desta dificuldade, nos disse dom Manoel, Jesus, antes de partir, reza ao Pai, pedindo que seus seguidores se mantenham unidos. “Eu não rogo somente por eles, mas também por aqueles que vão crer em mim pela palavra deles. Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21).

O bispo de Cornélio Procópio informou que no início do movimento ecumênico, no começo do século XX, a Igreja católica não se envolveu. “Pelo contrário se opôs de forma muito dura”, disse. De acordo com dom Manoel, foi só com o Concílio Vaticano II (1962-1965) que aos católicos foi permitido a participação na caminhada ecumênica. “O que era antes proibido e até condenado, a partir do Concílio Vaticano II passou a ser incentivado como ‘sopro da graça do Espírito Santo’ e como ‘sinais dos tempos’ (UR nº 4)”, esclarece.

Segundo o decreto Conciliar Unitatis Redintegratio (UR) a Igreja entende por movimento ecumênico as iniciativas e atividades, suscitadas e ordenadas, segundo as várias necessidades da Igreja e oportunidade dos tempos, no sentido de favorecer a unidade dos cristãos (UR nº 4). “Não há verdadeiro ecumenismo sem conversão interior. É que os anseios de unidade nascem e amadurecem a partir da renovação da mente, da abnegação de si mesmos e da libérrima efusão da caridade” (UR nº 7)

O Concílio orienta também, segundo o bispo, que “sem dúvida, é necessário que os fiéis católicos, na ação ecumênica, se preocupem com os irmãos separados, rezando por eles, comunicando-se com eles sobre assuntos da Igreja, dando os primeiros passos em direção a eles. Mas, sobretudo, examinem, com espírito sincero e atento, o que dentro da própria Família católica deve ser renovado e realizado, para que sua vida dê um testemunho mais fiel e luminoso da doutrina e dos ensinamentos recebidos de Cristo, através dos apóstolos” (UR nº4).

Outro passo importante, segundo o presidente da Comissão para o Ecumenismo da CNBB, foi dado em 1995, pelo então papa João Paulo II em sua Encíclica “Ut Unum Sint”, na qual em vez da expressão “irmãos separados” ainda presente nos textos do Concílio Vaticano II, restabeleceu a expressão “Igrejas irmãs” (UUS 56), própria do primeiro milênio. Nesta mesma encíclica, João Paulo II pede aos católicos que fujam “do desleixo no empenhamento pela unidade e, mais ainda, da oposição preconcebida ou do derrotismo que tende a ver tudo pelo negativo” (UUS 79).

No documento em preparação ao Jubileu do Ano 2000, “Na Chegada do Terceiro Milênio”, o mesmo Papa, afirmou sua convicção de que o testemunho dos mártires das diversas Igrejas cristãs fala aos nossos dias com voz mais alta do que os fatores da divisão. “A Igreja do primeiro milênio nasceu do sangue dos mártires. (…). No final do segundo milênio, a Igreja tornou-se novamente Igreja dos mártires. (…). O seu testemunho, dado por Cristo, até o derramamento do sangue, tornou-se patrimônio comum dos católicos, ortodoxos, anglicanos e protestantes. (…) O ecumenismo dos santos, dos mártires, é talvez o mais persuasivo (TMA 37).

Diferença entre ecumenismo e diálogo inter-religioso

O ecumenismo é o diálogo entre os cristãos que professam a fé em Jesus, na Trindade, no Mistério Pascal, na Redenção, na Graça, enfim, toda a fé do Novo Testamento. Já o diálogo inter-religioso, como a própria nomenclatura sugere, acontece entre as diferentes religiões (budismo, islamismo, judaísmo, xintoísmo, cristianismo etc).

(Os grifos são nossos)

Todos os fieis das diversas religiões creem no amor!

Fonte:

www.cnbb.org.br

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Um balanço da caminhada do ecumenismo e do diálogo inter-religioso na Arquidiocese de Belo Horizonte https://observatoriodaevangelizacao.com/balanco-da-caminhada-do-ecumenismo-e-do-dialogo-inter-religioso-na-arquidiocese-de-belo-horizonte/ Tue, 10 Dec 2019 18:50:34 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33760 [Leia mais...]]]> Convidamos você a ler o resultado da pesquisa dos professores Carlos Frederico e Paulo Agostinho sobre a caminhada do ecumenismo e do diálogo inter-religioso na Arquidiocese de Belo Horizonte com a seguinte pergunta na cabeça: que outras experiências ecumênicas e de diálogo inter-religioso você conhece e julga que poderiam aqui ser acrescentadas?

Aquilo que ardentemente desejamos merece o melhor dos nossos esforços. Dom Aloísio Lorscheider

Introdução

O ecumenismo e, especialmente, o diálogo inter-religioso são realidades que se desenvolveram efetivamente na Igreja Católica a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965). Alguns pouquíssimos gestos podem ter ocorrido antes, mas configuravam uma exceção e não expressões de planejamento e da intenção eclesiástica. Não havia uma consciência clara sobre essas questões. 

Na busca de inventariar e registrar a caminhada do ecumenismo e do diálogo inter-religioso na Arquidiocese de Belo Horizonte, optou-se por  pesquisar o registro das expressões ecumênicas e dialogais na Arquidiocese. Primeiramente, houve uma pesquisa dessa questão nos documentos e arquivos diocesanos. Infelizmente, nem toda a caminhada ficou documentada. Alguns dos agentes desse processo também já não estão mais entre nós, mas mesmo assim foi possível encontrar um pouco dessa história.

O relato dessas vivências que conseguimos alcançar pela pesquisa expressa um pouco da vida e da rica experiência dialogal que frutificou na Arquidiocese de Belo Horizonte, mas com a consciência de que essas narrativas não revelam toda a caminhada que se realizou e seu impacto na vida das pessoas.

As fontes para a redação deste texto são de ordem escrita e oral. Do ponto de vista da documentação escrita, são de importância os registros guardados no Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte e os arquivos do CONIC, regional Minas Gerais. 

Do ponto de vista das fontes orais, foram muito importantes os diálogos tidos com pessoas ligadas ao movimento ecumênico em Belo Horizonte, como a irmã Márcia Maria Lobo Leite, presidente do CONIC MG no período de 2006-2012, e o pastor Márcio Moreira, da Igreja Presbiteriana Unida. Também foram muito importantes as mensagens e conversas com Dom Luiz Gonzaga Fechio, na época, bispo auxiliar de Belo Horizonte e presidente da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo inter-religioso do Regional Leste II; com o Pe. Wolfgang Gruen, biblista salesiano e entusiasta do diálogo ecumênico e inter-religioso; com o Rabino Leonardo Alanati, da comunidade israelita; e com o Sr. Daniel Yussuf, da comunidade islâmica de Belo Horizonte. Uma figura que esteve presente desde 1964, animando a vida da Igreja no Brasil e em Belo Horizonte, deve ser registrada: Pe. Alberto Antoniazzi. Os Planos Pastorais, os Projetos de Evangelização no Brasil e na Arquidiocese tiveram a contribuição desse grande filósofo, teólogo e pastoralista. Alguns dos documentos pesquisados foram fruto de sua caligrafia e datilografia, mas de forma especial foram produtos de seu trabalho e imensa dedicação à Igreja e do seu testemunho cristão.

A todas estas pessoas, bem como a cada instituição que nos abriu seus arquivos para nossa pesquisa, os mais sinceros agradecimentos e gratidão. Sem esta abertura, não seria possível a redação deste texto. Agradecimento estendido ao acadêmico Paulo Vinícius Faria Pereira, do curso de Teologia da PUC Minas, pela pesquisa no jornal O Diário.

Experiências dialogais na Arquidiocese de Belo Horizonte 

Nos finais da década de 1970 e durante os anos de 1980, houve um rico diálogo e intercâmbio de experiências pastorais na dimensão social, principalmente na “Região Industrial”, envolvendo tanto padres católicos, pastores (de maneira especial luteranos, presbiterianos e metodistas, alguns evangélico-pentecostais) e lideranças leigas das várias Igrejas. Eram os anos duros do regime militar. Houve grande apoio às lutas dos operários, sindicalistas e professores. Encontros fraternos de planejamento, avaliação e oração em comum ocorriam em várias paróquias e no Centro Pastoral Nossa Senhora Aparecida, em Contagem.

A Arquidiocese de Belo Horizonte sempre teve uma participação expressiva na Comissão de Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso do Regional Leste II, com representação oficial.

Em 2008, foi constituído oficialmente o Grupo de Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso (GREDIR), sob a supervisão do Vicariato Episcopal para a Ação Pastoral. Apesar de não ter reuniões regulares e encontrar-se meio desativado, representa um esforço da parte da Arquidiocese de ter uma instância que seja um referencial com relação a essa dimensão.

Há na Arquidiocese a presença de dois institutos de consagração que têm um carisma explicitamente ecumênico: os Focolares de Chiara Lubich, movimento que chegou a Belo Horizonte em 1970 e tem participado e apoiado várias instâncias e atividades em nível ecumênico e de diálogo em reuniões e momentos espirituais. E, mais recentemente, no final dos anos de 1990, chegaram os irmãos e irmãs da Comunidade do Caminho Novo (CCN), que sinalizam e trabalham num caminho ecumênico em todas as suas atividades. Fruto dessa presença é a implantação do Curso Alpha, no contexto católico no Brasil, em Belo Horizonte, por iniciativa do Pe. Philippe Berger, CCN. Nascido na Igreja Anglicana, na Inglaterra, nos finais de 1980, o curso espalhou-se por todo o mundo, sendo aplicado por outras Igrejas e comunidades cristãs, também na Igreja Católica, com o aval de João Paulo II e Bento XVI. Trata-se de um curso de evangelização, centrado no querigma, na nucleação de um grupo de vida cristã e inserção numa comunidade eclesial, de cunho marcadamente ecumênico. Em maio de 2007, uma delegação de padres e leigos da Arquidiocese participou em Londres da Semana Internacional Alpha, num encontro ecumênico que congregou mais de mil pessoas de cerca de 150 países. Nesse mesmo ano, houve uma edição desse curso na PUC Minas. Atualmente é aplicado em várias paróquias da Arquidiocese.

 Em 2012 constituiu-se uma pequena comissão que realiza o diálogo com as religiões afro-brasileiras, de maneira especial o diálogo católico-candomblé, sob a orientação da assessoria da CNBB.

Entre as experiências de diálogo inter-religioso mais significativas na Arquidiocese, encontra-se também a relação com o judaísmo. Há quase 30 anos se realiza o Seder – judeus e cristãos celebram os eventos do Êxodo e da libertação da escravidão no Egito.

Em breve relato do Rabino Leonardo Alanati, percebe-se que foram muitas as atividades realizadas entre a comunidade judaica e os cristãos, especialmente com a comunidade católica da Arquidiocese. Além de palestras em escolas, cursos de teologia judaica na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) e participação em debates na PUC Minas, houve intenso dinamismo de encontros e reuniões.

Em abril de 1997, duzentas pessoas, judeus e cristãos, sob a liderança do Rabino Leonardo, celebraram juntos o Seder Fraterno. As orações foram feitas em português com a participação intensa dos presentes. O coral da Congregação Israelita Mineira – CIM cantou em hebraico diversas canções tradicionais. Dom Serafim Fernandes de Araujo, arcebispo da Arquidiocese de Belo Horizonte na ocasião, e o Pastor Marcio Moreira discursaram brevemente. 

Nesse mesmo ano, em setembro, na Associação Israelita Brasileira em Belo Horizonte, houve a VIII Assembleia Anual do Diálogo Católico-Judaico, com a participação de 35 líderes católicos e judeus e mais de 120 pessoas. Além do Rabino Alanati, estiveram presentes o Rabino Sobel (São Paulo) e o reitor da PUC-Rio, Pe. Jesus Hortal. Houve a apresentação do coral da Igreja de São Lucas.

Também em setembro, logo após esse evento, aconteceu o Encontro Latino-Americano do Diálogo Católico-Judaico, CELAM, em Belo Horizonte.

O trabalho de Frei Félix, já mencionado, foi além da Fraternidade cristão-judaica. Em1995 ele criou um grupo que reunia cristãos, judeus e muçulmanos. A participação de outro religioso nesse trabalho – o salesiano Pe. Wolfgang Gruen – também foi muito importante. 

No mês de novembro de 1997, na sede do movimento Focolarino, realiza-se mais um encontro entre judeus, católicos e muçulmanos. Nesse mesmo ano, o Núcleo de Estudos de Teologia da PUC Minas promove um debate sobre religiões que se transforma em número da revista Horizonte: “O monoteísmo – judaísmo, cristianismo e islamismo, religiões intolerantes?”, com a contribuição de Frei Félix, do Sr. Reynaldo Luiz Calvo (ex-presidente da União Israelita de Belo Horizonte) e do Sr. Daniel José Fernandes Rocha (do Centro Islâmico de Minas Gerais).

Dando um salto cronológico, houve em 2002 um evento inter-religioso importante que contou com lideranças cristãs, judaicas e muçulmanas. Em setembro, na PUC Minas, realizou-se a “Manifestação em prol da convivência inter-religiosa pacífica”. 

No ano seguinte, em março de 2003, Belo Horizonte sediou a XII Assembleia Nacional do Diálogo Católico Judaico com a participação de mais de 40 lideranças de todo o país. Um dos painéis foi “Diálogo em tempo de crise”, com a participação do rabino Leonardo Alanati, do Prof. Pedro Ribeiro de Oliveira e do jornalista Jaime Spitzkowski.

Com a chegada do novo Arcebispo de Belo Horizonte – Dom Walmor Oliveira de Azevedo, houve em dezembro de 2005 um fraterno encontro do Conselho da Fraternidade Cristão-Judaica na Sinagoga. A saudação de Dom Walmor foi muito bem recebida pela comunidade judaica.

Um pouco antes, em novembro de 2005, realizou-se na sinagoga a Celebração dos 40 anos do Documento do Vaticano II –  Nostra Aetate. Cerca de 250 pessoas, judeus e católicos, estiveram presentes no Cabalat Shabat, seguido de Kidush, palestras do Padre Wolfgang Gruen e do rabino Leonardo Alanati e apresentação de corais judaico e católico.

Deve-se registrar também que o relacionamento entre as Irmãs Paulinas e a comunidade judaica foi outra importante expressão de diálogo inter-religioso. Além de aulas na Associação Israelita Mineira, há a participação em celebrações como o serviço de Cabalat Shabat.

Em 2012, no mês de outubro, houve, em Belo Horizonte, a 18ª Assembleia Nacionaldo Diálogo Católico Judaico. O tema deste ano foi Bíblia e Ecologia e uso de mídias digitais para promover o diálogo inter-religioso. Além do presidente da Comissão Episcopal para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-Religioso da CNBB – Dom Francisco Biasin – e do presidente da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-Religioso do Regional Leste II – Dom Luiz Gonzaga Fechio, bispo auxiliar de Belo Horizonte –, participaram o Pe. José Bizon (coordenador da parte católica na Comissão de Diálogo Católico-Judaico) e o palestrante Pe. Johan Konings, da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE.

 Além do judaísmo, o relacionamento com o Islã foi bem significativo, especialmente a partir de 1995, com encontros frequentes entre cristãos, judeus e muçulmanos. Tal movimento se manteve até 2001. Da parte católica, os dois grandes mentores e participantes foram Frei Félix e Pe. Gruen. As reuniões aconteciam no Colégio Santo Antônio, na Mesquita e na Associação Israelita. Participavam em média 10 pessoas das três comunidades religiosas. Segundo o Sr. Daniel Yussuf, através desse relacionamento, o “Islam saiu do gueto e entrou na Sociedade de Belo Horizonte”.

Houve a tentativa de incluir nesses encontros os membros de igrejas protestantes pentecostais. Infelizmente, houve a recusa. Numa postura exclusivista, disseram que “não se sentariam à mesa que tivesse idólatras (Católicos), negadores do ‘verdadeiro cristianismo’ (Presbiterianos, Batistas, Metodistas) e ‘assassinos’ de Jesus (Judeus) e pagãos (Muçulmanos)”. Percebe-se que o diálogo inter-religioso não é uma dinâmica fácil de ser introduzida, pois há longa tradição de exclusão e de condenações. Mas graças ao trabalho pioneiro que se realizou na Arquidiocese, houve grande avanço, especialmente com as três tradições monoteístas.

O depoimento do Sr. Daniel Yussuf, da comunidade islâmica, é muito importante e expressa a riqueza que o encontro dialogal provoca:

Frei Felix foi para mim um verdadeiro pai, amigo e irmão. […]. Quando lhe dei um Alcorão de presente, logo no início de nosso projeto, ele sempre falava que nunca dormia sem ler alguns versículos. Ele gostava muito da surah (capítulo) chamado Maryam (Maria), onde relata a vida de Maria, o nascimento de Jesus e seu papel como um dileto profeta de Deus. Frei Felix está sempre no meu coração. […] Pena que nós não tínhamos uma ata para relatar nossas reuniões e não ficou nada escrito, só na minha memória. Eu me sentia muito feliz no contato com estes homens de bem e tementes a Deus. E aprendi muito com eles.” (YUSSUF, Mensagem eletrônica, 30 out.2012).

Um dos espaços que ultrapassam o setor pastoral, mas que se revela importante lugar de diálogo, fruto do empenho de Dom Walmor Azevedo de Oliveira, foi a criação na PUC Minas do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Além da pós-graduação lato sensu, o programa também oferece o curso de Mestrado e Doutorado. Dezenas de alunos e alunas, de diversas confissões religiosas e também aqueles sem vínculos religiosos já passaram pelo curso e produziram suas monografias, dissertações e teses. É um exercício de diálogo teórico e crítico que marca a vida acadêmica e profissional de muitos, especialmente para professores da área de Educação Religiosa. O Programa também conta com significativos meios de comunicação: o Programa Re-Ligare, na PUC TV, e a revista Horizonte, muito bem avaliada pela CAPES (A 2).

Pode-se concluir que, apesar das dificuldades, o diálogo continua como meta e missão, pois a Igreja “sente-se empenhada no diálogo sobretudo por causa da sua fé: a revelação faz-nos entrever no mistério trinitário uma vida de comunhão e de intercâmbio” (DM n. 22). Em Belo Horizonte esse desafio continua, ainda mais pela revitalização e impulso que a partir da IV Assembleia do Povo de Deus vem provocando em toda esta Igreja local.

Conclusão

Essa visão geral sobre o ecumenismo e o diálogo inter-religioso na Arquidiocese de Belo Horizonte procurou apresentar formas e experiências, além de trazer alguns registros históricos, documentais e de depoimentos. Mas a vida não consegue ser apreendida apenas nessas formas e nem sempre está documentada.

Mais do que contar sobre o passado das experiências dialogais, tanto ecumênicas quanto inter-religiosas, gostaríamos que essa história fosse compreendida como parte de um grande desafio que precisa ser enfrentado, cada dia.

Quando a Assembleias do Povo de Deus, recentemente a VI APD foi finalizada, estabelece Diretrizes para a Ação Evangelizadora, devemos encontrar, nessa caminhada construída coletivamente, elementos para dinamizar a ação ecumênica e dialogal. Como Igreja Viva, a Arquidiocese de Belo Horizonte conta com muitos elementos pastorais, instituições, comunidades e pessoas capazes de fazer acontecer o diálogo. Por exemplo, na mensagem de Dom Walmor convocando para a IV Assembleia, em 2012, se dizia que ela é “uma convocação que exige um gesto concreto vivencial, um colocar-se diante de Deus. Trata-se de uma caminhada que encontra forças em nosso compromissocristão, de fazer chegar, cada vez mais longe, a Palavra do Mestre.” (AZEVEDO, 2012b).

O documento de Aparecida nos provoca nesse sentido e aponta para essa Palavra do Mestre Jesus Cristo: “a falta de unidade representa um escândalo, um pecado e um atraso no cumprimento do desejo de Cristo: ‘Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti. E para que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo acredite que tu me enviaste’” (Doc. Aparecida, 2007, n. 227). E sobre o diálogo inter-religioso, o mesmo documento (n. 239) afirma:

O diálogo inter-religioso, além de seu caráter teológico, tem significado especial na construção da nova humanidade: abre caminhos inéditos de testemunho cristão, promove a liberdade e dignidade dos povos, estimula a colaboração para o bem comum, supera a violência motivada por atitudes religiosas fundamentalistas, educa para a paz e para a convivência cidadã; é um campo de bem-aventuranças que são assumidas pela Doutrina Social da Igreja.

Dom Walmor Oliveira, em seu livro Ética em diálogo (2012) nos ajuda a pensar sobre o desafio de conviver com o diferente:

A capacidade de lidar com o outro, nos percursos em que a escuta, a partilha, a compreensão e a comunhão são metas, é o segredo de conquista da realização pessoal e, consequentemente, da promoção de relações sociais mais justas” (AZEVEDO, 2012a, p. 146).

Como Igreja Viva, sempre em Missão, a Arquidiocese de Belo Horizonte deve continuar sua caminhada ecumênica e dialogal, iniciada com Dom João Resende Costa (1957a 1986), continuada com o Cardeal Dom Serafim Fernandes de Araújo (1959 a 2004) e, a partir de 2004, com Dom Walmor de Oliveira, e enfrentar os novos desafios que a história lhe aponta e a missão e fidelidade à Palavra de Deus lhe exigem. O diálogo inter-religioso e o ecumenismo continuam como grande desafio.

Prof. Dr. Carlos Frederico Barboza de Souza e Prof. Dr. Paulo Agostinho Nogueira Baptista

Professores do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas

Depois de ler o artigo dos professores Carlos Frederico e Paulo Agostinho, que outras experiências ecumênicas você conhece e que podem aqui ser acrescentadas?

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