Dom Vicente de Paula Ferreira – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Sun, 27 Feb 2022 12:00:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Dom Vicente de Paula Ferreira – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Assembleia Eclesial: oportunidade para “escutar a polissemia do Povo de Deus” https://observatoriodaevangelizacao.com/assembleia-eclesial-oportunidade-para-escutar-a-polissemia-do-povo-de-deus/ Sun, 27 Feb 2022 12:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44028 [Leia mais...]]]> Reflexionar sobre os desafios e perspectivas da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe foi o propósito da Aula inaugural do Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP), que está completando 50 anos de caminhada. O palestrante foi Dom Vicente de Paula Ferreira, bispo auxiliar de Belo Horizonte que vê na Assembleia Eclesial uma oportunidade de escutar o povo de Deus na sua totalidade e variedade. Acompanhe a matéria de Luis Miguel Modino:

Não se instalar na comodidade

O bispo partiu do contexto da Assembleia Eclesial, convocada pelo Papa Francisco em 24 de janeiro de 2021, com o tema “Somos todos discípulos missionários em saída”, inspirada na eclesiologia do Concílio Vaticano II e na Conferência de Aparecida.

A assembleia aconteceu em formato híbrido, virtual e presencial, com um pequeno grupo na sede da Conferência Episcopal Mexicana, de 21 a 28 de novembro de 2021, com uma presença aproximada de mil pessoas, a maioria homens, membros da hierarquia. Dom Vicente vê a Assembleia Eclesial como uma oportunidade para “escutar a polissemia do Povo de Deus em nosso Continente, em suas alegrias e preocupações”, que antecedeu o Sínodo sobre a Sinodalidade que acontecerá em 2023.

O tema nos leva a refletir sobre o número 383 do Documento de Aparecida, que afirma que “a Igreja necessita de forte comoção que a impeça de se instalar na comodidade, no estancamento e na indiferença, à margem do sofrimento dos pobres do Continente”. Daí que o bispo auxiliar de Belo Horizonte considere a Assembleia Eclesial como “o desejo de transbordar a caminhada já feita, avançando em pontos importantes”.

Após apresentar a metodologia da Assembleia, com palestras, testemunhos, celebrações e reuniões em grupos, e os 12 desafios ou perspectivas surgidos da Assembleia, o bispo refletiu sobre questões emergentes para a Evangelização em nosso continente, uma abordagem feita desde duas perspectivas, a conjuntura socioambiental e eclesial.

Subserviência ou soberania?

Na análise socioambiental Dom Vicente de Paula Ferreira refletia sobre aquilo que considera uma clara expressão do capitalismo neoliberal: um por cento da população domina a terra, até o ponto que uma dezena de pessoas controlam riquezas equivalentes ao que possuem outros 50%. O modo de dominar é pela violência em relação aos povos e territórios, “um cenário reforçado por emergências de grupos radicais de extrema direita que estão a serviço desse discurso autoritário capitalista”, segundo o bispo.

Diante dessa realidade, o continente Latino-americano e Caribenho busca, segundo o bispo auxiliar de Belo Horizonte, “sua sobrevivência na grande tensão: ou continuar subserviente ao Norte mundial ou assumir caminhos de soberania”. Diante da destruição dos direitos humanos e ambientais no Brasil, o bispo advertiu do perigo da barbárie fascista. Frente a isso disse sonhar com uma contra hegemonia, nascida dos movimentos sociais e de reações democráticas.

Cisma latente

Em relação à Igreja, Dom Vicente de Paula falou das três conversões profetizadas pelo Papa Francisco: Eclesiológica (Evangelii Gaudium), Ecológica (Laudato Sì) e Cultural (Fratelli Tutti), afirmando existir pessoas, grupos, redes que se empenham nessa direção, citando exemplos disso. Mas também relatava a existência de grupos fechados, centrados no culto, alienados da vida, com uma fé sem a dimensão política, uma espiritualidade da prosperidade, reprodutora do sistema de consumo, o que tem como resultado um cristianismo de consumo.

O bispo chegou a falar de uma perseguição aos que buscam uma Espiritualidade socio-ambiental-transformadora, imagem do Reino de Deus. Isso se manifesta em um “cisma latente entre nós”. Existem, segundo Dom Vicente de Paula, “tribunais da fé representados por grupos ou influencers do ‘verdadeiro sagrado’, que se julgam legítimos defensores de Deus, da Pátria e da família”.

Igreja com rosto Latino Americano e Caribenho

Finalmente apontou o que ele considera algumas questões cruciais para a eclesiologia do futuro. Dentre outros colocou o protagonismo de todo batizado como ruptura do clericalismo; o fortalecimento de uma Igreja com rosto Latino Americano e Caribenho decolonial, que ele definiu como indígena, preta e feminina; uma Comunicação Popular Libertadora, com cidadania eclesial de todos, como confronto à manipulação das narrativas espiritualistas de muitos meios de comunicação, verdadeiros promotores de influencers digitais sagrados; investimento nas comunidades eclesiais de base como superação do cristianismo de massa.

Junto com isso, uma Teologia da Libertação Renovada como promoção de uma Igreja socioambiental transformadora, com a ecologia integral como elemento transversal; a ministerialidade das mulheres como urgente superação do machismo; a inclusão das reivindicações LGBTQIA+ como forma de superação da homofobia eclesial; a recepção da Amoris Laetitia, que leve a refletir sobre a segunda união matrimonial e a ordenação de homens casados.   

/*! elementor – v3.5.5 – 03-02-2022 */
.elementor-widget-image{text-align:center}.elementor-widget-image a{display:inline-block}.elementor-widget-image a img[src$=”.svg”]{width:48px}.elementor-widget-image img{vertical-align:middle;display:inline-block}

pe. Luis Miguel Modino
Natural da Espanha, é missionário Fidei Donum na Diocese de São Miguel da Cachoeira, Amazonas. É parceiro do Observatório da Evangelização e articulista em diversos periódicos e revistas virtuais católicas.

]]>
44028
Brumadinho – 25 é todo dia https://observatoriodaevangelizacao.com/brumadinho-25-e-todo-dia/ Tue, 12 Jan 2021 14:34:30 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37604 [Leia mais...]]]>

Que Minas?

Dom Vicente Ferreira

Das mineradoras
que não nos levam a sério e
só levam nosso minério?

Ou Minas de água doce
montanhas, grande sertão
gente de fé, povo bão?

Que nosso luto seja verbo
para que Minas Gerais
não nos reste
apenas ais

(Dom Vicente Ferreira) 

@dom_vicente_ferreira

Durante o mês de preparação da 2ª Romaria, o livro estará com preço especial: R$25,00

Você pode adquiri-lo ligando no telefone: (31)3571-1300

#SomosTodosRomeiros#

RomariaPorBrumadinhos

]]>
37604
Dom Vicente Ferreira, após morte de trabalhador, denuncia “esse reino de morte das multinacionais, da mineração, que só pensa no lucro e descarta a vida” https://observatoriodaevangelizacao.com/dom-vicente-ferreira-apos-morte-de-trabalhador-denuncia-esse-reino-de-morte-das-multinacionais-da-mineracao-que-so-pensa-no-lucro-e-descarta-a-vida/ Mon, 21 Dec 2020 13:03:45 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37188 [Leia mais...]]]> Mais uma morte numa lista que cresce continuamente, mais uma vida soterrada na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, local onde no dia 25 de janeiro de 2019 foram soterradas 272 pessoas, um sem número de outros seres e parte do rio Paraopeba. A culpada de tudo isso tem nome, a mineradora Vale.

As palavras de Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar de Belo Horizonte, em nome do grupo de trabalho de ecologia integral e mineração do Regional Leste 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, juntamente com a região episcopal Nossa Senhora do Rosário da Arquidiocese de Belo Horizonte, cuja sede está em Brumadinho, rede Igrejas e Mineração, e outros grupos eclesiais, grupos que fazem parte desta luta, querem mostrar que “mais uma vez podemos estar diante do fato de que não foi um acidente”.

Existem provas que mostram a neglicencia da Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, que tem provocado inúmeros crimes ambientais e humanos no Brasil ao longo de décadas, sempre com a conivência dos diferentes governos que continuam liberando licenças para acabar com a casa comum e a vida das pessoas. Desta vez, segundo as palavras do bispo, “em nota de fiscalização de 15 dias atrás, está registrado problemas de segurança na disposição de rejeitos na cava e a atividade estava paralisada pela Agencia Nacional de Mineração”.

Num vídeo, Dom Vicente Ferreira diz que “estamos protocolando junto ao sistema de justiça, nossa indignação, nossas indagações, perguntas”. Mais uma vez o bispo mostra a necessidade de ser uma Igreja profética, que denuncia os crimes que acabam com a vida do planeta e das pessoas. Ele coloca uma série de perguntas que deveriam levar a sociedade brasileira a refletir sobre situações muito presentes no país, onde diferentes governos, ao serviço de uma economia que mata, colocam o lucro acima da vida. Nesse sentido as palavras do bispo auxiliar de Belo Horizonte são claras, denunciando: “esse reino de morte das multinacionais, da mineração, que só pensa no lucro e descarta a vida”.  

Frente a isso, às portas do Natal, Dom Vicente Ferreira pede que a Luz de Cristo “possa nos iluminar, reforçar, na construção do Reino de Deus, que é de justiça e de paz”, e ao mesmo tempo, “que nós possamos, com essa Luz de Jesus, sermos ainda mais encorajados na construção de novos céus e uma nova terra”. Nas suas palavras, o bispo também manifestou “nosso carinho, solidariedade, orações pela família, esposa, desse jovem trabalhador que morreu com 34 anos, deixando uma criança de 3 meses”.

Palavras de Dom Vicente Ferreira, Bispo auxiliar de Belo Horizonte – MG

Mais uma vida soterrada na mina Córrego do Feijão, desta vez num talude da cava onde a Vale estava colocando os rejeitos do rompimento que soterrou 272 pessoas e um sem número de outros seres e parte do rio Paraopeba, no dia 25 de janeiro de 2019. Mais uma vez podemos estar diante do fato de que não foi um acidente. Afinal, em nota de fiscalização de 15 dias atrás, está registrado problemas de segurança na disposição de rejeitos na cava e a atividade estava paralisada pela Agencia Nacional de Mineração.

Por isso, o grupo de trabalho de ecologia integral e mineração do Regional Leste 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, juntamente com a região episcopal Nossa Senhora do Rosário da Arquidiocese de Belo Horizonte, cuja sede está em Brumadinho, rede Igrejas e Mineração, e outros grupos eclesiais, grupos que fazem parte desta luta, estamos protocolando junto ao sistema de justiça, nossa indignação, nossas indagações, perguntas: estava o trabalhador Júlio Cesar, com a retroescavadeira, em área de risco? Estavam os taludes instáveis pela movimentação de caminhões? Como foi possível essa atividade de colocar rejeitos na cava ter uma licença ambiental simplificada se é complexa e de risco, como se verifica agora?

Manifestamos também nosso carinho, solidariedade, orações pela família, esposa, desse jovem trabalhador que morreu com 34 anos, deixando uma criança de 3 meses. E suplicamos aos céus que nesse Natal, à Luz do Cristo, possa nos iluminar, reforçar, na construção do Reino de Deus, que é de justiça e de paz, contra esse reino de morte das multinacionais, da mineração, que só pensa no lucro e descarta a vida. Que nós possamos, com essa Luz de Jesus, sermos ainda mais encorajados na construção de novos céus e uma nova terra.

Sobre o autor:

Luis Miguel Modino

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.

A seguir, a versão do texto em espanhol:

Mons. Vicente Ferreira denuncia “este reino de muerte de las multinacionales, de la minería, que sólo piensa en el lucro y descarta la vida”

Otra muerte en una lista que crece continuamente, otra vida enterrada en la mina Córrego do Feijão, en Brumadinho, en el estado brasileño de Minas Gerais, lugar donde el 25 de enero de 2019 fueron enterradas 272 personas, un sinnúmero de otros seres y parte del río Paraopeba. La culpable de todo esto tiene nombre, la compañía minera Vale.

Las palabras de Mons. Vicente Ferreira, obispo auxiliar de Belo Horizonte, en nombre del grupo de trabajo sobre ecología integral y minería del Regional  Este 2 de la Conferencia Nacional de Obispos de Brasil – CNBB, junto con la Región Episcopal de Nuestra Señora del Rosario de la Arquidiócesis de Belo Horizonte, cuya sede está en Brumadinho, la Red Iglesias y Minería, y otros grupos eclesiales, grupos que forman parte de esta lucha, quieren mostrar que “una vez más podemos enfrentarnos al hecho de que no fue un accidente”.

Hay pruebas que demuestran la negligencia de la Vale, una de las mayores empresas mineras del mundo, que ha causado innumerables crímenes ambientales y humanos en Brasil durante décadas, siempre con la connivencia de diferentes gobiernos que siguen concediendo permisos para destruir la casa común y la vida de las personas. Esta vez, según las palabras del obispo, “en una nota de inspección de hace 15 días, hubo problemas de seguridad en la eliminación de los desechos en la mina y la actividad fue paralizada por la Agencia Nacional de Minería”.

En un video, Mons. Vicente Ferreira dice que “estamos registrando en la Justicia, nuestra indignación, nuestras indagaciones, preguntas”. Una vez más el obispo muestra la necesidad de ser una Iglesia profética que denuncia los crímenes que acaban con la vida del planeta y de las personas. Plantea una serie de preguntas que deben llevar a la sociedad brasileña a reflexionar sobre situaciones muy presentes en el país, donde los diferentes gobiernos, al servicio de una economía que mata, ponen el lucro por encima de la vida. En este sentido, son claras las palabras del obispo auxiliar de Belo Horizonte, denunciando: “este reino de muerte de las multinacionales, de la minería, que sólo piensa en el lucro y descarta la vida”. 

Frente a esto, a las puertas de la Navidad, Mons. Vicente Ferreira pide que la Luz de Cristo “nos ilumine, nos fortalezca, en la construcción del Reino de Dios, que es de justicia y de paz”, y al mismo tiempo, “que con esta Luz de Jesús, nos anime aún más en la construcción de nuevos cielos y una nueva tierra”. En sus palabras, el obispo también expresó “nuestro afecto, solidaridad, oraciones por la familia, la esposa, de este joven trabajador que murió a los 34 años, dejando un niño de 3 meses”.

Palabras de Mons. Vicente Ferreira, Obispo Auxiliar de Belo Horizonte

Otra vida enterrada en la mina Córrego do Feijão, esta vez en una ladera de la fosa donde la Vale colocaba los desechos de la ruptura que sepultó a 272 personas y varios otros seres y parte del río Paraupeba, el 25 de enero de 2019. Una vez más podemos enfrentarnos al hecho de que no fue un accidente. Después de todo, en una nota de inspección de hace 15 días, hubo problemas de seguridad en la eliminación de los residuos de la mina y la actividad fue paralizada por la Agencia Nacional de Minería.

Por eso, el grupo de trabajo sobre ecología integral y minería del Regional  Este 2 de la Conferencia Nacional de Obispos de Brasil – CNBB, junto con la Región Episcopal de Nuestra Señora del Rosario de la Arquidiócesis de Belo Horizonte, cuya sede está en Brumadinho, la Red Iglesias y Minería, y otros grupos eclesiales, grupos que forman parte de esta lucha, estamos registrando en la Justicia, nuestra indignación, nuestras indagaciones, preguntas: ¿estaba el trabajador Júlio Cesar, con la retroexcavadora, en una zona de riesgo? ¿Las pendientes eran inestables debido al movimiento de los camiones? ¿Cómo fue posible que esta actividad de poner los residuos en la fosa tenga una licencia ambiental simplificada si es compleja y de riesgo, como se está viendo ahora?

También expresamos nuestro afecto, solidaridad, oraciones por la familia, la esposa, de este joven trabajador que murió a la edad de 34 años, dejando un niño de 3 meses. Y suplicamos a los cielos que esta Navidad, a la Luz de Cristo, que nos iluminen, nos fortalezcan, en la construcción del Reino de Dios, que es de justicia y paz, contra este reino de muerte de las multinacionales, de la minería, que sólo piensa en el lucro y descarta la vida. Que con esta Luz de Jesús, nos animemos aún más en la construcción de nuevos cielos y una nueva tierra.

]]>
37188
“Todos irmãos: a fraternidade como alicerce para nova cultura”. Com a palavra dom Vicente de Paula Ferreira https://observatoriodaevangelizacao.com/todos-irmaos-a-fraternidade-como-alicerce-para-nova-cultura-com-a-palavra-dom-vicente-de-paula-ferreira/ Sat, 05 Dec 2020 12:25:41 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=36936 [Leia mais...]]]>

“Em tempos de pandemia, as máscaras vão caindo e, logo, percebemos quem são os que cuidam e os que passam adiante”

Por dom Vicente de Paula Ferreira, C.Ss.R

Ao publicar sua mais recente Encíclica, Fratelli Tutti, Papa Francisco comenta: “entrego esta encíclica social” (FT, n. 6). O texto nasce em plena pandemia e em diálogo com o líder muçulmano Imã Ahmad Al-Tayyeb. Nele encontramos balizas para a cultura universal da amizade e da fraternidade. Destacamos, então, as linhas gerais do documento, considerando que, se a Evangelii Gaudium nos convida a uma conversão eclesial e a Laudato Si’ a uma conversão ecológica, Fratelli Tutti lança perspectivas para uma conversão cultural.

As primeiras páginas do documento apresentam as sombras de um mundo fechado, marcado por sonhos desfeitos em pedaços, no qual “reacendem-se conflitos anacrónicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos” (FT, n. 11). Globaliza-se o domínio dos mais fortes, com discursos neocolonialistas, que protegem as grandes organizações financeiras, dissolvendo as identidades das culturas regionais mais frágeis. Desta forma, a política se enfraquece diante de poderes financeiros transnacionais. A perda da consciência histórica, com negações de eventos dolorosos como as guerras e ditaduras, obstrui a capacidade de construir a história a partir de aprendizados adquiridos. Soma-se a isso a falta de projetos coletivos, o que resulta numa cultura do descarte mundial, tanto humano quanto ambiental. Os direitos humanos, não suficientemente universais, agrava questões como a desigualdade social, o direito das mulheres, a escravidão.

No bojo desses desafios, é preciso pensar outra globalização. As conquistas científicas e tecnológicas trouxeram muitos ganhos para a sociedade. No entanto, temos que nos envergonhar porque, enquanto poucos acumulam riquezas, milhões de crianças morrem de fome. Os avanços de nossa sociedade global não significa maior inclusão social, o que faz Francisco exclamar: “como seria bom se, enquanto descobrimos novos planetas longínquos, também descobríssemos as necessidades do irmão e da irmã que orbitam ao nosso redor!»” (FT, n. 31). A Pandemia do coronavírus desmascarou, ainda mais, as seguranças falsas de nossa cultura e estampou entre nós que não nos salvamos sozinhos. “A tribulação, a incerteza, o medo e a consciência dos próprios limites, que a pandemia despertou, fazem ressoar o apelo a repensar os nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas sociedades e sobretudo o sentido da nossa existência” (FT, n. 33). Não podemos, por exemplo, continuar tratando os migrantes como pessoas menos importantes. É um contratestemunho quando cristãos também partilham dessa mentalidade ao invés de defenderem a dignidade inalienável de toda pessoa humana.

Outro perigo muito comum é a fragilidade da comunicação virtual que muitas vezes dispensa gestos, expressões, silêncios, linguagem corpórea, fundamentais no encontro entre pessoas. Isso pode até ter aparência de solidez, mas não consegue construir um «nós». A conexão digital não é suficiente para unir a humanidade. É dramático notar, por exemplo, que “aquilo que ainda há pouco tempo uma pessoa não podia dizer sem correr o risco de perder o respeito de todos, hoje pode ser pronunciado com toda a grosseria, até por algumas autoridades políticas, e ficar impune.” (FT, n. 45).

Já sabemos que não atravessamos uma época de pequenas mudanças, mas que o próprio conceito de época é que está mudando, no meio de uma crise poliédrica. Para enfrentar esses desafios, Papa Francisco nos apresenta a parábola do bom samaritano (Lc 10, 25-37), que faz abrir o diálogo diante do real, num tempo imprevisto. Na perspectiva do Antigo Testamento, colhemos o seguinte: «quando vindimares a tua vinha, não rebusques o que ficou; deixa-o para o estrangeiro, o órfão e a viúva. Lembra-te que foste escravo na terra do Egito» (Dt 24, 21-22).” (FT, n. 61). E, assim, o Novo Testamento resume os mandamentos: «Aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê» (1 Jo 4, 20).

O sofrimento do outro deve alterar as rotas de nossa viagem. Em tempos de pandemia, as máscaras vão caindo e, logo, percebemos quem são aqueles que cuidam e aqueles que passam adiante. Na parábola, os salteadores são a realidade imposta, diante da qual não adianta uma atitude de lamentação apenas. A violência já fez o seu estrago e diante dela o sacerdote e o levita são indiferentes. Não são capazes de compreender o que São João Crisóstomo tão bem disse: «Queres honrar o Corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem O honres aqui no templo com vestes de seda, enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez».

Na sociedade de Jesus, próximo era o vizinho, pertencente ao mesmo grupo. Na parábola, essa visão é rompida porque os samaritanos eram considerados pelos judeus como impuros, perigosos por habitarem uma região contagiada por rituais pagãos. Diante das provocações da parábola, Papa Francisco lamenta: “às vezes deixa-me triste o facto de, apesar de estar dotada de tais motivações, a Igreja ter demorado tanto tempo a condenar energicamente a escravatura e várias formas de violência”. (FT, n. 86). É um contratestemunho que, depois de tantas atrocidades, ainda haja pessoas cristãs se autorizando, em nome da fé, a deferem nacionalismos fechados, atitudes xenófobas.

A vivencia autêntica da fé cristã é geradora de um mundo novo. “O amor ao outro por ser quem é, impele-nos a procurar o melhor para a sua vida. Só cultivando esta forma de nos relacionarmos é que tornaremos possível aquela amizade social que não exclui ninguém e a fraternidade aberta a todos” (FT, n. 94). É preciso abrir-se aos que estão nas periferias geográficas e existenciais e corrigir as noções equivocadas de um amor universal que a globalização atual tenta impor. Pretender uniformizar o todo não dá conta das diferenças e acaba por construir uma fantasiosa igualdade. O outro não é uma ideia abstrata, mas alguém que nos interpela a sair de uma pauta mínima das esmolas, para buscarmos programas que possibilitem que a vida desabroche integralmente, em abundância. Nesse ponto, Papa Francisco repropõe algo fundamental, a função social da propriedade, lembrando que o direito universal dos bens da terra vem antes do direito à propriedade privada. “O princípio da subordinação da propriedade privada ao destino universal dos bens e, consequentemente, o direito universal ao seu uso é uma «regra de ouro» do comportamento social e o «primeiro princípio de toda a ordem ético-social». (LS, n. 93). Ou seja, sem terra, teto e trabalho para todos não haverá cultura da fraternidade e da amizade.

A fraternidade universal, portanto, não é uma abstração, é caminho a ser percorrido com atitudes concretas de um coração aberto ao mundo inteiro. Quanto aos migrantes, acolher, proteger, promover e integrar são verbos fundamentais. Quando bem integrados, são uma bênção, um dom para a cultura local. “Se nos preocupa o desaparecimento dalgumas espécies, deveria afligir-nos o pensamento de que em qualquer lugar possam existir pessoas e povos que não desenvolvem o seu potencial e a sua beleza por causa da pobreza ou doutros limites estruturais.” (FT, n. 137). Por ser a cultura o conjunto que sustenta a vida das pessoas, olhá-la em sua amplitude não significa descartar as tradições locais. É necessário promover o intercâmbio entre local e universal. Se não pode existir uma globalização que elimina a diferença, também não pode existir a diferença que, por ser fechada, elimina os valores universais.

A melhor política deve empenhar-se em vencer a erva daninha do populismo. Quando alguém usa o poder para manipular projetos em favor de grupos fechados e egoístas, perde-se o sentido de povo aberto, em construção. Assim, as estratégias do liberalismo vigente troca a vida das pessoas pelo mercado. E é um problema grave porque ele, ao criar exclusões, ainda persegue os Movimentos Populares, a poesia social, segundo Papa Francisco. Exemplo disso é que no século XXI temos uma perda dos Estados Nacionais para estruturas econômico-financeiras transnacionais que dominam a própria política. Sabendo que “a sociedade mundial tem graves carências estruturais que não se resolvem com remendos ou soluções rápidas meramente ocasionais” (FT, n. 179), é urgente o empenho em desenvolver parâmetros de boa política.

Sendo a síntese da fé cristã, a caridade não se restringe a um saudável cultivo de boas amizades ou a gestos concretos de ajuda aos mais próximos. Ela é um movimento maior que se destina a transformar a realidade a partir de compromissos estruturais de defesa da vida de todos e do meio ambiente. O ápice da caridade é a construção de uma sociedade justa e fraterna. Portanto, não é uma boa política transformar os pobres em massa domesticada e inofensiva, o que muita forma de caridade acaba fazendo. O combate a fome e ao tráfico de pessoas é urgência que não pode mais ser procrastinada e isso não se faz apenas com boa vontade, mas com esforço político qualificado.

A boa política tem como escopo o diálogo e a amizade social. O diálogo paciente, silencioso ajuda o mundo a viver melhor. As guerras fazem barulho com suas destruições; o diálogo constrói a paz. O diálogo é a ponte de uma nova cultura. O diálogo busca, em comum, a verdade fundamental para todos. “Aceitar que há alguns valores permanentes, embora nem sempre seja fácil reconhecê-los, confere solidez e estabilidade a uma ética social” (n. 147). O consenso deve buscar a verdade em suas feições mais radicais. “Que todo o ser humano possui uma dignidade inalienável é uma verdade que corresponde à natureza humana, independentemente de qualquer transformação cultural” (FT, n. 213).

Importante destacar, para nós brasileiros, que o Papa Francisco, ao apresentar a urgência de uma nova cultura da amizade, inicie com um verso do Samba da Bênção, de Vinícius de Moraes. “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”. E acrescenta: “o poliedro representa uma sociedade onde as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças” (FT, n. 215). A cultura de um povo é o seu modo de viver. Por isso, “um pacto social realista e inclusivo deve ser também um pacto cultural, que respeite e assuma as diversas visões do mundo, as culturas e os estilos de vida que coexistem na sociedade” (FT, n. 219). E a amabilidade é ingrediente indispensável para tal pacto, que deve ser construído no cotidiano da existência de cada um.

Somos chamados a gerar a cultura do encontro. A busca pela paz não significa apenas combater as guerras. É também fundamental a promoção da justiça social, cuidando sobretudo dos mais pobres e vulneráveis. Sendo o perdão tema fundamental do cristianismo, é necessário entendê-lo bem para evitar leituras fatalistas. “Somos chamados a amar a todos, sem exceção, mas amar a um opressor não significa consentir que continue a ser tal; nem levá-lo a pensar que é aceitável o que faz. Pelo contrário, amá-lo corretamente é procurar, de várias maneiras, que deixe de oprimir, tirar-lhe o poder que não sabe usar e que o desfigura como ser humano” (FT, n. 241).

Além disso, ninguém pode pretender “encerrar por decreto as feridas ou cobrir as injustiças com um manto de esquecimento” (FT, n. 246). Nunca devemos perder a memória histórica dos fatos que nos envergonham como seres humanos. Manter a memória das vítimas, inclusive das que sobrevivem pela prática do bem e do perdão, é encontrar a face de transbordamento do perdão, que vai além dos horrores sofridos. “O perdão é precisamente o que permite buscar a justiça sem cair no círculo vicioso da vingança nem na injustiça do esquecimento” (FT, n. 252). Um exemplo concreto a ser reforçado é o empenho das Nações Unidas no combate as guerras, que se tornam, com armas nucleares potentes, de riscos incontroláveis. Nesse aspecto, Papa Francisco é assertivo: “todos os cristãos e homens de boa vontade estão chamados hoje a lutar não só pela abolição da pena de morte, legal ou ilegal, em todas as suas formas, mas também para melhorar as condições carcerárias, no respeito pela dignidade humana das pessoas privadas da liberdade” (FT, n. 268).

Por fim, as religiões devem estar a serviço da fraternidade no mundo. O diálogo entre as religiões a partir de um fundo transcendente, que nos leva a todos a aprofundar a dignidade da vida em sua integralidade, é fundamental. A liberdade religiosa para os crentes de todas as religiões é alicerce indispensável sem o qual não haverá paz no mundo. Em tantos casos, o próprio nome de Deus é usado para justificar a violência, mas isso não encontra “fundamento algum nas convicções religiosas fundamentais, mas nas suas deformações” (FT, n. 282).

Sobre o autor:

Dom Vicente de Paula Ferreira, CSSR é bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, bispo referencial nas regiões episcopais de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora Aparecida, e do vicariato episcopal para ação missionária. Na CNBB, ele é membro da Comissão Ecologia Integral e Mineração e preside a Comissão Episcopal Pastoral Ação Missionária do Regional Leste II. Ele é doutor em Ciências da Religião e é autor de livros, artigos, poemas e canções.

Fonte:

www.cnbbleste2.org.br

]]>
36936
AUTORIDADES MANTÊM DESPEJO DE 450 FAMÍLIAS NO ACAMPAMENTO QUILOMBO CAMPO GRANDE https://observatoriodaevangelizacao.com/autoridades-mantem-despejo-de-450-familias-no-acampamento-quilombo-campo-grande/ Wed, 12 Aug 2020 03:14:44 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=35378 [Leia mais...]]]> Autoridades mantêm despejo de 450 famílias no Acampamento Quilombo Campo Grande, localizado em Campo do Meio, município do sul de Minas Gerais.

  • Qual é o argumento para despejar 450 famílias em meio a uma pandemia?
  • Como ficar em casa, se o Estado nega o direito à moradia e à terra, e pretende despejar 450 famílias?
  • Como se proteger de um vírus que mata mais de 1000 pessoas por dia, no Brasil, se o Estado não garante que essas pessoas tenham as condições necessárias para se cuidarem?
  • Como garantir a sobrevivência de 450 famílias que não terão lugar para ir e nem respirador para respirar?
  • Como garantir a soberania alimentar de Minas Gerais em meio a uma crise socioeconômica que sequer nem conhecemos as dimensões, se nos damos ao luxo de despejar centenas de agricultores que produzem anualmente milhares de hortaliças, plantações de pomares e de café?
  • Onde o Estado alojará essas 450 famílias que serão despejadas?
  • Alguém consegue responder?

Não parece fazer sentido. Que o Deus uno, trino e justo nos ajude a conseguir essas respostas das autoridades competentes que ainda não se convenceram que fazer o despejo de 450 famílias, em plena pandemia, não se enquadra na categoria de serviços essenciais.

Dom Vicente Ferreira

Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte

]]>
35378
Brumadinho: do luto à luta!, com a palavra Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo horizonte https://observatoriodaevangelizacao.com/brumadinho-do-luto-a-luta-com-a-palavra-dom-vicente-de-paula-ferreira-bispo-auxiliar-da-arquidiocese-de-belo-horizonte/ Thu, 30 Jul 2020 22:34:10 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=35275 [Leia mais...]]]> “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois eles serão saciados” (Mt 5, 6).

Um ano e seis meses! Quantos dias, quantas horas! Distantes e tão próximos da tragédia/crime, em Brumadinho. 272 pessoas mortas e o meio ambiente destruído. Para muitos, tudo que foi mostrado nas operações pós-tragédia, já se tornou coisa do passado. No entanto, aqui estamos, outra vez, contando com a boa vontade de quem, ainda, quer nos escutar. E ler nossas narrativas. Sim, não basta dizer uma vez e ponto final. É preciso repetir, pois trauma não tem prazo de validade. Para nós, que lidamos diretamente com o território e tantos corações destruídos, é missão, à luz do Evangelho de Jesus, continuar denunciando e anunciando. Brumadinho: 25 é todo dia! Queremos, nesse ano e meio de caminhada, repartir com o leitor duas coisas importantes: luto e luta.

Para nós, que lidamos diretamente com o território e tantos corações destruídos, é missão, à luz do Evangelho de Jesus, continuar denunciando e anunciando. Brumadinho: 25 é todo dia! Queremos, nesse ano e meio de caminhada, repartir com o leitor duas coisas importantes: luto e luta.

Durante vários meses, nas proximidades daquele terrível 25 de janeiro de 2019, nossa Igreja foi um verdadeiro hospital de campanha. Diante de tanta dor e desespero, estivemos, juntos, trocando abraços e o pão de cada dia. Alimento para o corpo e para o espírito. Nas celebrações de exéquias e tantos outros ritos, marcamos o território da cidade, das comunidades rurais, dos indígenas, dos quilombolas, dos sem terra, com nossa presença de fé, anunciando a misericórdia de Deus. Laços espirituais e de amizade foram fortalecidos nos incansáveis encontros das mais variadas lideranças de nossas comunidades. Enquanto os corpos eram sepultados, visitávamos famílias e distribuíamos doações que chegavam de toda parte do país. E o luto se impôs em suas faces possíveis de elaboração e em outras mais cruéis como nas interjeições escutadas: poderia não ter acontecido! Foi irresponsabilidade humana! E hoje, lidamos com a esperança de encontrar os 11 corpos ainda soterrados na lama tóxica. As famílias continuam clamando pelo retorno das buscas, paralisadas por conta da Pandemia. Se no processo normal do declínio da vida, viver nossos lutos já é complicado, imagine o quanto mais doloroso o é para essas famílias.

Dom Vicente Ferreira celebra, em memória das vítimas, junto com os atingidos pelo crime da Vale em Brumadinho.

E hoje, lidamos com a esperança de encontrar os 11 corpos ainda soterrados na lama tóxica. As famílias continuam clamando pelo retorno das buscas, paralisadas por conta da Pandemia. Se no processo normal do declínio da vida, viver nossos lutos já é complicado, imagine o quanto mais doloroso o é para essas famílias.

Com o passar dos dias, vieram nossas lutas, os gritos por justiça. A estratégia da mineração em nosso Estado e País, infelizmente, já é bem conhecida. Flexibilização de leis que protegem nossa Casa Comum, domínio das narrativas com valiosas propagandas midiáticas, falta de respeito para com a soberania das comunidades. Ou seja, impõe-se como discurso único, o da minério-dependência, que, facilmente, faz maquiagem diante dos horrores da morte que ela mesma causa, repetidamente, como nos crimes de Mariana e Brumadinho. Tudo em nome do lucro de alguns poucos. Então, a luta foi se firmando. Sabemos das incompreensões e sofremos por elas, mas não abrimos mão de unir fé e vida, Evangelho e transformação social. Nossa meta única, enquanto Igreja, é trabalhar em prol do Reinado de Deus, inaugurado por Jesus. Transformar o luto em verbo exige paciência e habilidades também estratégicas.

Então, a luta foi se firmando. Sabemos das incompreensões e sofremos por elas, mas não abrimos mão de unir fé e vida, Evangelho e transformação social. Nossa meta única, enquanto Igreja, é trabalhar em prol do Reinado de Deus, inaugurado por Jesus. Transformar o luto em verbo exige paciência e habilidades também estratégicas.

Por isso, a aliança com os atingidos tem sido um dos aspectos mais preciosos. Aliança fiel não nasce de um dia para o outro. É necessário muito diálogo, proximidade e, sobretudo, confiança. O dinheiro pode parecer dono de tudo. Dos afetos e da credibilidade, não. Até quando, até sempre! Esse tem sido o lema. E crescemos. Hoje, temos o Coletivo dos Atingidos com representações de todos os grupos de atingidos. Em sintonia, estamos construindo uma rede de projetos a partir de doações de nossos fieis e pessoas de boa vontade. Um verdadeiro canteiro de sonhos num solo de lágrimas. Além disso, as Campanhas da Arquidiocese de Belo Horizonte, Juntos por Brumadinho, com doações específicas para os atingidos, e Solidariedade em Rede, nascida para ajudar nosso povo a enfrentar a pandemia do coronavirus, conta com nossa valente equipe de trabalho da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário para repartir inúmeras doações materiais e construir projetos de vida e esperança. A parceria com organizações internacionais e nacionais, como é o caso da presença importante da Caritas entre nós, tem sido fundamental para a sustentabilidade de nossa luta.

Brumadinho: nosso luto, nossa luta!

Hoje, temos o Coletivo dos Atingidos com representações de todos os grupos de atingidos. Em sintonia, estamos construindo uma rede de projetos a partir de doações de nossos fieis e pessoas de boa vontade. Um verdadeiro canteiro de sonhos num solo de lágrimas.

Enfim, as limitações que a pandemia impôs sobre a sociedade global revela, em nossa realidade de Brumadinho, outros dramas pelos quais passam nossa gente. Por exemplo, junta-se a uma transformação desorganizada do tecido social da região, com a chegada de muitos trabalhadores vindos de outras partes do Brasil, o altíssimo número de pessoas contaminadas pelo vírus. São muitas pautas que estão em jogo. E o que dizer da centena de crianças órfãs por esse crime minerário? E que futuro terão aquelas outras centenas que chegam de outras paragens com suas famílias para viverem nesse território tão disputado? Alegramo-nos por fortalecer, cada vez mais, nossa presença evangelizadora sobretudo a partir da ecologia integral proposta pela Laudato Si’, do papa Francisco, solidificando uma linda rede de comunidades eclesiais. Para isso, contamos com o zelo missionário de nossos padres, diáconos, religiosos, leigos e leigas. Louvamos a Deus, ainda, pelas iniciativas de nossa Arquidiocese que, recentemente, criou um Vicariato especial para trabalhar questões relacionadas ao meio ambiente, na liderança de nosso arcebispo e presidente da CNBB, Dom Walmor de Oliveira. Mais do que nunca, é tempo de cuidar. Que nosso luto seja transformado em verbo, para que nossas ações façam crescer, com o fermento de nossa fé, obras em prol do Reinado de Deus.

Dom Vicente Ferreira

Bispo Auxiliar da Arquidiocese de de Belo Horizonte

Fonte:

www.arquidiocesebh.org.br

]]>
35275
Dom Vicente, bispo auxiliar de Belo Horizonte, denuncia, na ONU, o governo brasileiro em relação à mineração https://observatoriodaevangelizacao.com/dom-vicente-bispo-auxiliar-de-belo-horizonte-denuncia-na-onu-o-governo-brasileiro-em-relacao-a-mineracao/ Tue, 03 Mar 2020 03:32:26 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=34237 [Leia mais...]]]> Dom Vicente faz pronunciamento na ONU sobre gravidade das consequências da mineração

Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, partilhou, nesta segunda-feira, dia 2 de março, na  43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre Meio Ambiente,  a situação das comunidades de Brumadinho, amparadas pela Igreja, em decorrência do rompimento da barragem de rejeitos de mineração no Córrego do Feijão, e os desafios na defesa da Ecologia Integral.

Em pronunciamento perante os representantes dos países que integram o Conselho, dom Vicente contestou o relatório das Nações Unidas que considera boas as práticas do Brasil na preservação do meio ambiente. Destacou que as populações não são consultadas no processo de licenciamento para a implantação de megaprojetos e pediu que o governo do Brasil ratifique o Acordo de Escazú, fornecendo informações, consultas e participação suficientes das comunidades e da sociedade nos processos de licenciamento. E ressaltou também que os rompimentos das barragens em Brumadinho – há um ano – e em Mariana, há cinco anos – continuam produzindo efeitos nocivos nas comunidades e no meio ambiente, nada tendo sido feito para impedir outros eventos semelhantes.

Dom Vicente, que integra a Comissão episcopal de ecologia integral e mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),  cumpre uma intensa agenda de compromissos na Europa, ao lado do francisco frei Rodrigo Peret, da Rede igrejas e mineração. Ele declara que orações, debates, encontros, anúncios e denúncias fazem parte dessa busca por novos caminhos.

Após a reunião na ONU, dom Vicente concedeu entrevista coletiva à imprensa internacional, e participou de reunião no escritório da Franciscans International, que atua na proteção da dignidade humana e da justiça ambiental, nas Nações Unidas.

Com uma intensa agenda, até o dia 7 de março, dom Vicente Ferreira participa de debates e encontros, concede entrevistas a jornalistas e reúne-se com parlamentares em outros quatro países da Europa, além da Itália: Áustria, Suíça, Bélgica e Alemanha, partilhando iniciativas de defesa da ecologia integral, desenvolvidas pela Comissão especial sobre mineração e ecologia integral da CNBB e pela Rede igrejas e mineração.

Dom Vicente Ferreira iniciou a viagem pela cidade de Roma, Itália. Em seu primeiro compromisso, participou de evento sobre impactos da mineração e acompanhamento dos atingidos por parte da Igreja, promovido pela União internacional das superioras gerais (UISG) – Centro per la vita religiosa regina mundi . O Bispo falou sobre questões relacionadas às consequências da atividade mineradora e a ação da Igreja junto à população e ao poder público. No mesmo dia, participou  de reunião com a equipe do escritório geral da Comissão justiça, paz e integridade da criação (JPIC) da Ordem dos Frades Menores – Franciscanos.

O Bispo atende ao convite de organizações de defesa do meio ambiente, após coordenar importante trabalho da Arquidiocese de Belo Horizonte no amparo às vítimas do rompimento barragem de rejeitos de mineração no Córrego do Feijão, no município de Brumadinho, em janeiro de 2019. Esta experiência fez com que a Arquidiocese de Belo Horizonte se tornasse referência no apoio da Igreja às comunidades atingidas, em suas necessidades de reparação e respeito à cidadania.

Registro da 43ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU – 02/ 03/ 2020

43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU
Item 3

Diálogo interativo com o relator especial sobre direitos humanos e meio ambiente

Março 2, 2019

Obrigado Sr. Vice-Presidente,

Congratulamo-nos com o relatório do relator especial, Sr. Boyle. Também concordamos que proteger o meio ambiente contribui para o cumprimento dos direitos humanos e isso contribui para salvaguardar nossa casa comum.

Embora o Brasil tenha sido listado no seu relatório como um exemplo de boas práticas, a realidade difere do que o país possui em sua legislação, particularmente no acesso a informações ambientais.

As comunidades geralmente não são consultadas quando da concessão de licenças para megaprojetos ou essas licenças são concedidas sem seguir o procedimento legal.

Nesse sentido, pedimos ao governo do Brasil que ratifique o Acordo de Escazú* e forneça informações, consultas e participação suficientes das comunidades e da sociedade civil no processo de licenciamento de megaprojetos, principalmente de mineradoras.

Faz um ano desde a quebra da barragem de rejeitos em Brumadinho e cinco anos desde Mariana. Até agora, os dois desastres continuam produzindo efeitos nocivos nas comunidades e no meio ambiente locais e nada foi feito para impedir eventos semelhantes. Somente no estado de Minas Gerais, existem pelo menos 40 barragens com risco de colapso e grande risco de possíveis danos.

Não será possível realizar progressivamente o direito a um ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável no Brasil se o governo não assumir suas obrigações internacionais, inclusive ao prevenir e garantir que as empresas sejam responsabilizadas e ao combater a impunidade como um impedimento para evitar que desastres criminosos aconteçam de novo e de novo.

Obrigado, Sr. Vice-Presidente.

 * Entenda o Acordo Escazú

O Acordo de Escazú é o primeiro tratado ambiental de direitos humanos na América Latina e no Caribe. Foi aprovado em março de 2018 após uma negociação que durou cerca de seis anos. Desenvolve o Princípio 10 da Declaração do Rio de 1992 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que visa a garantir o acesso à informação, a participação do cidadão e o acesso à justiça em questões ambientais. O Acordo de Escazú desenvolve esses três direitos e visa a promover uma melhor governança dos recursos naturais na região. Vinte e quatro estados aprovaram seu texto final em março de 2018, na cidade costarriquenha de Escazú, onde foi realizada a última das nove reuniões do Comitê de Negociação. O Brasil assinou, contundo não ratificou, o que o torna ineficaz, no país.        

O Acordo de Escazú incorpora vários elementos inovadores:

  • Primeiro, possui uma disposição específica sobre defensores de direitos humanos ambientais (DRHs) sem precedentes na região.
  • Segundo, consagra uma abordagem baseada em direitos aos povos indígenas e populações vulneráveis, com disposições para favorecer o acesso à informação, a participação e o acesso à justiça por esses grupos.
  • Terceiro, também responde ao espírito dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos em relação às obrigações específicas das empresas de respeitar os direitos humanos no contexto de suas atividades.

Fontes:

www.arquidiocesebh.org.br

www.falachico.org.br

]]>
34237
Milhares de fiéis participam da 1ª Romaria da Arquidiocese de Belo Horizonte pela Ecologia Integral a Brumadinho https://observatoriodaevangelizacao.com/milhares-de-fieis-participam-da-1a-romaria-da-arquidiocese-de-belo-horizonte-pela-ecologia-integral-a-brumadinho/ Mon, 27 Jan 2020 14:17:45 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33959 [Leia mais...]]]> A chuva deu uma trégua para acolher os fiéis  das comunidades de fé de Belo Horizonte e das várias regiões do país, neste sábado, 25 de janeiro de 2020, na Primeira Romaria da Arquidiocese de Belo Horizonte pela Ecologia Integral a Brumadinho.

O Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom Walmor, levou seu apoio às famílias das 272 vítimas do rompimento da barragem de rejeitos de minério, participando junto com o povo de Brumadinho da Missa presidida, no fim da tarde, pelo bispo auxiliar para a Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser), dom Vicente Ferreira.

Para além das orações e palavras de conforto, o Arcebispo destacou que a Arquidiocese de Belo Horizonte “quer iluminar o caminho de nossas vidas com o Evangelho, que é luz. E, assim, fazer de todos nós aprendizes dessas lições, muitas delas surgidas dessa tragédia-crime ocorrida em Brumadinho, um ano atrás. Portanto, o convite é para sermos aprendizes, pois há muito a se fazer, embora se diga que muito está se fazendo. Mas tudo isso é uma gota d’água no oceano, diante das urgentes mudanças que nós precisamos operar na nossa sociedade brasileira, particularmente pensando aqui em Minas Gerais, mas também em outros lugares do Brasil, quanto ao modo de fazer a mineração. Não podemos continuar como está”.

Dom Walmor reconheceu que houve alguns avanços, mas sublinhou que é preciso maior velocidade, “para que nós não sejamos vítimas, como tantas pessoas aqui foram vítimas, como tantas famílias que carregam um grande luto. É preciso um novo tempo”. O Arcebispo lembrou que ainda não se fez o que era preciso, por parte de governos, de instituições e, sobretudo, para corrigir a impunidade que continua. “Aqueles que cometeram crime precisam ser punidos adequadamente, para que um novo rumo seja construído na sociedade brasileira. E nós queremos iluminar tudo isso com a luz do Evangelho e a força do amor de Deus. Essa luta abrirá a sociedade brasileira para um novo tempo”.

A Romaria

Logo no início da manhã, os romeiros se uniram aos familiares das 272 vítimas do rompimento da barragem de rejeitos de minério, em um momento de partilha e oração. Todos traziam na testa uma cruz feita com barro, durante a celebração da Palavra que antecedeu a Romaria, simbolizando a lama que invadiu as casas e as vidas dos moradores de Brumadinho. Em seguida, conduzidos pelo bispo auxiliar dom Vicente Ferreira, os romeiros deram início à caminhada, relembrando, com cânticos e reflexões, um ano da tragédia.

Em silêncio, após alguns minutos de oração, os fiéis retornaram ao letreiro, que fica na entrada da cidade, e se encontraram com familiares das vítimas. Nesse momento de grande emoção, foram lidos todos os nomes das pessoas que perderam a vida em decorrência do rompimento da barragem. Às 12h28, no mesmo horário em que a barragem se rompeu, há um ano, centenas de balões vermelhos e brancos foram soltos, colorindo o céu de Brumadinho. Os profissionais que ainda trabalham na localização dos corpos, receberam homenagem especial.

Dom Vicente caminha com fiéis na 1ª Romaria da Arquidiocese de Belo Horizonte pela Ecologia Integral a Brumadinho

Dom Vicente Ferreira afirmou que as ações em defesa de uma Ecologia Integral devem ser contínuas e fazer parte do compromisso de todo cristão. O Bispo recordou, então, a passagem do Evangelho em que Jesus diz “Eu vim para que todos tenham vida” e afirmou: “a vida humana não deve ser desassociada do cuidado com a natureza”. Dom Vicente também destacou  a mensagem enviada pelo papa Francisco ao povo de Brumadinho, deixando claro que o problema enfrentado no município não se trata de um problema local, mas que diz respeito a toda humanidade.

Às 15h, integrantes de comunidades indígenas afetadas pela lama da barragem, que até hoje polui o Rio Paraopeba, se uniram em momento de espiritualidade . Emocionado, o pagé da tribo Pataxó, Aracati Dias lembrou dos tempos em que a sua comunidade, situada às margens do Rio Paraopeba, atingido pela lama de rejeitos de mineração, não dependia de ajuda para sobreviver. “Hoje, o rio está todo contaminado e cheira mal. O índio não pode mais pescar. Tem muita doença na tribo. Tudo está muito difícil”. Indígenas de outros estados também participaram da romaria, em apoio à tribo que vive às margens do Paraopeba.

Também integraram a caminhada grupos de congado e moradores de outras localidades onde existem barragens. Foram celebradas missas na Igreja São Sebastião, em Brumadinho, e na Igreja Nossa Senhora das Dores, no Córrego do Feijão, onde a barragem se rompeu.

Durante o trajeto, foram distribuídas velas, corações vermelhos e laços de fitas na cor marrom, em alusão à lama que inundou Brumadinho, no dia 25 de janeiro de 2019,e que mudou a vida de todos os habitantes da cidade, a exemplo do operador de equipamentos Geraldo Oliveira Silva. Ele perdeu um irmão, uma prima e conhecia mais da metade das vítimas da tragédia. Geraldo, que trabalha na Vale há mais de 25 anos e está afastado desde 2017 por motivos de saúde, afirma que se fortalece diariamente na fé e sempre busca força na família e na Igreja. “Sou um sobrevivente, junto com um dos meus irmãos que estava lá. É um momento de dor profunda, mas acredito que o desânimo não é o caminho. As ações da Arquidiocese de Belo Horizonte, de modo muito especial as ações de evangelização de dom Walmor, dom Vicente e dos outros sacerdotes da cidade, são muito importantes para nossa comunidade. Hoje é um dia para a cidade de Brumadinho renovar a sua fé, que cresce cada dia mais, sempre pensando com carinho nos que se foram, nos familiares que estão aqui, e nos solidarizando uns com os outros”.

Desde que tragédia ocorreu, a moradora de Brumadinho Zenilda Aparecida Soares Pereira conta que muitas pessoas de sua família só dormem à base de remédio.”Até hoje, Brumadinho vive um pesadelo. Às vezes saio pra rua e tenho vontade de voltar logo pra casa,  onde tento reconfortar minhas memórias. Hoje, o que ameniza nossa tristeza são esses momentos de união, fé, solidariedade e partilha.”

A romeira Ivani Maria do Socorro Sousa destaca a importância da Romaria para que as pessoas e a sociedade não se esqueçam daqueles que morreram em consequência do rompimento da barragem. “A cidade não é a mesma desde então e, por isso, devemos lutar para que ela não se entristeça ainda mais. Espero que a nossa luta conscientize as pessoas e as empresas a fazerem mais pelo meio ambiente”.

FONTE: Arquidiocese de Belo Horizonte

]]>
33959
Dom Vicente de Paula Ferreira: 'É urgente que se pense em caminhos alternativos' https://observatoriodaevangelizacao.com/dom-vicente-de-paula-ferreira-e-urgente-que-se-pense-em-caminhos-alternativos/ Fri, 24 Jan 2020 16:50:37 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33948 [Leia mais...]]]> Bispo que assumiu a missão de levar amparo e esperança às vítimas do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão conta ao EM o que viu e como a tarefa mudou sua vida.

Ao se ver no núcleo da maior tragédia humanitária e ambiental mineira, o líder religioso teve dúvidas, se questionou, temeu não ser capaz, mas tomou uma decisão corajosa que mudaria a sua vida e a de seu rebanho. Em meio à devastação e ao sofrimento causados pelo rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, o bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte dom Vicente de Paula Ferreira se mudou para o município. Desde então passa dias incomunicável, percorrendo as comunidades atingidas mais carentes e isoladas do Vale do Rio Paraopeba para levar auxílio humanitário, psíquico, social, espiritual e esperança.

Não fui preparado para lidar com um rompimento de barragem. Quanto mais nessa extensão. Comecei a questionar os valores da vida. Por que têm de acontecer coisas assim tão brutais? Por que deixaram acontecer uma tragédia dessas? É raro o dia em que não choro pela situação de Brumadinho”, desabafa o religioso, que aos 49 anos é bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e responsável pela Região de Nossa Senhora do Rosário, com 150 comunidades, incluindo Brumadinho. Em meio a essa demanda da vocação e às vésperas de um ano da catástrofe que matou 270 pessoas, incluindo duas gestantes, ele concedeu entrevista ao Estado de Minas num de seus raros retornos a Belo Horizonte.

Confira a entrevista:

1. A tragédia de Brumadinho trouxe impactos para o senhor? Como, um ano depois, o senhor descreveria essas mudanças?

Do dia 25 (de janeiro de 2019) em diante comecei a viver uma conversão de vida. Incluí a pauta da ecologia integral. A nossa forma de lidar com o meio ambiente. O rastro de destruição foi muito impactante para mim não apenas como um homem de fé, mas como pessoa. Comecei a perceber que por mais que tivesse estudado e que acumulasse conhecimento, estava lá e não sabia onde havia barragens, que riscos elas tinham. Me percebi em uma alienação. Mas foi uma mudança brusca, porque as soluções para a região são imediatas. Tivemos de nos lançar (a Igreja e ele) de corpo e alma para alcançar os caminhos (dos atingidos). Quando aconteceu (o rompimento), tivemos de nos lançar por inteiros. Nessa hora não tem diretrizes para seguir.


2. Como foi a situação que o senhor testemunhou e os desafios após o rompimento?

No mesmo dia, fiz de tudo para chegar até Brumadinho, passando por vários caminhos e bloqueios nas estradas. Era uma situação em que se sentia o desespero das pessoas todos os dias. Tinha gente chegando na igreja, enterrando um filho e desesperada porque o outro estava desaparecido. Mas estavam todos com medo, porque não podiam atravessar para o outro lado (o município foi partido pela avalanche de lama) e a sirene ainda soava lembrando os riscos de mais rompimentos. Nosso Centro de Líderes, que hoje é o Santuário de Nossa Senhora do Rosário, ficou aberto para receber pessoas que foram retiradas de suas casas, quem tinha medo de a lama chegar até elas. Recebemos, ao mesmo tempo, gente das corporações internacionais pedindo um tipo de parceria. Hospedamos esses voluntários na casa paroquial, organizamos a distribuição de doações que chegaram e fomos entrando no território para conhecer as comunidades, sem distinção.


3. Após o auxílio emergencial, o senhor continuou em Brumadinho. Que tipo de trabalho desempenhou?

O segundo momento é o de articular e dar as mãos. Somos uma rede de comunidades cristãs. Criamos esse trabalho de articulação social. O amparo material é menor neste momento. Mas o grande amparo agora é estar ao lado das pessoas que estão em luto, em sofrimento, desnorteadas, para verem que não as abandonamos. Temos reuniões com os atingidos, participamos de audiências, discutimos caminhos alternativos, estamos muito presentes e a nossa proposta é o fortalecimento das comunidades. Não podem brigar entre si pelo dinheiro de indenizações.

4. Quais são as dificuldades que o senhor vê hoje, sendo uma das pessoas que melhor conhecem o território devastado?

As pautas hoje, em Brumadinho, são muito complexas. Uma palavra que resume o sentimento de angústia no território atingido é indefinição. Há o que é realizado de reparos e de compensações, que são oficiais. Mas há outros aspectos. A questão dos danos morais espirituais. Um luto que não para. Pessoas que não foram encontradas. Isso já deixa uma ferida aberta o tempo todo no coração das pessoas. Como podemos falar de reparo de traumas que serão marcas nas vidas das pessoas? São 270 mortes. É uma coisa muito profunda. Isso tem consequências no tecido social da região. Não há condições de se medir isso. A região de Brumadinho era uma até 25 de janeiro de 2019. Depois dessa data, passou a ser outra. Inclusive, na constituição diferente de pessoas que chegam, com costumes diferentes. As famílias foram removidas de seu meio ambiente e acabaram levadas para um outro meio ambiente e isso traz muitas mudanças duradouras.

5. Como cada atingido reage e pode ser ajudado?

O desespero é grande. Escuto muita gente na igreja, na sala de atendimentos, e é rara a pessoa que não está tomando algum tipo de remédio. Acompanho muitas famílias, inclusive as suas vidas dentro das casas delas. O índice de consumo de ansiolíticos se tornou muito alto. Um homem, por exemplo, que perdeu a sua filha, me disse claramente: “Nunca tomei remédios na minha vida. Depois do dia 25, só vivo a poder de remédios”. Então, você pode acompanhar psicologica e espiritualmente, mas o corpo e a alma dessa pessoa estão feridos e começam então a ter outras demandas que não estão nos pacotes. Quem vai acompanhar essas pessoas?

6. O senhor poderia detalhar algum drama que lhe chamou mais a atenção nesse tempo?

Muitos casos me chamam a atenção. Me pego vendo o desamparo das pessoas que estão olhando para o vazio e isso dói demais na gente. A gente pensa que por mais que se tente lutar, ajudar a pessoa a reconstruir sua vida, vemos que não estão dando conta de abraçar esses objetivos. O que vemos também é choro toda hora. Tem casas onde as famílias estão presas em angústias e o que resta a fazer é chorar o tempo inteiro. Tenho muito apreço por uma família, a do senhor Geraldo e da dona Ambrosina. Até me emociono ao falar deles. Perderam a filha e o genro, deixando um casal de netos gêmeos que se chamam Geraldo e Antônio. Esses dois estão num nível de sofrimento muito alto. Até agora não encontraram a filha. Mas mesmo sob essa dor surge a força, pois estão cuidando dos netos de 1 ano e 4 meses como se fossem seus filhos – e o são. Os meninos estão uma gracinha, mas você vê o choque nesse casal. O senhor Geraldo mesmo é um que disse que nunca tinha tomado remédios. E que hoje só vive com remédios. Os meninos são uma lembrança, mas também uma saída, pois já chamam os avós de papai e mamãe.

7. Que questões e necessidades básicas ainda estão em aberto nas áreas atingidas?

Consideramos que há pautas não respondidas, como por exemplo os agricultores que perderam seus terrenos. Ainda não foi feita uma proposta de reintegração clara. Uma das coisas mais complicadas é quando perguntamos se os atingidos estão sendo escutados e às vezes a resposta é que não. Então, às vezes, vem uma decisão de cima para baixo que passa por cima do desejo dos atingidos. Isso não é uma forma de tentar reparar as coisas. A questão da água. Já tivemos de socorrer comunidades que estavam sem água. Nas comunidades vemos que as interrogações estão presentes dentro do território atingido. Qual a segurança da água que se consome? Está contaminada? Pode estar ou não contaminada. As comunidades são muito inseguras com relação a isso. Além de terem a carência mesmo. Já tivemos de pedir socorro a uma entidade para levar um caminhão de água para a comunidade de Ribeirão, que é uma comunidade de quilombolas que usam poços artesianos, mas os poços secaram.


8. No longo prazo, qual é o futuro que o senhor vislumbra para a região?

Temos de debater caminhos alternativos, até mesmo de economia. Caminhos que passam pela ecologia, pela cultura, pelo turismo, pela agricultura familiar. Isso tem de ser debatido como propostas alternativas para a gente dialogar com um sistema que é unitário, que é o da mineração, da dependência do minério. Isso até as autoridades sabem. Quando há um império de uma coisa única, um patrão único, fica difícil de dialogar sobre outras perspectivas. Na região de Brumadinho é urgente que se pense em caminhos alternativos. Se continuarmos nesse mesmo processo, a dor só será mais aguda. Vem pela frente uma pergunta sobre a crise hídrica, sobre a questão dos mananciais. Do próprio Rio Paraopeba, que foi duramente atingido e já começa a repercutir na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

FONTE: Estado de Minas

]]>
33948
PodCast Igreja e Mineração https://observatoriodaevangelizacao.com/podcast-igreja-e-mineracao/ Thu, 23 Jan 2020 13:33:25 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33937 [Leia mais...]]]> Há dois dias de completar um ano da tragédia/crime em Brumadinho – Minas Gerais conversamos com dom Vicente de Paula Ferreira sobre o tema Igreja e Mineração. Dom Vicente é bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e bispo referencial para a RENSER (Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário), região episcopal a qual pertence o município de Brumadinho.

Juntamente com o secretário executivo do O.E., Edward Guimarães, dom Vicente aborda a relação entre a fé cristã, a ecologia integral e o cuidado da casa comum, pontos chaves do documento Laudato Si’ lançando em 2015 pelo papa Francisco.

]]>
33937