Dom Total – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 07 Oct 2021 12:46:27 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Dom Total – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 “Migrantes e refugiados: a urgência da cidadania universal”, com a palavra o prof. Élio Gasda, SJ https://observatoriodaevangelizacao.com/migrantes-e-refugiados-a-urgencia-da-cidadania-universal-com-a-palavra-o-prof-elio-gasda-sj/ Thu, 07 Oct 2021 12:46:27 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=41841 [Leia mais...]]]> 2020 foi o nono ano de crescimento seguido de deslocamentos forçados. Coincide com a concentração de riqueza. Bilionários viajam pelo espaço enquanto milhões passam fome em uma terra devastada pelo colapso climático e pela ganância… Se queremos salvar vidas, é urgente construir um mundo verdadeiramente sem fronteiras. Pensar a cidadania universal é recriar a solidariedade, o diálogo, a justiça e a paz entre os povos. Somos todos irmãos! “Se quisermos, poderemos transformar as fronteiras em lugares privilegiados de encontro, onde possa florescer o milagre de um nós cada vez maior” (Papa Francisco).

Confira toda a reflexão do prof. dr. Élio Gasda, SJ:

Crianças choram na fronteira entre o México e os Estados Unidos, perto de Playas de Tijuana, em 2 de dezembro de 2018 (Guillermo Arias/AFP)

“Humilhação inadmissível”, crise humanitária e contradições internacionais

Homens, mulheres, crianças, milhares de pessoas debaixo de uma ponte a espera de oportunidade. Entretanto, o que lhes é dado são chicotadas, caçados como animais.  (Fronteira do México com USA). Um corpo no deserto. Brasileira morreu de sede. Buscava vida digna (USA). Barracas, colchões, fraldas, brinquedos, documentos de venezuelanos imigrantes queimados na fogueira da intolerância (Chile). “Humilhação inadmissível” (Felipe González/ONU). Histórias da vida real. Cenários de uma crise humanitária. Representação das contradições internacionais.

Quem são essas pessoas? Deslocados, migrantes, refugiados. Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) define como refugiados aquelas pessoas que fogem de conflitos armados ou perseguições. A extrema vulnerabilidade provocada pela perda de seus direitos básicos, os deixa em uma situação-limite. Homens, mulheres e crianças impossibilitados de viverem em seu próprio país. Migrantes são definidos como aqueles que escolhem se deslocar em busca de melhores condições de vida e trabalho. Podem migrar dentro do próprio país ou para o exterior. Ao contrário dos refugiados, continuam a receber proteção de seus governos.

A migração não é um fenômeno novo. No entanto, nunca ocorreu em tão alta escala

A migração não é um fenômeno novo. No entanto, nunca ocorreu em tão alta escala. Segundo o relatório anual da Acnur, até o final de 2020, 82,4 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. Em plena pandemia, o número de refugiados no mundo é recorde. 1% da humanidade está desabrigada, o dobro de dez anos atrás. 42% são adolescentes com até 18 anos. Uma em cada 95 pessoas do planeta está em deslocamento.

2020 foi o nono ano de crescimento seguido de deslocamentos forçados. Coincide com a concentração de riqueza. Bilionários viajam pelo espaço enquanto milhões passam fome em uma terra devastada pelo colapso climático e pela ganância. Desde 2000, a maioria da população mais pobre do mundo recebe somente 1% do aumento da riqueza global.

Em 2020, a fome atingiu 811 milhões de pessoas. Pandemia, guerras, mudanças climáticas, agronegócio afetaram a produção de alimentos (Relatório O Estado da Insegurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI) 2021). Relatório da OIT Perspectivas Sociais e do Emprego no Mundo: Tendências 2021, aponta que 220 milhões de pessoas estão desempregadas. Antes da pandemia eram 187 milhões.

A mobilidade humana não é espontânea, mas consequência direta do sistema econômico global

A mobilidade humana não é espontânea. É consequência direta do sistema econômico global. Um mundo onde a lógica do capitalismo, o lucro, impera. Uma tecnologia que, a serviço de poucos, transforma homens e mulheres em mercadoria descartável. Permite o tráfico humano, a comércio de órgãos e a prostituição até de crianças. Seres humanos coisificados. A riqueza nas mãos de poucos, poucas pessoas, poucos países. Sociedade da exclusão. Quem socorre os refugiados durante uma pandemia global?

Papa Francisco ensina que “os nacionalismos fechados e agressivos (Fratelli tutti, 11) e o individualismo radical (Fratelli tutti, 105) desagregam e dividem o nós, tanto no mundo como na Igreja. O preço mais alto é pago por aqueles que mais facilmente se tornam os outros: os estrangeiros, os migrantes, os marginalizados, que habitam as periferias existenciais”.

A Igreja e os migrantes e refugiados

A mais de 100 anos a Igreja dedica o último domingo do mês de setembro ao Dia mundial do migrante e do refugiado. Na mensagem deste ano, papa Francisco faz um apelo a toda humanidade “para que não existam mais muros que nos separam, nem existam mais os outros, mas só um nós, do tamanho da humanidade inteira”. Aos católicos ressalta: “a Igreja é chamada a sair pelas estradas das periferias existenciais para cuidar de quem está ferido e procurar quem anda extraviado, sem preconceitos nem medo, sem proselitismo, mas pronta a ampliar a sua tenda para acolher a todos“. E completa: “No encontro com a diversidade dos estrangeiros, dos migrantes, dos refugiados e no diálogo intercultural […] é-nos dada a oportunidade de crescer como Igreja, enriquecer-nos mutuamente“.

Papa Francisco continua seu apelo convidando homens e mulheres para juntos caminharem para “recomporem a família humana, a fim de construirmos em conjunto o nosso futuro de justiça e paz, tendo o cuidado de ninguém ficar excluído […]. O futuro das nossas sociedades é um futuro “a cores”, enriquecido pela diversidade e as relações interculturais. Por isso, hoje, devemos aprender a viver, juntos, em harmonia e paz”.

Cidadania universal! Se queremos salvar vidas, é urgente construir um mundo verdadeiramente sem fronteiras. Pensar a cidadania universal é recriar a solidariedade, o diálogo, a justiça e a paz entre os povos.

Somos todos irmãos! “Se quisermos, poderemos transformar as fronteiras em lugares privilegiados de encontro, onde possa florescer o milagre de um nós cada vez maior” (Papa Francisco).

(Adaptação e grifos, Edward Guimarães, para o Observatório da Evangelização)

Sobre o autor:

Prof. dr. Élio Gásda, SJ

Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.

Fonte:

www.domtotal.com

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“Economia de Francisco”, com a palavra o prof. Élio Gasda, SJ https://observatoriodaevangelizacao.com/economia-de-francisco-com-a-palavra-o-prof-elio-gasda-sj/ Thu, 19 Nov 2020 22:32:01 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=36464 [Leia mais...]]]> A humanidade precisa mudar. É fundamental mudar a economia. O sistema mundial em sua vertente capitalista neoliberal financeirizada é insustentável. A desigualdade é o mal estrutural maior do planeta. Especulação e idolatria do dinheiro: os pecados do nosso tempo. As agressões mais frequentes e cruéis contra a vida e a Criação vêm do poder dinheiro. Essa economia não salva ninguém... As relações econômicas necessitam de uma mudança radical de orientação: da competitividade para a colaboração; da exploração para a sustentabilidade; da acumulação egoísta para a distribuição justa; do consumismo individualista desenfreado ao consumo consciente e solidário. Pensar em um mundo menos desigual. Não há democracia política sem democracia econômica.”

Confira a reflexão do prof. Élio Gasda:

ECONOMIA DE FRANCISCO

A Economia de Francisco se tornou o mais amplo movimento de jovens economistas e empreendedores do mundo (Reprodução/Vatican Media)
A Economia de Francisco se tornou o mais amplo movimento de jovens economistas e empreendedores do mundo (Reprodução/Vatican Media)

Hoje, 19 de novembro, começa o Encontro Economia de Francisco.

Em modalidade virtual, o evento se estenderá até o dia 21 e poderá ser acompanhado no portal francescoeconomy.org. A versão on-line permite que todos os jovens inscritos participem do encontro nas mesmas condições de compartilhar suas experiências, trabalhos, propostas e as reflexões amadurecidas nos últimos meses.

É a primeira vez que um líder mundial de uma instituição global convoca os jovens para pensar uma economia diferente daquela que descarta e “mata” milhões de pessoas e destrói a natureza.

O compromisso de Francisco com a proposta de vida de Jesus, “o Reinado de Deus “, é um convite. A economia que o inspira está baseada no encontro com Jesus de Nazaré.

É preciso escutar os jovens!

O projeto Economia de Francisco se tornou o mais amplo movimento de jovens economistas e empreendedores do mundo. Aconteceram mais de 300 encontros preparatórios on-line envolvendo 3 mil jovens de 120 países. Estão previstas conferências de economistas renomados como Muhammad Yunus, Jeffrey Sachs, Vandana Shiva, Stefano Zamagni, Nelson Barbosa. 

As 12 “aldeias” temáticas foram transformadas em sessões de trabalho on-line que os jovens realizaram nos últimos meses:

  1. trabalho e cuidado;
  2. gestão e dom;
  3. finanças e humanidade;
  4. agricultura e justiça;
  5. energia e pobreza;
  6. lucro e vocação;
  7. políticas para a felicidade;
  8. CO2 da desigualdade;
  9. negócios e paz;
  10. economia e mulher;
  11. empresas em transição;
  12. vida e estilos de vida.

Pensar outra economia é uma obrigação moral.

A humanidade precisa mudar. É fundamental mudar a economia. O sistema mundial em sua vertente capitalista neoliberal financeirizada é insustentável. A desigualdade é o mal estrutural maior do planeta. Especulação e idolatria do dinheiro: os pecados do nosso tempo. As agressões mais frequentes e cruéis contra a vida e a Criação vêm do poder dinheiro. Essa economia não salva ninguém.

As gerações futuras vão herdar um mundo grandemente deteriorado. Nossos filhos e netos não têm de pagar o preço da irresponsabilidade de nossa geração” (Papa Francisco).

É urgente corrigir modelos de crescimento que não respeitem a vida humana, o meio ambiente e a justiça. Devemos redescobrir a essência mais importante da economia. Não se trata apenas do dinheiro, investimentos e finanças. A Igreja, liderada por Francisco, quer contribuir para mudar a economia. Uma economia inclusiva, sem descartar ninguém.

O documento que embasa o movimento Economia de Francisco é a encíclica Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum (2015). Ecologia integral significa pensar no bem comum. A ideia é colocar a economia a serviço da sociedade.

O dinheiro deve servir, e não governar! (Evangeli gaudium, 58).

O fim último da economia não está na economia, mas no seu propósito. A economia é uma atividade realizada por pessoas e orientada ao serviço das pessoas. Significa administrar a casa comum para garantir a sobrevivência material. “A dignidade da pessoa humana e o bem comum deveriam estruturar toda a política econômica” (Evangeli gaudium, 203).

A economia é uma prática social relacionada com outras práticas para constituir uma forma de vida racional e ecologicamente sustentável. A casa comum é uma só. Não é possível uma ecologia integral sem uma economia integral. Pensar a economia a partir de questões básicas como: O que produzir? Quanto produzir? Como produzir? Com que impactos ambientais? Como será distribuída a produção?

As relações econômicas necessitam de uma mudança radical.

As relações econômicas necessitam de uma mudança radical de orientação: da competitividade para a colaboração; da exploração para a sustentabilidade; da acumulação egoísta para a distribuição justa; do consumismo individualista desenfreado ao consumo consciente e solidário. Pensar em um mundo menos desigual. Não há democracia política sem democracia econômica.

Uma economia gerada desde a cotidianidade da vida. A vida é o ponto de partida. A vida é a condição absoluta de tudo o que o ser humano faz. Se matamos as condições que permitem a vida se reproduzir, estamos condenados. Não pode haver dúvidas quanto a isso. “Façamos um ‘pacto’ para mudar a atual economia e dar uma alma à economia do amanhã” (Papa Francisco).

(Adaptação e grifos, Edward Guimarães, para o Observatório da Evangelização)

Sobre o autor:

Prof. dr. Élio Gásda, SJ

Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.

Fonte:

www.domtotal.com

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Qual o significado para a fé cristã das lutas pela justiça e organizações populares? https://observatoriodaevangelizacao.com/carater-salvifico-espiritual-das-lutas-e-organizacoes-populares/ Thu, 08 Mar 2018 02:26:40 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27532 [Leia mais...]]]> Caráter salvífico-espiritual das lutas e organizações populares

Por Francisco de Aquino Júnior*

As organizações e lutas populares têm um papel fundamental na vivência da fé e na ação pastoral da Igreja.

Uma das características mais importantes e mais impactantes da Igreja latino-americana é o compromisso com a justiça social e a participação nas lutas e organizações populares. Por isso mesmo nossa Igreja é conhecida como Igreja da libertação: Igreja comprometida e inserida nas lutas populares; Igreja regada com o sangue dos mártires da caminhada.

Em todos os cantos do Brasil há cristãos, comunidades, pastorais e movimentos eclesiais 1) engajados em lutas sociais (terra, água, moradia, educação, saúde, saneamento, ecologia, igualdade étnico-racial e de gênero etc.) e em organizações populares (sindicatos, associações, redes, movimentos etc.); 2) apoiando e fortalecendo a luta de comunidades, grupos ou setores marginalizados na sociedade (trabalhadores em greve, ocupações de terra, comunidades atingidas por grandes projetos dos agro-hidro-negócio, catadores de material reciclável e população em situação de rua etc.); 3) criando serviços, organismos e pastorais para acompanhar grupos e setores sociais marginalizados em suas lutas e organizações (pastorais sociais, centros de direitos humanos etc.); 4) promovendo e participando de campanhas, eventos e processos de discussão e mobilização em torno de direitos fundamentais negados ou de mecanismos que promovem injustiças (campanhas da fraternidades, grito dos excluídos, semanas sociais, plebiscitos populares, projetos de  lei de iniciativa popular etc.) etc. Isso marca decisivamente nosso jeito de viver, celebrar e pensar a fé: nosso engajamento social, nossos cantos e nossas liturgias, nossos símbolos, nossa teologia.

Certamente a fé não se reduz à sua dimensão social e nem a dimensão social da fé se reduz à participação nas lutas e organizações populares. A fé diz respeito a todas as dimensões da nossa vida. E a dimensão social da fé diz respeito tanto às relações interpessoais quanto à organização da sociedade. Mesmo a luta pela justiça e pela transformação da sociedade não se reduz à participação em lutas e organizações populares: passa também pela luta cotidiana pela sobrevivência e pela solidariedade com as causas populares.

Mas a fé tem uma dimensão social que diz respeito aos meios de organização da sociedade: costumes, mentalidades, normas, leis e instituições econômicas, políticas, jurídicas, militares, familiares etc. E, aqui, as organizações e lutas populares têm um papel fundamental na vivência da fé e na ação pastoral da Igreja:

Por um lado, elas denunciam e se enfrentam com as “estruturas de pecado” que continuam matando os filhos e filhas de Deus neste mundo, isto é, os mecanismos econômicos, políticos, jurídicos, culturais, religiosos etc., que negam as condições materiais de vida a grande parte da população, que oprimem e marginalizam amplos setores da sociedade e que legitimam as mais diferentes formas de injustiça, opressão e marginalização. Aquilo que desde Medellín (1968) e Puebla (1979) se convencionou chamar “estruturas de pecado”, “pecado estrutural” ou “pecado social”.

Por outro lado, elas se constituem como “mediação de salvação”, na medida em que buscam e ensaiam alternativas de vida e sobrevivência em meio à miséria, injustiça e marginalização, bem como novas formas e novos mecanismos de organização da sociedade que garantam a efetivação dos direitos dos setores empobrecidos e marginalizados, para além de sua afirmação formal. E isso independentemente de seu vínculo religioso e eclesial, da consciência do caráter salvífico de sua ação e dos limites e das ambiguidades dessa ação.

Trata-se, aqui, da denúncia e do enfrentamento do pecado em sua dimensão socioestrutural (pecado cristalizado e mediado em estruturas sociais), bem como da realização da salvação em sua dimensão socioestrutural, isto é, do esforço de organização da sociedade segundo o espírito evangélico que tem nas necessidades e nos direitos dos pobres e marginalizados seu critério e sua medida permanentes (mediação da salvação em estruturas sociais). A partir dessas lutas e organizações, o Espírito, que “escreve certo por linhas tortas”, continua agindo no mundo: salvando e recriando a vida pisada, ferida, destroçada…

É claro que elas não são puras nem perfeitas. São limitadas, ambíguas e contraditórias. Têm seus pecados: reducionismo, fechamento, autoritarismo, sectarismo, centralismo, personalismo, violência, corrupção, machismo, racismo, homofobia, antropocentrismo, desrespeito e agressão aos próprios companheiros, dentre outros. E precisam ser purificadas, alargadas e dinamizadas com a luz e a força do Evangelho. O reconhecimento de seu caráter salvífico-espiritual não pode ofuscar nem comprometer a necessidade de conversão e o chamado à mesma, inclusive para não comprometer ainda mais sua densidade espiritual.

E é claro também que elas não são a salvação ou o reinado de Deus sem mais e em sua plenitude como não o é nenhum processo histórico social ou eclesial. Mas são sinais e mediações históricos da salvação ou do reinado de Deus neste mundo. Sinais e mediações limitados, ambíguos e contraditórios, mas reais e verdadeiros.

Não por acaso, o papa Francisco fala dos movimentos e organizações populares como “uma bênção para a humanidade”. E a razão disso está bem explicitada no Documento de Medellín: “assim como outrora Israel, o antigo Povo, sentia a presença salvífica de Deus quando o libertava da opressão do Egito, quando o fazia atravessar o mar e o conduzia à conquista da terra prometida, assim também nós, novo Povo de Deus, não podemos deixar de sentir seu passo que salva quando se dá o ‘verdadeiro desenvolvimento que é, para cada um e para todos, a passagem de condições de vida menos humanas para condições mais humanas’”.

De modo que a participação cristã nas lutas e organizações populares não se dá apesar da fé nem muito menos em prejuízo da fé. É uma exigência que brota da fé no Deus que libertou o povo da escravidão do Egito e que assumiu para si a causa do pobre, do órfão, da viúva e do estrangeiro, fazendo dessa mesma causa critério e medida de comunhão com Ele e de participação no banquete definitivo de seu reinado de fraternidade, justiça e paz – como indicam as parábolas do bom samaritano (Lc 10, 25-37) e do juízo final (Mt 25, 31-46).

Ficar indiferente ou, pior, opor-se às organizações populares em suas lutas pelos direitos dos pobres e marginalizados é opor-se ao próprio Deus que através de seu Espírito vai salvando e recriando a vida “a partir de baixo”. E atribuir a satanás o que é obra do Espírito de Deus (tudo que salva e recria a vida) é pecado que não tem perdão por ser em si mesmo recusa do Dom/Espírito de Deus que nos é dado (cf. Mc 3,29; Mt 12, 32; Lc 12, 10). Avancemos, pois, na fidelidade ao Deus dos pobres e aos pobres da terra em suas lutas por direitos e dignidade….

 

Pe.-Aquino-ok*Francisco de Aquino Júnior possui graduação em Teologia pela Faculdade Jesuítica de Belo Horizonte (1999), graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (1999), mestrado em Teologia pela Faculdade Jesuítica de Belo Horizonte (2001) e doutorado em Teologia – Westfälische Wilhelms Universität Münster (2009). É professor da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE. Dentre seus livros merecem destaque: Teologia como intelecção do reinado de Deus (A) – O método da teologia da libertação segundo Ignacio Ellacuria. São Paulo: Loyola, 2010; A Dimensão Socioestrutural do Reinado de Deus, São Paulo: Paulinas, 2011; Teoria Teológica. Práxis Teológica. Sobre o método da Teologia da Libertação. São Paulo: Paulinas, 2012; Viver segundo o espírito de Jesus Cristo. Espiritualidade como seguimento. São Paulo: Paulinas, 2014; O caráter práxico-social da teologia. Tópicos fundamentais de epistemologia teológica. São Paulo: Loyola, 2017; Nas Periferias do Mundo. Fé, Igreja, Sociedade. São Paulo: Paulinas, 2017.

Fonte:

Dom Total

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