Crise política e desesperança geral – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 16 Aug 2018 18:32:06 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Crise política e desesperança geral – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Crise política e desesperança geral https://observatoriodaevangelizacao.com/crise-politica-e-desesperanca-geral/ https://observatoriodaevangelizacao.com/crise-politica-e-desesperanca-geral/#comments Thu, 16 Aug 2018 18:32:06 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28758 [Leia mais...]]]> No Brasil de hoje devemos recuperar a esperança de que o legado final da presente crise será a configuração de um outro tipo de Estado, de política, de partidos, de justiça e do próprio destino do país

Porque o Cristo do Corcovado se escondeu atrás das nuvens, não significa que tenha deixado de existir. Ele está lá no alto da montanha estendendo seus braços e abençoando a nossa sofrida população… 

Aqueles que provocaram esta crise, rasgaram a Constituição e não seguiram os ditames da justiça não prevalecerão. Sairemos mais purificados, mais fortes e com um sentido maior do destino a que nosso país está chamado em benefício para todos, a começar para os mais pobres e para a inteira humanidade.

Um dos efeitos perversos de nossa crise nacional é sem dúvida a desesperança que está contaminando a maioria das pessoas. Ela se manifesta pela angústia de não ver nenhum horizonte do qual se possa vislumbrar um solução salvadora. Emerge a sociedade do cansaço e da perda da alegria de viver.

São as consequências da ausência de sentido, de que tudo vai continuar na mesma lógica, feita de corrupção, falsificação das notícias (fakenews) e daí da realidade, maledicência generalizada, a dominação dos poderosos sobre as massas entregues à sua própria sorte. Tal desolação alcança também a percepção do futuro de nosso mundo e da humanidade, pouco importa o que possa ocorrer. Bem observou o papa Francisco em sua encíclica “sobre o cuidado da Casa Comum”: As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia. Para as próximas gerações poderíamos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo. O estilo de vida atual, por ser insustentável, só pode desembocar em catástrofes” (n.161).

Mas quem pensa nisso a não ser quem acompanha o discurso ecológico mundial?Portanto, além das múltiplas crises sob as quais sofremos, temos ainda esta sombria de natureza ecológica.

Neste contexto voltam os pensamentos de coloração niilista como o do Nobel em biologia Jacques Monod: É supérfluo buscar um sentido objetivo da existência. Ele simplesmente não existe. Os deuses estão mortos e o homem está só no mundo” (O acaso e a necessidade, Vozes 1979, p.108). Ou o famoso C. Levy-Straus que tanto amava o Brasil deixou escrito no seu admirável Tristes trópicos” (1955): O mundo começou sem o homem e terminará sem ele. As instituições e os costumes que eu teria passado a vida inteira a inventariar e a compreender, são uma eflorescência passageira de uma criação em relação com a qual elas não têm sentido, senão, talvez, aquele que permite à humanidade a desempenhar o seu papel”(p. 477).

Mas será que o ser humano não é o inverso de um relógio? Este funciona em si mesmo e anda conforme seu mecanismos internos. O ser humano não é um relógio. Ela anda bem quando estiver em sintonia permanente com o Todo que o envolve por todos lados e está para além dele mesmo. Portanto, temos que deixar de lado todo antropocentrismo e assumirmos uma leitura mais holística do sentido da vida.

Diferentemente pensava o físico britânico Freeman Dyson (*1923): quanto mais examino o universo e os detalhes de sua arquitetura, mais acho evidências de que o universo sabia que um dia, lá na frente, nós seres humanos, iríamos surgir” (Disturbing the Universe, 1979, p. 250). Quase com as mesmas palavras o diz talvez o maior cosmólogo atual, Brian Swimme (The Universe Story, 1996, p. 84).

As tradições espirituais e religiosas são um hino ao sentido da vida e do mundo. Por isso observava o grande estudioso das utopias Ernst Bloch em seus dois grossos volumes O princípio esperança: Onde há religião aí há sempre esperança”.

A questão do sentido é inadiável. Cito aqui o mais crítico dos filósofos Immanuel Kant: Que o espírito humano abandone definitivamente as interrogações metafísicas (do sentido do ser e da existência) é tão inverossímil quanto esperar que nós para não respirar um ar poluído, deixássemos, uma vez por todas, de respirar” (Prolegomena zu einer jede künftigen Metaphysik, A 192, vol. 3, p. 243).

Porque o Cristo do Corcovado se escondeu atrás das nuvens, não significa que tenha deixado de existir. Ele está lá no alto da montanha estendendo seus braços e abençoando a nossa sofrida população.

No Brasil de hoje devemos recuperar a esperança de que o legado final da presente crise será a configuração de um outro tipo de Estado, de política, de partidos, de justiça e do próprio destino do país.

Termino com o profeta Jeremias que viveu no tempo do cativeiro babilônico sob o rei Ciro. Os habitantes da Babilônia zombavam dos judeus porque já não cantavam suas canções e, desanimados, dependuravam seus instrumentos nos galhos dos sicômoros. Perguntaram a Jeremias: Você tem esperança”? Ao que ele respondeu: “eu tenho esperança de que o rei Ciro com todo o seu poder não poderá impedir o nascimento do sol”. E eu acrescentaria não poderá impedir o amor e as crianças que daí nascerem e renovarem a espécie humana.

Semelhante esperança alimentamos nós de que aqueles que provocaram esta crise, rasgaram a Constituição e não seguiram os ditames da justiça não prevalecerão. Sairemos mais purificados, mais fortes e com um sentido maior do destino a que nosso país está chamado em benefício para todos, a começar para os mais pobres e para a inteira humanidade.

 

Sobre o autor:

leonardo-boff

Leonardo Boff é doutor em Teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e, depois, professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É assessor de movimentos populares, reconhecido nacional e internacionalmente pelo seu trabalho com a Teologia da Libertação e nas áreas de filosofia, ética, espiritualidade e ecologia. Ecologia, Mundialização, Espiritualidade (Record); Civilização planetária (Sextante); A voz do arco-iris (Sextante); Saber cuidar (Vozes); Ética e ecoespiritualidade (Verus); Homem: satã ou anjo bom (Record); Evangelho do Cristo cósmico (Record); Do iceberg à Arca de Noé (Sextante); Opção Terra. A solução da Terra não cái do céu (Sextante); Proteger a Terra-cuidar a vida. Como evitar o fim do mundo (Record); Ecologia: grito da Terra, grito do pobre (Sextante) pelo qual recebeu o prêmio Sérgio Buarque de Holanda como o melhor ensaio social do ano de 1994 e em 1997 nos EUA foi considerado um dos três livros publicados naquele ano que mais favorecia o dialogo entre ciência e religião. Recebeu os títulos de doutor honoris causa em política pela Universidade de Turin em 1991, doutor honoris causa em teologia pela Universidade de Lund (Suécia) em 1992 e doutor honoris causa em teologia, ecumenismo, direitos humanos, ecologia e entendimento entre os povos pelas Faculdades EST de São Leopoldo em 2008 e doutor honoris causa pela Cátedra del Água da Universidade de Rosário na Argentina em 2010.

Fonte:

Carta Maior

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