Conversão – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Fri, 25 Mar 2022 12:00:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Conversão – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Reflexões sobre a Educação no contexto da CF 2022 https://observatoriodaevangelizacao.com/reflexoes-sobre-a-educacao-no-contexto-da-cf-2022/ Fri, 25 Mar 2022 12:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44530 [Leia mais...]]]> Em 2022, a Igreja Católica no Brasil, por meio da CNBB, promove a Campanha da Fraternidade, um dos maiores projetos de evangelização, que, pela terceira vez, envolve a temática da Educação: 1982, 1998 e agora 2022. Isso revela a importância da Educação na vida humana. Diante do tema Fraternidade e Educação, profundamente enraizado na nossa realidade, faz-se necessário refletir o que representa a Educação no contexto brasileiro e como ela está sendo tratada. A CNBB escolhe temáticas urgentes que precisam ser refletidas e transformadas pela sociedade e suas instituições políticas.

 O discurso sobre a necessidade de se valorizar a Educação é corrente em várias instâncias da sociedade, principalmente em campanhas eleitorais. Se reconhece que a Educação é um instrumento fundamental para a transformação da sociedade. A importância da Educação se acentuou, isto é, o reconhecimento da sociedade se tronou mais nítido, no momento em que o mundo se encontrou diante da pandemia da covid-19. Muitas crianças e jovens interromperam a sua ida presencial a escola, passando a entrar no regime das aulas remotas. Com isso, se agravou problemas existentes, tais como a falta de infraestrutura nos domicílios que possibilite um aprendizado, a escassez de recursos tecnológicos e a dificuldade no acesso à internet e a sinais de televisão (para aqueles que assistiam às aulas remotas). Com a pandemia, também se observou problemas familiares, sendo alguns novos, como a convivência em tempo integral do grupo familiar dentro de casa, aumentando o estresse e não permitindo os momentos de lazer que muitas crianças e jovens tinham fora de casa. Também os problemas velhos que eram ignoradas, como a violência doméstica que se agravou mais ainda no momento de isolamento sanitário.

Em vários discursos, a escola foi citada como um serviço essencial que não poderia parar, pois a mesma é responsável pelo processo de socialização e a formação das crianças e dos jovens. Diante de grande comoção e reconhecimento se esperava uma nova postura governamental, nas suas várias esferas (municipal, estadual e federal) visando maiores recursos, investimentos, reconhecimento salarial e capacitação humana. É notório que houve exemplos nesse sentido, mas são casos pontuais em relação à realidade brasileira, pois houve graves cortes de recursos na Educação e de fomentos em pesquisas científicas.

Além do aspecto institucional, da realidade da sociedade brasileira, especialmente das crianças, adolescentes e jovens, a Educação deve ser pensada a partir dos seus profissionais: professoras e professores, pedagogas e pedagogos, assistentes de serviços básicos,  secretárias e secretários, direção, ou seja, todo o corpo docente e técnico que ajuda a pensar, dinamizar, cuidar e manter a instituição escolar. Pessoas fundamentais que, coletivamente, contribuem para o funcionamento da escola e para o processo de ensino-aprendizagem. Mas como são tratados pela sociedade, pelo poder público e pela comunidade escolar?

Na realidade prática, muitos pais, mães e outras pessoas responsáveis não aceitam e nem apoiam quando profissionais da Educação reivindicam melhores condições de trabalho e salário. É preciso indagar: que tipo de Educação esperam para suas filhas e filhos? Como interpretam o papel da escola? Várias podem ser as possibilidades de respostas, mas quais posturas podem ser esperadas daquelas pessoas que se posicionam como cristãs?

A situação concreta e o cotidiano de nossas escolas e as condições de trabalho dos profissionais da educação, geralmente, não são mostradas adequadamente pelos meios de comunicação social, não despertam o zelo do poder público responsável em cuidar e não são conhecidas, com profundidade, e acompanhadas pela sociedade brasileira.

A Campanha da Fraternidade de 2022, cujo tema é Fraternidade e Educação, tem um lema muito significativo e belo retirado do livro dos Provérbios: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31, 26). A Educação, mesmo diante de um projeto político que é caracterizado por muitos como de sucateamento, mostra que muitos profissionais, apesar dos pesares, continuam a ensinar com sabedoria, amor e dedicação. Todas as profissões dependem da Educação e, geralmente, é decisivo a qualidade da instituição escolar. É um serviço de entrega ao outro, tornando o ato de ensinar, assim como o amor, um verbo intransitivo, isto é, um lado se entrega sem esperar a resposta do outro. Mas, enquanto seres humanos, queremos que a nossa entrega seja reconhecida, que nossos estudantes aproveitem o que é ensinado e que o amor doado seja reconhecido e valorizado. Que seja uma valorização material coerente com as necessidades diárias dessas pessoas.

É importante que cristãs e cristãos, católicos ou não, sejam os primeiros a conhecer a realidade da Educação em nosso país, a refletir sobres seus desafios e urgências, a apoiar as lutas por uma educação de qualidade, refletida nos investimentos materiais e humanos, na infraestrutura, no salário e na valorização dos profissionais da Educação. Que esta Campanha da Fraternidade seja uma oportunidade singular de conversão ao Deus da vida e ao seu projeto salvífico que nos responsabiliza e a Jesus que veio para que todos tenham vida.

 

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Paulo Vinícius Faria Pereira
É teólogo católico leigo. Professor de Sociologia na rede pública de ensino. Mestrando em Ciências da Religião pela PUC Minas, possui bacharelado em Teologia e licenciatura e bacharelado em Ciências Sociais pela mesma instituição. É licenciado em Pedagogia (Claretiano) e membro da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais.

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Quaresma e Guerra https://observatoriodaevangelizacao.com/quaresma-e-guerra/ Mon, 21 Mar 2022 22:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44454 [Leia mais...]]]> Com sensibilidade humana e pastoral, o Arcebispo de Uberaba nos leva a refletir sobre o drama da guerra e as exigências de conversão quaresmal. O apelo de um pastor para que a humanidade levante os olhos, acorde para a realidade e compreenda a insensatez das guerras, muitas delas por motivações religiosas. Confira, vale a pena! E deixe-se tomar pela fraternidade e compaixão que brotam do sincero encontro com Deus.

Parece ser um contrassenso o que acontece nestas duas realidades: a Quaresma reflete sobre a fraternidade, espiritualidade, conversão, mudança de vida; a guerra revela a insensibilidade do ser humano ao provocar um cenário de destruição e desumanidade. Está visível esta realidade nesse confronto entre a Rússia e a Ucrânia. Os autoritários não medem as consequências de uma guerra.

A humanidade passa por momentos ímpares de destruição. A pandemia mexeu com todo mundo, seja rico ou pobre. O cenário da ecologia integral está em baixa e revela um descontrole da natureza, ocasionando desastres letais em vários espaços geográficos, com enchentes, deslizamento de terra, destruição de pontes. Queremos entender que alguma coisa precisa ser mudada e recuperada.

Está na hora da humanidade levantar os olhos para o céu, como fez Abrão diante da proposta e do convite de Deus (cf. 15,5-6). Esse é o caminho indicado pelos quarenta dias de reflexão na Quaresma, como tempo de restauração das motivações para defesa da vida e superação do que fere a dignidade das pessoas. Não pode ser um caminho de guerra, de insanidade e de autodestruição.

A proposta de Jesus tem o envolvimento da cruz, e muitos são inimigos da cruz. A tendência moderna é de descarte de tudo que exige sacrifício, mas acaba provocando consequências de sofrimento e perdição. Nas guerras, as autoridades não conseguem sacrificar os próprios interesses, sejam econômicos, políticos e religiosos. É inconcebível que a maioria das guerras tem motivação religiosa.

Não é louvável ter prazer somente em relação às coisas terrenas, aos interesses egoístas e escusos, desviando a atenção para o sobrenatural. Na maioria das vezes, isto acontece numa guerra, onde as decisões são recheadas de competição, destruição e morte. Falta sensibilidade para o divino presente no mundo, na natureza e, de modo especial, na pessoa humana, principalmente inocente.

A compaixão é uma virtude que pode intermediar as duas realidades: quaresma e guerra. Quem arma guerras diz não eliminar vidas inocentes, mas não vive a compaixão, o reconhecer que todas as pessoas têm direito a vida, à sua história e a seus patrimônios. É triste ver tanques de guerra apavorando a população e ceifando vidas. A quaresma provoca a compaixão e a fraternidade.

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Dom Paulo Mendes Peixoto
Arcebispo da Arquidiocese de Uberaba e bispo referencial das CEBs e Pastoral da Criança do Regional Leste 2 da CNBB.

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Conversão: do moralismo à liberdade https://observatoriodaevangelizacao.com/conversao-do-moralismo-a-liberdade/ https://observatoriodaevangelizacao.com/conversao-do-moralismo-a-liberdade/#comments Sat, 12 Mar 2022 21:51:33 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44279 [Leia mais...]]]>

Alguns símbolos e palavras acabam perdendo seu sentido original e sendo cooptados por movimentos que lhes roubam o brilho, deixando sobre eles um ranço reacionário. As bandeiras e cores nacionais, por exemplo, frequentemente adquirem um sentido supremacista e xenófobo na ascensão dos fascismos (mesmo que com ares tropicais e futebolísticos, como é o caso brasileiro).

Nessa ordem, a palavra “conversão” não passou imune ao moralismo cristão. Soa-nos hoje como um enunciado de julgamento, mais do que uma possibilidade de libertação e de felicidade. O “convertido” é aquele que, ao repudiar seus comportamentos pregressos (em especial aqueles mais diretamente relacionados à dimensão do prazer) agora segue aos rígidos preceitos da cristandade, apresentada sempre em uma face austera, severa e, não poucas vezes, excludente.

Mas a verdade é que converter-se é uma necessidade humana e um movimento quase que espontâneo do amadurecimento ético e afetivo. Para além de qualquer moralismo, o exercício pessoal de autocrítica e reavaliação dos valores e atitudes que nos constituem, é um hábito não somente saudável, mas absolutamente imperativo para a realização pessoal. Um projeto de vida que não esteja aberto à conversão está fadado ao fracasso ou então, à inadequação atroz que os rígidos costumam experimentar diante da realidade mutável da vida.

Um projeto de vida que não esteja aberto à conversão está fadado ao fracasso ou então, à inadequação atroz que os rígidos costumam experimentar diante da realidade mutável da vida.

Frente aos desafios das nossas relações, dos limites do nosso temperamento e daquilo que não podemos mudar em nós e no outro, é preciso converter-se. Diante da crise ecológica, política e ética em que nossa sociedade se afunda, é preciso converter-se. Em oposição ao negacionismo, ao fundamentalismo e à desinformação intencional e perigosa que ameaça a integridade das consciências, é preciso converter-se.

Mas a crítica inicial a um cristianismo de preceitos não pretende fazer deste um texto de simples apologia de uma visão laica da conversão (embora esta seja também possível). Ao contrário, as tradições religiosas, quando bem vividas, podem nos oferecer caminhos valiosos para essa “mudança de rumo”. Afastando-nos de qualquer resquício negativo de uma religiosidade mais orientada por normas do que pela experiência iluminadora da fé, podemos encontrar nos ritos e orações seu sentido primeiro e mais profundo: um espaço frutífero para a transformação interior.

Na tradição judaico-cristã, o profeta Ezequiel coloca na boca de Deus a seguinte promessa: “Eu vos darei um coração novo e porei um espírito novo dentro de vós. Arrancarei do vosso corpo o coração de pedra e vos darei um coração de carne” (Ez. 36, 26) A conversão, aqui, expressa-se como um dom de abertura à novidade e à humanização do coração, muitas vezes petrificado em preconceitos, rancores e concepções perversas de mundo e de ser humano, que nos prendem a uma cultura do descarte e da morte.

A conversão expressa-se como um dom de abertura à novidade e à humanização do coração, muitas vezes petrificado em preconceitos, rancores e concepções perversas de mundo e de ser humano.

Ter um coração de carne nos permite evitar o engessamento inflexível e, ao contrário, abrir-se à maleabilidade da vida em suas nuances e possibilidades diversas. Converter-se, então, deixa de ser uma formatação compulsória a um estilo pré-determinado de ser, para se tornar um exercício de liberdade interior que nos reposiciona diante do mundo, do outro, de nós mesmos e de Deus. O convertido, mais que “um homem novo”, é alguém aberto ao novo: livre, tolerante, compassivo e criativo, como só os grandes homens e mulheres conseguiram ser.

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Matheus Cedric Godinho
É professor de Filosofia e Ensino Religioso e autor e editor de material didático para Educação Básica nas mesmas áreas. Leigo católico, cofundador da Oficina de Nazaré e membro do Conselho Editorial da Revista de Pastoral da ANEC. Atualmente é estudante de Teologia na PUC Minas, onde também trabalha como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização.

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Catolicismo e Luta Antirracista https://observatoriodaevangelizacao.com/catolicismo-e-luta-antirracista/ Fri, 11 Mar 2022 00:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=44255 [Leia mais...]]]> O Centro Dom Bosco, uma associação neoconservadora de leigos católicos sediada no Rio de Janeiro, tem publicado vídeos em seu canal do YouTube, criminalizando o vereador Renato Freitas (PT) pelo encerramento de uma manifestação antirracista dentro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Curitiba.

O vice-presidente e youtuber do Centro Dom Bosco, Álvaro Mendes, no vídeo “Os petistas que invadiram a Igreja vão politizar a Missa deste sábado?” afirmou que se tratou de um episódio de profanação do templo e de demonstração de intolerância religiosa por parte do parlamentar. Também atacou, como é de costume em seus vídeos, o presidente da CNBB D. Walmor, o reitor da PUC Minas D. Joaquim Mol e o arcebispo de Curitiba D. Peruzzo, pelo que chamou de “timidez extrema na defesa da fé” (CENTRO DOM BOSCO, 2022)[1].

Já no vídeo “Padre Júlio Lancellotti humilha os católicos em discurso anti-igreja!”, Álvaro condenou a saudação do sacerdote aos movimentos de luta contra a discriminação racial, em especial, à Renato Freitas, na missa do 6º domingo do Tempo Comum[2]:

É triste meus amigos, que um sacerdote não veja problema na profanação cometida pelo petista em nome da luta racial ou do conflito de classes. As pessoas não se tornam más porque acenderam socialmente padre. Se nós temos juventude, ou acumulamos conhecimento e dinheiro, como católicos, somos chamados a pôr tudo isso a serviço do próximo visando cumprir as obras de misericórdia corporal e espiritual preceituadas pela Igreja (CENTRO DOM BOSCO, 2022)[3].

A suposta profanação apontada por Álvaro se trata, no entanto, de uma manifestação que ocorreu, em todo o Brasil, no sábado dia 05 de fevereiro, contra os assassinatos, de caráter racista, do jovem congolês Moïse Kabagambe em 24 de janeiro na praia da Barra da Tijuca e de Durval Teófilo Filho em 02 de fevereiro na cidade de São Gonçalo-RJ. Em Curitiba, a manifestação ocorreu em torno das 17:00 horas no Largo da Ordem, no centro antigo da cidade, terminando dentro da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos após o fim da missa.

Na live “Espiritualidade na Ação” o pensador Eduardo Marinho comentou que assassinatos como o de Moïse e de Durval não são incomuns, e que “[…] o que está acontecendo é que está havendo um movimento de inconformação e cada assassinato tem que ser protestado, tem que ter manifestação, tem que gerar inconformação […]” (EDUARDO MOREIRA, 2022)[4]. Destarte, o frei David da Educafro, explicou na mesma live que “[…] o vereador Renato, tentando compreender Jesus na vida do povo negro, fez um ato, fez um gesto, fez um símbolo e isso aí foi compreendido por muitos e aplaudido, e foi muito mal compreendido pelos poderosos e perseguido […]” (EDUARDO MOREIRA, 2022).

No dia 07 de fevereiro, D. José Antônio Peruzzo, arcebispo da Arquidiocese de Curitiba publicou, na página do FaceBook da arquidiocese, uma nota oficial sobre a manifestação antirracista na igreja do Rosário em que reconhece que “a questão racial no Brasil ainda requer muita reflexão e análise honesta, que promovam políticas públicas com vistas a contemplar a igualdade dos direitos de todos” (ARQUIDIOCESE DE CURITIBA, 2022)[5]. Não obstante, repudia o que classificou como uma profanação injuriosa que agrediu a lei e a livre cidadania. O tom condenatório de Dom Peruzzo na nota em questão não satisfez a ortodoxia de Álvaro Mendes, que a chamou de “nota sem vergonha e indigna do seu ofício de pastor das almas” (CENTRO DOM BOSCO, 2021)[6]. 

O escrito do arcebispo, porém, ajudou a impulsionar, na semana subsequente, ainda que sem a intenção, uma chuva de fake news conservadoras de condenação da participação de Renato Freitas na manifestação contra o racismo, e resultou na protocolização de três pedidos de cassação do mandato do vereador. Além disso, o parlamentar vem sofrendo constantes ameaças de morte por parte de grupos neoconservadores, o que o levou a pedir licença dos trabalhos na Câmara Municipal na última semana. 

Renato Freitas é um jovem negro, advogado e mestre em Direito pela UFPR, ativista da luta antirracista e vereador eleito de Curitiba, em 2020, pelo PT. O parlamentar explicou, na live Espiritualidade na Ação, que a manifestação aconteceu na frente da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no centro antigo de Curitiba porque “[…] lá tem o procedimento da lavagem de escada, tem a missa da consciência negra, tem os ritos e sincretismo religioso do pessoal da Umbanda e dos terreiros […]” (EDUARDO MOREIRA, 2022).

Embora Álvaro Mendes não aborde sobre os rituais religiosos apontados por Renato Freitas, podemos intuir que, do ponto de vista da ortodoxia católica defendida pelo Centro Dom Bosco, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos não foi, propriamente, profanada pelo ato antirracista, uma vês que o local já era – em termos depreciativos recorrentemente utilizado por Álvaro em seus vídeos – um palco de abusos litúrgicos, de práticas heterodoxas pagãs e de ideologias revolucionárias. Não obstante, se voltarmos o olhar para a história da referida igreja, contada pelo vereador Renato Freitas na live Espiritualidade na Ação, constataremos que a princípio, o modelo de igreja defendida pelo Centro Dom Bosco, isto é, a chamada Igreja de Sempre, foi uma das grandes promovedoras do racismo e da desumanização de povos negros escravizados nos períodos colonial e imperial brasileiro.

Essa igreja é um símbolo pra nós porque ela é construída em cima de um cemitério de pessoas pretas, durante a escravidão, no centro antigo. E que para poder ter a sua própria igreja, tiveram que construir, porque não podiam entrar em nem uma das outras duas ou três igrejas grandes que tinham no centro de Curitiba. Não podia. Igreja de branco, para branco é! E os pretos construíram essa igreja e o único lugar que foi cedido, foi o cemitério. Então é uma igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, de São Benedito, em cima de um cemitério, construída por pessoas pretas, para pessoas pretas, por conta do apartheid social que vigorava na época.(EDUARDO MOREIRA, 2022).

O contexto sócio-histórico da origem da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos também é destacado por D. José Antônio Peruzzo na sua já citada nota oficial. O arcebispo de Curitiba ressalta que a igreja foi edificada pelo escravos e inaugurada em 1737. Proponho que é sobre esta realidade de opressão racial no interior da Igreja no século XVIII que todos, principalmente os membros do Centro Dom Bosco, deveriam se ater e refletir antes de julgar a participação do vereador Renato Freitas na manifestação contra os assassinatos, de caráter racista, de Moïse Kabagambe e de Durval Teófilo Filho em janeiro e fevereiro de 2022.

            A chamada Igreja de Sempre, defendida por Álvaro Mendes, é reivindicada enquanto uma continuidade em relação ao passado. É preciso destacar que no passado, nos períodos colonial e imperial brasileiro, – como apontam os estudos do historiador Vitor Hugo Monteiro Franco, publicados no livro “Escravos da Religião” – a Igreja detinha “um número de escravos muito acima da média do que havia nas grandes propriedades rurais(BBC NEWS BRASIL, 2022). Reivindicar a Igreja de Sempre, então, é também, tomar como pressuposto da realidade, por exemplo, a hierarquia sócio-racial-econômica, que no passado legitimou a escravidão negra e no presente legitima o racismo e a exploração étnico-racial de classe. 

            Por fim, tomo emprestadas as palavras proféticas da conhecida oração de Dom Helder Câmara na esperança de que a Igreja e a CNBB embarquem “em cheio na causa dos negros”:

[…] Mas é importante, Mariama, que a Igreja de teu Filho não fique em palavra, não fique em aplauso. Não basta pedir perdão pelos erros de ontem. É preciso acertar o passo de hoje sem ligar ao que disserem. Claro que dirão, Mariama, que é política, que é subversão. É Evangelho de Cristo, Mariama. Claro que seremos intolerados. Mariama, Mãe querida, problema de negro acaba se ligando com todos os grandes problemas humanos. Com todos os absurdos contra a humanidade. Com todas as injustiças e opressões […] (FRANCISCANOS, SEM DATA)[7].

[1] In: https://www.youtube.com/watch?v=-gKvXRz4rkQ Acesso em: 26/02/2022.

[2] In: https://www.youtube.com/watch?v=_y6vRQb3fos&t=605s Acesso em: 26/02/2022.

[3] In: https://www.youtube.com/watch?v=-gKvXRz4rkQ&t=327s Acesso em: 26/02/2022.

[4] In: https://www.youtube.com/watch?v=i-zweDXyy1g Acesso em: 26/02/2022.

[5] In: https://www.facebook.com/arquidiocesedecuritiba/posts/4571886386256422 Acesso em: 26/02/2022.

[6] In: https://www.youtube.com/watch?v=kSjUDDaSVRY Acesso em: 26/02/2022.

[7] https://franciscanos.org.br/vidacrista/calendario/invocacao-a-mariama-por-d-helder-camara/#gsc.tab=0

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Glaucon Durães da Silva Santos
É católico leigo da paróquia Bom Jesus e Nossa Senhora Aparecida, Santa Luzia/MG, doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas, professor de Sociologia, membro da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais e colaborador jovem do Observatório da Evangelização da PUC Minas. Desenvolve pesquisa nas áreas da Sociologia da Religião e da Sociologia Política.

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