contemporaneidade – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 25 Apr 2024 18:59:44 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 contemporaneidade – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O real e o imaginário em nossos tempos: o sujeito contemporâneo e seus desafios cristãos. https://observatoriodaevangelizacao.com/o-real-e-o-imaginario-em-nossos-tempos-o-sujeito-contemporaneo-e-seus-desafios-cristaos/ Wed, 05 Oct 2022 18:33:16 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46082 [Leia mais...]]]> Vivemos em um mundo conectado em informações, que são captadas e assumidas tendo como referência o grau de afeto/emoção que vivenciamos no momento. Por isso, se tendemos a acreditar em algum fato, mesmo que se comprove o contrário racionalmente, acabamos deixando aquela primeira impressão imperar. Esse é o mecanismo de surgimento de negacionismos. Se a rede (ou a bolha) que estamos inseridos afirma que a terra é plana, não importa se os cientistas dizem que o contrário. Estamos na era do “acredito, logo existe”. A Razão tem andado sumida. Qual o problema dessa tendência? O problema é quando estamos em uma democracia. Na democracia, o real deve prevalecer. Ao mesmo tempo, a diversidade. Em uma democracia madura, mesmo que tenhamos maioria de seguidores de uma religião, é preciso que os adeptos de religiões com menor número de seguidores, tenha seus direitos iguais. Por isso mesmo o caminho da Democracia Direta, quando existe maturidade social e política, é o melhor. Na Suíça, por exemplo, existem 4 idiomas oficiais (alemão, francês, italiano e romanche). Não é porque o romanche (língua derivada do latim, muito próxima à sua origem) é falado apenas por menos de 1% da população, que os documentos oficiais não aparecem na referida língua também. Uma proposta atual que irá a referendum também indica essa posição: a proposta de obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas. Curioso é que a maior parte da população não é mais praticante de alguma denominação religiosa (o cristianismo pela Europa, de um modo geral, não se oxigenou pelas novas realidades humanas, como o fez na América Latina). A proposta visa entender a diversidade religiosa trazida pelos refugiados, imigrantes, muitos seguidores do Islamismo. É só quando entendemos os menos favorecidos e excluídos que podemos alcançar um ideal de sociedade justa e ética.

Como seguir o real e evitar paranoias? Elas podem vir de todos os campos, inclusive religioso. Devemos nos abrir às alteridades, aos outros. Sair de nossa bolha e entender outras formas de vida é um caminho. De vez em quando dar uma volta em algum distrito onde a realidade é diferente da sede ou, para quem habita em cidades maiores, deixar seu condomínio e “visitar” o centro da cidade (vivo, real).

O sujeito hoje vive uma transformação, buscando alterar o inesperado em algo previsível, submetido constantemente à sua vontade. Vivemos a era dos excessos. Nesse contexto, o excesso funciona sempre como irrupção de algo que foge ao controle da vontade e que se impõe ao psiquismo como um corpo estranho. Dessa forma, a subjetividade se encontra diante de alguma instância que a ultrapassa. Diante desse cenário, a posição do sujeito é de apatia e consequente melancolia. No entanto, para dar conta desse problema, o psiquismo recorre à compulsão e à repetição, no intuito de circunscrever o caos. O que pretendemos com a repetição? Em um plano inconsciente, sua função é reproduzir o trauma, para que o psiquismo possa antecipar-se ao que não foi possível no passado. Aqui aparecem os sintomas, que não devem ser eliminados de forma abrupta, mas entendidos, nomeados e elaborados. O sintoma sustenta o sujeito. Por isso o risco que existe no consumo de medicamentos psicotrópicos de forma excessiva, pois o sintoma sai, mas com ele vai também o sujeito.

Hoje vivemos uma pobreza em simbolizações. As repetições são desprovidas de ideias e de elementos que possibilitem uma elaboração da subjetividade. Exemplo disso é o empobrecimento das manifestações estéticas, artísticas ou a qualidade e profundidade das propostas literárias.

O real deve orientar o debate político, devendo estar em consonância com os direitos fundamentais. A fome, a miséria, a educação, a saúde (e as lições da pandemia) devem estar em nossa memória. Os alemães têm, em suas diretrizes curriculares, a obrigatoriedade de uma visita pedagógica a um campo de concentração. Por aqui, nossas visitas deveriam ser às antigas prisões de povos africanos escravizados, aos órfãos da COVID-19, às terras e dores de Brumadinho e do Bento e tantas outras feridas expostas da nossa sociedade. O amor só pode ser vivenciado em sua alteridade, de forma relacional. Não é possível de forma narcisista e individualista. Por isso, fica a lição do aniversariante da semana, São Francisco de Assis: “Onde houver ódio, que eu leve o amor”. 

 

Prof. René Dentz
É
 católico leigo, professor do departamento de Filosofia, curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, Doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista semanal da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 8 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) e “Vulnerabilidade” (Ideias e Letras, 2022). Pesquisador dos Grupos de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia” e “Diversidade afetivo-sexual e teologia”, ambos na FAJE e “Teologia e Contemporaneidade”, na PUC-Minas.

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Horizontes de Perdão: será possível perdoar em um mundo dominado por algoritmos? https://observatoriodaevangelizacao.com/horizontes-de-perdao-sera-possivel-perdoar-em-um-mundo-dominado-por-algoritmos/ Fri, 25 Feb 2022 23:18:47 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=43981 [Leia mais...]]]>

Perdoar é um ato profundamente humano. Quando conseguimos encontrar um caminho diverso ao da lógica da reciprocidade, foi possível seguir rumos efetivos à construção de uma humanidade em direção à evolução. Mesmo convivendo com a vingança, o perdão passou a ser uma possibilidade civilizatória e ética. Mesmo que tenha vínculos teológicos, perdoar se mostrou um caminho para além de suas origens, com contornos éticos, culturais e densamente humano. Perdoar é um processo, o fim de uma trajetória de memória, de trabalho de luto. Não é fácil, mas é possível. Pressupõe um ato de liberdade!

Perdoar é um processo, o fim de uma trajetória de memória, de trabalho de luto. Não é fácil, mas é possível. Pressupõe um ato de liberdade!

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O ser humano se depara, ao longo da sua existência, com diversos possíveis (por vezes, imaginários) determinismos: sociais, biológicos, psíquicos, culturais… Em tempos pós-modernos, cada vez mais nossas ações serão definidas por algoritmos. Alguns apostam mesmo, que o uso de algoritmos na tomada de decisão será cada vez mais comum. Hoje já confiamos a eles a escolha do filme que iremos assistir ou da música que iremos ouvir. Nas próximas décadas, o Big Data e a Inteligência Artificial irão se aperfeiçoar a ponto de tomarem estas decisões por nós, de acordo com as previsões de Yuval Noah Harari (2019):

“Escolher o par romântico a partir de modelos preditivos que   mostrem os possíveis cenários ao se envolver com determinada pessoa. Escolher a profissão e a carreira com uma busca no Google, que, a partir dos algoritmos e as informações armazenadas que possui do usuário, analisaria os pontos fortes e fracos do indivíduo e ofereceria uma resposta. Escolher em qual candidato votar em uma eleição.”

A tendência é que, com o passar dos anos, passemos a confiar mais nos algoritmos do que em nossos sentimentos. A maioria das pessoas não conhece bem a si mesma e ainda comete erros na hora de tomar qualquer decisão. Ao contrário da IA, o ser humano sofre com a falta de dados, regras confusas e incertezas da vida cotidiana. Assim delegaremos cada vez mais atividades para os algoritmos, o que pode nos levar a esquecermos como tomar decisões por nós mesmos.

Somente podemos conceber o perdão e suas possibilidades se partirmos de concepções de liberdade. Por isso, em contextos ditatoriais não presenciamos perdão em dimensões políticas, sociais e humanitárias. A lei do “olho por olho, dente por dente” prevalece em ditaduras! O ódio supera a razão e é institucionalizado. No entanto, quando pensamos em democracias, temos que ter como ponto de partido uma razão discursiva, construída de forma dialógica, que nos mostra a construção e a desconstrução de verdades absolutas. Dessa forma, é possível constatar universos de atuação humana complexos, não-lineares. Elementos aleatórios, caóticos e até mesmo horizontes da ordem do não-dito, do inconsciente, são considerados. Ou seja, entende-se, nesse contexto, o ser humano em sua devida complexidade, fugindo de concepções deterministas e simplistas.

O Papa Francisco, no Angelus, nos ensina:

Pensemos em uma pessoa que nos fez mal. Talvez haja um ressentimento dentro de nós. Então, coloquemos este ressentimento ao lado da imagem de Jesus, manso, durante o seu julgamento. E depois peçamos ao Espírito Santo que aja em nossos corações” (ANGELUS, 20 de fevereiro de 2022).

Francisco insiste na orientação: “oremos pelos nossos inimigos”. “Rezar por aqueles que nos trataram mal é o primeiro passo para transformar o mal em bem. Que a Virgem Maria nos ajude a sermos pacificadores para todos, especialmente para com aqueles que nos são hostis e não gostam de nós”.

A lógica de generosidade que permeia o perdão é um ponto central dos Evangelhos, que se manifesta nas parábolas e nos provérbios de Jesus. No campo ético, o perdão e sua economia do dom, comandados pela lógica da superabundância, do excesso, podem motivar uma nova atuação política e ética em um aspecto universal.

No campo ético, o perdão e sua economia do dom, comandados pela lógica da superabundância, do excesso, podem motivar uma nova atuação política e ética em um aspecto universal.

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Aqueles que perdoam de verdade não esquecem, mas renunciam a deixar-se dominar pela mesma força destruidora que os lesou. Quebram o círculo vicioso, impedem o avanço das forças da destruição. Decidem não continuar a injetar na sociedade a energia da vingança que, mais cedo ou mais tarde, acaba por cair novamente sobre eles próprios. Com efeito, a vingança nunca sacia verdadeiramente a insatisfação das vítimas. Há crimes tão horrendos e cruéis que, fazer sofrer quem os cometeu, não serve para sentir que se reparou o dano; não bastaria sequer matar o criminoso, nem se poderiam encontrar torturas comparáveis àquilo que pode ter sofrido a vítima. A vingança não resolve nada (Fratelli Tutti, 251).

Jesus ensina aos escribas e fariseus que não é verdade que apenas Deus tem o poder de perdoar. Ele mesmo opera um milagre na tentativa de provar que “O Filho do Homem tem sobre a Terra o poder de perdoar pecados” (Lc 5, 21-42). A formulação de Jesus é radical, uma vez que o Evangelho não afirma que o homem deve perdoar porque Deus perdoa, mas que cada um deve perdoar a partir de sua consciência. Deus perdoa “nossas dívidas, assim como perdoamos nossos devedores”, diz a oração que Jesus nos ensinou (Lc 11, 1-13). Claro, seria impossível perdoar a partir de nossas próprias forças humanas, a partir da nossa lógica. O segredo é a abertura à Graça, à Superabundância. O perdão é da ordem de suas consequências mais belas.

Concluindo com Francisco:

“O que Lhe podemos pedir? O que apraz a Deus oferecer-nos? A força de amar, que não é algo, mas é o Espírito Santo. A força de amar é o Espírito Santo, e com o Espírito de Jesus podemos responder ao mal com o bem, podemos amar quem nos fere. Assim fazem os cristãos. Como é triste quando pessoas e povos orgulhosos por ser cristãos veem os outros como inimigos e pensam em fazer guerra! É muito triste!” (ANGELUS, 20 de fevereiro de 2022).

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René Dentz
É leigo, professor do departamento de Filosofia e do curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 7 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020). Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia”, na FAJE-BH.

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