Clericalismo – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Fri, 26 Apr 2024 19:01:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Clericalismo – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O Clericalismo que habita em nós https://observatoriodaevangelizacao.com/o-clericalismo-que-habita-em-nos/ Fri, 26 Apr 2024 18:59:30 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49838 [Leia mais...]]]>  

O CLERICALISMO QUE HABITA EM NÓS

Por Toninho Kalunga

Francisco é o primeiro Papa a tocar em um tema de fundamental importância para a sobrevivência da Igreja Católica no meio dos pobres. É a chaga do clericalismo. Este mal nasce do entendimento de uma parcela dos padres, de que a fé que eles devotam a Deus, é uma fé mais importante do que a fé das pessoas que não são padres.

O clericalismo nasceu disso. O desenvolvimento desta perspectiva de fé trouxe uma tese de uma certa hierarquia na relação com Deus. Assim, primeiro, vem o Papa, com sua infalibilidade, logo em seguida são os poderosos cardeais, seguidos dos arcebispos, bispos e finalmente a massa sacerdotal. O povo é conduzido e a estes, basta este papel!

Por outro lado, quem cuida, de fato, da fé do povo católico são os padres. Aliás, neste ponto nem há tanta contradição, pois, eles se formam em seminários, num período que vai de 8 à 12 anos, para ajudar na construção e consolidação de uma perspectiva religiosa e sua consequente fé. No decorrer do tempo, infelizmente, ao invés de servir, optaram por ser servidos. E aí é que a coisa degringolou.

Podemos verificar nas lembranças de nossa juventude, “Igrejas que não cabiam gente” de tanta gente que ia às Missas! Era o tempo da Igreja Pastoral, de uma Igreja onde seus pastores tinham “cheiro de suas ovelhas”. Entre o Concílio Vaticano II e o final dos anos 1970, os seminários formaram padres que tinham como perspectiva e sonho, servir ao povo de Deus.

No começo dos anos 1980, com o advento do papado de João Paulo II, essa proposta de Igreja Pastoral, foi perdendo seu vigor e passou a ser combatida ferozmente com incentivo papal do anticomunismo. Se houve erro no papado de João Paulo II, certamente, esse foi o maior deles, pois sua visão de mundo e histórico pessoal, dava a ele a dimensão de que a Polônia era o mundo. E não era!

A Igreja Latino Americana, não era a mesma Igreja Européia. Nem é!! Essa falta de perspectiva cultural e de dimensão social e econômica de João Paulo II, fez com que seu papado passasse a ser de enfrentamento a uma Igreja alegre e popular, uma Igreja de dimensão profética e acolhedora. Uma Igreja gigantesca na dimensão espiritual, eclesial e popular. Foi uma Igreja libertadora e feliz, vocacionada a ser sal na terra e luz no mundo. Por isso, era cheia, vigorosa, devota e encarnada na vida do povo. O resultado é que a vitória dos conservadores, está sendo a derrota de toda a Igreja.

Assim, esta nova proposta ganhou força e os seminários passaram a construir com grande esforço e incentivo do Vaticano, uma formação cada vez mais clericalista, onde a ideia do padre tutor, com pouco interesse na dimensão cotidiana do povo e apegado ao status sacerdotal. A igreja católica passou então a abrir mão do tríplice múnus, que é o múnus sacerdotal, múnus profético e múnus pastoral, para assumir e incentivar apenas o primeiro.

A partir deste momento, começou a crise das ordenações sacerdotais; Diminuindo drasticamente a quantidade de seminaristas e vocações religiosas femininas nos conventos. Jovens que buscavam servir, deixaram de ver na Igreja um atrativo, afinal, para ter poder, melhor seria ser candidato a vereador, prefeito ou deputado e não a padre ou “freira”!!

Assim, fomos apresentados ao orgulhoso Padre de Sacristia, perdendo de vez o líder pastoral. Foi quando começou a surgir a figura dos padres cantores ou o padre popstar, que juntava muita gente em Igrejas enormes e afastavam ao mesmo tempo, o mesmo povo, de suas pequenas comunidades. Esse foi o começo do fim das Comunidades Eclesiais de Base. Enquanto o povo cantava que tinha:

 “anjos voando neste lugar, no meio do povo e em cima do altar, subindo e descendo em todas as direções”, 

O povo na periferia ficava vendo lobos em pele de pastores, engolindo sua fé e arrancando suas esperanças, dizendo que a culpa pelas dificuldades que passavam era em razão de seu pecado e não em razão de um sistema econômico e social que os escravizavam.

Assim, como suspiro de esperança, nas periferias que ainda resistiam, a canção era outra: Ao perceber que lhes faltavam pastores o povo clamava:

“Falta gente pra ir ao povo Descobrir porque o povo se cala Pastores e animadores pra incentivar o teu povo a falar.  Falta luz porque não se acende Não se acende porque faltam sonhos. E falta esse jeito novo de levar luz e falar de Jesus”

Em razão da perda de contato da Igreja Católica com a realidade do povo, surgiu um vácuo, que foi ocupado por uma dimensão religiosa já existente, que se pulverizou: pastores evangélicos oriundos e envolvidos com a realidade de suas comunidades, favelas e periferias em geral levando apoio em nome de Jesus.

Ao destruírem pastorais como a Pastoral Carcerária, os pastores passaram a dar assistência às famílias dos detentos pobres e dos próprios presidiários. Ao impedir a dimensão profética de Pastorais como a Pastoral da Terra, abrimos mão do apoio aos trabalhadores rurais e deixamo-los à própria sorte, sendo estes acolhidos por pequenas comunidades evangélicas nas pequenas cidades e no campo.

O que sobrou aos católicos foi uma elite paroquiana que ao pagar o dízimo e doar um bezerro para a festa da Padroeira, tirava o senso crítico da realidade vivida pelos mais pobres, assim, não fazia diferença participar de uma Igreja onde o padre culpava os pecadores por seus pecados, e o pastor que dizia que o pecado era coisa do demônio. Assim, melhor era falar com o pastor, que ao menos lhes falava que iam sair no tapa com o belzebu!

Nenhum destes, no entanto, se interessava mais em falar sobre a esperança de uma vida melhor aqui, neste lugar. Todos só garantiam isso depois da morte. Assim, a vida vivida, era abafada e o que restava era se adaptar e deixar o tempo passar. Os que não aceitavam essa condição, construíram sua própria fé! Contudo sem formação, sem dimensão filosófica e teológica pastoral. Não demorou para que a falta destas dimensões formativas, fossem adaptadas para o campo da política conservadora e o resultado desta pulverização está aí para que todos possamos ver!

Além dos seminários, outra figura que transforma bons padres, em padres clericalistas, é a própria comunidade de leigos e leigas que exigem destes homens uma postura que muitos não gostariam de ter – nem têm – responsabilizando e exigindo destes uma postura de super humanos. Não é sem razão que existem tantas desistências e frustrações com o sonho da vida sacerdotal.

No campo progressista não é muito diferente, lamentavelmente! O que deveria ser um sopro de alívio para os padres, passa a ser também uma exigência de posicionamentos que cabem aos leigos e não aos padres. E isso também é muito frustrante.

Ao fim, o que se tem é um séquito de religiosos, que chegam numa comunidade e destroem a organização histórica Pastoral dessas comunidades e impõe o seu estilo e ponto de vista, acompanhado de um viés ideológico de extrema direita e hipócrita,  em detrimento da história daquela comunidade. Não servem. Exigem serem servidos.

Tem uma canção que gosto muito, que é bastante cantada na ceb nos atos penitenciais que diz assim:

“Quem não te aceita, quem te rejeita, pode não crer, por ver cristãos que vivem mal…”

Tenho visto cada vez mais pessoas que estão tristes com a Igreja Católica que trazem consigo características em comum: Não participam da vida comunitária, não batem um prego num sabão para ajudar na construção da reflexão e não ajudam na lida cotidiana da comunidade, mas querem espaço de liderança. Não topam estar numa turma de catequese com um grupo de 05 ou 10. Querem ser chamados para fazer palestra nos grupos x ou y, mas não estão dispostos a participar da formação na paróquia. Ou seja. Só aceitam posição de liderança ou de destaque, (igual ao padre) não querem, portanto, fazer parte da massa. O que não entendem é que se não se misturar a esta massa, jamais poderá ter de novo o prazer de se alegrar em uma comunidade.

Não é este o comportamento clericalista?? Não é essa a razão pela qual reclamamos dos Padres que não ouvem, não colocam os pés no barro, não frequentam a casa dos mais pobres?? Aí me pergunto, aos que reclamam daqueles: não estamos imitando e nos comportando da mesma forma??

Não é necessário brigar com o padre. Mas é necessário construir a comunidade junto com ele. Estar à disposição de uma comunidade de fé (E NÃO DO PADRE) significa também ter a humildade e a disposição de amadurecer a fé a partir do exemplo do lavapés e aí, sim, estar pronto para ajudar o padre. Afinal, o ensinamento Evangélico é que se não houver a permissão para que os próprios pés sejam lavados, não se compreenderá que este exemplo não é para usufruir de um serviço mas a ação diária para se fazer imitador de Cristo.

Portanto, esta reflexão não é um chamado de uma guerra contra os padres, muito menos de uma postura que queira lançar culpas a quem quer que seja, antes de mais nada é um apelo para que o clero, enquanto representantes tão privilegiados ( mas não únicos) do amor de Deus, se voltem novamente ao serviço profético de anunciadores do amor de Deus e denunciadores contra as mazelas que os poderosos infligem contra a razão maior das suas existências: os pobres.

Que todos nós, filhos e filhas de Deus e peregrinos por este mundo em busca do conforto espiritual, tenhamos a reciprocidade da acolhida de nossos pontos de vista e não da imposição do ponto de vista ideológico, travestido de teológico por parte do clero e de lideranças leigas fascistas, pois estas, destroem o amor, a fraternidade e a solidariedade entre nós!

Que nosso projeto de religiosidade tenha, na necessidade da dignidade de qualquer vida, o parâmetro da defesa da vida de todos, e que esta dignidade seja aplicada da concepção (e não apenas da concepção à Luz), indo até a morte natural como parâmetro da defesa da vida, conforme proposto pelo próprio Cristo. (João,10-10)

 

Toninho Kalunga é leigo orionita na Comunidade do Pequeno Cotolengo, Santuário São Luis Orione em Cotia e membro da Fraternidade Leiga Charles de Foucauld

Fonte: CEBs do Brasil

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O desafio das relações de poder https://observatoriodaevangelizacao.com/o-desafio-das-relacoes-de-poder/ Fri, 18 Mar 2022 20:00:18 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=39953 [Leia mais...]]]>

Não é tarefa simples refletir sobre a sedução do poder e discernir seus desdobramentos e impactos na vida humana, na família, na complexa organização da sociedade e, o que aqui mais nos interessa explicitar, na dinâmica da vida eclesial. Lidar com o poder é um desafio contínuo e que está muito presente na vida da gente, talvez no mesmo nível de complexidade da busca de equilíbrio diante dos encantos exercidos sobre nós pelo ter e pelo prazer. Enquanto realidades constantes, sempre presentes na dinâmica da vida humana, o modo como lidamos com elas é decisivo em nossas relações cotidianas. Saber compreender e lidar com as dimensões do poder, do ter e do prazer faz toda a diferença na configuração e no jeito de concretizarmos as nossas relações sociais e, igualmente, institucionais no mundo da família, do trabalho, da política e da religião.


O poder nas relações familiares e sociais

No âmbito da família é visível o estrago que o patriarcalismo fez e continua a fazer entre nós. A cultura do poder patriarcal dominou entre nós e continua, com configurações camufladas e intensidades diversas, a fascinar o agir de muitos homens. Não dá para negar ou esconder o fenômeno trágico da violência doméstica como manifestação doentia do patriarcalismo entre nós. São incontáveis as vítimas, muitas delas fatais, que as práticas machistas fazem no seio da família. É trágico o silenciamento violento de mulheres que, em sua legítima busca de libertação e de reconhecimento da igual dignidade humana, ousam questionar sua situação de opressão.

Depois de tanta denúncia e comprovação de violência doméstica, da opressão sobre a mulher, de reflexões críticas e lutas por libertação, por que ainda não conseguimos transformar as relações de dominação e de violência no seio da família em relações de poder compartilhado, relações pautadas pelo respeito mútuo, pelo diálogo, pela corresponsabilidade e pela busca de cooperação na partilha da vida e dos dons e serviços, em vista do desenvolvimento das potencialidades de cada membro e do bem comum? Será que não acreditamos no amor que cuida e promove?

No âmbito da sociedade, infelizmente, não é diferente. O poder econômico e o poder sociopolítico se concretizam como fatores de dominação de uns sobre os outros e de exclusão dos mais pobres e vulneráveis. Quanto mais poder acumulado, maior o mecanismo utilizado para tiranizar, formar castas ou classes, conquistar, impor e ampliar privilégios na dinâmica da vida em sociedade. O poder perde o senso de justiça e de coletividade, o sentido maior de serviço e de cuidado para com o bem estar de todos e assume a diabólica forma de disputa e dominação dos mais fortes sobre os mais fracos. A busca pelo poder, econômico e sociopolítico, passa a ser um fim em si mesmo e quem consegue conquistá-lo, parece tornar-se cego, pois passa a assumir em suas posturas uma espécie de “lógica do vale tudo” para nele se perpetuar e ampliar privilégios em cima de privilégios. No ambiente de trabalho, no interior de muitas empresas, as denúncias de assédio moral e sexual, bem como de diversos outros abusos encetados por quem ocupa cargos de chefia sobre seus subalternos, revela igualmente a presença de manifestações doentias nas relações assimétricas de poder.

Aqui igualmente cabe a questão central: depois de tanta denúncia e comprovação de violência e de exclusão social, de reflexões críticas e de lutas por libertação, de iniciativas criativas participativas e cooperativas, por que ainda não conseguimos transformar as relações de dominação, de exclusão e de violência presentes na dinâmica da vida em sociedade em relações de poder regradas pelo pacto social e pela Constituição, relações de poder fundadas no respeito à vida e aos direitos humanos, no diálogo, na corresponsabilidade e na busca de cooperação na partilha justa dos bens e serviços em vista do bem viver e do bem comum? Será que não acreditamos na paz que nasce da justiça e do respeito mútuo?


E as relações de poder no âmbito religioso?

No âmbito religioso, nas vivências compartilhadas em comunidades de fé, no interior das diversas organizações e instituições religiosas as relações de poder acontecem de forma diferente, humanizada? Com sinceridade temos que reconhecer que infelizmente não. Há igualmente muita denúncia e comprovação de relações de dominação e de abuso religioso, moral e sexual dos mais vulneráveis, relações abusivas causadoras de grande sofrimento para as vítimas e de fragilização dos vínculos ou mesmo de afastamento de muitos cristãos da Igreja por se sentirem escandalizados, feridos, magoados, infantilizados ou menosprezados em seu desejo de participar e contribuir de forma corresponsável.

Aqui não temos a pretensão de investigar o que ocorres no seio das diversas tradições religiosas, mas de discutir a gravidade do exercício deturpado do poder clerical e do mau uso das estruturas criadas para o seu exercício no contexto atual do Cristianismo Católico. O problema do clericalismo, enquanto centralização e deturpação do exercício do poder religioso na dinâmica da vida da Igreja, vem sendo objeto de muitas reflexões importantes e está, de forma recorrente, entre as principais preocupações do magistério do papa Francisco, que chega a considerá-lo como um câncer na vida da Igreja. Um rápido levantamento, pela Internet mesmo, dá acesso a centenas de denúncias, depoimentos, investigações e condenações por abuso de poder, pesquisas, análise e reflexões antropológicas, sociológicas e teológico-pastorais pertinentes sobre o clericalismo e suas consequências, seja no sentido de promover, indiretamente, a perda de credibilidade do anúncio da fé cristã como fonte de vida nova e da instituição eclesial, seja para o alcance da ação evangelizadora da Igreja no mundo em que vivemos.

Contemplemos antes de refletirmos sobre as relações de poder humanizadas na dinâmica da fé cristã, o alerta de Jesus aos seus discípulos e discípulas e a sua práxis libertadora enquanto Profeta do Reino de Deus e Mestre do Caminho.


O alerta e exemplo paradigmático de Jesus

Jesus faz um forte alerta aos seus discípulos e discípulas. No Evangelho do Reino, segundo Marcos, lemos que Jesus, ao perceber acirradas disputas de poder entre os apóstolos, disse a eles:

Sabeis que aqueles que vemos governar as nações as dominam, e os seus grandes as tiranizam. Entre vós não será assim: ao contrário, aquele que dentre vós quiser ser grande, seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o servo de todos. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.”
Mc 10, 42-45

Este mesmo alerta aparece também no Evangelho segundo Mateus (Mt 20, 25-28) e no Evangelho segundo Lucas (Lc 22, 25-28). Sendo que, neste último, a narrativa assume uma clareza incisiva inquestionável:

Os reis das nações as dominam, e os que as tiranizam são chamados benfeitores. Quanto a vós, não deverá ser assim; pelo contrário, o maior dentre vós torne-se como os mais jovens, e o que governa como aquele que serve. Pois, qual é o maior: o que está à mesa, ou aquele que serve? Não é aquele que está à mesa? Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve!“.
Lucas 22, 25-28

Jesus se coloca como referência testemunhal paradigmática: depois de explicitar que culturalmente aquele que é servido tem maior dignidade reconhecida do que aquele que serve, diz que ele está em nosso meio “como aquele que serve!”. E encontramos no Evangelho segundo João a narrativa da última ceia, com a descrição do lava-pés (João 13, 1-17), na qual discernimos uma singularidade que oferece grande lucidez para a temática aqui em questão:

Depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus vestiu o manto e voltou ao seu lugar. Disse aos seus discípulos: ‘Entendeis o que eu vos fiz? Vós me chamais de Mestre e Senhor; e dizeis bem, porque sou. Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais assim como eu fiz para vós. Em verdade, em verdade, vos digo: o servo não é maior do que seu senhor, e o enviado não é maior do aquele que o enviou. Já que sabeis disso, sereis felizes se o puserdes em prática.
João 13, 12-17

O modo realista com que Jesus aborda a questão do poder no interior de seu grupo oferece uma chave de compreensão crítica e autocrítica (podemos avaliar os outros e nos autoavaliar) e uma perspectiva libertadora para as relações com o poder e de poder muito interessante. Isso porque Jesus deixa muito claro o que dá legitimidade ao exercício do poder em nossas relações humanas. Não é a possibilidade de exercer qualquer domínio sobre os outros, mas a de decidir, por amor e gratuidade, se colocar a serviço dos outros. Sem essa perspectiva libertadora, a realidade no mostra que o poder facilmente se perverte e se deturpa.

Na 2ª parte deste texto refletiremos sobre o desafio de construir relações de poder humanizadas no seio da Igreja a serviço da evangelização corresponsável e participativa.

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Edward Guimarães
É teólogo católico leigo. Doutor em ciências da religião pela PUC Minas (2020) e mestre em teologia pela FAJE (2006). Professor do mestrado em teologia prática e do departamento de ciências da religião da PUC Minas, universidade onde coordena a equipe executiva do Observatório da Evangelização. É membro da Sociedade de teologia e ciências da religião (SOTER), da comissão para o ecumenismo e o diálogo inter-religioso do Regional Leste 2 da CNBB, do grupo de pesquisa Teologia e Pastoral, do grupo Emaus e da Comunidade Bremen.

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“O clericalismo mata a Igreja” https://observatoriodaevangelizacao.com/o-clericalismo-mata-a-igreja/ Sat, 03 Mar 2018 03:57:12 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27485 [Leia mais...]]]> “A Igreja, que prega a igualdade, ainda é um dos últimos bastiões da discriminação sexual”

Uma denúncia publicada no caderno mensal Igreja Mundo Mulher do jornal L’Osservatore Romano apresenta depoimentos “sob sigilo” de Irmãs tratadas como servas por cardeais e bispos.  Assunto seríssimo, por tocar a vida e missão da Igreja e seu testemunho no mundo, tanto o clericalismo quanto o machismo necessitam ser vistos de frente. Isso se a Igreja quiser, de fato, radicar seus passos de hoje nas pegadas do Peregrino de Nazaré.

Por Paolo Rodari

Tradução: Luisa Rabolini

No dia em que Francisco se declara “preocupado com a persistência de uma mentalidade machista” na Igreja, a revista dirigida por Lucetta Scaraffia escreve que nas casas dos bispos e outros prelados as religiosas realizam “um serviço doméstico realmente pouco reconhecido”. “Elas se levantam de madrugada para preparar o café-da-manhã”, e vão dormir depois de “servir o jantar, arrumar a casa, lavar e passar a roupa”, trabalhando “sem horário regulamentado”, com uma “retribuição aleatória, muitas vezes bastante modesta”. “Elas não trabalham com contrato”, acredita-se que ficam ali “para sempre, que não devem ser estipuladas condições”. Enquanto, “raramente são convidadas a se sentar à mesa que servem”.

Há bastante tempo ouviam-se vozes denunciando o machismo das hierarquias. “A Igreja, que prega a igualdade, ainda é um dos últimos bastiões da discriminação sexual”, afirma a irmã Joan Chittister, colunista do Huffington Post. “Uma maior presença feminina não subordinada poderia rasgar o véu de silêncio machista que por muito tempo no passado cobriu a denúncia dos crimes”, escreveu a própria Scaraffia sobre a pedofilia no clero. Anuradha Seth, conselheira econômica do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, falou sobre o “maior roubo da história”. Qual? A discriminação salarial que atinge as mulheres em geral. Para a revista do Vaticano suas palavras descrevem bem o que está acontecendo na Igreja, uma situação que tem origem em raízes profundas: “Muitas pessoas religiosas têm a sensação que esteja se fazendo muito para revalorizar as vocações masculinas, mas muito pouco para as femininas”.

A Irmã Marie fala protegida pelo anonimato. Ela chegou a Roma há vinte anos vinda da África. Explica que as irmãs muitas vezes têm “medo” de falar porque trazem na bagagem “histórias muito complexas”. Há, por vezes, “uma mãe doente cujos cuidados foram pagos pela congregação da filha, um irmão mais velho que teve a possibilidade de realizar seus estudos na Europa graças à superiora”. Em suma, as religiosas “se sentem em dívida, amarradas, e então se calam”. Algumas “tomam tranquilizantes para suportar esta situação de frustração”.

Claro, a culpa não é só dos cardeais e dos bispos. Às vezes, são as próprias superioras que se dobram a essa lógica. Continua a Irmã Marie: “Eu falei com um reitor de universidade impressionado com a capacidade intelectual de uma freira que tinha uma licenciatura em teologia. Ele queria que continuasse seus estudos, mas a superiora se opôs porque, segundo ela, as Irmãs não devem se tornar orgulhosas”.

“O clericalismo mata a Igreja”, afirma a irmã Paule, religiosa com cargos importantes, que apresenta a mais incrível denúncia: “Eu conheci irmãs que tinham servido durante trinta anos em uma instituição da Igreja e que, quando ficavam doentes, nenhum dos sacerdotes que serviam ia visitá-las. De um dia para o outro eram mandadas embora sem uma única palavra”. Isso confirma que as religiosas são vistas como “voluntárias das quais é possível dispor à vontade” em favor de “verdadeiros abusos de poder”.

Para uma renovação real, como escrevem em As mulheres e a reforma da Igreja Cettina Militello e Serena Noceti (EDB), as mulheres são um motor indispensável. No entanto, o machismo ainda está presente. Mesmo exegetas ilustres se aventuraram eminterpretações machistas dos textos bíblicos. Entre tantos exemplos, pode ser citado o de uma exegese da Carta aos Romanos, onde Paulo fala de “Andrônico e Junia”, “apóstolos insignes”. Em várias versões Junia foi traduzido como Júnias, para descaracterizar a ideia de que uma mulher fosse um apóstolo de Cristo. Um bom exemplo, escreve L’Osservatore “de como as mulheres com as autoridades tenham sido tornadas invisíveis”.

FONTE: IHU

 

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