Chico Machado – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 08 Dec 2021 16:35:49 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Chico Machado – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O Senhor está contigo https://observatoriodaevangelizacao.com/o-senhor-esta-contigo/ Wed, 08 Dec 2021 16:35:49 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=43101 [Leia mais...]]]> Quarta feira da Festa da Imaculada Conceição. Um dia muito especial para a História da Igreja. Uma festa carregada de significados. Nesta festa, temos a oportunidade de reviver a história da salvação da humanidade. Um Deus que se encarna na realidade humana, se fazendo um de nós, graças a participação decisiva de uma mulher pobre, da periferia de Nazaré, na Galileia. Através de seu sim confiante, Maria passa a fazer parte desta história, oferecendo o seu útero materno para acolher o Verbo. Maria concebida sem pecado. Uma festa que foi entronizada oficialmente na história da Igreja pelo Papa Pio IX, no dia 8 de dezembro de 1854, através da bula “Ineffabilis Deus”, declarando assim o dogma: “Maria isenta do pecado original”.

A liturgia deste dia traz para nós o evangelista Lucas que faz uma descrição, não apenas histórica, de uma crônica sobre a concepção de Jesus no ventre de Maria. Trata-se, antes de toda uma epistemologia teológica, de como Deus entra na nossa história humana pela porta de uma família extremamente humilde de Nazaré. Lembrando que a epistemologia, na sua acepção filosófica, trata da natureza especifica do conhecimento, da justificação e racionalidade da crença e dos sistemas de crenças das quais envolve a Teoria do Conhecimento. Assim, esta epistemologia nos ajuda adentrar no mistério que envolve a encarnação do Verbo, trazendo-o mais próximo ao nosso conhecimento, para que assim possamos vivenciá-lo a partir da nossa fé.

Maria foi aquela que acreditou de que Deus viria fazer morada em seu ventre. Passou por cima de toda uma tradição cultural da época, rompendo, inclusive com os valores da tradição patriarcal daquele momento histórico. Sua vida correu risco. Aparecer grávida da noite para o dia, era passível de ser apedrejada em praça pública. Para conseguir dar cabo desta missão, contou também com a participação decisiva do humilde e pobre José que, como ela, dera também o seu sim, aceitando fazer parte daquele processo histórico. Quantas dúvidas e incertezas não passaram pela cabeça daquele pobre homem, numa sociedade machista e patriarcal, que a mulher não usufruía de nenhum valor.

Ave cheia de graça! Aquela simples mulher passa a ser a representante direta da comunidade dos pobres e marginalizados que aguardavam ansiosamente pela libertação. Do útero materno desta pobre mãe, nasce nada mais nada menos que Jesus Messias, o Filho de Deus. O fato de Maria conceber sem ainda estar “casada” com José demonstra para nós que o nascimento de Jesus Messias é obra e graça da intervenção do próprio Deus. Ou seja, aquele que vai iniciar a nova história, surge dentro da história de maneira totalmente nova. Só Deus mesmo para engendrar toda esta “engenharia teológica”, que ainda temos muita dificuldade de entender.

“Imaculada, Maria de Deus! Coração pobre acolhendo Jesus”. Maria é aquela que acredita e através de seu sim, entra para a história como coautora do projeto salifico de Deus. “O Senhor está contigo”! (Lucas 1,28). Uma mulher pobre e simples que acolhe e faz de si a morada de Deus. Ela se faz a primeira discípula e seguidora de seu próprio Filho. Esteve com Ele durante toda a sua trajetória histórica, renovando o seu sim dado ao próprio Deus. Isto para contrariar aqueles de mentalidade patriarcal e clerical de nossa Igreja que ainda insistem em querer afirmar, que Jesus não tinha entre os seus, nenhuma discípula mulher. Sua mãe foi a primeira delas, se fazendo presente com Ele.

Como Maria, somos também desafiados a dar o nosso sim a cada dia. Não um sim verbal, mas um sim existencial de quem se entrega de corpo e alma. Acreditar de que somos capazes de fazer acontecer uma nova história. Não porque achamos que somos mais do que somos, mas porque trazemos também em nós a presença d’Ele e com Ele nós podemos mais. Acreditar sem medo! Como dizia o nosso bispo Pedro: “O contrário da fé não é a dúvida. O contrário da fé é o medo”. O medo é um dos demonstrativos de que não temos fé suficiente para fazer a entrega confiante. Acreditar que a ação de Deus na história passa necessariamente pela vida dos pequenos, pobres e marginalizados. É com eles e através deles, que vamos fazendo acontecer as transformações do Reino que já está no meio de nós.

O Senhor é contigo sempre! Assim como a Imaculada Conceição de Maria, façamos de nossas vidas santuários vivos da presença de Deus, transformando a história. Sem ter a pretensão de aliar aos poderosos e aos “mitos” com os pés de barro. A salvação virá pelos pequenos. Aqui, vale fazer da nossa vida a mesma experiência que fez o antropólogo mineiro Darcy Ribeiro: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. “Faça-se em mim segundo a tua Palavra”! (Lc 1,38)

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.

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“Ser Igreja na sinodalidade”, com a palavra Chico Machado https://observatoriodaevangelizacao.com/ser-igreja-na-sinodalidade-com-a-palavra-chico-machado/ Fri, 19 Nov 2021 19:27:12 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=42829 [Leia mais...]]]> Sextou também aqui pelas bandas do Araguaia. Uma sexta feira de chuva fina e clima ameno. Uma manhã preguiçosa, veio rompendo a aurora, com o sol timidamente mostrando a sua cara. Entre uma nuvem e outra, o astro rei, prenunciava o dia de inverno, como se denomina a estação das chuvas em terras do Araguaia. Aliás, por aqui só existem mesmo duas estações: inverno (preponderância das chuvas) e verão (domínio imponente do sol). Aprendi rapidamente a conviver com esta situação, apesar de suar intensamente nos primeiros meses em terras preláticas. “Você se acostumará”, me consolava Pedro.

Uma manhã em que acordei feliz cantarolando uma das canções que muito nos animaram em nossa caminhada de Igreja pé na caminhada. “O povo de Deus no deserto andava, Mas à sua frente Alguém caminhava. O povo de Deus era rico de nada, só tinha a esperança e o pó da estrada. Creio que esta canção, motivou a muitos de nós a fazer a caminhada de Igreja, engajada na luta dos pequenos. A palavra “engajada”, era parte intrínseca de nosso vocabulário, no seio das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs. Rezar e lutar compunha o nosso itinerário nestas comunidades. Não havia dissociação entre estas duas realidades. Levávamos a sério o lema beneditino “Ora et labora”. Rezar e trabalhar, eram as duas faces de uma mesma moeda, uma coisa só.

O clima ainda é de pandemia, mas no seio da Igreja proposta por Francisco, vivemos em um clima perene de sinodalidade. Entre os anos de 2021 a 2023, vamos ouvir muito esta palavra: sinodalidade. Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão, como nos propõe o papa Francisco. Lembrando que a palavra sínodo significa, antes de tudo, “caminhar juntos”. Nesta sua propositura, ser Igreja é caminhar juntos. É viver a sinodalidade, numa atitude de escuta atenta às vozes sufocadas de nossas comunidades e ir de encontro aos anseios de um povo sofrido e marginalizado. Ser esta Igreja neste contexto é estar atentos também as vozes do Espírito Santo de Deus, para o caminhar de uma Igreja que se espelha em seu Mestre de Nazaré.

Sinodalidade foi a inspiração primeira de nosso bispo Pedro, na caminhada de Igreja experienciada na Prelazia de São Félix do Araguaia. Mesmo sem trazer em si esta insígnia, a nossa Igreja caminhou nesta perspectiva do estar juntos numa mesma toada, com cada dos seus participantes, sabendo claramente que formávamos a família dos “enfrentantes”. Cheguei para compor esta Igreja no ano de 1992 e pude perceber nas primeiras horas, que o “caminhar juntos”, era o dístico da prelazia, se estendendo pelos seus 150 mil km2, como a uma irmandade dos mártires da caminhada, na luta pela vida do povo sofrido desta região.

O simples e despojado padre Pedro, nem imaginaria que se transformaria em dom Pedro. Em julho de 1971, recebe a carta do papa Paulo VI (1897-1978), nomeando-o bispo desta região. Evidente que a primeira reação de Pedro foi renunciar a tal ideia, uma vez que não queria, em hipótese alguma, fazer parte da hierarquia da Igreja. Até escreveu sua carta-renúncia. Entretanto, convencido pela equipe de pastoral da época e, com a ajuda de Tomás Balduíno, o fez aceitar. Foi assim então que, no dia 23 de outubro, felizmente, Pedro é ordenado Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia. Como bem registrou uma daquelas testemunhas oculares (Antônio Canuto): “Naquela noite de 23 de outubro de 1971, a abóbada celeste, as águas do Araguaia e todos nós que lá estávamos fomos testemunhas de que algo novo acontecia. Um bispo recusava as marcas do poder para mergulhar totalmente na vida do povo”. No cartão de lembrança de sua ordenação episcopal já estava escrito que tipo de bispo nosso Pedro seria: “Tua mitra será um chapéu de palha sertanejo; o sol e o luar; a chuva e o sereno, o olhar dos pobres com quem caminhas, e o olhar glorioso de Cristo, o Senhor. Teu báculo será a verdade do Evangelho e a confiança do teu povo em ti. O teu anel será a fidelidade à Nova Aliança do Deus Libertador e a fidelidade ao povo desta terra. Não terás outro escudo que a força da Esperança e a Liberdade dos filhos de Deus; nem usarás outras luvas que o serviço do Amor.

Estamos vivendo um “Kairós”. Palavra de origem grega, que significa “momento certo” ou “momento oportuno”. “Momento sinodal”. Ser Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. Uma Igreja inserida na realidade dos caídos à beira da estrada. Uma Igreja que se faz presente em meio aos sofredores. Uma Igreja menos hierárquica e mais servidora, como propôs Jesus de Nazaré. Uma Igreja menos clerical, patriarcal e masculinizada, mas uma Igreja samaritana, que vê a realidade, e é capaz de sentir compaixão e cuidar dos mais necessitados. Uma Igreja de verdade, de um “caminhar juntos”, e que deixe de pisar os seus pés na “Casa Grande”, mas que os lambuzem nas “lamas” das senzalas de ontem e de hoje. Uma Igreja Franciscana em todos os sentidos, que saiba acolher, cuidar das feridas e devolver a dignidade dos filhos e filhas de Deus. Uma Igreja em que suas vestes “sagradas” sejam aventais e mantos para enxugar os pés machucados, pela dor e o sofrimento dos caídos a beira dos caminhos de hoje. Ser Igreja sinodal, nosso maior desafio.

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.

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“O Reino e o anti-Reino”, com a palavra Chico Machado https://observatoriodaevangelizacao.com/o-reino-e-o-anti-reino-com-a-palavra-chico-machado/ Tue, 16 Nov 2021 19:31:06 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=42744 [Leia mais...]]]>

A primeira dezena do mês de novembro já se foi. Estamos nos preparando para o Dia da Consciência Negra, para desespero dos aloprados do poder, que seguem com os seus discursos de ódio e do negacionismo de sempre. Nunca que os conhecimentos científicos estiveram tão ameaçados pela insânia feroz de uma verdadeira aversão à ciência. Ao ponto de um grupo deles ameaçarem os vereadores de uma das cidades paulistas, contra a exigência do comprovante de vacinação nos eventos públicos da cidade. Parece que a insânia e a estupidez chegaram para ficar.

Rezei nesta manhã com a ajuda do padre e escritor francês Michel Quoist (1918-1997). Fui buscar no meu pequeno acervo bibliográfico, o livro “Poemas para Rezar”. Uma publicação de 1954 que sempre me acompanhou. Este livro muito me ajudou na minha caminhada espiritual encarnada na militância. Entre outras preciosidades, Quoist inicia a sua obra com o poema “Se Soubéssemos Escutar Deus”: “Se soubéssemos ouvir a Deus, o ouviríamos falando conosco. Porque Deus fala. Ele fala em seus Evangelhos. Ele também fala pela vida – que o novo evangelho a quem nós mesmos adicionamos uma página a cada dia”.

Escutar a Deus é fazer do nosso ser e estar no mundo, uma escrita permanente do Evangelho das nossas vidas. Nossos dias se transformando em páginas escritas por nós mesmos, através das nossas ações. Cada dia que passa é uma oportunidade de escrever esta história de vida, como testemunhas vivas da presença de Jesus em nós, sendo instrumentos nas mãos de Deus para realizar o seu projeto salvífico, através destas nossas ações. É o Reino mesmo sendo edificado pelas nossas próprias mãos. Somos testemunhas pascais do Ressuscitado que se faz um conosco nesta empreitada.

Estamos todos envolvidos na procura do Reino, muito embora, o próprio Jesus afirma no discurso escatológico do texto do Evangelho de hoje que: “O Reino de Deus está entre vós” (Lc 17, 21). Desta forma, seria inútil ficar procurando sinais misteriosos da vinda do Reino, como fizeram os fariseus diante de Jesus, e como fazemos muitos de nós hoje. Basta saber que o Reino se faz presente entre nós em qualquer lugar onde a ação de Jesus é continuada através de seus seguidores. O Reino de Deus se faz presente quando trago Deus presente em mim e o levo através de mim às demais pessoas, por meio das ações libertadoras que sou capaz de executar.

O Reino de Deus se traduz nas nossas ações de justiça, fraternidade, paz, solidariedade, amorosidade, generosidade, misericórdia, compaixão e, sobretudo, partilha dos bens. Numa sociedade em que predomina a desigualdade, o acúmulo, o egoísmo e a avareza, provocando a fome e as ameaças ao bem viver, dá mostras claras de que o Reino de Deus não está passando por ali. Ao contrário do Reino, está presente o anti-Reino, ou melhor o reino de “Mamon”. Esta é uma palavra hebraica bíblica (dinheiro), usada para descrever a riqueza material, a cobiça, a avareza, o acúmulo, típicos daqueles que cultuam esta divindade. Jesus até nos alerta que: “Não se pode servir a Deus e a Mamon”. (Mt 6,24)

O Reino anunciado por Jesus está entre nós! Esta certeza Ele nos dá. Neste Reino ao qual Ele se refere, Deus mesmo se faz presente no meio de nós. Aqueles que anunciam um Deus acima de tudo e de todos, estão se referindo a outro deus, o deus mamon. O deus das riquezas para o povo Sírio. O deus dinheiro. O deus poder. O deus enganação, pois enquanto ele está lá em cima, os filhos de Deus estão abaixo da linha da pobreza. Abaixo do nada, como disse o padre Júlio Lancellotti dias destes. O nosso Deus é o Deus vivo e encarnado em nossa realidade humana. O Reino está e precisa acontecer no meio de nós. Acontecendo em meio a realidade de fome, desemprego, falta de moradias, decorrentes do acúmulo de riquezas por parte de alguns. Enquanto isso, nossas igrejas seguem a sua rotina normal, com os nossos lideres “pregando” um Deus sacramental, distante desta realidade. A palavra “pregar” parece não ser a mais apropriada, quando se trata de anunciar o Deus de Jesus. Dá a ideia de que quem “prega” está, muitas vezes, falando daquilo que pode não estar vivendo na sua vida cotidiana. “Prega” para os outros aquilo que não vive em si mesmo.

Para experimentar o Reino já presente no meio de nós, precisaríamos passar por um processo de mudanças profundas no seio da nossa própria Igreja. Seria aquilo que nosso bispo Pedro chamaria de desevangelização. “Desevangelizar o mal evangelizado, para nós, na América Latina, só pode significar partir para uma plena libertação sócio-política-econômica, cultural, integral; só pode significar libertadoramente os processos históricos de nossos povos. Os processos de libertação de nossos povos, à luz da fé, se incorporam, fazem parte, constroem, em certa medida, anunciam, preparam, recebem, esperam… o grande processo do Reino”. (Pedro Casaldáliga – Na Procura do Reino págs 13 e 14)


https://www.academia.edu/44184270/CASALD%C3%81LIGA_Pedro_Na_procura_do_Reino_Antologia_de_textos_1968_1988_por_ocasi%C3%A3o_dos_60_anos_do_autor_Dois_arquivos_PDF_um_em_%C3%B4tima_outro_en_boa_resolu%C3%A7%C3%A3o_de_15_e_10_Mb_respectivamente_

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.

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“A fé que salva”, com a palavra Chico Machado https://observatoriodaevangelizacao.com/a-fe-que-salva-com-a-palavra-chico-machado/ Wed, 10 Nov 2021 22:31:55 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=42655 [Leia mais...]]]>

Quarta-feira da 32ª semana do tempo comum. Neste ano, a liturgia católica nos propõe os textos do Ano B. Muitos até pensam que estes textos são escolhidos aleatoriamente, mas não é desta forma que as coisas acontecem. A liturgia é como se fosse um tesouro sagrado, uma vez que promove o encontro do Senhor com a comunidade que celebra. Através da liturgia, Deus mesmo vem visitar o seu povo para o alimentar e fortalecê-lo na caminhada pelas estradas da vida. Neste encontro de Deus com o seu povo, a comunidade responde com cânticos, preces e orações apropriadas para cada momento, sempre na perspectiva do Mistério Pascal de Jesus, com sua Paixão, Morte e Ressurreição para nos salvar.

Rezei nesta manhã contemplando a chuvinha que mansamente caia sobre o Araguaia. Chuva de molhar bobo, como as pessoas daqui comentam. Meus convidados que não são nada bobos, ficaram cada qual alojado em seu cantinho. Só se ouvia o barulho dos pingos da chuva molhando o chão. A natureza agradecida louvando a Deus, fazendo crescer o broto e germinar a semente. O mistério sagrado da vida se renovando, propiciando um ar mais respirável para todos. Uma sinfonia perfeita me fazendo lembrar de uma das frases do filosofo clássico grego Aristóteles (384-322a.C) que dizia: “A música é celeste, de natureza divina e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição”.

Por falar em música, acordei com o refrão de uma delas em minha memória: “Dizei aos cativos: ‘saí!’ Aos que estão nas trevas: “vinde à luz!” Caminhemos para as fontes, é o Senhor quem nos conduz!” Esta foi uma das canções que marcou muito a nossa caminhada de Igreja, sobretudo na Campanha da Fraternidade de 2014, que tinha como tema: “Fraternidade e Tráfico Humano” e o lema “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5, 1). Ou seja, apesar de termos sido libertados por Ele, é possível que voltemos a escravidão. Por esta razão é necessário estarmos sempre vigilantes para que mantenhamos a liberdade e nela crescer permanentemente.

Liberdade e escravidão, esta é a tônica de nossas vidas. Nossa sociedade nasceu de um processo cruel de escravização das pessoas. Somos frutos deste processo e não conseguimos nos libertar até os dias atuais. Nosso processo histórico de criação da sociedade brasileira, nasceu da relação que foi estabelecida entre a Casa Grande e a Senzala. Lembrando que o processo de escravização foi implantado no início do século XVI. Foi por volta de 1535 que chegou à cidade de Salvador (BA), o primeiro carregamento de navios, trazendo a bordo, negros escravizados. Este é o triste marco inicial da escravidão no Brasil, que ainda perdura até os nossos dias, apesar dos registros históricos dizerem que terminaria 353 anos depois em 13 de maio de 1888, com a famigerada “Lei Áurea”.

Somos um país de escravizados ainda em pleno século XXI. Se nos primórdios de nosso período colonial, ela foi cruel e desumana, trazemos ainda hoje no nosso DNA as consequências, mesmo passados mais de 130 anos da “abolição”. A pobreza, a violência e a discriminação racista que afetam os negros no Brasil, são um reflexo claro e direto de um país que institucionalizou e normalizou o preconceito contra esse grupo étnico, deixando-o a margem periférica da sociedade. É importante salientar que não somente os quase 7 milhões de negros que aqui chegaram traficados que foram vítimas deste processo. Também milhões de indígenas, agrupados em diversos povos, foram vítimas desta chaga ainda aberta, contra os quais ficou estigmatizado o preconceito e a marginalização social, reduzindo drasticamente a sua população de milhões de habitantes, no século XVI, para cerca de 800 mil, atualmente, segundo dados do IBGE 2010.

A fé é esta força transcendental e transformadora que trazemos dentro de nós. Todavia, não basta ter fé. É preciso acreditar de que somos capazes de fazer o diferente e transformar a realidade, a partir de nós, sendo em nós mesmos a mudança que queremos ver acontecer no mundo. A nossa fé pode nos salvar e instaurar o novo dentro de cada um de nós. “Tua fé te salvou”, disse Jesus àquele pobre homem, que soube voltar atrás e, num gesto de gratidão, agradecer ao Mestre por tê-lo libertado daquela terrível doença que o atormentava. Deus, na pessoa de Jesus, se fazendo amorosidade, misericórdia e compaixão, para que também nós possamos ser pessoas de Deus para com àqueles que convivemos nesta vida. Como nos dizia nosso bispo Pedro, resumindo a nossa atuação neste mundo: fé libertadora; esperança renovada pelo esperançar transformador; teimosia na resistência; na busca incessante da utopia do Reino de justiça e liberdade sem escravidão.

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.

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“Templos vivos da liberdade”, com a palavra Chico Machado https://observatoriodaevangelizacao.com/templos-vivos-da-liberdade-com-a-palavra-chico-machado/ Wed, 10 Nov 2021 01:30:53 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=42614 [Leia mais...]]]>

Terça feira de 32ª semana do tempo comum. No dia de hoje, a Igreja Católica, celebra a festa da Dedicação da Basílica de São João de Latrão. Festa instituída no século XVIII (1724), no pontificado de Bento XIII (Pietro Francesco Orsini – 1649-1730). Uma basílica importante, pois ela é considerada pelos cristãos católicos como a mãe de todas as igrejas, por ser a catedral da diocese de Roma, que tradicionalmente contém o trono papal, o que a coloca “acima” de todas as demais igrejas do mundo.

Uma manhã nublada e de ligeiro frescor sobre o Araguaia. Clima completamente atípico para este período, onde costumeiramente predomina o forte calor, desde as primeiras horas do dia. Como o tempo estava propenso à chuva, somente as pequeninas pipiras se aventuraram sobre as jabuticabeiras, degustando seu doce néctar. Depois que elas se vão, lá vou eu retirar do caule as cascas dos frutos que elas deixaram para trás. Só absorvem mesmo o precioso liquido do interior de cada uma daquelas bolinhas escuras adocicadas. Espertas como que!

Rezei nesta manhã influenciado pelas ideias do poeta épico italiano Dante Alighieri (1265-1321). Autor de um dos clássicos da literatura mundial “A Divina Comédia”, publicada pela vez primeira no século XIV, durante o período Renascentista. Esta obra marcou a minha vida de leitor, sobretudo a primeira parte dela, que está dividida em três partes: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Fiquei fascinado com a forma que este brilhante poeta versou sobre o inferno. Se para Jean Paul Sartre, “o inferno é o outro”, na sua concepção, Dante descreve o inferno como um local no interior da terra formado por nove círculos, como se fossem uma geografia imaginaria do inferno. Ao contrário da concepção cristã do inferno (sempre muito quente e abrasador), em Dante, a temperatura diminui na medida que se avança ao interior deste.

Volta e meia me vejo recorrendo a Dante, leitura sempre aprazível. Como se trata de um dos clássicos da literatura mundial, em que o poeta, de forma genial, descreve a sua concepção de mundo, lê-lo nos faz situar entre o grande paradoxo e a tensão de nossas limitações e das infinitas possibilidades que a vida nos reserva, quando se trata das relações humanas. Nos faz ver que somos muito mais capazes do que aquilo que aparentamos com as nossas possibilidades. Com a genialidade de Dante, fica mais fácil entender o porquê de utilizarmos apenas 10% de nossas possibilidades racionais. Como diria Raul Seixas: “É você olhar no espelho. Se sentir um grandessíssimo idiota. Saber que é humano, ridículo, limitado. Que só usa dez por cento de sua cabeça animal”.

Somos o que somos e somos mais do que podemos ser. Mesmo que a sociedade tente nos “igualificar” através de seus padrões de beleza, comportamentos e modos de se viver, como se todos fossemos iguais, cada um é cada um, no seu jeito próprio de ser, pensar e estar no mundo. A beleza da vida consiste exatamente nesta somatória das especificidades que cada um traz em seu próprio DNA. É o conjunto desta diversidade que faz a beleza e a complexidade da vida e das pessoas ser este mundo multicor, belo e prazeroso de ser vivido em sua essência na confluência.

A liturgia do dia de hoje reserva para nós um texto que dá muito o que falar (Jo 2, 13-22). O evangelista Joanino, relata para nós a famosa passagem em que Jesus expulsa os vendilhões do Templo. Justamente num dos momentos históricos para os judeus, que era a “Pessach”, a “Páscoa judaica”. Como nos afirma o comentário da Bíblia, Edição Pastoral:

“Para os judeus, o Templo era o lugar privilegiado de encontro com Deus. Aí se colocavam as ofertas e sacrifícios levados pelos judeus do mundo inteiro, e formavam verdadeiro tesouro, administrado pelos sacerdotes. A casa de oração se tornara lugar de comércio e poder, disfarçados em culto piedoso. Expulsando os comerciantes, Jesus denuncia a opressão e a exploração dos pobres pelas autoridades religiosas. Predizendo a ruína do Templo, ele mostra que essa instituição religiosa já caducou. Doravante, o verdadeiro Templo é o corpo de Jesus, que morre e ressuscita. Deus não quer habitar em edifícios, mas no próprio homem”.

Analisando esta ação de Jesus, ficamos nos perguntando: o que faria o Mestre, passando por alguns dos “Templos” que tempos hoje entre nós? Tomaria Ele a mesma atitude de quando estava presente lá em Jerusalém? Os Templos de hoje são casas de oração ou também teriam se transformado em espaço de comércio? Temo que em alguns destes “Templos”, Jesus não só expulsaria os vendilhões de agora, mas também não se faria presente, enquanto “Casa de Oração”. Mais do que os Templos edificados pelos homens, o bom mesmo é saber que cada um de nós somos templos vivos da presença de Deus em nós, como Paulo mesmo afirma em um de seus escritos: “Acaso não sabem que o corpo de vocês é santuário do Espírito Santo que habita em vocês, que lhes foi dado por Deus, e que vocês não são de vocês mesmos?” (1 Cor 6, 19) Baseados nesta sua concepção, fomos resgatados por Jesus para viver a plena liberdade e por isso não devemos viver mais sob o regime de escravidão, seja ela de qual forma for, mesmo religiosa.

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.

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“Esquecimento Global”, com a palavra Chico Machado https://observatoriodaevangelizacao.com/esquecimento-global-com-a-palavra-chico-machado/ Mon, 08 Nov 2021 20:00:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=42570 [Leia mais...]]]>
Túmulo de dom Pedro Casaldáliga.

Segunda feira da 32ª semana do tempo comum. Estamos iniciando mais uma semana. Já estamos em novembro, com o final do ano se avizinhando cada vez mais. A vida corre veloz, apesar de todas as dificuldades que estamos passando. Uns mais e outros menos. Por mais pessimistas que pudessem ser, não imaginaríamos que os desafios fossem tão difíceis de serem suplantados. Desafios de todas as ordens e maneiras. Só Jesus na causa, dizem alguns por aqui. Ainda bem que Ele é conosco: “Eis que estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos”. (Mt 28, 20)

Rezei esta manhã no silêncio abrasador de meu quintal. A abóboda celeste nem prenunciava o dia e me pus a contemplar o Deus da vida que se manifesta através de suas criaturas na natureza. Cada uma delas a seu jeito, mostrando a que veio. Ainda ontem, tive que dissuadir uma enorme serpente de transitar livremente pelo meu quintal. Devolvi-a para a mata, para que não encontrasse alguém, disposto a tirar-lhe a vida. Apesar de toda a sua beleza e imponência, trazia em si um poderoso veneno. A natureza e as suas minucias. Nunca me cansarei de contemplar cada um destes seres.

Contemplando a natureza a minha volta, numa manhã em que fiquei matutando sobre uma das falas de uma das lideranças indígenas, acerca da COP26 em Glasgow.

“Com exceção de algumas poucas pessoas que lá estiveram, a grande maioria foi para lá falar muito, e fazer pouco, para mudar a situação em que estamos vivendo. Eles só pensam em dinheiro e riqueza, e não querem que mude esta situação, pois eles veem a natureza apenas como fonte de riqueza e exploração. Deviam aprender conosco e com os nossos ancestrais. Todos vamos morrer por causa de gente como esta”.

Cacique Damião Paridzané (A’uwé Uptabi – Xavante)

Esta fala do cacique Damião Paridzané (A’uwé Uptabi – Xavante) resume bem o que representou para a humanidade, os resultados de uma Conferência que se reuniu para tratar de assuntos climáticos. Estamos numa grande encruzilhada de nossas vidas. Ou paramos de agredir sistematicamente o meio ambiente, ou estaremos preparando uma corda que nos enforcará a todos. Não há saída possível para a humanidade, sem que mudemos as nossas atitudes, a começar pelas menores e aparentemente insignificantes que pareçam. Até a forma como lidamos com o nosso lixo doméstico, diz respeito de quem nós somos, de fato, em relação ao meio em que vivemos.

Aqui, não se trata apenas do fogo que consome grande parte de nossos biomas (florestas, cerrado, caatinga, manguezais), mas também no desmatamento criminoso, destes últimos anos; a poluição dos riachos, com os nossos esgotos (domésticos, industriais); a contaminação do solo, ar e lenções freáticos, com o consumo exagerado de agrotóxicos, cada dia mais agressivos e mortais, levando o veneno para as nossas próprias mesas. O espírito destruidor que prevalece no meio dos latifundiários atuais, é altamente pernicioso para a humanidade. Visam e tão somente o acúmulo de riquezas, às custas da devastação e destruição de tudo a seu redor. Uma conta que todos nós pagaremos com as nossas próprias vidas, ou a ausência dela por aqui. A título de produzirem “alimentos para o mundo”, produzem isto sim, a morte cada dia mais próxima de cada um de nós, que convivemos neste contexto.

A indígena Txai Surui (24), deu o seu recado aos homens e mulheres que comandam as grandes nações do mundo. Numa linguagem simples e direta, disse alto e bom som o que precisa ser feito. Falou daquilo que conhece, pois se tem alguém que conhece bem deste assunto, são os povos originários, que convivem de perto com a Mãe Natureza e sabem de tudo aquilo que ela nos provê. Se bem que, ao invés de se aterem a fala desta jovem, alguns destes néscios “líderes mundiais”, preocuparam apenas em criticá-la, dizendo que a moça, a mando do Cacique Raoni Caiapó, foi irresponsável pois depôs contra o seu próprio país de origem.

Tudo o que temos e somos nos advém da Mãe Natureza. Ela é sábia e nos provê do necessário para vivermos e bem. Sem ela, nada somos. Sem ela pereceremos todos. Desde o ar que respiramos e a água que sacia a nossa sede, até a mínimas coisas que dela desfrutamos, são dádivas de Deus à humanidade toda. Privar alguns dos nossos irmãos e irmãs das benesses que Deus nos criou, se transforma num pecado mortal, cometido contra o próprio Deus que nos criou. Apropriar destas dádivas, se transformou neste pecado terrível que clama aos céus. Um pecado sem perdão, pois é contra o Espirito de Deus que está presente nestas pessoas pobres, e desvalidas, por quem Deus tem um carinho de predileção. Não nos esqueçamos de que a mãe natureza possui uma harmonia divina. Ela é não somente a manifestação de Deus em si, mas a presença constante do próprio Deus em cada uma de suas dádivas e criaturas. O aquecimento global não pode se transformar num esquecimento global. É na diversidade da natureza que iremos poder vivenciar cada uma de nossas especificidades. O aquecimento global que nos ameaça a todos e todas, só terá o seu fim quando houver entre nós um crescimento global de mentalidade responsável, de saber que estamos todos irmanados e interligados nesta “Casa Comum”, pela “Ecologia Integral”, como nos propõe o papa Francisco.


https://www.youtube.com/watch?v=PLsAtfUGcHU

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.

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“Sinodalidade: caminhar juntos”, com a palavra Chico Machado https://observatoriodaevangelizacao.com/sinodalidade-caminhar-juntos-com-a-palavra-chico-machado/ Mon, 08 Nov 2021 09:38:10 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=42563 [Leia mais...]]]>

Domingo da Solenidade de Todos os Santos e santas. Oportunidade para celebrarmos a multidão de profetas e profetisas, mártires da caminhada, sobretudo àqueles santos e santas anônimas de nossa caminhada de Igreja Povo de Deus. Como não podia deixar de ser, rezei nesta manhã, ao lado de um dos santos que muito prezo: São Pedro do Araguaia. Sim, Pedro é tido por muitos de nossa região, como um grande santo que passou por estas terras mato-grossenses. Não pelos “donos das cercas”, que o tinham como uma pedra em seus sapatos. “Eu posso dizer que conheci e convivi com um santo”, disse-me certa feita o meu amigo Deodato, uma das lideranças da Comunidade São Francisco de Assis da Gameleira.

Rezar na companhia de Pedro, ali no seu túmulo, faz toda a diferença. Espaço de simplicidade e sobriedade, tão característicos dele em vida entre nós. Para completar o cenário de austeridade, o pequizeiro que faz sombra ao seu túmulo, tratou de deixar cair os seus frutos, ao redor de sua cova rasa, povoando todo aquele espaço com o cheiro peculiar da fruta. Curiosamente, nenhum deles sobre a sepultura em si, mas no entorno. Segundo as pessoas da cidade, este é um dos melhores pequis da região. Verdade ou não, aquela árvore centenária imponente, cobre quase todo o espaço do cemitério.

Santo ou não, estamos trabalhando no intuito de coletar dados, relatos e informações sobre Pedro, com vistas ao seu processo de canonização. Se dom Hélder Câmara, era tido como “o santo rebelde”, Pedro sempre será para nós, o santo da resistência e da teimosia. O revolucionário das causas de Jesus de Nazaré, como testemunha fiel do Ressuscitado. Como na experiência das primeiras comunidades cristãs, pensou e viveu a Igreja encarnada na realidade dos pobres e dos mártires da caminhada, cuja mística martirial, inspirava na luta pela libertação de todas as formas de opressão. O santo poeta das utopias críveis do Reino, no aqui e agora da nossa história. Santos e santas de Deus, rogai por nós! São Pedro do Araguaia, rogai por nós e por nosso Brasil!

Santos e santas, mártires de nossa caminhada que inspiram a nossa caminhada por este chão de pés “Descalços sobre a Terra Vermelha”. Se lá fora os tempos são ainda de pandemia, no interior da Igreja dos pobres, comprometida com a caminhada do Jesus histórico de Nazaré, os tempos são de sinodalidade. Sinodalidade que quer dizer “andar juntos por uma mesma estrada”. Um momento todo especial pós-Sínodo da Amazônia, de momento de encontro e aprimoramento de escuta e diálogo, com a finalidade específica de oportunizar sintonia em torno de decisões a serem tomadas. A palavra sinodalidade vem do conceito sínodo: de sun (junto), odos (via). Uma sinodalidade que só será possível de acontecer em comunhão, do estar juntos na mesma estrada.

O Concílio Vaticano II, ocorrido no século passado (1962-1965), trouxe novos ares e luzes para a caminhada da Igreja em todo o mundo. Uma lufada de ar soprou sobre o interior da Igreja Católica, possibilitando que olhássemos para a modernidade e com ela pudéssemos dialogar. Um acontecimento histórico que vai mudar significativamente o nosso jeito de ser Igreja, antenada com o mundo e no mundo, sem nenhum temor como antes. Todavia, como forma de dar encaminhamento às decisões advindas do Concílio, nossa Igreja latino-americana, tratou de fazer acontecer a Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, realizada na cidade de Medellín (Colômbia), entre os dias 24 de agosto e 06 de setembro de 1968. Um momento histórico que produziu um importante e significativo documento, registrando as posições da Igreja da América Latina, assumindo uma posição libertadora frente à opressão no continente. Nosso bispo Pedro chegou a afirmar que Medellín foi o nosso novo Pentecostes.

A sinodalidade é este momento histórico importante para a caminhada da Igreja, como foi o Concílio e também Medellín. O “Caminhar juntos” proposto, quer ser este momento de escuta, ouvindo o que o Espírito Santo tem a nos dizer, para que possamos nos transformar numa Igreja comunhão, participação e missão, através de um testemunho profético libertador. Isto requer uma atitude de escuta daquilo que Deus tem a dizer ao seu povo. Nesta mesma dinâmica, escutar também atentamente a voz do povo negro, dos indígenas, dos favelados, das mulheres e dos clamores da nossa “Casa Comum”. Sempre atentos àquilo que nos disse o Papa Francisco: “É impossível para uma Igreja, cuja estrutura hierárquica é composta exclusivamente por homens (bispo, padre e diácono), se colocar em situação sincera de escuta, no âmbito da sinodalidade, no hoje da história, sem ouvir e se deixar afetar pelas incontáveis vozes de mulheres cristãs que reivindicam, desde há muito tempo, igualdade de gênero dentro do catolicismo, hierarquicamente, patriarcal e branco”.

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.

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“Fidelidade e compromisso”, com a palavra Chico Machado https://observatoriodaevangelizacao.com/fidelidade-e-compromisso-com-a-palavra-chico-machado/ Sun, 07 Nov 2021 11:42:35 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=42542 [Leia mais...]]]>

Primeiro sábado do mês de novembro. Geralmente aos sábados, a Igreja tem por costume dedica-lo à devoção a Maria, Mãe de Jesus. A razão que se deve a essa devoção está relacionado ao momento histórico da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, em vez que foi no Sábado, depois da Sexta-Feira Santa, que a Mãe foi a única pessoa que permaneceu firme de pé, em sua fé, esperando pela Ressurreição anunciada por Jesus de Nazaré. Para a Igreja, os sábados são estes momentos de solidão, de deserto, de morte e de luto. Uma morte com prenúncio de esperança e de luta para fazer prevalecer o Projeto de Deus.

Maria sempre teve uma presença significativa em minha vida. Ela sempre caminhou comigo, principalmente nos momentos mais difíceis desta minha jornada. Entretanto, sempre tive dificuldades de me relacionar com ela, como uma pessoa distante e fora da realidade concreta do chão da vida. Assim, a “castíssima”, a “puríssima”, a santíssima, não fazem parte de meu itinerário de devoção/oração à Mãe. A minha relação com ela vem de outras fontes mais concretas, por se tratar da mulher pobre, companheira, solidária, guerreira das causas dos pequenos e marginalizados.

Meu maior alívio foi quando passei a conviver com Pedro e perceber que ele tinha uma forma muito original de se relacionar com a Mãe de Jesus. Para ele, Maria era simplesmente a “Comadre de Nazaré”, afastando de mim a concepção de um herege, uma vez que vinha de encontro ao pensamento de um bispo. A mulher pobre e simples do meio do povo, escolhida a dedo para fazer parte do projeto salvífico de Deus para a humanidade, justamente por ela ser que era e fazer parte dos “ninguém”. Pensando nela, vem-me à mente um dos cânticos que sempre animavam as nossas comunidades: “Eu canto louvando Maria, minha Mãe, a ela um eterno obrigado eu direi. Maria foi quem me ensinou a viver, Maria foi quem me ensinou a sofrer”.


https://www.youtube.com/watch?v=cu7CoUd83YA

Maria a mulher fiel! A serva fiel nas pequenas e grandes coisas. Abraçou o projeto de Deus e fez de si a serva fiel às causas dos pequenos. Servidora em todas as circunstancias e lugares: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!”. (Lc 1,38). A ela pode ser aplicada a expressão em latim que é utilizada como título oficial ao Papa: “Servus Servorum Dei”, que quer dizer Servo dos Servos de Deus. A serva fiel, digna representante da comunidade dos pobres que esperam pela libertação. Acreditou e foi até o fim, fazendo parte do discipulado de Jesus, dando um toque de feminilidade, de amorosidade e generosidade, desde os primórdios do cristianismo.

Maria, a testemunha fiel das pequenas coisas do Reino. Ela encarna em si aquilo que Jesus está nos dizendo no Evangelho de hoje: “Quem é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas também é injusto nas grandes” (Lc 16,10). Aos poucos, vamos aprendendo que o segredo da vida consiste exatamente em ser fiel em tudo aquilo que fazemos. O desafio maior é ser fiel nas mínimas coisas da vida. Ser o que se é, sendo você mesmo, com as suas convicções e princípios, norteados pela fidelidade às causas de Jesus, com vistas a construção do Reino. As pequenas coisas que se tornam essenciais no nosso dia a dia, em nossos gestos e ações concretas.

Fidelidade e compromisso às causas como fez a serva fiel. Em Maria, Deus se faz presente na nossa história. Na história da humanidade. Um Deus que se faz Deus conosco. Não um Deus que necessita de um templo para se dar aos seus. “O Deus Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens”. (Atos 7, 48). Maria, útero que se fez berço do Filho amado do Pai. A simplicidade de Maria, a “Comadre de Nazaré”, nos faz crer que o Deus de Jesus está no meio de nós. “O Reino de Deus está no meio de vocês”. (Lc 17, 21) Maria foi aquela que acreditou, mesmo sem compreender inicialmente o que iria acontecer na sua vida. Que saibamos também, fazer da nossa vida um sim dado a cada dia, para que o Reino possa se fazer presente através da fidelidade das nossas pequenas ações. Deus que é fiel na sua promessa, se dá como presente numa criança. Que sejamos também este presente às pessoas que conosco convivem, sendo fieis nas pequenas coisas e pequenos gestos!

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.

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“O rosto mulher na resistência”, com a Palavra Chico Machado https://observatoriodaevangelizacao.com/o-rosto-mulher-na-resistencia-com-a-palavra-chico-machado/ https://observatoriodaevangelizacao.com/o-rosto-mulher-na-resistencia-com-a-palavra-chico-machado/#comments Fri, 05 Nov 2021 09:31:07 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=42511 [Leia mais...]]]>

Quarta feira de um pós-feriado. Depois de celebrarmos a memória dos nossos entes queridos, a vida segue em frente. Terminei o meu dia de ontem, mais uma vez, na presença dele. Pedro teve muitas visitas. “Ele continua irradiando luz”, me disse uma “professora prelazia”, como muitos de nós somos denominados por aqui. Muitos foram buscar forças estando ali com ele por alguns momentos. Esperei que todos os visitantes passassem ali pelo cemitério, para que também eu, pudesse rezar com ele, na calmaria de um final de tarde, com o sol se pondo, proporcionando um belo, mas triste entardecer.

Uma quarta feira cheia de luz, lavando a alma de todos os brasileiros e brasileiras decentes. Uma luz que veio de longe, irradiando sobre o nosso esperançamento, fazendo-nos acreditar que há uma luz no final do túnel. Walelasoetxeige Suruí, ou simplesmente, Txai Surui, da etnia Suruí-Paiter da Aldeia La Petanha, uma das 24 da Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia, que faz divisa com o nosso Mato Grosso, foi a única brasileira a discursar na abertura da Conferência da Cúpula do Clima – COP26, se tornando um dos rostos mais vistos no planeta. Enquanto alguns dos nossos, optaram por fazer turismo na Europa, Txai Surui, filha da grande liderança, o cacique Almir Surui (47), deu o seu recado alto e bom som. Sem representação oficial do Brasil naquele espaço de decisão, foi preciso que uma jovem estudante do curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia (Unir), de 24 anos, desse o recado sobre como pensam os povos originários acerca das mudanças climáticas necessárias, como forma de salvar as nossas vidas.

O rosto da resistência de uma jovem mulher indígena, se fazendo presença em meio aos marmanjos. Txai, que na língua indígena quer dizer “o sopro de vida em meio ao ódio”, ou ainda “metade de você que existe em mim e metade de mim que habita em você”, fez parte de uma delegação composta por 40 representantes dos povos indígenas a participar da conferência. Txai não se fez de rogada e disse o que todos nós gostaríamos de dizer àquela gente: “Hoje o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo”.

A terra clama e somente os que estamos na linha de frente conseguimos auscultar os vagidos da terra. Não dá mais para esperar por atitudes continuamente irresponsáveis no tocante ao enfrentamento das questões climáticas. As decisões tem que ser para ontem. Ou assumimos este compromisso e nos salvamos; ou morreremos todos nesta avalanche que a cada dia, já não mais surpreende a humanidade. Não podemos esperar 2030/50, como querem algumas lideranças mundiais. “Precisamos tomar outro caminho com mudanças corajosas e globais. Vamos frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis; vamos acabar com a poluição das palavras vazias, e vamos lutar por um futuro e um presente habitáveis”, concluiu Txai na sua fala de um minuto e meio apenas.

De resistência e enfrentamento os povos indígenas entendem muito bem, afinal já são mais de 500 anos de genocídio e etnocídio de seus povos. Duas palavras fortes, mas que resumem bem o que vem acontecendo aos povos originários, desde a chegada do colonizador cruel eurocêntrico. Genocídio e etnocídio, irmãos gêmeos na dizimação. Embora diferentes, estão co-relacionados. Enquanto o primeiro trata do extermínio de todos os indivíduos integrantes de um mesmo agrupamento humano, o segundo traduz-se no extermínio de sua cultura ancestral. Mata-se o corpo e a alma de povos milenares, conhecedores de saberes ancestrais, no trato com a Mãe Natureza. De sua relação ancestral, harmônica e simbiótica com a terra, advém todo o seu saber tradicional, de como preservar a vida de todos os seres, que habitam a nossa “Casa Comum”.

A fala da jovem Txai Surui, lúcida e profética, é endereçada a todos nós. Embora sejamos um país em que o sangue indígena irriga o nosso coração, ainda não nos reconhecemos e nem nos assumimos como tais. Assim, se faz necessário passarmos por um processo de decolonialidade e deixar de lado a hegemonia do imperialismo ocidental, cuja base de sustentação se fundamenta na produção do conhecimento de episteme “eurocêntrica”, que aqui se instalou desde a chegada do branco colonizador. “Descolonizar e desevangelizar”, dizia-nos o nosso bispo Pedro, para que assumamos as causas ambientais com, e ao lado dos povos indígenas. Como Txai Surui mesma disse: “Meu pai me ensinou que devemos ouvir as estrelas, a Lua, o vento, os animais e as árvores”. Esta sua fala está em sintonia com o pensamento do Chefe Dan George (indígena norte americano): “Se você fala com os animais, eles falarão com você e vocês conhecerão um ao outro. Se não falar com eles, você não os conhecerá, e o que você não conhece você temerá. E aquilo que tememos, destruímos.”

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.

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No Caminho de Jesus https://observatoriodaevangelizacao.com/no-caminho-de-jesus/ Tue, 26 Oct 2021 02:00:54 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=42273 [Leia mais...]]]> Iniciamos mais uma semana. A última deste mês de outubro. Tempo ainda para refletirmos sobre a nossa missão neste mundo. Oportunidade para situar o nosso estar no mundo, revendo a nossa trajetória de vida, em busca de uma conversão (metanoia) que se faz urgente e necessária, como forma de repensar aquilo que somos e o nosso compromisso nos colocando na mesma estrada por onde caminha o Mestre Galileu.Se a jornada é pesada e te cansas na caminhada, segura na mão de Deus e vai!”, sugere o canto que tanto cantamos em nossas comunidades anos atrás.

25 de outubro, uma data que manchou de sangue a triste história brasileira. No dia de hoje, há 46 anos, era assassinado o jornalista Vladimir Herzog (1937-1975), em São Paulo. As forças de repressão da ditadura militar, sujaram de sangue as suas mãos, ao torturar e assassinar “Vlado”, como era carinhosamente chamado o jornalista. Como desculpa para este ato bárbaro, inventaram que Herzog havia cometido o suicídio. Sobre o jornalista, disse o Cardeal arcebispo de São Paulo à época: “Não matarás. Quem matar, se entrega a si próprio nas mãos do Senhor da História e não será apenas maldito na memória dos homens, mas também no julgamento de Deus!”.

Jornalista Vladimir Herzog (1937-1975)

Estamos diante de uma semana que está só começando. Entretanto ainda repercute em nós o texto do Evangelho de Marcos (Mc 10, 46-52), que tivemos a oportunidade de celebrar em nossas comunidades no dia de ontem. Jesus percorrendo o seu Caminho rumo à Jerusalém, sabendo que ali, haverá o desfecho da vida do Jesus histórico, defrontando com o Calvário de sua Paixão, Morte e Ressureição, como consequência de sua fidelidade ao Projeto de Deus. Mas com tempo ainda suficiente de realizar um dos últimos sinais entre os seus seguidores na Palestina: a cura da cegueira de um pobre caído a beira do caminho, abrindo-lhe os olhos e o coração.

Jesus é Caminho! Ele se faz Caminho e no caminho! Aliás, segundo os relatos nos primórdios do cristianismo, o movimento desencadeado por Jesus, era denominado de “Caminho”. De acordo com os relatos do evangelista Lucas, que transcreve para nós a infância de Jesus, desde o ventre materno, o casal é forçado a deixar a sua terra natal e aventurar-se no caminho até Belém “onde não havia lugar para eles” (Lc 2, 7). Sua mãe se fazendo peregrina no Caminho, escapando da fúria assassina de Herodes, buscando refúgio no Egito. Lembrando também do próprio itinerário percorrido por Jesus, indo à todas as aldeias e cidades, encontrando-se com as multidões cansadas e abatidas, cheio de compaixão, “porque eram como ovelhas sem pastor” (Mt 9,m35-38). Um caminho feito não a partir do centro e dos templos, mas a partir da periferia, onde habitavam os pobres, indefesos, doentes, discriminados, excluídos (At 10, 38).

Igreja do Caminho. Igreja que se faz Caminho. No caminho de Jesus, um pobre homem cruza o seu caminho (Bartimeu). Uma presença incomoda para aqueles que seguiam o mestre, mas não para Jesus. Ao acolher aquele pobre homem, Jesus devolve-lhe a dignidade e o traz para o centro, restabelecendo-lhe a visão e o protagonismo a partir daquele momento como gente. Jesus ganha imediatamente mais um seguidor no seu Caminho. Um sinal significativo e que nos serve de parâmetro para entendermos também a nossa missão de seguidores de Jesus no Caminho. Quantos de nós não nos deparamos com cenas parecidas como esta em nossas vidas? Quantos de nós, estando a caminho dos templos, não experimentamos cenas como esta de Jesus e ainda continuamos na nossa cegueira, pior do que a daquele pobre Bartimeu? Quantas de nossas lideranças religiosas não estamos mais preocupados com as nossas vestes rendadas suntuosas, e fechamos os nossos olhos para a realidade de pobreza na estrada das nossas vidas? Cegueira que cega mentes, corações e atitudes.

Bartimeu abre os olhos e coração e enxerga Jesus. Imediatamente se livra de tudo aquilo que o amarrava, se colocando no Caminho do seguimento de Jesus. Com a sua atitude ele nos mostra a verdadeira face do discipulado autêntico de Jesus, que o segue no Caminho, por onde quer que vá. Ele enxerga a luz que é Jesus e cheio desta luz, se faz também luz pela graça divina, na vida das pessoas. Este é o desafio que nos é colocado, se quisermos fazer parte do discipulado de Jesus. Podemos também fazer parte deste mesmo Caminho. Podemos e devemos ser também Caminho que leva à vida plena para tantos Bartimeus, caídos à beira do caminho: sem teto, sem trabalho, sem comida, sem sonhos, sem perspectivas, desesperançados… Sejamos o Caminho de luz e que possamos devolver a esperança de viver para tantos caídos. Que possamos realizar em nós a mesma experiência do místico sacerdote carmelita espanhol São João da Cruz (1542-1591): “Onde não existe amor, coloca amor e amor encontrarás”.

(Os grifos são nossos)

Sobre o autor

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia.

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