Campanha da Fraternidade 2019 – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 13 Mar 2019 11:30:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Campanha da Fraternidade 2019 – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Vídeo 03 para a CF 2019: Políticas públicas para todos? https://observatoriodaevangelizacao.com/politicas-publicas-para-todos/ Wed, 13 Mar 2019 11:30:57 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30095 [Leia mais...]]]> O tema da Campanha da Fraternidade de 2019 coloca o dedo na ferida  da realidade sociopolítica nacional. Expõe, com coragem profética, a gravidade da atual distância entre os mais ricos e os mais pobres e dos mecanismos que promovem crescente desigualdade social no Brasil. E, com clareza solar, afirma que a falta de políticas públicas revela uma lógica perversa geradora do maior problema social de nosso país: a injustiça social com contínua criminalização dos pobres, vulneráveis e excluídos.

Nesse sentido, somos interpelados a refletir, indignar-se e comprometer-se com a transformação da

  • Cultura da indiferença diante das injustiças sociais gritantes e visíveis aos olhos de todos. Em contexto macro, o papa Francisco denuncia uma globalização desta indiferença com as vítimas e os mais pobres;
  • Mentalidade que acolhe como normal o fato de convivermos em contexto de aviltante desigualdade social no conjunto da população brasileira, quando uns poucos privilegiados vivem na abastança e na mordomia, enquanto muitos, a maioria dos brasileiros, apenas sobrevive;
  • Realidade de um poder político, concebido e constituído para defender a democracia constitucional que nos irmana e iguala em dignidade cidadã, ou seja, uma realidade social na qual todos têm os mesmos direitos e deveres, exercido com o objetivo de manter a ordem e o status quo de uma estrutura social profundamente injusta e desigual e que define e promove progresso para uns poucos privilegiados;
  • Realidade de um Estado, instituição criada para combater toda forma de exclusão social e promover políticas públicas e ações afirmativas emergenciais de inclusão dos mais vulneráveis e pobres, criando assim outra dinâmica social possível fundada na defesa da igual dignidade cidadã, que se tornou ineficiente, corrompido e o principal fator de sustentação de uma lógica injusta de privilégios de classe e de casta;

Assista ao vídeo 03 com as seguintes questões: Diante da grave constatação da ineficiência do Estado para cumprir a sua principal missão, do lastro de corrupção e de privilégios socioeconômicos no âmbito dos três poderes e de desavergonhada apropriação do próprio Estado pelas elites do poder econômico e político de nosso país, e que está evidente na pesquisa da Revista Transite da UFMG, apresentada neste terceiro vídeo, o que podemos fazer enquanto sociedade civil organizada para reverter esta trágica situação? Neste contexto adverso, os movimentos populares e demais grupos organizados da sociedade civil tem conseguido fazer a diferença na concretização de políticas públicas para os excluídos da mesa da cidadania? Os cristãos tem encontrar fontes de esperança e de coragem para lutar, na memória dos profetas, na caminhada do povo de Deus e na prática libertadora de Jesus?

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CF 2019: Segundo Dom Guilherme, é preciso reanimar os movimentos sociais https://observatoriodaevangelizacao.com/dom-guilherme-na-campanha-da-fraternidade-e-preciso-reanimar-os-movimentos-sociais/ Wed, 13 Mar 2019 02:02:17 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30084 [Leia mais...]]]> O bispo de Lages (SC) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Guilherme Werlang, concedeu uma provocante entrevista sobre a Campanha da Fraternidade 2019, na qual defendeu que

os movimentos sociais são uma instância para que os pobres possam ter vida mais digna e buscar a vida plena e a mudança, como é o desejo do próprio Jesus Cristo”.

Confira. a seguir, a entrevista concedida a Frei Gustavo Medella:

1.Qual a importância dos movimentos sociais para conquista de direitos pela população?

Dom Guilherme – Em um país que quer se definir como democrático, os movimentos sociais são indispensáveis. Eles são a voz do povo mais pobre, sofrido, que não são contemplados em seus direitos de cidadão. Eles são indispensáveis para o cumprimento dos direitos, sobretudo da parte mais fragilizada da população e da parte mais excluída da sociedade. Se esta parcela da população não tivesse os movimentos sociais, certamente seria, mais do que já é, considerada pela elite dominante como um lixo social, ou como há muitos anos o padre Zezinho cantava, que era uma massa sobrante e excluída como frutos de um sistema que só vê lucros em seus objetivos. Tive a oportunidade, há um ou dois anos, de participar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na posição de presidente da Comissão Episcopal para a Ação Social Transformadora. Acompanhei a votação para um pedido de habeas corpus em favor de um líder do Movimento Sem-Terra, que estava sendo criminalizado e preso injustamente. Pude ouvir do presidente do STJ que os movimentos sociais não são organizações criminosas, como muitas pessoas dizem. Ganhamos aquele habeas corpus por seis votos a zero. Significa que eles, tendo ou não tendo um CNPJ, como às vezes se atribui, são legítimos, necessários e indispensáveis. Seja no campo ou na cidade, como moradores de rua, catadores de lixo, recicladores, sem-teto. Eles atuam quando os grupos sociais não são contemplados pelas Políticas Públicas. A única forma de sobreviverem e se defenderem, com dignidade, é por meio das organizações e movimentos sociais. Nós, como Igreja, não podemos ter medo de apoiar os movimentos. Nem sempre preciso assinar embaixo de tudo o que os movimentos sociais fazem. Eles caminham com as próprias pernas, pensam com a própria cabeça. Mas nós, como Igreja – até pelo exemplo explícito do Papa Francisco – temos, a partir do Evangelho, que tomar uma posição, temos que estar juntos dos movimentos para refletir, caminhar com eles e dar ao povo dignidade de vida. Não é à toa que o Papa Francisco realizou três encontros mundiais dos movimentos populares. Tive a oportunidade de participar do segundo encontro que aconteceu em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Sem dúvida, os movimentos sociais são uma instância para que os pobres possam ter vida, vida mais digna e vida plena, como é o desejo do próprio Jesus Cristo.

2. Quais os principais desafios para estes movimentos no Brasil hoje?

Dom Guilherme – Não gostaria de roubar a palavra dos movimentos sociais, mas, na minha visão, enquanto bispo e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da CNBB, creio que, especificamente neste momento histórico que o Brasil atravessa, quando sabemos que a campanha eleitoral, tanto para o Legislativo quanto para o Executivo, especialmente, desceu a níveis baixíssimos, estamos diante de um quadro, que vejo com muita preocupação, de retirada dos direitos adquiridos a duras penas pelo povo brasileiro na área trabalhista, seguridade social, saúde, educação, alimentação. Diante deste quadro que está aí, onde o capital nacional e internacional influenciam de uma forma avassaladora, buscando mais e mais lucros, desrespeitando a sociedade brasileira, o meio ambiente e a cultura. O maior desafio é continuar organizado, mobilizado e resistindo. Neste momento, a resistência deve ser a palavra-chave. Não desistir, não entregar de mão beijada aquilo que foi conquistado durante 20, 30 anos ou mais, depois do regime militar e depois da Constituição de 1988. Não podemos entregar aquilo que foi construído pelo povo para que o capital tenha mais lucros. O grande desafio é desmascarar as mentiras, que, por meio da grande mídia, espalha-se e faz com que o povo acredite. Por exemplo, de que a Previdência Social esteja quebrada. Não existe isso e os números mostram. Bastaria cobrar todas as dívidas de INSS das grandes empresas e grandes capitais, como os bancos. Os movimentos sociais, neste momento, têm o desafio de continuar na resistência. Muitos estão perdendo o sonho, dizendo que tudo foi em vão. É preciso reanimar os movimentos sociais e também posicionar-se diante da ameaça da criminalização e da judicialização destes grupos. Será um momento muito difícil para a sociedade brasileira, especialmente para as lideranças dos movimentos, no campo, na cidade, nos sindicatos. Aqueles que, de fato, querem defender os direitos do povo brasileiro. Na minha visão, estes são os grandes desafios e que não podem ser temidos, mas enfrentados para que a democracia, que ainda é fraca e frágil, não se perca naquilo que nós já conquistamos com luta e organização popular.

3. Qual a importância das pastorais sociais para a caminhada da Igreja no Brasil?

Dom Guilherme – A Igreja no Brasil, através da CNBB, tem 12 Comissões Episcopais Pastorais ordinárias. Temos ainda algumas Comissões Episcopais extraordinárias, como por exemplo a da Amazônia, a da questão da mineração. As pastorais sociais são o rosto da caridade da Igreja, atuam em nome da Igreja, em nome do Evangelho. Elas não estão à margem de outras pastorais. São mais de trinta pastorais sociais organizadas em nível nacional. Elas estão nas fronteiras, como diz o Papa Francisco. Estão onde é mais difícil e procuram ser a presença solidária da Igreja junto àquelas pessoas fragilizadas e vulneráveis, com uma palavra de esperança, sendo presença do Bom Pastor e do bom samaritano no socorro àqueles que estão caídos ao longo da estrada. As pastorais sociais enfrentam grandes desafios. Muitas vezes pessoas da própria Igreja, nas paróquias e nas dioceses, não olham com bons olhos os leigos e leigas, religiosas e religiosos que estão nas pastorais sociais. Os bispos das pastorais sociais, em nome da CNBB, assumem este trabalho nos regionais, acompanhando os grupos, e muitas vezes, estes bispos são facilmente classificados pela sociedade como bispos “comunistas”, sofrem restrições e acusações falsas. A importância das pastorais sociais na Igreja no Brasil, sem dúvida, é sumamente importante e caminha lado a lado com a liturgia, catequese, Cáritas, todas as outras organizações da Igreja. O Evangelho, sem a caridade, não é um Evangelho cristão. Já escrevia São Tiago que a fé sem obras é morta. Alguém que está nas pastorais sociais está na Igreja, assim como quem está a serviço da liturgia, catequese, etc. Como os trabalhos são muitos, cada organização deve distribuir as responsabilidades, dividindo o serviço, para que o corpo social possa ser devidamente atendido. As pastorais sociais não servem somente à própria Igreja, mas estão a serviço da sociedade. Elas são a presença da Igreja nos presídios, entre os moradores de rua, os sem-teto, os sem-terra, aqueles que não têm voz e nem vez. Por isso, precisamos dar incentivo, apoio e solidariedade a todos que militam e lutam nas pastorais sociais, sem temer as críticas e perseguições – e muitas vezes até as mortes. Grande parte dos assassinatos das lideranças dos movimentos sociais acontece porque eles os agentes atuam nas pastorais sociais. Temos muito sangue de mártires correndo neste país. O sangue dos mártires sempre é sementeira de Evangelho, que vai fazer brotar vida nova. Nós não queremos a morte de ninguém, não podemos querer isso, mas precisamos daqueles que, assim como Jesus Cristo, São Paulo e os apóstolos em geral, não temem anunciar o Evangelho. E as pastorais sociais têm esse papel desafiador e sumamente importante na caminhada da Igreja no Brasil e no mundo.

Fonte:

www.franciscanos.org.br

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Para inspirar… a Campanha da Fraternidade 2019, um pouco de Nelson Mandela https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-campanha-da-fraternidade-2019-um-pouco-de-nelson-mandela/ https://observatoriodaevangelizacao.com/para-inspirar-a-campanha-da-fraternidade-2019-um-pouco-de-nelson-mandela/#comments Tue, 05 Mar 2019 10:13:19 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30005 [Leia mais...]]]> Amanhã, dia 06/03/2019, se inicia o período quaresmal de preparação para a Páscoa. Quarta-feira de Cinzas é o dia escolhido para a abertura da Campanha da Fraternidade promovida pela Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB). Neste ano, esta importante campanha tem como tema: “Fraternidade e Políticas Públicas“. Para inspirar criativamente todos os cristãos e pessoas de boa vontade comprometidas com a construção de um mundo melhor para todos na luta pela concretização dos direitos sociais garantidos em nossa Constituição cidadã evocamos a memória viva de um dos maiores líderes de nossa história recente: Nelson Mandela. O legado de Mandela, dentre tantas outras dimensões da luta pela vida digna para todos, passa pela defesa incondicional e promoção firme de políticas públicas por uma educação de qualidade para todos. A educação, para ele, era o caminho para empoderar e libertar as pessoas, e a liberdade sempre foi sua maior bandeira.

Vale a pena conferir:

“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo” – Nelson Mandela

Símbolo da luta contra o Apartheid, regime de segregação racial que separava brancos e negros na África do Sul, Mandela foi sempre defensor de um sistema educacional mais equânime e digno. 

“Não está além do nosso poder a criação de um mundo no qual crianças tenham acesso a uma boa educação. Os que não acreditam nisso têm imaginação pequena”, repetiria ele ao longo da vida.

Ainda em 1953, antes de passar 27 anos preso por lutar pela democracia, ele disse no Congresso Sul Africano: 

“Façam com que todas as casas e todos os barracos se tornem um centro de aprendizado para nossas crianças”.

Já como presidente, cargo que exerceu entre 1994 e 1999, Mandela lutou por prover uma educação mais equânime entre negros e brancos. 

O presidente Mandela falou com paixão em todos os fóruns possíveis sobre seu compromisso de prover educação de qualidade para todas as crianças da África do Sul, assim como propiciar também uma vida melhor para todos. Ele estabeleceu parcerias valiosas com o setor privado, especialmente para a construção de escolas nas comunidades rurais de todo o país, diz o Departamento de Educação Básica em seu site.

Mesmo depois de seu período na presidência e já octogenário, Mandela não deixou de lado sua ligação com educação. Em 2003, ele participou do lançamento da rede Mindset, uma organização sem fins lucrativos que provê material educativo e curricular para alunos e professores em vários temas, desde economia, matemática e física até tecnologia e orientação para a vida. Na ocasião, proferiu uma de suas aspas mais famosas e que resume parte de seus valores:

 “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”, disse ele. E avisou: “Vou usar o resto dos meus dias para ajudar a África do Sul a se tornar mais segura, saudável e educada”.

Sua militância na área continuou sendo frequente, mesmo depois de se retirar da vida pública em 2004. A instituição que leva seu nome e se responsabiliza por levar adiante seu legado ajudou a reformar escolas e a criar centros de excelência de estudos pela África do Sul. No exterior, suas palestras em universidades foram muitas – no site de sua fundação, a Nelson Mandela Foundation, é possível acessar a transcrição de seus discursos. 

As instituições de educação superior têm a obrigação de escancarar suas portas. As que oferecem a educação mais rigorosa é que têm a maior obrigação. Vocês têm a qualidade, a habilidade, o apoio necessário para pressionar por isso, disse Mandela em 2005 a universidade norte-americana de Amherst.

Ainda em 2005, ele criou outra fundação, a Mandela Rodhes Scholarship, destinada a financiar os estudos de jovens líderes africanos. Dois anos depois, ele criou um instituto voltado para promover a educação na área rural de seu país, o Nelson Mandela Institute for Rural Development and Education. 

Ninguém pode se sentir satisfeito enquanto ainda houver crianças, milhões de crianças, que não recebem uma educação que lhes ofereça dignidade e o direito de viver suas vidas completamente, disse ele por ocasião da fundação da organização.

Nelson Mandela, por Maria José Cabral

Além de ele em si ter sido um advogado da educação, documentos relativos à sua vida e à sua contribuição para a história também estão disponíveis e organizados, num trabalho feito pela Nelson Mandela Foundation. Todo o material está disponível na plataforma e pode ajudar educadores de todo o mundo a recontar a importância do líder sul africano para os séculos 20 e 21.

O legado de Mandela para a educação, portanto, passa pela defesa firme de uma educação de qualidade para todos, seja na cidade, no campo, na escola ou na universidade. A educação, para ele, era uma forma de empoderar e libertar as pessoas, e a liberdade sempre foi sua maior bandeira. 

Uma boa mente e um bom coração são sempre uma combinação formidável. Mas quando você adiciona a isso um idioma bem falado ou uma caneta, então você tem uma coisa realmente especial”, dizia ele. “… os jovens devem tomar para si a responsabilidade de garantir que terão a melhor educação possível para poder nos representar bem no futuro, como futuros líderes.

Fonte:

JB/Patrícia Gomes. Nós tivemos acesso a esta provocante reportagem pela Revista Prosa Verso e Arte

Obs.: Esta revista tem como mote “A arte é o espelho da pátria. O país que não preserva os seus valores culturais jamais verá a imagem de sua própria alma”.

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Acolher a oportunidade criada pela CF 2019 e capacitar-se para bem participar https://observatoriodaevangelizacao.com/acolher-a-oportunidade-criada-pela-cf-2019-e-capacitar-se-para-bem-participar/ Thu, 21 Feb 2019 18:24:28 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=29821 [Leia mais...]]]>

As políticas públicas são forte motivação, capaz de articular os diferentes, amplos e difusos interesses manifestados, de forma organizada, pelos movimentos sociais. Estes se relacionam com as políticas públicas, deixando transparecer a complexidade da participação da sociedade na tomada de decisões, no encaminhamento de ações governamentais e no controle e fiscalização de sua implementação.

Políticas públicas, direitos sociais e papel do Estado

Introdução

No sistema capitalista, a sociedade é formada por classes sociais que ocupam posições de dominação ou de subordinação na hierarquia social, conforme a condição econômica dos que compõem cada uma delas. Em consequência dessa polarização, os interesses dessas classes são contraditórios ou antagônicos e a mediação entre eles é feita pelo Estado.

Embora seja, teórica e conceitualmente, considerado como árbitro entre os interesses conflitantes das classes sociais, o Estado tende sempre a decidir e agir no sentido de favorecer os que detêm maior poder econômico, os patrões, em detrimento dos que estão em condição economicamente inferior, os trabalhadores. Entretanto a mediação dos interesses de classe feita pelo Estado não é cristalizada; depende da correlação de forças existente em determinado momento ou conjuntura e que resulta de um processo dialético.

Historicamente, o Estado brasileiro, cujo caráter é elitista, autoritário e centralizador, tem orientado sua ação pela dinâmica do processo econômico, atuando sempre a favor da reprodução do capital (lucros) e como controlador das legítimas reivindicações dos trabalhadores e dos setores populares em geral. Um dos mecanismos usados pelo Estado para exercer esse controle têm sido as políticas públicas, vistas como concessões, e não como conquistas ou direitos. Ao contrário disso, as políticas públicas, numa sociedade verdadeiramente democrática, são a resposta do Estado às demandas dos cidadãos e cidadãs, enquanto direitos sociais.

Na medida em que os setores populares da sociedade tomam consciência dos seus direitos e de sua força, têm início as lutas reivindicativas e a organização dos movimentos sociais, que passam a se relacionar com o Estado de forma autônoma e independente, transformando, dialeticamente, a própria relação entre Estado e sociedade civil.

A partir daí, o Estado é forçado a atender às demandas da população, o que não significa, necessariamente, avanço na democratização das relações entre Estado (sociedade política) e sociedade civil. Enquanto não mudar o caráter historicamente assistencialista das políticas públicas, por meio das quais o Estado responde às demandas dos setores populares, não se pode afirmar que as relações entre povo e governo sejam democráticas nem, muito menos, que haja respeito aos plenos direitos de cidadania.

Com o avanço dos movimentos sociais, surgem novas formas de organização e de exercício da cidadania; formas diretas e descentralizadas de participação, que questionam o autoritarismo do Estado e exigem democracia e respeito à vontade popular. Assim, esses movimentos se propõem o desafio de construir uma esfera pública que amplie o espaço de decisão da sociedade civil organizada e aponte na direção de uma ordem política verdadeiramente democrática. Trata-se, portanto, da construção de um espaço onde as diferentes forças sociais e políticas se confrontam e travam suas lutas em defesa do interesse público.                                                                                                           

Nesse sentido, as políticas públicas se tornam forte motivação, capaz de articular os diferentes, amplos e difusos interesses manifestados, de forma organizada, pelos movimentos sociais. Estes se relacionam com as políticas públicas, deixando transparecer a complexidade da participação da sociedade na tomada de decisões, no encaminhamento de ações governamentais e no controle e fiscalização de sua implementação. Assim, os movimentos sociais constituem espaços de organização social e política da sociedade civil, em suas diferentes formas de ação coletiva voltadas à construção da democracia, e de um sistema político que propicie a criação de dignos padrões de convivência e de sobrevivência para as classes populares.

Com a reestruturação produtiva e seus impactos sobre o mundo do trabalho, o proletariado perdeu espaço como força social. A automação, a robotização, o desemprego em massa etc. geraram incertezas e perplexidade nas classes trabalhadoras em todo o mundo. Acrescentem-se a essa conjuntura as reformas políticas do Estado e do novo ordenamento jurídico, que levaram à desregulamentação das relações entre capital e trabalho e à redução dos direitos sociais. Em razão disso, os movimentos sociais adquirem maior importância e assumem novo protagonismo como “sujeitos coletivos” na luta em defesa de políticas públicas voltadas para o atendimento das demandas da população, tendo em vista as necessidades básicas como saúde, habitação, educação, cultura, esporte e lazer, transporte, segurança e outras tais como igualdade de gênero, de raça, de etnia e de respeito às conquistas e à garantia de direitos.

Na década de 1990, ao aderir ao neoliberalismo e buscar atender às novas exigências do mercado globalizado, o Estado brasileiro se submete, de forma radical, às orientações de políticas econômicas neoliberais ditadas pelos organismos internacionais, como FMI, por exemplo, sujeitando-se à lógica do mercado. Promove amplo programa de privatizações, corte nos gastos sociais, criação de impostos e forte redução das políticas sociais, restringindo os recursos destinados a atender aos segmentos excluídos da população.

Além disso, as decisões governamentais sobre políticas públicas mantêm-se centralizadas na esfera federal, desrespeitando o princípio constitucional de descentralização. Por isso, novo pacto federativo precisa ser celebrado, de modo a fortalecer, política e institucionalmente, as outras duas esferas de poder do Estado, sobretudo os municípios, que historicamente sempre foram esvaziados de poder, exatamente por serem a instância mais próxima dos cidadãos e, como tal, passível de ser diretamente pressionada pelas demandas populares e controlada pela sociedade com maior facilidade. Não basta, entretanto, descentralizarem-se prerrogativas, funções e decisões. É necessário também a transferência de recursos públicos suficientes para que estados e municípios possam cumprir a contento as responsabilidades que lhes foram atribuídas pela Constituição Federal de 1988 com a descentralização.

Ademais, registre-se o empenho da sociedade civil brasileira na construção da esfera pública de participação, base essencial da democracia, que, por sua vez, deve expressar a complexidade da sociedade e supõe a presença ativa do sujeito político coletivo. Com efeito, a esfera pública contribui para que os cidadãos identifiquem seus interesses comuns, definam a melhor forma de coordená-los e direcioná-los para o centro das decisões políticas, nas quais adquirem legitimidade. É na esfera pública, portanto, que a sociedade civil exercita a democracia participativa na relação com o Estado.

1. A realidade brasileira na perspectiva dos direitos sociais e das políticas públicas na atual conjuntura

Para compreender a realidade brasileira na atual conjuntura, é necessário voltar no tempo para identificar fatos e situações cujos reflexos se fazem sentir no presente e projetam luz sobre o futuro, sempre em relação aos direitos sociais e às políticas públicas.

Destacaria, entre outros, os seguintes acontecimentos:

1.1. Jornadas de Junho

Em junho de 2013, no Brasil, sem que ninguém esperasse, sem líderes partidários ou sindicais e sem o apoio da mídia, explodiu de forma espontânea, pelos quatro cantos do país, um grito de indignação e revolta motivado inicialmente pelo aumento de 20 centavos no preço das tarifas de ônibus, difundindo-se pelas redes sociais e levando multidões a ocupar as ruas em mais de 350 cidades brasileiras.

“Passe livre” era a principal palavra de ordem ouvida, por entenderem os manifestantes que o transporte público é um direito social, historicamente negado pelos governos das grandes cidades brasileiras, cujo sistema de transporte está a serviço da indústria do automóvel e é subsidiado pelo governo, enquanto o usuário tem de pagar caro por um serviço de péssima qualidade. Bradavam também: “Não são só os centavos, são nossos direitos”, ampliando as exigências para educação e saúde públicas de qualidade. Reivindicavam ainda o fim da corrupção e acrescentavam: “Vocês não nos representam; queremos participar”. A respeito da Copa do Mundo de futebol no Brasil, escreveram em um cartaz: “Trocamos dez estádios por um hospital decente”. Esse foi o grito de guerra da multidão que tomou as ruas do Brasil por cerca de um mês. Segundo pesquisas, mais de 75% dos brasileiros apoiavam o movimento duas semanas após o seu início na Avenida Paulista, enquanto a maioria da classe política o rechaçou por considerá-lo “demagógico e irresponsável”. No entanto, a então presidente Dilma Rousseff declarou que “tinha a obrigação de escutar a voz das ruas”, recomendando às autoridades locais que cancelassem os aumentos das tarifas de transporte e recebendo em audiência representantes do Movimento Passe Livre. Ficou a lição, mas os desdobramentos não foram o esperado. Depois de algum tempo, ninguém falava mais no assunto.

Contudo, a partir das Jornadas de 2013, o país já não era o mesmo. Na esteira daquela inesperada explosão de massa, emergiu uma crise política sem precedentes, há tempos em gestação, que eclodiu após os resultados das eleições presidenciais de 2014. Com a reeleição da então presidente Dilma Rousseff para um segundo mandato, após ter vencido no segundo turno o candidato do PSDB, senador Aécio Neves, por uma margem de votos relativamente pequena, reproduzindo assim a histórica polarização entre PT e PSDB, o candidato derrotado declarou guerra ao governo reeleito e entrou com representação na Justiça Eleitoral, questionando os resultados proclamados.

1.2. O golpe parlamentar de 2016

Desde o início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, desencadeou-se uma crise política que assumiu contornos de muita gravidade, gerando um ambiente de instabilidade, frustração e desalento. Somou-se ao impasse político o agravamento da crise econômica, o qual suscitou uma polêmica em torno do fato, denunciado pela oposição, de que, durante a campanha eleitoral, a presidente teria omitido à sociedade a real situação das finanças públicas do país. A partir de então, a situação foi se agravando sempre mais, pois, além das crises política e econômica, surgiram graves denúncias de corrupção dos governos petistas, o que deu origem ao chamado “Petrolão”, envolvendo lideranças do PT e de vários outros partidos políticos da base governista.

Outras gravíssimas denúncias de corrupção contribuíram para engrossar o caldo da crise política e geraram a “Operação Lava Jato”, que passou a assombrar o mundo da política brasileira até os dias de hoje, pois envolveu o governo e a quase totalidade dos partidos políticos de sua base, além de grande número de empresários em âmbito nacional e internacional. Esses fatos engendraram processos judiciais e cassações de mandatos parlamentares – entre outros, a do ex-presidente da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha, do MDB do Rio de Janeiro, investigado, processado e condenado a muitos anos de prisão, já cumprindo pena em Curitiba-PR. Sob sua presidência é que um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff foi aceito e aprovado em sessão da Câmara dos Deputados em 17 de abril de 2016, dia que, na história do Brasil, ficará marcado como aquele em que a soberania do voto popular, um dos pilares da Constituição cidadã de 1988, foi violada e o poder popular foi usurpado por um golpe parlamentar perpetrado contra a presidente da República sem o necessário fundamento legal. A consciência democrática do Brasil e de outras nações soberanas do mundo se levantou para denunciar o golpe que cassou o mandato, conquistado democraticamente nas urnas, da primeira mulher eleita presidente da República.

1.3. Medidas de ajuste fiscal: um ataque aos direitos sociais

A expressão “ajuste fiscal” é frequentemente usada e aceita quase sem questionamento, por falta de compreensão do seu real significado e de suas implicações. Na prática, ajuste fiscal significa a implantação de políticas e medidas econômicas orientadas à disciplina, ao rigor e ao controle econômico e social, como resposta do Estado à crise do sistema financeiro, do déficit público e do modelo econômico neoliberal, só que os altos custos de tal política de austeridade recai sempre sobre o conjunto da sociedade, no caso, os cidadãos e cidadãs brasileiros. Com efeito, a política de ajuste fiscal é a que o governo Temer adotou, indiferente aos danos resultantes do aumento da desigualdade, do empobrecimento e do mal-estar social.

Medidas de ajuste fiscal implicam contenção das despesas sociais do Estado; cortes salariais, de pensões e subsídios; flexibilização do direito ao trabalho; reforma do sistema de saúde; injustiça tributária; privatizações do patrimônio público, significando tudo isso a naturalização das desigualdades. Além disso, o processo de ajuste fiscal segue uma lógica e envolve uma dinâmica política que resultam da atuação do governo, da mídia, dos burocratas e dos ideólogos ocupados em difundir a falsa ideia de que a “culpa” pela situação da crise econômica seria de todos os indivíduos, fazendo-os “pagar” e acreditar que foram suas ações e o modo de vida imprudente das famílias que contribuíram para a situação de crise.

As propostas encampadas sob o nome de ajuste fiscal seguem dupla lógica de ação. De um lado, o Estado detém o monopólio da austeridade, instrumento pelo qual assume as tarefas de combater a crise, para evitar a falência do país, e de proteger os indivíduos da incerteza em relação ao futuro. De outro lado, promove-se o desmonte dos mecanismos de proteção social, cujo foco é a seguridade social e os direitos sociais, mediante a privatização do patrimônio público, a individualização dos riscos sociais e a mercantilização da vida social. Enfim, o ajuste fiscal e a responsabilidade fiscal retomam, de modo invertido, o tema da equidade. Invocam uma “ética social” com a “justa repartição dos sacrifícios”, ignorando, de propósito, o fato de que a distribuição desigual dos sacrifícios, numa sociedade econômica e socialmente muito desigual, é vantajosa para os mais ricos, em detrimento da maioria do povo brasileiro.

1.4. Dois anos do governo (ilegítimo) de Michel Temer

O governo Michel Temer, como se sabe, foi fruto de um golpe parlamentar forjado pelo seu partido, o MDB, e por ele mesmo, quando vice-presidente da República, com a clara intenção de assumir o poder, usurpando a soberania do voto popular, e tentar encobrir os crimes de corrupção de sua responsabilidade e de seus asseclas, todos em dívida com a Justiça, como ficou comprovado pela Operação Lava Jato. O referido golpe contou com a defesa da grande mídia e do mercado financeiro, que influenciam a política econômica do governo golpista como contrapartida ao indisfarçável apoio dado por eles ao impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A partir daí, as agendas política e econômica do governo mudaram radicalmente, no sentido de implementar, a toque de caixa, uma política de ajuste fiscal apoiada incondicionalmente pela maioria do Congresso Nacional, que sancionou o golpe parlamentar e, desde então, se mantém de costas para a sociedade, aprovando todas as medidas perversas contra os/as trabalhadores e contra o povo em geral. A propósito, é bom lembrar que foi esse mesmo Congresso que, em duas oportunidades, negou a autorização para que Temer fosse investigado em casos de comprovada corrupção, nos quais estão implicados praticamente todos os seus aliados mais próximos e membros de outros partidos que deram sustentação ao seu governo.

Além disso, essas mesmas forças políticas que atuavam no poder legislativo promoveram, junto com o governo, o desmonte dos direitos conquistados pelo povo brasileiro, senão vejamos.

Para deleite das petrolíferas estrangeiras, uma das prioridades do governo Temer foi atacar os interesses nacionais, como a presença obrigatória da Petrobrás nos serviços de exploração do pré-sal, abrindo mão de parte significativa de nossas riquezas estratégicas. Esses mesmos conglomerados estrangeiros receberam bilionária isenção fiscal em tempos em que alegadas dificuldades fiscais servem de pretexto para retirar direitos de trabalhadores e aposentados.

O governo apresentou e o Congresso aprovou a PEC do teto, que gerou a Emenda Constitucional n° 95/2017, congelando os gastos públicos nos próximos 20 anos, sem que se cogitasse nenhuma medida de justiça fiscal ou de auditoria do serviço da dívida pública, e empurrando a conta para os trabalhadores, os que mais precisam dos serviços públicos e da presença do Estado.

O governo interferiu nas relações entre o capital e o trabalho, em prejuízo do segundo, ao legalizar a terceirização nas áreas-fins; promoveu uma reforma trabalhista para flexibilizar a legislação e atender aos interesses do empresariado, enfraquecendo os sindicatos dos trabalhadores.

O governo realizou uma reforma eleitoral antidemocrática para beneficiar os partidos maiores e que estão no poder, tentando tirar da disputa partidos programáticos e com bancadas menores.

O governo regulamentou o sistema fundiário de modo a beneficiar a concentração da terra; flexibilizou obrigações ambientais e trabalhistas; abriu caminho para a regularização da grilagem; fragilizou o controle da fronteira agrícola na Amazônia; facilitou a legalização de condomínios de luxo sem contrapartidas; retirou critérios legais de defesa da segurança nacional ao permitir a privatização em massa do patrimônio da União, notadamente as áreas da marinha e de fronteira.

O governo promoveu retrocessos contra as mulheres e os direitos humanos. Uma das primeiras medidas de Temer, ainda como presidente interino, foi extinguir os Ministérios das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, transformando-os em meras secretarias, sob a aba do Ministério da Justiça e Cidadania. Tais alterações na estrutura do poder executivo demonstraram o descompromisso daquele governo com as pautas das mulheres, dos negros, da juventude e dos direitos humanos em geral.

O mais grave é que essas medidas e tantas outras constituíram o pagamento da fatura aos grupos econômicos internos e externos que conspiraram para derrubar Dilma Rousseff, eleita democraticamente, o que afrontou a Constituição Federal de 1988 e atentou contra a democracia brasileira.

1.5. Políticas públicas do governo democrático-popular da cidade de São Paulo (1989-1992)

O primeiro governo democrático-popular no município de São Paulo desenvolveu, durante os quatro anos de gestão, um plano de ação baseado em dois eixos programáticos:

– governar para a maioria, com inversão de prioridades;

– governar com participação popular.

Quanto ao primeiro eixo, nosso governo investiu prioritariamente nas políticas públicas de saúde, educação, cultura, habitação, assistência social, transporte coletivo, saneamento básico, infraestrutura urbana e preservação do meio ambiente. Para isso, destinamos, anualmente, mais da metade dos recursos orçamentários às áreas sociais.

Quanto à participação popular, segundo eixo orientador da ação do governo, criamos diversos mecanismos de participação, tais como: conselho gestor em cada equipamento da prefeitura; conselhos setoriais ligados às respectivas políticas sociais, formados por representantes dos usuários dos serviços e dos servidores de cada uma das unidades, secretarias e órgãos da administração, adotando metodologia e processos de envolvimento da participação dos segmentos sociais populares nas decisões estratégicas do governo. Destacaríamos, entre outras, as plenárias do orçamento participativo nos níveis setorial, regional e municipal, com base nas quais o governo elaborava a lei orçamentária anual, encaminhada posteriormente à Câmara Municipal para ser avaliada e votada. Dessa forma, a população interferia na definição das prioridades, participando, portanto, das decisões políticas mais importantes do governo – pois não há decisão governamental mais importante do que a que define as prioridades orçamentárias. O processo de discussão se dava por meio de plenárias populares regionais, setoriais e municipal, no momento em que se definiam prioridades, objetivos e metas.

Além desses, outros mecanismos de participação foram criados, como as Coordenadorias Especiais da Mulher, do Negro, da Juventude, das Pessoas com Deficiência, dos Idosos. Eram coletivos ligados a diversos segmentos da sociedade civil e integrados por pessoas escolhidas pelos seus respectivos movimentos para representar seus interesses quando da definição das políticas setoriais do governo.

O método democrático de gestão e a atenção voltada, prioritariamente, para os interesses da maioria da população da cidade foram as principais marcas do governo democrático-popular do município de São Paulo durante o período de 1989 a 1992. O êxito daquela rica experiência se deveu principalmente a dois fatores: o apoio e a participação imprescindíveis dos setores populares organizados da sociedade paulistana e os excelentes quadros que compuseram o primeiro escalão do governo, ou seja, o secretariado. Citaria, entre outros(as), o mestre Paulo Freire e o respeitável professor Paul Singer, secretários de Educação e de Planejamento, respectivamente. Ambos, lamentavelmente, já não estão entre nós; deixaram precioso legado às futuras gerações. Aproveitamos, pois, a oportunidade para homenageá-los e, por meio deles, a todos os admiráveis brasileiros e brasileiras que conosco governaram a cidade de São Paulo e aos quais pertencem os méritos da gestão.

Conclusão

Queremos destacar, finalmente, a oportunidade do tema central da Campanha da Fraternidade de 2019: “Fraternidade e políticas públicas”, visto que, na atual conjuntura, são registradas enormes perdas das conquistas sociais e dos direitos de cidadania do povo brasileiro, como efeitos perversos de uma crise multifacetada que penaliza, sobretudo, a população mais pobre do país.

Ao golpe parlamentar de 2016, seguiu-se o governo ilegítimo e fraudulento de Michel Temer, rearticulador das forças conservadoras de direita que tomaram de assalto o poder conquistado democraticamente nas urnas. Desde então, instalou-se no país um ambiente de instabilidade, frustração e desalento, com elevado potencial de desmobilização e paralisia das organizações sociais progressistas, o que passou a ser mais uma expressão da crise.

Esperamos que a Campanha da Fraternidade contribua para despertar a consciência dos cristãos e cristãs no sentido de reafirmarem seu compromisso de fé e retomarem, com coragem e determinação, a luta por justiça social e pela igualdade de direitos para todos e todas.

É preciso reagir ao desalento e à desesperança, sentimentos conservadores paralisantes, substituindo-os pela esperança, que, ao contrário, é revolucionária e transformadora. Voltemos, pois, a nos inspirar no saudoso pastor e profeta da esperança dom Paulo Evaristo Arns, que nos animava ao repetir sem cessar: “Coragem! De esperança em esperança, ter esperança sempre!”, e acrescentava: “A esperança subsiste e se torna força de resistência mesmo nas situações mais adversas”.

Referências bibliográficas 

DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.

FERREIRA, Mary (Org.). Mulher, gênero e políticas públicas. São Luís: Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e Relações de Gênero (Redor); Núcleo de Estudos e Pesquisa Mulher e Relações de Gênero/UFMA; Grupo de Mulheres da Ilha, 1999.

JACOB, Pedro. Movimentos sociais e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1998.

NASCIMENTO, Mariângela. A esfera pública na democracia brasileira: uma reflexão arendtiana. In: CORREIA, Adriano; NASCIMENTO, Mariângela (Org.). Hannah Arendt: entre o passado e o presente. Juiz de Fora: UFJF, 2008.

Sobre a autora:

Luiza Erundina de Sousa

Luiza Erundina de Sousa é assistente social pela Universidade Federal da Paraíba, mestre em Sociologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e deputada federal (PSOL-SP). Foi vereadora, deputada estadual, prefeita do município de São Paulo pelo PT e ministra-chefe da Secretaria da Administração Federal no governo Itamar Franco.

Fonte:

www.vidapastoral.com.br

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Sobre a oportunidade singular criada pela CF 2019 https://observatoriodaevangelizacao.com/sobre-a-oportunidade-singular-criada-pela-cf-2019/ Mon, 18 Feb 2019 17:36:48 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=29823 [Leia mais...]]]> Este artigo propõe uma reflexão sobre a Campanha da Fraternidade de 2019, com o tema “Fraternidade e políticas públicas” e o lema “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27). O autor nos questiona: O que são políticas públicas? Como são construídas? E nós, movidos pelos valores do evangelho, que contribuição podemos dar a esse processo? 

Por Luis Fernando da Silva


Introdução

O tempo quaresmal é itinerário fecundo que prepara toda a Igreja para a celebração dos mistérios pascais. Celebrar a Páscoa é caminhar com Jesus e a comunidade de seus seguidores para Jerusalém. Ao longo da caminhada, Jesus vai revelando o seu projeto salvífico de libertar o ser humano das amarras do pecado e da morte.

Nesse sentido, a Campanha da Fraternidade (CF) é um instrumento valioso, que serve a toda comunidade como apoio e motivação para a conversão social. Cada ano, em cada temática aprofundada, são apresentadas situações que ferem a dignidade humana, e assim a Igreja faz um apelo para que, enquanto sociedade, nos convertamos, buscando um agir mais pautado pelo evangelho.

A reflexão proposta pelo tema da CF deste ano convida-nos a compreender: O que são políticas públicas? Como são construídas? E nós, movidos pelos valores do evangelho, que contribuição podemos dar a esse processo? 

1. O bem comum e o cotidiano do povo

O tema escolhido para a Campanha da Fraternidade deste ano, “Fraternidade e políticas públicas”, tem o objetivo de estimular a participação em políticas públicas, à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja, para fortalecer a cidadania e o bem comum, sinais de fraternidade.

Trata-se de tempo propício para refletirmos sobre essa temática, pois, nos últimos anos, tem se verificado no Brasil uma complexa realidade na convivência entre os três poderes, e estamos inaugurando novo período em nosso país com o novo executivo, eleito em outubro passado juntamente com o legislativo.

A participação da população não se encerra com o voto. Pelo contrário, ali se inicia o compromisso de acompanhar os eleitos para que garantam à população seus direitos elementares, façam bom uso do dinheiro público e em tudo zelem pelo bem comum, que pressupõe sempre justiça, transparência e equidade. 

Refletir sobre políticas públicas é importante para entender a maneira pela qual elas atingem a vida cotidiana e o que pode ser feito para que sejam efetivas, além de acompanhá-las com uma boa fiscalização, pois só assim são aprimoradas. Tal reflexão contribui ainda para a distinção entre “política” e “política pública”, oportuna sobretudo por causa da semelhança entre as palavras, que pode gerar confusões, sugerindo que possuem o mesmo significado. 

A palavra “política” vem do grego politikós, que se refere a pólis, o lugar onde os gregos tomavam as decisões em vista do bem comum; era o espaço para garantir a ordem e estabilizar a sociedade de maneira pacífica, sendo marcado pelo conjunto de interações e conflitos de interesses.

A política direciona a vontade daqueles que participam dela, estando em toda parte, e não somente na ação do Estado. Ou seja, a política está na arte, nas relações de trabalho, nas empresas, nos clubes, nas associações etc.

O conceito de políticas públicas é recente, e seu entendimento tem diferentes interpretações. Há uma correlação entre as políticas públicas e as ciências sociais, as ciências políticas, as ciências econômicas e as ciências da administração pública. Essas grandes áreas contribuem para compreendermos o que é política pública e sua influência no cotidiano da população.

As políticas públicas, portanto, representam soluções específicas para necessidades e problemas da sociedade. São ações do Estado, que busca garantir a segurança e a ordem por meio da garantia dos direitos, e expressam, em geral, os principais resultados oriundos da presença do Estado na economia e na sociedade brasileira (CNBB, 2018, n. 15).

Podemos resumir, afirmando que política pública é a ação do governo e a sua relação com as instituições da sociedade, bem como com atores individuais e coletivos que buscam uma solução para determinado desafio. Essa solução necessariamente deve respeitar aquilo que já está garantido na Constituição Federal e em outras leis federais, estaduais e municipais. Ou seja, o governo, as instituições e os indivíduos da sociedade precisam estar articulados para que os direitos garantidos por lei sejam de fato os direitos de todos, não só de alguns. 

Deveria fazer parte do cotidiano do povo acompanhar essas articulações. Não podemos simplesmente delegar isso a alguns e lavar as mãos. Precisamos participar, pois nossa participação é sementeira produtiva para que sempre nasça e cresça para todos o bem comum.

Diante da realidade apresentada, cabe-nos responder a algumas perguntas: Quais são as luzes e as sombras da democracia hoje? Como fazer políticas públicas? Como fazer crescer a participação do povo?

1.1. Sociedade democrática: luzes e sombras

O Brasil é um país democrático: nele o exercício do poder emana do povo, que, com liberdade, escolhe homens e mulheres para o representarem na gestão da Federação, dos estados e dos municípios, executando as leis, criando novas e fiscalizando a execução de todas.

A Constituição Federal de 1988 possibilitou introduzir no panorama político brasileiro o que está afirmado no parágrafo único do artigo 1º: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, de modo que foram criados mecanismos para o exercício de uma democracia direta, tais como os plebiscitos, os referendos e os projetos de lei de iniciativa popular. Possibilitou, ainda, que a gestão das políticas ligadas à seguridade social fosse descentralizada e tivesse a participação direta da sociedade civil (artigos 194, 198, 204, 206 e 227).

Compreender melhor o papel e o sentido das políticas públicas, despertar a consciência e incentivar a participação de todo cidadão na construção dessas ações em âmbito nacional, estadual e municipal constitui um dos objetivos específicos desta CF, bem como propor políticas que assegurem os direitos sociais dos mais frágeis e vulneráveis, trabalhando para que as políticas públicas eficazes de governo se consolidem como políticas de Estado. Mais uma vez, asseguramos a importância da presença da Igreja católica, por meio do clero e dos leigos, em busca de participação na resolução dos problemas sociais e em todo o processo de formulação das políticas públicas (CNBB, 2018, n. 21). 

Nos últimos anos, temos vivido uma crise do modelo da democracia representativa, em que as tomadas de decisões ficam a cargo de técnicos e agentes políticos, sobretudo, em razão da complexidade da sociedade e de seus interesses. As pessoas já não se sentem representadas pelos que ocupam cargos eletivos (presidente, governadores, prefeitos, deputados, senadores e vereadores).

Contudo, não é só a instituição política que sofre com essa crise, mas também diversas instituições tradicionais, como escolas, movimentos sociais, sindicatos. Tais instituições vivem em crise de representatividade. Dessa maneira, cada vez mais pessoas tendem a participar e reivindicar o direito à participação no processo decisório.

As diferentes pessoas e organizações envolvidas no debate sobre políticas públicas e na participação nessas políticas são conhecidas como atores sociais, podendo ser indivíduos, grupos, movimentos sociais, partidos políticos, instituições religiosas, organizações públicas e privadas. A interação acontece na esfera pública, mas é também aí onde ocorrem os conflitos, as disputas, a cooperação e a negociação, para confrontar ou apoiar a implementação de determinada política pública. 

A democracia parece passar por uma noite escura paradoxal: por um lado, há descrença nos líderes; por outro, existe o desejo de envolvimento nos processos participativos – apesar de que, na maioria das vezes, os que querem se envolver não o fazem.

É preciso lançar luzes sobre esse processo por meio do envolvimento, da participação, do sentir-se corresponsável da luta pelos direitos. Cabe recordar que, se alguns passam situações difíceis por causa das chamadas crises, existem tantos mais vulneráveis que possuem menos ou não possuem nada. Em tempos difíceis, não podemos nos esquecer dos pobres. Por eles vale a pena cada processo que visa à participação em função do bem comum. 

1.2. Como fazer políticas públicas?

Não podemos cair na tentação de achar que a elaboração das políticas públicas é algo restrito a um grupo seleto da sociedade – apesar de, infelizmente, muitas vezes isso acontecer.

A elaboração das políticas públicas nasce de um desejo sincero de dialogar. Todos os homens e mulheres são candidatos e autorizados ao diálogo; neste, todos são bem-vindos: indivíduos, organizações, instituições públicas e privadas. O diálogo desses grupos sempre deve visar ao bem comum de todos, e o direito a tudo aquilo que envolve o bem comum já está garantido na Constituição.

Esse caminho deve ser concreto, partindo sempre da realidade, dos dados, dos fatos para, com base neles, em conjunto, tentar responder às perguntas: O que podemos fazer juntos? Como vamos fazer? O que a lei já nos garante? Com isso temos um panorama das situações, e a partir daí vai se desenhando um caminho. 

Por fim, com base em todas as informações do processo de formulação das políticas públicas, tem-se então a estrutura desenhada e a política pública formulada. Como exemplos, podemos citar o Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Sistema Nacional da Juventude (SNJ), o Sistema Nacional dos Direitos Humanos etc. 

Uma vez que a política pública é desenhada e implementada, precisa estar em constante avaliação. Sem avaliação, tem-se a tendência de fazer as mesmas coisas sempre do mesmo jeito, e isso não ajuda a avançar. A avaliação ajuda a perceber o que é positivo e o que não é e abre novas vias para novos processos. E o mais importante: isso sempre deve ser feito em constante diálogo entre todas as partes. Vale reforçar que a elaboração das políticas públicas é um esforço conjunto.

1.3. Fazer crescer a participação

Participar efetivamente da elaboração das políticas públicas requer mais do que apenas votar nas eleições ou sugerir demandas pontuais: é estar presente nos mais diversos mecanismos de participação, garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, que colaboram na tomada de decisões, na implementação, na avaliação e no monitoramento dessas políticas.

Historicamente, a humanidade superou diversas dificuldades com ações e decisões coletivas. Portanto, podemos afirmar que a participação é essencial no desenvolvimento das sociedades. Estar presentes nos espaços e canais de participação cidadã é ser protagonistas da execução das políticas públicas e fazer ouvir as demandas e necessidades da população.

Entre as formas mais comuns de participação estão: audiências públicas, conselhos gestores ou de direitos, conferências, fóruns e reuniões, organizações da sociedade civil e movimentos sociais.

Cabe aqui um aceno especial à juventude. É preciso estimular os jovens a se sentirem atores sociais no processo de construção das políticas públicas.

Faz-se necessário um resgate da importância dos movimentos sociais. Estes já ajudaram o país a dar passos muito importantes e podem colaborar ainda mais no controle social, na fiscalização dentro dos conselhos gestores de políticas públicas, de modo deliberativo, tendo em vista sempre o bem comum. 

Dessa forma, a democracia vai ganhando, cada vez mais, rosto participativo. A não participação faz que os conselhos gestores das políticas públicas percam força, limitando a fiscalização a agentes públicos.

Não obstante, nos últimos anos, tem crescido o processo de criminalização dos movimentos sociais, no sentido de frear a atuação dos defensores da luta social no Brasil, impondo-lhes dificuldades de atuação e articulação, o que, na maioria dos casos, significa a criminalização legal ou administrativa, por meio de indicação e processos legais ou da difamação pública dos movimentos, de seus objetivos e de suas manifestações públicas. Essas forças contrárias não podem ser um desestímulo; pelo contrário, devem dar maior impulso. Com efeito, se os movimentos sociais estão incomodando, isso é sinal de que estão no caminho certo, pois tiram a sociedade da letargia e questionam a possibilidade de novas ações articuladas.

2. Serás libertado pelo direito e pela justiça (Is 1,27)

O lema bíblico escolhido para iluminar a CF-2019 foi extraído do livro do profeta Isaías: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27).

A Sagrada Escritura utiliza, no Antigo Testamento, a palavra, mishpat (direito), para designar a ordem justa da sociedade, em sentido objetivo. Uma vez que nem sempre essa ordem é respeitada na vida real, a referida palavra vem invariavelmente acompanhada de outra, sedáqâ (justiça), designativa da obrigação moral do direito em sentido subjetivo, interno, que torna possível vivê-lo a fundo (SICRE, 1990, p. 600). Assim, a “justiça” obriga moralmente a pessoa a se preocupar com os mais pobres do povo, representados pela tríade: viúva, órfão e estrangeiro, para que haja o direito na sociedade (CNBB, 2018, n. 127).

2.1. A Palavra de Deus ilumina
a luta pelos direitos

A Palavra de Deus é luz para todos os que se empenham na participação e na construção das políticas públicas. Deus se compadece do seu povo sofrido e não deixa de se envolver, de fazer aliança. Mesmo quando o povo se afasta, Deus encontra novos modos de se achegar e renovar a sua aliança.

No Antigo Testamento, tanto no Pentateuco quanto na literatura dos profetas, encontramos uma tríade dos chamados pobres de Deus: “órfão, viúva e estrangeiro”, categorias desprezadas no antigo Israel, porém não desprezadas por Deus, que sempre se coloca do lado dos pobres.

Deus se revela como aquele que viu a miséria do seu povo e ouviu o seu clamor, descendo para libertá-lo (cf. Ex 3,7-8). Por isso, essa experiência libertadora constituiu o centro da fé do povo de Israel (cf. Dt 26,5-9) e o paradigma da pregação dos profetas, que tentam reorientar a vida do povo em direção à justiça, pois, para conhecer a Deus, é necessário praticá-la. Eles proclamam, por isso, sem cessar, o direito do pobre. Acentuam não o direito do possuidor, mas sim o dos que nada possuem.

No Novo Testamento, deparamos com Jesus de Nazaré, Filho de Deus, que assumiu a condição humana, nascendo pobre entre os pobres. 

Ele passou de aldeia em aldeia anunciando o Reino de Deus e fazendo o bem a todos. O evangelho o mostra sempre próximo dos pobres. O contexto do nascimento de Jesus foi marcado pelos desmandos do império romano, um sistema causador de injustiça que colocava os mais vulneráveis sempre à margem, privados dos direitos mais básicos, como o alimento, a saúde e a dignidade. 

Jesus não é mero observador, mas se envolve na vida do seu povo, participa e incentiva os seus seguidores a participar. Com sua ação, ele vai devolvendo aos pobres o que lhes foi tirado. O povo não tinha pão, Jesus partilha o pão; o povo não tinha saúde, Jesus cura os doentes; muitos do povo eram colocados à margem da sociedade, Jesus os traz para o centro.

Jesus não só agiu para o povo e pelo povo, mas também ensinou seus discípulos a fazer o mesmo: “Dei-vos o exemplo para que vades e façais o mesmo” (Jo 13,15).

2.2. A Igreja pobre para os pobres: continuadora da missão de Jesus

A Igreja é continuadora da missão de Jesus. Ao longo de sua história, não faltaram pessoas que, movidas pelos valores do Reino de Deus anunciado por Jesus, se comprometeram com a causa dos mais pobres e lutaram para lhes garantir o direito e a justiça.

O Concílio Vaticano II convidou a Igreja do novo milênio que estava por vir a “ler os sinais dos tempos”:

As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história. Por isso, o Concílio Vaticano II […] não hesita agora em dirigir a sua palavra, não já apenas aos filhos da Igreja e a quantos invocam o nome de Cristo, mas a todos os homens (GS 1).

O papa Bento XVI, em seu ensinamento social, ao falar da participação conjunta dos seres humanos, afirma a necessidade do princípio da gratuidade como expressão da fraternidade e atesta que esta sempre nasce da relação com Deus:

Enquanto dom recebido por todos, a caridade na verdade é uma força que constitui a comunidade, unifica os homens segundo modalidades que não conhecem barreiras nem confins. A comunidade dos homens pode ser constituída por nós mesmos; mas, com as nossas simples forças, nunca poderá ser uma comunidade plenamente fraterna nem alargada para além de qualquer fronteira, ou seja, não poderá tornar-se uma comunidade verdadeiramente universal: a unidade do gênero humano, uma comunhão fraterna para além de qualquer divisão, nasce da convocação da palavra de Deus-Amor. Ao enfrentar esta questão decisiva, devemos especificar, por um lado, que a lógica do dom não exclui a justiça nem se justapõe a ela em um segundo tempo e de fora; e, por outro, que o desenvolvimento econômico, social e político precisa, se quiser ser autenticamente humano, dar espaço ao princípio da gratuidade como expressão de fraternidade (BENTO XVI, 2009, p. 34).

O papa Francisco, ao falar da dimensão social da evangelização, insiste no diálogo como caminho concreto para alcançar o bem comum:

A evangelização implica também um caminho de diálogo. Neste momento, existem sobretudo três campos de diálogo onde a Igreja deve estar presente, cumprindo um serviço a favor do pleno desenvolvimento do ser humano e procurando o bem comum: o diálogo com os Estados, com a sociedade – que inclui o diálogo com as culturas e as ciências – e com os outros crentes que não fazem parte da Igreja católica. Em todos os casos, “a Igreja fala a partir da luz que a fé lhe dá”, oferece a sua experiência de dois mil anos e conserva sempre na memória as vidas e sofrimentos dos seres humanos. Isto ultrapassa a razão humana, mas também tem um significado que pode enriquecer a quantos não creem e convida a razão a alargar as suas perspectivas (FRANCISCO, 2013, n. 238).

Por isso, na ação pastoral da Igreja, deve ser estimulada a participação das comunidades eclesiais, em parceria com outras instituições privadas ou públicas, bem como com movimentos populares e entidades da sociedade civil, “em favor da implantação e da execução de políticas públicas voltadas para a defesa e a promoção da vida e do bem comum, segundo a Doutrina Social da Igreja” (CNBB, 2015, n. 124).

3. Participar com espírito cidadão em vista do bem comum

Texto-base da CF-2019 apresenta pistas de ações muito concretas para estimular a participação de toda a Igreja e da sociedade na elaboração das políticas públicas. Mesmo que na participação popular permaneçam “encontros e desencontros”, é nela que se consolida a realização e a missão humana na terra, e é ela também que nos possibilita ser sujeitos e assim fazer da sociedade um “lugar” de aconchego, para que a vida seja plena independentemente do “local social” em que se desenvolve.

Assim, vamos resgatar as pistas de ação da CF-2019, para que nos estimulem a ser um povo que participa com espírito cidadão em vista do bem comum.

a) Participação:

• buscar uma participação mais efetiva, com a atuação voluntária nas pastorais sociais, esforçando-se por priorizar a solicitude e o cuidado com as pessoas em situações de marginalização, exclusão e injustiça, como o empenho sociopolítico da ação evangelizadora da Igreja nas complexas questões sociais ameaçadoras da vida; 

• estimular o uso dos serviços públicos de forma consciente, organizada e cuidadosa, valorizando e respeitando sempre os profissionais que lá trabalham, com vistas ainda a melhor otimização dos recursos existentes;

• pensar em formas de contribuir para a resolução de situações agravantes dos direitos sociais, considerando as capacitações requeridas para as ações de enfrentamento da realidade identificada;

• promover seminários, debates, rodas de conversa ou outras formas de encontros, com estabelecimento de metas e estratégias de sensibilização e mobilização, tendo em vista contribuir com a necessária reforma política e renovação do quadro de agentes políticos nos três níveis de governo (União, estados e municípios);

• estimular a participação de pessoas idôneas e de caminhada ilibada, como verdadeiros discípulos missionários, no bem comum, por um processo político de pleno exercício da cidadania e isento de interesses não condizentes com a grande maioria da população;

• estimular a criação de observatórios sociais pelo país, em âmbito municipal, estadual e/ou nacional, com membros competentes e idôneos e com estrutura mínima de ouvidoria, diagnóstico, pesquisa, comunicação e monitoramento das iniquidades e/ou inconsistências, para que se tornem uma referência de seriedade e um porto seguro e isento para qualquer cidadão brasileiro;

• estimular a participação dos cristãos leigos e leigas na política. Há necessidade de romper o preconceito comum de que a política é coisa suja e conscientizar os leigos e as leigas de que ela é essencial para a transformação da sociedade;

• impulsionar os cristãos a construir mecanismos de participação popular que contribuam para a democratização do Estado e para o fortalecimento do controle social e da gestão participativa;

• incentivar e preparar os cristãos leigos e leigas para participarem de partidos políticos e serem candidatos para o executivo e o legislativo, contribuindo, deste modo, para a transformação social;

• mostrar aos membros das nossas comunidades e à população em geral que há várias maneiras de tomar parte na política: nos Conselhos Paritários de Políticas Públicas, nos movimentos sociais, nos conselhos de escola, na coleta de assinaturas para projetos de lei de iniciativa popular, nos comitês da Lei nº 9.840/99 de combate à corrupção eleitoral e da Lei nº 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa.     

b) Cidadania:

• incentivar as comunidades a promover seminários, cursos e encontros de conscientização e formação política que visem desenvolver a participação cidadã cada vez mais responsável dos cristãos;

• fortalecer canais de participação efetiva da sociedade e de suas entidades representativas na formulação, na implantação e no controle das políticas públicas. Por exemplo, a participação em conselhos de Controle Social, em suas diversas instâncias, constituindo espaços privilegiados para o alcance desse objetivo;

• articular a participação efetiva de membros das comunidades nas instâncias colegiadas do Controle Social nas políticas públicas (Conselhos de Saúde e/ou Educação e/ou Segurança Pública, Conferências de Saúde e/ou Educação e/ou Segurança Pública), nas três esferas de governo, oferecendo o respaldo necessário e o acompanhamento adequado nesse trabalho;

• reivindicar atendimento humanizado, acolhedor, de qualidade e digno a todo cidadão em qualquer estabelecimento público;

• dar continuidade às discussões iniciadas com as CFs de 2012, 2015 e 2017, reforçando a necessidade de um equilíbrio justo e oportuno de todos os brasileiros nos campos sociais, como a saúde pública, a sociedade em geral e a segurança pública;   

• estabelecer parcerias com Defensoria Pública, Controladoria Geral, Advocacia Geral, Procuradoria, Procon, Ministério Público, Fóruns de Justiça, entre outros, para acompanhar e denunciar situações de irregularidades na condução da coisa pública.

c) Bem comum:

• conhecer serviços mediante os quais a Igreja se faz solidária aos pequeninos das nossas comunidades e empenha-se pela superação das injustiças e pela construção de relações segundo o evangelho na sociedade;

• garantir que a prevenção avance para além da informação. É necessário visar não só ao bem-estar individual, mas também ao familiar e de todos, por meio de ações educativas abrangentes e inclusivas;

• promover momentos para exercer o discernimento evangélico acerca do que ocorre no cenário político com repercussão na comunidade, no bairro e/ou na cidade e identificar eventuais ameaças à harmonia e boa convivência familiar;

• incentivar a intersetorialidade das ações (saúde, educação, desenvolvimento social, justiça, esporte, emprego e renda), para a promoção, prevenção, proteção, tratamento, reabilitação e recuperação do bem-estar, construindo uma sociedade justa e saudável;

• refletir nas famílias sobre o que edifica uma sociedade justa e solidária, buscando estratégias de solução efetivas, viáveis e adequadas ao bem comum.

Conclusão

A Campanha da Fraternidade de 2019 quer ser um convite para maior participação das pessoas na elaboração de políticas públicas, projetando, assim, o presente e o futuro do Brasil, amparado no direito e na justiça, livre das desigualdades que assolam os mais pobres. 

Novo modelo de sociedade, diferente do modelo neoliberal dominante, inclui mudanças radicais na concepção do trabalho e do lazer, da educação e da cultura, dos impostos e das responsabilidades sociais dos cidadãos. Não se engendrará novo modelo de sociedade por leis ou decretos.

A construção de novo modelo de vida política não é assunto para especialistas, pois a sociedade global não é objeto de estudo de nenhuma especialidade, de nenhuma ciência. É problema de cidadãos, não de especialistas. Estes podem trazer dados, isto é, dar a conhecer o passado. Quanto ao futuro, porém, não sabem mais do que os cidadãos, atuando como cidadãos, não como especialistas.

Atualmente, a política mais importante é a que prepara as tarefas dos governos futuros, ajeitando o terreno, abrindo o espaço em que as entidades políticas, as instituições antigas ou novas poderão organizar o novo modelo de sociedade que satisfaça as expectativas dos cidadãos. 

Referências bibliográficas

BENTO XVI. Carta encíclica Caritas in Veritate. Brasília, DF: CNBB, 2009. (Documentos Pontifícios, 3).

CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2015-2019. Brasília, DF: CNBB, 2015. (Documentos da CNBB, 102).

______. Campanha da Fraternidade 2019: texto-base. Brasília, DF: CNBB, 2018.

______. Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade: sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14). Brasília, DF: CNBB, 2016. (Documentos da CNBB, 105).

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição pastoral Gaudium et Spes. In: SANTA SÉ. Concílio Ecumênico Vaticano II:documentos. Brasília, DF: CNBB, 2018.

FRANCISCO. Exortação apostólica Evangelii Gaudium. Brasília, DF: CNBB, 2013. (Documentos Pontifícios, 17).

FRIZZO, Antonio Carlos. A trilogia social: estrangeiro, órfão e viúva no Deuteronômio e sua recepção na Mishná. 2009. Tese (doutorado em Teologia) – Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2009.

SICRE, José Luís. A justiça social nos profetas. São Paulo: Paulus, 1990.

Sobre o autor:

Pe. Luis Fernando da Silva é presbítero da Diocese de São João da Boa Vista – SP. Secretário-executivo da Campanha da Fraternidade e da Evangelização e membro do Conselho Gestor do Fundo Nacional de Solidariedade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Fonte:

www.vidapastoral.com.br

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 Todos os anos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apresenta a Campanha da Fraternidade (CF) como caminho de conversão quaresmal.

Fraternidade e Políticas Públicas é o tema da Campanha para 2019. O profeta Isaías inspira o lema: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27).  

Fundamentado em três importantes pilares (ver, julgar e agir), o Texto-Base da CF foi cuidadosamente pensado para despertar o desejo da “participação em Políticas Públicas, à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja, para fortalecer a cidadania e o bem comum, sinais de fraternidade“. 

A boa notícia de hoje é que você pode baixar gratuitamente o Kit Campanha da Fraternidade 2019. 

Para isso, basta clicar aqui: https://bit.ly/2Uc2RaB

O kit contém:

• Áudio do Hino

• Caderno de Cifras e Partituras

• Slide para Data Show

• Cartaz da CF

• Vídeo do Hino da CF

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