Caminho pra casa – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 19 Jun 2018 10:00:56 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Caminho pra casa – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Scholas Ocurrentes: projeto político pedagógico de Francisco que atualiza as CEBs https://observatoriodaevangelizacao.com/scholas-ocurrentes-projeto-politico-pedagogico-de-francisco-que-atualiza-as-cebs/ Tue, 19 Jun 2018 10:00:56 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=28459 [Leia mais...]]]> “Francisco traz-nos o enlace da utopia: a “linguagem do coração”. Esta que, pelo afeto, reúne; pela necessidade de cada um, organiza; e, em busca do bem comum, luta.”

Um novo jeito de os jovens serem  “Igreja em Saída” no meio dos pobres. Scholas Ocurrentes, o projeto do papa Francisco que atualiza a experiência das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)

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Leia artigo-testemunho de Eduardo Brasileiro, membro da IPDM (Igreja Povo de Deus em Movimento), educador social do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, e participante do 3º Encontro Internacional de Jovens animado pelo Papa Francisco e organizado pela Fundação de Direito Pontifício Scholas Ocurrentes entre 6 e 11 de maio de 2018 em Roma: 

Desde 1990, Francisco, ainda Cardeal de Buenos Aires, iniciou um projeto chamados ‘Scholas de Ciudadania’ onde desenvolveu uma experiência comunitária de engajamento popular nas causas comuns. Naquela época realizou encontros ecumênicos, oficinas para jovens, ações comunitárias, convivências compartilhadas.

Quando eleito Papa, criou uma fundação de direito pontifício chamada “Scholas Ocurrentes” (escolas dos encontros), onde ampliava o projeto de Buenos Aires, numa dimensão global de formação cidadã para jovens com engajamento em suas comunidades.

Entre os dias 6 e 11 de maio de 2018, uma delegação de três pessoas participou em nome da IPDM (Igreja – Povo de Deus – em Movimento) do 3º Encontro Internacional de Jovens promovido por Scholas com o tema “A linguagem do coração” onde se desenvolvia por meio do pensamento, da arte e do jogo a troca de processos de transformação política. Fomos Thaynah Gutierrez, Luis Carlos Mendonça e eu pela IPDM, com apoio do Instituto Casa Comum. Veja abaixo um vídeo curtinho que fizemos lá em Roma:

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Essa proposta defronta-se com o momento político global: milhares de pessoas feridas pelo medo, motor da indiferença e da incredulidade em relação a qualquer alternativa comunitária de combate a um mundo militarizado. Somos cozinhados em banho-maria pelos meios midiáticos que são promotores deste mundo doente sob um discurso de “justiça”, “mérito” e “competição”. É uma realidade cruel de distopia, onde o medo é gerido numa guerra civil contínua, que precisa ser superada.

Francisco traz-nos o enlace da utopia: a “linguagem do coração”. Esta que, pelo afeto, reúne; pela necessidade de cada um, organiza; e, em busca do bem comum, luta.

A experiência de reunir jovens de dezenas de países foi justamente para que pudéssemos perceber essas alternativas através da partilha de expressões positivas dos povos em suas comunidades. No centro da metodologia esteve o encontro cultural de diversos países, a partir do pensamento da arte e do jogo.  É a base do projeto de uma Igreja franciscana, que gesta a dimensão comunitária-política, que exige a criatividade para superação de entraves e de construção por meio de jogos/brincadeiras que concretizem fortalecimento de laços.

A experiência do diálogo entre as culturas, a convivência mística dos sonhos de cada um dos indivíduos culminou com a celebração final de todos os jovens com Francisco. O tema foi “A beleza salvará o mundo”, inspirado no russo Fiodor Dostoiévski. Saímos nutridos e nutridas pelo desejo de criar estruturas comuns de gestão do poder na produção do encanto, da beleza!

Francisco entende que é urgente que as juventudes retomem o caminho histórico de organização popular: “vocês precisam estar com um pé na raiz e outro lá fora”, ele nos disse.  E, para animar-nos finalizou dizendo: “não tenham medo de sonhar acordado, arrisquem!”.

Foi assim que nosso papa encerrou o Encontro Internacional de Jovens, entregando-nos a missão de sermos articuladores de suas comunidades entendendo um projeto global, gestando utopias possíveis! Vimo-nos como mensageiros e mensageiras da Boa Nova, capazes de atualizar a experiência essencial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), fundantes da Igreja na América Latina e nas quebradas do mundo no século 20.

Os dias que passamos no encontro serviram de alerta. É hora de as pastorais juvenis, movimentos católicos e de outras confissões e dos leigos e leigas reconhecerem a fragilidade de suas organizações diante da barbárie que amedronta o povo oprimido, mantendo-o paralisado, sem protagonismo.

A ousadia de Francisco inspira nossas futuras ações políticas, produzindo nas comunidades ambientes onde se sonhem revolucionariamente outras sociedades possíveis. Caminho do Reino de Deus.

Fonte:

Caminho pra casa

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Dia decisivo na 56ª Assembleia da CNBB https://observatoriodaevangelizacao.com/dia-decisivo-na-assembleia-da-cnbb/ Thu, 19 Apr 2018 13:24:43 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27836 [Leia mais...]]]>

Assembleia da CNBB se manifestará sobre as eleições e o momento nacional. Na quarta (18/04/2018), falaram três bispos que são o rosto da Igreja que, no Brasil, caminha com o Papa: dom Claudio Hummes,  dom Roque Paloschi e dom Guilherme Werlang. Dom Paloshi foi contundente sobre a criminalização dos movimentos sociais e daqueles que atuam ao lado dos mais pobres: “Temos consciência de que se a Igreja não falar, as pedras vão falar”.

Por Mauro Lopes, com informações da CNBB

Nesta quinta (19/04/2018), a 56ª Assembleia Geral da CNBB, reunida em Aparecida, divulgará duas manifestações importantes, sobre as eleições e o momento nacional. Elas darão o norte da Igreja Católica no país nos próximos tempos: haverá profetismo ou será mantida a linha de concessões aos integristas com uma posição dúbia e silente diante dos atentados às democracia, aos assassinatos e prisões injustas?

Ontem falaram à assembleia três bispos que são o rosto da Igreja que, no Brasil, caminha ao lado do Papa. Eles participaram da entrevista coletiva diária organizada pela CNBB (você pode clicar no link abaixo e assistir).

O cardeal dom Claudio Hummes, presidente da REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica) falou sobre o Sínodo da Amazônia, que acontecerá em 2019. Voltando de um encontro com o Papa, ele afirmou:

Segundo o Papa, os primeiros interlocutores desse Sínodo são os indígenas e o povo simples, como os ribeirinhos e todos aqueles que trabalham no interior da Amazônia… queremos passar de uma Igreja indigenista a uma Igreja indígena”.

O presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e arcebispo de Porto Velho (RO), dom Roque Paloschi, fez uma contundente denúncia da situação dos indígenas no país: “O sofrimento dos indígenas nunca passa da sexta-feira Santa, eles são sempre vilipendiados e vítimas de escárnio no Brasil”. Ele falou ainda sobre a sequência de assassinatos, prisões e perseguições como as que vitimaram irmã Dorothy Stang (assassinada por ruralistas em 2005) e padre José Amaro (preso desde 27 de março último a mando dos mesmos ruralistas), ambos em Anapu (PA):

Há uma ação muito articulada para excluir, desmoralizar e criminalizar todos aqueles que se colocam ao lado dos menos favorecidos, seja ao lado dos quilombolas, indígenas, desempregados, pescadores, quebradoras de coco. Mas temos consciência de que se a Igreja não fala, as pedras vão falar.

Dom Guilherme Werlang, bispo de Lages (SC) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da CNBB, falou sobre o desejo de uma nova Semana Social Brasileira (a última foi em 2013) e da edição 2018 do Grito dos Excluídos. Para ele,

toda ação social feita pela Igreja deve ser transformadora a partir dos valores do Evangelho. Deus sempre olha e ouve o grito do seu povo, os mais pobres e oprimidos, desce para libertar e devolve a dignidade de filiação divina a todos os seus filhos e filhas”.

Assista às entrevistas, elas revelam uma faceta da CNBB herdeira do melhor da tradição aberta por dom Helder Câmara:

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maxresdefault (1)Mauro Pereira Lopes – Jornalista, psicanalista, poeta e teólogo. É o autor do blog Caminho pra Casa. Trata-se de uma proposta, projeto nunca acabado de apresentar e conversar uma visão sobre a vida, o cotidiano e as questões que me atravessam a partir de um olhar particular – assentado no encontro com o cristianismo, particularmente com a Igreja Católica.

Fonte:

Caminho pra Casa

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Por que Jesus foi condenado à morte daquela forma brutal e violenta? https://observatoriodaevangelizacao.com/por-que-jesus-foi-condenado-a-morte-daquela-forma-brutal-e-violenta/ Wed, 04 Apr 2018 19:41:44 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27737 [Leia mais...]]]> Na semana passada,  celebramos a condenação, paixão e morte e ressurreição de Jesus de Nazaré, o profeta da Galileia que se tornou o Cristo de nossa fé: revelação de Deus e de seu projeto salvífico. Por que Jesus foi condenado a morte daquela forma brutal e violenta? Um biblista, Alberto Maggi, concedeu uma provocante entrevista ao teólogo Mauro Lopes para o blog Caminho pra Casa. Vale a pena ler…

 

Jesus não morreu pelos “nossos pecados” e sim por enfrentar o sistema

 

Nesta Sexta-Feira da Paixão, Caminho Pra Casa publica artigo exclusivo de um dos maiores biblistas vivos, o frade italiano Alberto Maggi. A tradução é do biblista brasileiro padre Francisco Cornélio.

No texto, Maggi demole duas ideias que estão na base do cristianismo falsificado que os integristas sustentam há séculos:

  1. Jesus foi morto “pelos nossos pecados”;
  2. Sua morte na cruz seria “a  vontade de Deus”.

A versão é insustentável com um exame realista e honesto dos textos bíblicos.  Os Evangelhos são claríssimos: Jesus morreu porque confrontou o Templo, um sistema de dominação e exploração dos pobres de Israel. Jesus não inaugurou o tempo da culpa, mas o da misericórdia e o da vida plena para os pobres.

A íntegra do artigo a seguir.

Por Alberto Maggi   | Tradução: Francisco Cornélio

Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados. Essa é a resposta que normalmente se dá para aqueles que perguntam por que o Filho de Deus terminou seus dias na forma mais infame para um judeu, o patíbulo da cruz, a morte dos amaldiçoados por Deus (Gl 3,13).

Jesus morreu pelos nossos pecados. Não só pelos nossos, mas também por aqueles homens e mulheres que viveram antes dele e, portanto, não o conheceram e, enfim, por toda a humanidade vindoura.

Sendo assim, é inevitável que olhando para o crucifixo – com aquele corpo que foi torturado, ferido, riscado de correntes e coágulos de sangue expostos, aqueles pregos que perfuram a carne, aqueles espinhos presos na cabeça de Jesus – qualquer um se sinta culpado … o Filho de Deus acabou no patíbulo pelos nossos pecados!

Corre-se o risco de sentimentos de culpa infiltrarem-se como um tóxico nas profundezas da psiquê humana, tornando-se irreversíveis, a ponto de condicionar permanentemente a existência do indivíduo, como bem sabem psicólogos e psiquiatras, que não param de atender pessoas religiosas devastadas por medos e distúrbios.

No entanto,

basta ler os Evangelhos para ver que as coisas são diferentes. Jesus foi assassinado pelos interesses da casta sacerdotal no poder, aterrorizada pelo medo de perder o domínio sobre o povo e, sobretudo, de ver desaparecer a riqueza acumulada às custas da fé das pessoas.

A morte de Jesus não se deve apenas a um problema teológico, mas econômico. O Cristo não era um perigo para a teologia (no judaísmo havia muitas correntes espirituais que competiam entre si, mas que eram toleradas pelas autoridades), mas para a economia. O crime pelo qual Jesus foi eliminado foi ter apresentado um Deus completamente diferente daquele imposto pelos líderes religiosos, um Pai que nunca pede a seus filhos, mas que sempre dá.

A próspera economia do templo de Jerusalém, que o tornava o banco mais forte em todo o Oriente Médio, era sustentada pelos impostos, ofertas e, acima de tudo, pelos rituais para obter, mediante pagamento, o perdão de Deus. Era todo um comércio de animais, de peles, de ofertas em dinheiro, frutos, grãos, tudo para a “honra de Deus” e os bolsos dos sacerdotes, nunca saturados: “cães vorazes: desconhecem a saciedade; são pastores sem entendimento; todos seguem seu próprio caminho, cada um procura vantagem própria”  (Is 56, 11).

Quando os escribas, a mais alta autoridade teológica no país, considerando o ensinamento infalível da Lei, vêem Jesus perdoar os pecados a um paralítico, imediatamente sentenciam: “Este homem está blasfemando!” (Mt 9,3). E os blasfemos devem ser mortos imediatamente (Lv 24,11-14).

A indignação dos escribas pode parecer uma defesa da ortodoxia, mas na verdade, visa salvaguardar a economia. Para receber o perdão dos pecados, de fato, o pecador tinha que ir ao templo e oferecer aquilo que o tarifário das culpas prescrevia, de acordo com a categoria do pecado, listando detalhadamente quantas cabras, galinhas, pombos ou outras coisas se deveria oferecer em reparação pela ofensa ao Senhor. E Jesus, pelo contrário, perdoa gratuitamente, sem convidar o perdoado a subir ao templo para levar a sua oferta.

“Perdoai e sereis perdoados” (Lc 6,37) é, de fato, o chocante anúncio de Jesus: apenas duas palavras que, no entanto, ameaçaram desestabilizar toda a economia de Jerusalém. Para obter o perdão de Deus, não havia mais necessidade de ir ao templo levando ofertas, nem de submeter-se a ritos de purificação, nada disso. Não, bastava perdoar para ser imediatamente perdoado…

O alarme cresceu, os sumos sacerdotes e escribas, os fariseus e saduceus ficaram todos inquietos, sentiram o chão afundar sob seus pés, até que, em uma reunião dramática do Sinédrio, o mais alto órgão jurídico do país, o sumo sacerdote Caifás tomou a decisão. “Jesus deve ser morto”, e não apenas ele, mas também todos os discípulos porque não era perigoso apenas o Nazareno, mas a sua doutrina, e enquanto houvesse apenas um seguidor capaz de propagá-la, as autoridades não dormiriam tranquilas (“Se deixarmos ele continuar, todos acreditarão nele…, Jo 11,48).

Para convencer o Sinédrio da urgência de eliminar Jesus, Caifás não se referiu a temas teológicos, espirituais; não, o sumo sacerdote conhecia bem os seus, então brutalmente pôs em jogo o que mais estava em seu coração, o interesse: “Não compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?” (Jo 11,50).

Jesus não morreu pelos nossos pecados, e muito menos por ser essa a vontade de Deus, mas pela ganância da instituição religiosa, capaz de eliminar qualquer um que interfira em seus interesses, até mesmo o Filho de Deus: “Este é o herdeiro: vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança” (Mt 21,38).

O verdadeiro inimigo de Deus não é o pecado, que o Senhor em sua misericórdia sempre consegue apagar, mas o interesse, a conveniência e a cobiça que tornam os homens completamente refratários à ação divina.

Alberto Maggi, biblista italiano, frade da Ordem dos Servos de Maria, estudou nas Pontíficias Faculdades Teológicas Marianum e Gregoriana de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversos livros, como A loucura de Deus: o Cristo de JoãoNossa Senhora dos heréticos

Francisco Cornélio, sacerdote e biblista brasileiro, é professor no curso de Teologia da Faculdade Diocesana de Mossoró (RN). Fez seu bacharelado no Ateneo Pontificio Regina Apostolorum, em Roma. Atualmente, está em Roma novamente, para o doutorado no Angelicum (Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino), onde fez seu mestrado.

 

maxresdefault (1)Mauro Pereira Lopes – Jornalista, psicanalista, poeta e teólogo. É o autor do blog Caminho pra Casa. Trata-se de uma proposta, projeto nunca acabado de apresentar e conversar uma visão sobre a vida, o cotidiano e as questões que me atravessam a partir de um olhar particular – assentado no encontro com o cristianismo, particularmente com a Igreja Católica.

 

Fonte:

Caminho Pra Casa

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Cinco anos de Francisco: a Igreja de volta https://observatoriodaevangelizacao.com/cinco-anos-de-francisco-a-igreja-de-volta/ Tue, 13 Mar 2018 12:51:00 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=27578 [Leia mais...]]]> Em cinco anos, Francisco tirou a Igreja da irrelevância a que se reduzira. Recolocou os pobres no centro da mensagem, da ação e da oração de uma instituição que havia se rendido aos ricos e às regras -e desmoralizada pela falsidade e vida dupla de muitos de seus líderes 
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Francisco em sua primeira aparição: curvado diante da humanidade.

Por Mauro Lopes

Neste 13 de março completam-se cinco anos do papado de Francisco. Tudo o que seria seu papado estava anunciado em três gestos na noite em que apareceu diante do povo na Praça São Pedro. Estava tudo lá. Mas, somos cabeças duras – como o texto bíblico afirma textualmente por nada menos que quatro vezes em dois dos textos fundantes do judaísmo e, por consequência, do cristianismo, no Êxodo e no Deuteronômio. Não entendemos nada.

Mas Francisco apresentou o  seu “programa de governo” naquela noite, com três gestos simples:

1. Escolheu o nome de Francisco – foi uma confusão! Quando seu nome como papa foi anunciado pelo cardeal francês Jean Louis Tauran, antes da entrada de Bergoglio na praça, houve confusão, que se prolongou: seria o nome tomado de Francisco Xavier, um santo do início do século XVI, jesuíta como Bergoglio, e tido como aquele que mais gente converteu ao cristianismo na história? Seria Francisco I? A confusão demorou a dissipar-se. Era apenas Francisco, como o poverello de Assis. E este Francisco, como o outro, parece ter ouvido uma voz surgida das origens da caminhada: “Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja que está em ruínas”. Simples, pobre entre os pobres, alegre e disponível.

 

2. Apareceu à praça vestido de branco – quando Francisco assomou ao púlpito naquela noite, foi um espanto. Esperava-se um papa como os demais: empetecado, dado ao ouro reluzente, cheio de sobrevestidos. No entanto, apareceu um homem vestido de branco, numa imagem surpreendente: cercado de cardeais, era ele o que se vestia de maneira mais simples. Há uma história que se conta sobre o momento em que Bergoglio foi vestido para aparecer ao povo, nunca comprovada; mas, como dizem os italianos, “se non è vero, è ben trovato” (se não é verdade, é um bom achado”: quando lhe chegaram com as roupas luxuosas para vesti-lo como papa, ele teria rejeitado com um gesto de mão e tido “não, não, acabou o Carnaval”. No peito, em vez da cruz de ouro dos papas anteriores, utilizada à farta por cardeais e bispos pelo mundo adentro, Francisco apareceu com a cruz peitoral que carrega desde os tempos de Buenos Aires, de ferro. Veja na foto abaixo os sapatos de Bento XVI e os de Francisco; a imagem carrega em si mesma dois projetos de papado.

Os sapatos de Bento XVI e os de Francisco: para caminhadas diferentes

 

3. Curvado diante da humanidade sofredora – nunca se viu nada parecido como o gesto que marcou sua “estreia” como papa. Em vez de um rei, de aspecto imperial, um homem humilde, que se curvou diante do povo reunido na praça –diante de boa parte da humanidade que assistia à cena naquela noite. Pediu que rezassem por ele. Pediu silêncio. Pediu abertura de coração. Veja o vídeo do momento –no oitavo minuto, o gesto.

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Interrompendo 35 de inverno conservador, com João Paulo II e Bento XVI, Francisco retomou a primavera de João XXIII e tem buscado recolocar a Igreja nos passos do Concílio Vaticano II.

Olhar para Francisco é olhar para o Vaticano II. Mais que isso, é olhar para o que de mais importante aconteceu num Concílio no qual o peso da Igreja imperial ainda se fez presente com desejo de continuação, como observou um dos grandes nomes do encontro, o padre dominicano Ives Congar, desgostoso com o desfile dos bispos e cardeais vestidos e comportando-se como príncipes:

“Vejo o peso daquilo a que nunca se renunciou, do período em que a Igreja se comportava como um senhor feudal, quando detinha poder temporal,  quando o papa e os bispos eram lordes que tinham suas cortes, eram mecenas de artistas e pretendiam uma pompa igual à dos Césares. A isso a Igreja nunca repudiou em Roma. Deixar o período constantino para trás nunca fez parte de seu programa”.[1]

O que de mais importante aconteceu no Vaticano não estava nos salões e sim nos subterrâneos. O coração do Concílio expressou-se nos subterrâneos. No Pacto das Catacumbas da Igreja Serva e Pobre firmado numa eucaristia, em uma basílica dentro da Catacumba de Domitila na noite de 16 de novembro de 1965, às vésperas do encerramento do Concílio – as catacumbas eram locais de reunião secreta dos cristãos durante as perseguições do Império Romano.

Naquela noite, 40 participantes assinaram texto, pelo qual comprometeram-se a uma vida eucarística, de pobreza, partilha, uma vida de lavar os pés dos pobres e com eles conviver. Os signatários assumiram 13 compromissos naquela noite histórica, dentre eles: viver como o povo, abrir mão dos títulos e roupas luxuosas, assim como do uso e ouro e prata, abrir mão de toda propriedade pessoal, estabelecer relações horizontais de diálogo em suas dioceses.

Eles curvaram-se em serviço amoroso diante de toda a humanidade. O gesto dos 40 das catacumbas finalmente veio à luz com Francisco, curvado na Praça São Pedro na noite de 13 de março de 2013.

Desde então, Francisco tem procurado arrancar a Igreja Católica da irrelevância a que se reduziu e recolocar os pobres no centro da mensagem, da ação e da oração de uma instituição se rendeu anos a fio aos ricos e às regras, desmoralizada pela falsidade e vida dupla de seus líderes.

___________________

[1] CONGAR, Ives. My Journal of the Council. 1ª ed. Adelaide: ATF Press, 2012. P. 124

imagesMauro Pereira Lopes

Jornalista, psicanalista, poeta e teólogo. É o autor do blog Caminho pra Casa. Trata-se de uma proposta, projeto nunca acabado de apresentar e conversar uma visão sobre a vida, o cotidiano e as questões que me atravessam a partir de um olhar particular – assentado no encontro com o cristianismo, particularmente com a Igreja Católica.

 

Fonte:

Caminho Pra Casa

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Sobre a importante entrevista do teólogo César Kuzma na abertura do Ano Nacional do Laicato https://observatoriodaevangelizacao.com/sobre-a-importante-entrevista-do-teologo-cesar-kuzma-na-abertura-do-ano-nacional-do-laicato/ Thu, 30 Nov 2017 12:44:30 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=26981 [Leia mais...]]]> Kuzma e o Ano do Laicato: Igreja continua de portas fechadas

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Uma entrevista especial com o teólogo César Kuzma na abertura do Ano Nacional do Laicato instituído pela CNBB, que foi aberto no domingo (25/11/2017), na solenidade de Cristo Rei que marca no novo Ano Litúrgico da Igreja Católica (no ciclo trienal litúrgico dos católicos, começa agora do Ano B, centralizado pela leitura do Evangelho de Marcos na Liturgia da Palavra dominical).

César Kuzma é dos mais expressivos teólogos católicos brasileiros da novíssima geração. Com 41 anos de idade, é doutor em Teologia pela PUC-Rio, onde é professor e pesquisador, e presidente da SOTER (Sociedade de Teologia e Ciências da Religião). Assessor da Comissão do Laicato da CNBB e do Departamento de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal da América Latina (CELAM). Autor, entre outros, de O futuro de Deus na missão da esperança: uma aproximação escatológica (2014), um estudo sobre a obra do “teólogo da esperança”, o protestante Jürgen Moltmann, e Leigos e Leigas –força e esperança da Igreja no mundo (2009).

Na entrevista, ele foi contundente e realista:

os leigos devem se afastar deste modelo estrutural e buscar novos caminhos, novas maneiras de viver a fé, dentro do chamado que é próprio da sua vocação, que é o mundo secular e as grandes causas da humanidade. Aqui está a vocação e a missão dos leigos! Ali devem ser sal e luz. Sujeitos da história. É onde os leigos, como Igreja que são, podem oferecer o seu testemunho e o seu serviço concreto. Observo que as ações de Francisco também vão por aí.

Mostrou-se profundamente alinhado com o papa Francisco, quando afirma que

o clericalismo é uma doença que impede a Igreja de ser serviço e, com isso, inibe as demais vocações, sobretudo os leigos, de assumirem o seu papel, a sua missão dentro do corpo eclesial, e também na sociedade. O clericalismo traz e vive de uma imagem de Igreja que se quer garantir por si mesma, sem abertura ao novo e que busca sempre o poder, que quer estar acima, que vive ‘à parte’ e agarra-se nas estruturas, na dureza das tradições, no enrijecimento da doutrina, na dominação de uma letra sem espírito e num autoritarismo eclesiástico/hierárquico doente.

No momento em que Francisco abre a Igreja, os resultados dos anos de domínio conservador estão à vista:

o clero mais jovem, que se satisfaz em formalismos, panos e paramentos riquíssimos (até medievais) e em ritos antigos, carregados na rigidez, ou camuflados de aspectos modernos, em alguns casos, mas muito distante da simplicidade do Evangelho, o que é lamentável. Seja pela linguagem ou pela vestimenta, cria-se uma estrutura que decide por caminhar separada do mundo, distante dos problemas e com a sustentação de um ar superior.

Segundo César Kuzma, pode-se constatar que a Igreja, infelizmente, continua impermeável aos leigos:

Em uma carta ao Cardeal Marc Ouellet, em 2016, o papa Francisco recorda que desde o Concílio se falou muito sobre a ‘hora dos leigos’, mas para o Papa esta hora está tardando a chegar. Para Francisco, e aqui nós nos somamos a ele, as causas são várias, mas a passividade tem sim certa culpa do próprio laicato, é um fato, mas também das estruturas, que não formam e não permitem um espaço favorável, onde leigos e leigas possam exercer criticamente e com maturidade a sua vocação.

O caminho, aponta o teólogo, é retomar a originalidade do cristianismo:

Se na resposta da Igreja antiga precisou se falar que não há escravos ou livres, homens ou mulheres, mas todos são um em Cristo Jesus, deveríamos trazer esta máxima para hoje, como uma definição basilar, para que não haja mais clero ou leigos, mas para que todos possamos ser uma só coisa nele.

Superar a contradição profunda que ainda persiste entre o laicato e a estrutura:

como é ser leigo, sujeito eclesial, numa Igreja clericalizada? Impossível! É necessário romper isso!

Para Kuzma, muitos processos posteriores ao Vaticano II e Medellín tentaram frear e revogar a abertura aos leigos:

passaram-se dez anos da última assembleia do CELAM e pouco se fez ou se avançou na linha de Aparecida. Por exemplo: o que significa ser discípulo missionário, hoje? Será que há alguma mudança?… Por certo que não. Raras exceções. Continuamos com as mesmas estruturas e linhas de ação, seguimos com os mesmos planos e projetos pastorais, a mesma insistência na formação clerical dos nossos seminaristas e na pouca valorização da formação laical (…).

Consequente com a reflexão desenvolvida, foi taxativo:

Sem a ação dos leigos não há uma ação de Igreja em saída.

Você poderá ler na íntegra da longa e densa entrevista de César Kuzma concedida ao Caminho Pra Casa, a Mauro Lopes e ao padre Luís Miguel Modino, pároco na Diocese de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Para isso, clique aqui. E nos próximos dias, a fim de alimentar a reflexão para o Ano Nacional do Laicato, publicaremos no Observatório da Evangelização esta entrevista, em duas partes.

Fonte:

Caminho Pra Casa

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Francisco e a Igreja-pipoca: uma imagem provocante que faz pensar a caminhada https://observatoriodaevangelizacao.com/francisco-e-a-igreja-pipoca-uma-imagem-provocante-que-faz-pensar-a-caminhada/ Wed, 26 Jul 2017 22:41:35 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=22259 [Leia mais...]]]> Evangelizar implica de modo singular o cultivo da arte de fazer memória. O próprio dinamismo da vida cristã, só consegue manter acesa a sua chama, graças ao cultivo da memória da vida de Jesus de Nazaré, os ensinamentos e atitudes do Profeta crucificado da Galileia que concretizou uma prática libertadora, reconhecida como a presença atuante do Reino de Deus no meio de nós. O Evangelho não é outra coisa que o resultado do fazer a memória perigosa de Jesus, cultivada pelos seus discípulos e discípulas ao longo da história.

Acontece que o cristianismo para realizar a sua missão depende fundamentalmente de responder ao desafio da dupla fidelidade: primeiro, a fidelidade à sua própria Tradição, segundo, a fidelidade ao contexto em que o anúncio do Evangelho é concretizado. Em outras palavras, fidelidade ao projeto de Deus e ao ser humano que recebe o anúncio do Evangelho situado em um contexto específico em cada tempo e lugar. O Evangelho só pode ser boa nova de Deus encarnado em uma realidade que suscita desafios e urgências.

Por exemplo, a Igreja de Jesus Cristo, na busca de recepção do Concílio Vaticano II, concretizou, a partir do final dos anos sessenta e início dos anos setenta, uma caminhada profética de fidelidade ao Evangelho em solo latino-americano. Diante dos graves desafios da América Latina, esse continente de tantos crucificados pela cruz da exclusão e da injusta desigualdade social, por ter ficado ao lado dos mais pobres e oprimidos, parcela significativa da Igreja deu as mãos aos movimentos populares em defesa da cidadania, na luta contra as forças opressoras e contra a ditadura militar. Consequentemente, como no tempo de Jesus, muitos discípulos e discípulas foram perseguidos, presos, torturados e mortos por defenderem, a luz do Evangelho de Cristo, a dignidade e o valor da vida. O sangue dos mártires da América Latina, como Dom Oscar Romero e Pe. Rutílio Grande, dentre tantos outros, fortaleceu e confirmou a fé na caminhada de seguimento de Jesus.

Depois de longo inverno eclesial, o braseiro da fé da Igreja dos pobres volta a se acender no pontificado do papa Francisco. As muitas iniciativas que pululam em diversos lugares estão a indicar que está acontecendo algo novo na Igreja: será uma retomada do Concílio Vaticano II? Será que a reforma da Igreja proposta pelo Papa em sua Evangelii Gaudium começa a dar frutos?

Neste horizonte de discernimento na caminhada da Igreja, vale a pena ler o artigo do Mauro Lopes:

Francisco acendeu a chama; e a Igreja-pipoca!

Não gosto de pipoca. E, por isso, sou visto como um estranho em minha família. Já me acostumei com os olhares de incompreensão toda vez que “não, obrigado, não gosto mesmo de pipoca”. Não sei, parece-me sem gosto, a textura é estranha. Não sei. Vai ver que é algum trauma da infância. Entretanto, mesmo não gostando de comer, sinto-me maravilhado toda vez que se faz pipoca em casa – e isso acontece muitas vezes por semana!

É um pequeno milagre.

No começo, não há nada, só o fogo aceso. Então uma pipoca estoura. Depois outra, mais uma, outra mais e de um instante para outro é uma profusão de múltiplas explosões. Quando se abre a panela, o que era um fundinho de grãos amarelos tornou-se uma abundância transbordante. É assim – finalmente – com a Igreja sob a liderança de Francisco.

Em 2013, Bergoglio acendeu a chama sob a panela com muitos grãos de aparência inerte, adormecidos, imóveis. Grãos mantidos guardados, trancados no armário por muito tempo. Então o calor começou a fazer efeito. Como cantou Caetano, tem pipocado aqui, ali, além. Pipoca, pipoca, até que a manhã começou a desanoitecer.

E temos de novo a Igreja-pipoca!

A ideia me veio imediatamente à cabeça quando recebi a notícia de que no próximo domingo (30) haverá missa e festa em Volta Redonda, no Rio de Janeiro.  Às 17h, padre Natanael de Moraes irá presidir a celebração em homenagem a seus 51 anos de sacerdócio. Ele estará de volta à cidade 47 anos depois de ser preso e barbaramente torturado durante a ditadura militar. Padre Natanael, agora no clero da Arquidiocese de Belo Horizonte (MG) era, na virada dos anos 1960/70, religioso verbita, diretor espiritual da Juventude Operária Católica (JOC) de Volta Redonda e um dos líderes católicos ao redor de dom Waldyr Calheiros (1923-2013), bispo de Volta Redonda e Barra do Piraí.

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Dom Waldyr (à direita), num dos inúmeros depoimentos a que foi convocado pelos militares durante a ditadura.

Dom Waldyr foi um dos signatários do Pacto das Catacumbas que reuniu 40 padres e bispos durante o Concílio Vaticano II: todos assumiram o compromisso de uma vida pobre com os pobres. Ao lado de dom Hélder Câmara, dom Pedro Casaldáliga, dom Paulo Evaristo Arns e outros formou a linha de frente da Igreja Católica contra a ditadura e protagonista da Teologia da Libertação.

Ambos, dom Waldyr e padre Natanael, conheceram no final dos anos 60 Estrella Bohadana, uma jovem de 19 anos, militante da Política Operária (Polop) na resistência à ditadura. O sacerdote e Estrella reencontraram-se em 1970 nas salas de tortura do antigo 1º Batalhão de Infantaria Blindado, em Barra Mansa/RJ. Foram submetidos a torturas brutais, de todo tipo.

O sereno e firme depoimento de Estrella à Comissão da Verdade de Volta Redonda é pungente, um grito aos céus. A brutalidade e o sadismo marcaram a ditadura no Brasil, com apoio de segmentos do catolicismo conservador no país. Ela morreu em maio de 2015, carregando por anos as sequelas das torturas selvagens. No seu relato, o registro de que a Igreja estava, em Volta Redonda, no lugar certo: ao lado dos jovens, com os pobres, nas prisões, flagelada nos centros de tortura. Assista, emocione-se:

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Padre Natanael e Estrella (postumamente) receberão no domingo a medalha dom Waldyr Calheiros de Direitos Humanos.

Domingo em Volta Redonda será dia de fazer memória da Igreja-pipoca. Não se trata de saudade, que evoca nostalgia de um tempo ou pessoas que perdemos. Fazer memória como atualização de experiências fundantes da Igreja, como a grande MEMÓRIA que se faz a cada Celebração Eucarística, atualização viva da experiência do Manso e Humilde com as primeiras comunidades, alimentar o seguimento de sua missão. Fazer memória, estourar pipoca.

Durante 35 anos, sob João Paulo II e Bento XVI o milho esteve trancado em armários, a sete chaves.

Sim, houve resistência nesses anos todos. Pipocou na CPT (Comissão Pastoral da Terra), no Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e outras frentes pastorais; pipocou em pequenas comunidades nas periferias e nos campos, escondidas, buscando escapar do trancamento nos armários escuros e fechados do Vaticano e sua mão longa em tantos cúmplices na hierarquia clerical.

Mas agora há fogo sob o milho-pipoca. Francisco acendeu a chama! E como esquenta! Começa a pipocar na CNBB. Os milhos estouram de novo nas periferias, em novas redes como a REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica), nos sinais de um vigor renovado das Comunidades Eclesiais de Base, na reorganização ecumênica dos teólogos e teólogas ao redor da SOTER (Sociedade de Teologia e Ciências da Religião), nas ordens e congregações religiosas, em múltiplas iniciativas.

A Igreja pipoca novamente.

imagesMauro Pereira Lopes é jornalista, psicanalista, poeta e teólogo. É o autor do blog Caminho pra Casa. Trata-se de uma proposta, projeto nunca acabado de apresentar e conversar uma visão sobre a vida, o cotidiano e as questões que me atravessam a partir de um olhar particular -assentado no encontro com o cristianismo, particularmente com a Igreja Católica.

 

Fonte:

Caminho pra Casa

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Juíza denuncia liquidação do Estado, massacre dos pobres e adverte: “muito mais está por vir” https://observatoriodaevangelizacao.com/juiza-denuncia-liquidacao-do-estado-massacre-dos-pobres-e-adverte-muito-mais-esta-por-vir/ Thu, 06 Apr 2017 10:00:29 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=15966 [Leia mais...]]]> Publicamos aqui, na íntegra, a instigante reflexão de Mauro Lopes, do Blog Caminhos pra casa, redigida a partir do preocupante conteúdo colhido na entrevista com a juíza Valdete Souto Severo, do Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região (RS). Pela gravidade da situação que atravessamos, como denuncia recentes notas públicas da CNBB, de igrejas particulares, tradições religiosas, conferência dos religiosos do Brasil – CRB, congregações religiosas, bispos,  lideranças, entidades e movimentos populares…

Vale a pena conferir:

Valdete Souto Severo, juíza no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região (RS), adverte sobre o cenário das reformas do governo Temer que massacram os trabalhadores: “muito mais está por vir”, num processo de “desmantelamento completo do Estado” e liquidação da frágil rede de proteção social aos pobres criada a partir da Constituição de 1988.

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Conversei com ela para uma entrevista veiculada no site Previdência, Mitos e Verdades. Para ela, o processo de destruição das instituições do Estado é liderado pelas cúpulas das próprias instituições, articuladas com forças econômicas poderosas; só a mobilização de rua conseguirá barrar a “reforma” da Previdência e a trabalhista.

Ela relatou um episódio emblemático e assustador, que revela o animus dos poderosos, sobre o corte de 50% dos recursos para custeio e 90% da verba para investimento da Justiça do Trabalho no Projeto de Lei Orçamentária de 2016:

O Ricardo Barros, que agora é ministro da Saúde, foi o deputado relator do projeto de Orçamento de 2016 e escreveu que a redução era uma punição para que a Justiça do Trabalho repensasse sua posição, porque somos ‘extremamente condescendentes com o trabalhador’ E quer saber mais? Pode parecer inacreditável, mas diante de uma ação de inconstitucionalidade contra essa lei absurda o STF considerou essa aberração constitucional.

O cenário visto pela juíza é como uma atualização dos momentos mais dramáticos da vida do povo de Israel, denunciados pelos profetas bíblicos. Durante a conversa veio-me à mente mais de uma vez o grito angustiado e a acusador de Miqueias, 700 anos antes de Cristo, contra os poderosos de então: “Os que devoram a carne do meu povo, arrancam-lhe a pele, quebram-lhe os ossos, cortam-nos como pedaços na panela e como carne dentro do caldeirão!” (Mq 3,3).

Leia a íntegra da conversa telefônica, acontecida nesta terça, 28 de março.

1. Como a senhora analisa este tripé de reformas do governo Temer, o teto nos gastos sociais, a terceirização e a liquidação da Previdência e seus efeitos sobre os trabalhadores?

Olha, acho que falta colocar um pé, e tornar este banquinho uma cadeira: a reforma do ensino médio. É um projeto de desmanche, de desmantelamento completo do Estado. Um ataque a todas as frentes capazes de gerar resistência. Então, a reforma do ensino é fundamental, porque ela vai criar uma geração de operários, educados para executar tarefas, receber pouco e aceitar a sujeição que é intrínseca à relação entre capital e trabalho , que serão submetidos a este reino do “precariado”, sem acesso à Previdência, que pretendem liquidar, ou aos recursos públicos, que serão reduzidos a quase nada para os pobres: desde seguro desemprego ao acesso a saúde, à rede de proteção social da Constituição de 1988 que está sendo estrangulada.

2. Estamos à beira do inferno pra os trabalhadores e trabalhadoras…

Já estamos a caminho, escorregando pra baixo. As pessoas ainda não se deram conta, mas haverá, se aprovados os projetos que tramitam no congresso, várias modalidades de contratos de trabalho com previsão de prazos curtos de duração (flexível, por safra, intermitente) sem qualquer proteção, como o acréscimo de 40% em caso de despedida, aviso prévio ou acesso ao seguro desemprego, pois agora só com um ano de trabalho é possível obter o benefício – e nessas modalidades de trabalho precário ninguém vai chegar nem perto de um ano. Será uma loucura.

3. Porque a senhora fala em desmantelamento completo do Estado?

Há um esgotamento da própria função do Estado, a forma de organização da sociedade que conhecemos está em evidente colapso. Há classes ou segmentos econômico-políticos que passaram a enxergar na desregulamentação selvagem e radical o melhor caminho para o atendimento de seus interesses, na contramão do que a civilização ocidental construiu por dois séculos, sendo o Estado do Bem-Estar Social o principal alvo dessa ação destrutiva. O que está tornando esse processo ainda mais dramático e violento, como estamos vendo no Brasil, é que forças integrantes do próprio aparelho de Estado estão atuando no sentido de sua destruição –alojadas especialmente nas cúpulas dos Poderes tradicionais, com ação que pretende apenas preservar direitos para o capital internacional.

4. É um processo global e não apenas brasileiro…

O cenário é muito grave em quase todo o planeta. O que estamos assistindo no Brasil hoje aconteceu na Europa e um pouco depois já na América Latina. O fato é que houve resistência no Brasil, mas se você observar bem, alguns dos projetos que estão desengavetando agora são do governo FHC. A terceirização é um exemplo: desengavetaram o PL 4302, de 1998, portanto, da época do governo FHC, aprovado por um Senado de composição completamente diversa da atual, exatamente porque houve resistência suficiente para impedir a aprovação do PLC 30, cujo projeto é de 2004. O projeto do governo FHC foi uma articulação de resposta à crise russa de 1998; os projetos aprovados na Europa foram uma resposta do mercado à quebra do Lehman Brothers e outros; agora, no Brasil, é a resposta dos segmentos financeiros ou financeirizados ao fim do ciclo das commodities e à recessão que se apresenta na verdade desde 2014.

5. O que vem pela frente?

Estamos em um processo cuja implementação está começando ainda. A reforma trabalhista e a da Previdência ainda vão trazer muitas notícias ruins para os trabalhadores, trabalhadoras e para o projeto de um Brasil que se seja minimamente decente. Há mais de 30 projetos em tramitação no Congresso, todos apresentados pelo mesmo conjunto de forças que sustenta as reformas de Temer. Eles irão liquidar a CLT por completo. Há um pacote de desumanidades, a começar pelo aumento da jornada de trabalho, que nos fará voltar ao cenário dos primórdios da revolução industrial.

6. Há uma ofensiva evidente contra a Justiça do Trabalho, que foi considerada descartável pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (leia aqui), um dos principais protagonistas na aprovação das reformas. Como vocês estão sentindo isso?

Faz parte do projeto extinguir a Justiça do Trabalho. E mesmo dentro da instituição temos vozes nesse sentido, basta pensar nos pronunciamentos do presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), o Ives Gandra Martins Filho, para não falar das barbaridades que o Rodrigo Maia tem dito, com apoio entusiasmado da mídia conservadora. Vou te contar algo que é público, mas pouca gente sabe, porque não leu o relatório da lei orçamentária de 2016. O Ricardo Barros, que agora é ministro da Saúde, foi o deputado relator do projeto de Orçamento e escreveu que a redução era uma punição para que a Justiça do Trabalho repensasse sua posição, porque somos ‘extremamente condescendentes com o trabalhador’ E quer saber mais? Pode parecer inacreditável, mas diante de uma ação de inconstitucionalidade contra essa lei absurda o STF a considerou constitucional! Agora me diga como é possível para qualquer instituição ou empresa ou organização de qualquer tipo funcionar em condições razoáveis com um corte abrupto em seu orçamento de custo de 50% e de 90% de seus investimentos, sem qualquer planejamento anterior, sem nada…

[Veja as considerações de Barros no relatório do orçamento federal de 2016 clicando aqui. As considerações sobre a Justiça do Trabalho aparecem às páginas 19-20]

7. Qual o clima na Justiça do Trabalho?

Há uma sensação de falta de apoio, de respaldo. Mas não creio que seja algo só nosso. Porque estamos em meio a uma crise institucional, então o desamparo e desespero é geral, claro que apenas para o lado fraco da corda. No Judiciário é uma situação sem precedentes em décadas: o Supremo por vezes se aparta do ordenamento jurídico do país, e julga a partir de considerações econômicas, como vimos no caso da decisão que reduziu o prazo de prescrição para cobrar o recolhimento do FGTS; e são considerações econômicas parciais, todas questionáveis.

8. Como resistir a esta força avassaladora?

Bem, há um processo importante acontecendo, de união, de novas articulações no interior das instituições, é uma reação ao desmonte, de gente que quer resistir mas não sabe muito bem como. Precisamos levar em conta que isso está acontecendo na “base” de diferentes instituições, entre os estudantes, e mesmo que não haja forças para mudar o quadro neste momento, trata-se de uma união importante de forças, estamos acordando. O problema é que se nos damos conta de que há um esgotamento do sistema, acabamos tendo de concluir que o único jeito de barrar as reformas de destruição do Estado Social é nas ruas. Não me parece haver outra alternativa neste momento.

(Os grifos são nossos)

Fonte:

Blog Caminho pra casa

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