Cabo Delgado – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Wed, 27 Jan 2021 21:44:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Cabo Delgado – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 VOCÊ CONHECE O PROJETO DE MICROCRÉDITO “LEVANTA-TE E ANDA” da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, na Diocese de Pemba, em Cabo Delgado, Moçambique? https://observatoriodaevangelizacao.com/voce-conhece-o-projeto-de-microcredito-levanta-te-e-anda-da-paroquia-sagrado-coracao-de-jesus-na-diocese-de-pemba-em-cabo-delgado-mocambique/ Wed, 27 Jan 2021 21:44:47 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=37784 [Leia mais...]]]> Com o apoio da Diocese de Pemba e de benfeitoras/es que acreditam, rezam e apoiam a nossa missão em Muidumbe, Cabo Delgado, Moçambique, está surgindo um projeto solidário de microcrédito – geração de renda para um grupo de deslocados. As ajudas que temos recebido, estamos canalizando para este projeto. Desejamos compartilhar aqui os objetivos e as exigências do “Projeto Levanta-te e anda” e continuar a contar com seu apoio e orações.

Confira:

Carta aos benfeitores e benfeitoras

Queridos  benfeitores, queridas benfeitoras,

Daqui de Cabo Delgado, em Moçambique, continuamos à espera da Paz e da normalidade da vida. Desde outubro de 2017, infelizmente não temos vivido outra realidade senão a dos ataques, sequestros, mortes, destruição e fuga.

Em novembro de 2020, o povo a quem servíamos no Distrito de Muidumbe teve que fugir de mais uma onda de violência. Praticamente todas as aldeias tiveram suas casas e plantações destruídas. A casa de nossa missão também está entre os prédios que foram totalmente incendiados.

No processo de fuga, nossa primeira ação junto ao povo foi oferecer recursos para o transporte. Graças à solidariedade de muitos amigos e amigas, tivemos condições de ajudar muitas famílias a fugir e a sair do mato no qual estavam escondidas.

Após chegarem ao seu destino, nossa missão se transformou e passamos a cadastrá-los para receberem os alimentos advindos da Cáritas (e de outras organizações), juntamente com medicamentos, roupas, lona e o apoio humano e religioso.

Depois desse tempo, as pessoas procuram adaptar-se à nova realidade. As cidades não estão preparadas para receber tanta gente. As pessoas, formadas predominantemente por pequenos agricultores, sentem-se “perdidas” diante da nova realidade urbana. Atualmente, muitas famílias estão reassentadas em vilas oferecidas pelo Governo.

Em nosso trabalho diário, encontramos situações pontuais e conhecidas que necessitam de apoio. No entanto, cremos que, neste momento, nossa missão não será somente doar cestas básicas, mas também a de criar condições para que as pessoas se “levantem e caminhem”. Queremos estimulá-las, com a graça de Deus e um apoio concreto fraterno, a dar este importante passo.

Diante disso, decidimos criar o projeto “Levanta-te e anda”, que se sustentará com todas as ajudas financeiras que recebemos e que, com a providência divina, continuaremos a receber de benfeitores e benfeitoras. Essas ajudas serão canalizadas para este projeto, que visa oferecer orientações, acompanhamento e um microcrédito básico a um grupo dos descolados para que possa criar atividades de geração de renda, através de pequenos empreendimentos e de serviços autônomos. É uma pequena iniciativa, mas que esperamos alcançar seus principais objetivos: promover a dignidade da pessoa e de sua família, pelo estímulo a criatividade e conquista da autossustentação econômica; desenvolvimento do espírito cooperativo e solidário.

Iniciaremos com quatro grupos como projeto piloto: dois na cidade de Pemba, um na cidade de Montepuez e outro na cidade de Nampula. E, à medida que tais experiências forem se concretizando, avaliaremos a possibilidade de ampliação e multiplicação.

Desde já agradecemos a todos que acreditam na capacidade empreendedora deste povo moçambicano forte e resistente.

Que as palavras de nosso Mestre Jesus possam não apenas “nomear” esse projeto, mas servir como guia, mística de esperança e de resistência. Diante de tanto sofrimento e tanta dor trazidos por esta guerra, é chegada a hora a de “levantar e andar” (Jo 5,8). Caminhemos!

Com nossa prece e nosso agradecimento, na alegria em saber que você faz parte dele, apresentamos-lhe o “Projeto Levanta-te e anda.

Pe Edegard Silva Júnior

Missionário Saletino

Projeto “Levanta-te e anda” – Geração de Renda

O projeto solidário “Levanta-te e anda” é uma iniciativa da Igreja Católica, através dos Missionários Saletinos e dos seus benfeitores, que se apresenta como resposta e apoio a um grupo de deslocados que fugiram dos ataques terroristas, pertencentes à Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, de Muidumbe.

O número de deslocados é muito grande. Por isso, o projeto, consciente de seus limites, visa atingir, a princípio, a pequeno grupo, em torno quarenta pessoas, de quatro localidades diferentes, com o intuito de criar condições de trabalhos autônomos para o sustento de suas famílias.

OBJETIVO GERAL

Ajudar concretamente pessoas deslocadas pela guerra em situação de vulnerabilidade social a conquistarem a vida digna de filhos e filha de Deus.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

1. Melhorar concretamente as condições de vida da pessoa e de sua família, incentivando por meio de microcrédito e acompanhamento solidário pequenos negócios;

2. Dar passos qualitativos, estimulando, com ajuda concreta, a possibilidade de pessoas deslocadas fazerem a passagem da ação de “pedir” para a de conquistar a dignidade do autossustento;

3. Incentivar o senso de dignidade, a criatividade e a capacidade empreendedora dos deslocados da região da Paróquia;

4. Estimular o espírito solidário cooperativo entre as pessoas que participam do projeto: quem foi ajudado pode ajudar a outros;

5. Capacitar pessoas para orientar e acompanhar, bem como perfeiçoar continuamente o processo de acompanhamento dos beneficiários do projeto de microcrédito;

6. Continuar a sensibilização missionária solidária dos atuais benfeitores e benfeitoras, bem como captar novos para o projeto “Levanta-te e anda”;

7. Estudar e trocar ideias

8. Estudar a possibilidade futura da criação de uma cooperativa de micro-crédito autossustentável;

9. Registrar os passos dados para dar visibilidade, memória e estímulo ao projeto.

REQUISITOS PARA PARTICIPAR DO PROJETO

1. Fazer parte do grupo dos deslocados da área da Paróquia Sagrado Coração de Jesus de Muidumbe;

2. Não ter outro vínculo de trabalho ou outra fonte de sustentação econômica;

3. Ter o documento de Identificação (BI);

4. Dispor de um local onde esteja convivendo com a família;

5. Participar dos encontros de formação sobre o fundo de microcrédito, seguindo as orientações e os protocolos exigidos atualmente pelo Ministério da Saúde;

6. Preencher a ficha de admissão e acolher as orientações do líder do grupo local do projeto;

7. Optar pela área (serviço) que pretende investir, ciente dos limites, responsabilidades e restrições próprias do projeto. Cada proposta de participação no projeto será avaliada de acordo com os recursos disponíveis e a viabilidade;

8. Aceitar a visita e orientação da pessoa designada para o acompanhamento do projeto beneficiado. Cada pessoa com projeto de benefício aprovado receberá a visita de alguém designado pela equipe missionária;

9. Participar dos encontros e comprometer-se com a prestação de contas exigida;

10. Devolver o valor estipulado (ver o tempo e a quantidade) para favorecer o espírito solidário e para que outras pessoas sejam igualmente beneficiadas;

11. Ter comportamento responsável e honesto com o projeto e com o valor recebido. Em hipótese alguma o valor deverá ser utilizado para compra de alimentos, roupas, utensílios ou qualquer outro bem de uso pessoal ou familiar. O valor é exclusivo para desenvolver a atividade de geração de renda. Se porventura alguma pessoa fizer uso do valor fora dos objetivos do projeto, além de ser desligada deverá devolver o valor recebido.

Pe. Edegard Silva Júnior

Pe. Edegard Silva Júnior é Missionário Saletino brasileiro. Atualmente trabalha na Missão de Muidumbe na Diocese de Pemba, Cabo Delgado, Moçambique. Tem sido um colaborador na concretização da missão do Observatório da Evangelização.

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Mais uma onda de violência agride a dignidade do povo de Muidumbe, em Cabo Delgado, na diocese de Pemba, Moçambique https://observatoriodaevangelizacao.com/mais-uma-onda-de-violencia-agride-a-dignidade-do-povo-de-muidumbe-em-cabo-delgado-na-diocese-de-pemba-mocambique/ Fri, 20 Nov 2020 22:47:35 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=36485 [Leia mais...]]]> Até quando, meu Deus, ficaremos calados e permaneceremos indiferentes diante da grave situação social que sangra, de forma recorrente, a dignidade e a vida do povo moçambicano que vive em Cabo Delgado?

Ontem, dia 19/11/2020, foi mais um dia de tristeza. Tomamos conhecimento de mais uma onda de violência que atingiu e destruiu as aldeias do povo de Muidumbe, em Cabo Delgado, na Diocese de Pemba, no norte de Moçambique. Insurgentes terroristas que, do dia 30 de outubro até o dia 19 de novembro, praticaram inúmeros atos de violência e destruição, causando insegurança, pânico e medo na população. Eles destruíram e atearam fogo no que foi duramente construído e que estava ao serviço do povo tão sofrido das comunidades do distrito de Muidumbe, onde está a nossa missão.

Diariamente chegam pessoas em busca de refúgio e proteção

Hoje ficamos sabendo que os insurgentes deixaram um grande rastro de destruição: o templo da sede paroquial, a rádio comunitária são Francisco de Assis, o ambulatório dentário e a casa dos missionários saletinos, consumindo tudo o que estava dentro… É triste saber que perdemos tudo, do pouco que tínhamos, e que estava ao serviço do povo em nossa missão. Só temos estes dois registros abaixo desta última destruição. Foram enviados a nós por uma liderança que esteve no local ao saber que os insurgentes, depois de 20 dias de ocupação, deixaram Muidumbe.

Nesta região do norte de Moçambique, cujo povo acolhedor e esperançado é afetado por esta cruel e desumana situação de guerra civil, desde 2017, é que está situada a Diocese de Pemba, do bispo dom Luiz Fernando Lisboa e que conta, além dos missionários/as, agentes e lideranças nativas, com o trabalho de muitos missionários/as de diversos países e distintas congregações religiosas.

Registro de contingente de deslocados em Cabo Delgado

A guerra em Cabo Delgado tem deixado muitos mortos, mais de 500 mil deslocados, muitas pessoas raptadas e muita destruição. Os que ficam nas aldeias vivem aterrorizados e já preparados para fugir para o mato. Na fuga levam o mínimo possível: uma capulana, uma vasilha com água… ali dormem e ficam à espera do sinal de que já podem voltar.

Precisamos tornar esta guerra cruel conhecida em outras partes do mundo e organizar ações humanitárias de solidariedade para salvar vidas. Devemos também, elevar a Deus nossa prece pelo fim da guerra e pela paz fundada na justiça em Cabo Delgado. A Diocese de Pemba tem muitos amigos e amigas em muitas partes do mundo. Façam chegar aos seus contatos informações sobre esta triste e trágica realidade que estamos vivendo.

Ainda mergulhado em profunda tristeza diante do que está acontecendo e na presença do Deus estradeiro conosco, renovamos nosso compromisso missionário de nos colocar ao serviço desta parcela sofrida do povo de Deus que nos foi confiada e contamos com as orações fraternas, com a denúncia profética às autoridades competentes, com o máximo de divulgação e com a ajuda solidária humanitária de todos vocês.

Neste momento é imprescindível a solidariedade e o apoio humanitário neste contexto da guerra. Para as pessoas que estão no Brasil segue a conta para quem pode e deseja contribuir no trabalho da Diocese de Pemba junto aos deslocados eis os dados da conta:

Associação Amigos Dom do Bem

CNPJ: 30.712.959/0001-10

Caixa Econômica Federal

Ag. 4040

Operação nº 003 (pessoa jurídica)

C/c nº 0005-5

Pe. Edegard Silva Júnior

Com estima e confiança em Deus,

Pe. Edegard Silva Júnior

Missionário Saletino em Muidumbe

Diocese de Pemba, Cabo Delgado, Moçambique

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Para compreender e indignar-se com a violência que assola Cabo Delgado, no norte de Moçambique, onde está situada a Diocese de Pemba do bispo brasileiro dom Luiz Fernando https://observatoriodaevangelizacao.com/para-compreender-e-indignar-se-com-a-violencia-que-assola-cabo-delgado-no-norte-de-mocambique-onde-esta-situada-a-diocese-de-pemba-do-bispo-brasileiro-dom-luiz-fernando/ Fri, 28 Aug 2020 22:34:34 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=35440 [Leia mais...]]]> O POVO DE CABO DELGADO QUER A PAZ
Mãe contempla a destruição de seu lar.

Para conhecer o que acontece em Cabo Delgado, norte de Moçambique na África

A Província de Cabo Delgado está localizada no extremo nordeste de Moçambique. A sua capital é a cidade de Pemba, localizada cerca de 2.600 km ao norte de Maputo. A Província tem uma área de 82.626 Km2 e uma população de 2,3 milhões de habitantes. Está dividida em 17 Distritos e cinco municípios.

É nesta Província, uma das mais pobres do País, que desde outubro de 2017, enfrenta-se uma guerra que já deixou muitos mortos e milhares de deslocados.

Mapa de Moçambique

Contextualizando a guerra

Para iniciar este relato, remetemo-nos inicialmente, no dia 05 de outubro de 2017, à cidade de Mocímboa da Praia, onde aconteceu o primeiro ataque de grupos armados, até então desconhecidos na Província de Cabo Delgado. Em novembro desse mesmo ano, algumas mesquitas foram fechadas porque, inicialmente, suspeitava-se que os ataques haviam sido planejados nelas. No entanto, os motivos desta guerra e seus mandatários nunca foram suficientemente apresentados. Pela realidade que vivemos, pressupomos os motivos, mas se faz necessária uma explicação por parte do Estado. Depois desse primeiro ataque, a situação parece ter perdido o “controle”.

A região afetada pelos ataques compreende nove municípios ou distritos: Palma, Mocímboa da Praia, Nangade, Mueda, Muidumbe, Macomia, Meluco, Quissanga e a Ilha do Ibo. Essa área tem uma população de aproximadamente 600 mil pessoas. Todas essas localidades sofreram e sofrem com os ataques dos insurgentes ou terroristas. A população dessa região é formada por pessoas simples: pequenos agricultores, artesãos, na sua grande maioria sem nenhum envolvimento ideológico ou sem nenhum conflito religioso. É necessário esclarecer que não se trata de guerra tribal ou de grupos étnicos. 

O bispo da Diocese de Pemba, dom Luiz Fernando Lisboa, assegurou a presença de missionários e missionárias em todas as comunidades dessa região. Atualmente, a Diocese tem mantido padres e religiosas em todos esses distritos. Esses missionários e missionárias têm acompanhado de perto a situação de guerra e o drama vivido pelas comunidades.

Dom Luiz Fernando Lisboa, bispo brasileiro da Diocese de Pemba: “o mundo não tem ideia do que está a acontecer em Cabo Delgado”.

Os ataques ou ações terroristas foram acontecendo de forma gradativa. As estratégias se modificaram no decorrer do tempo. Inicialmente, usaram armas mais “leves” e atacavam com grupos menores. Quando os insurgentes chegam nas aldeias, atacam, na verdade, pessoas inocentes. As vítimas são os pobres que vivem de forma muito simples, em casas de taipa, cobertas de palha. Criamos inclusive uma estratégia: quando eles chegam, se houver tempo, alguém da comunidade bate o sino para dar sinal à população (nem sempre essa tática é eficaz e bem-sucedida). Nessa altura, cada família já sabe para onde fugir, sempre em direção ao mato. Eles queimam as casas e tudo o que tiver dentro. Inclusive, já aconteceu de algumas pessoas serem queimadas vivas ou mesmo decapitadas. No início dos ataques, essa ação acontecia sobretudo com catanas (facão muito comum nas atividades rurais).

Por aqui, as aldeias estão interligadas. Familiares e conhecidos estão presentes nos diversos distritos. Mesmo com poucos recursos, a comunicação acontece de maneira veloz. Dessa forma, quando acontece um ataque, as notícias se espalham em cada aldeia. Isso faz com que toda população viva de maneira temerosa, incidindo e modificando seus hábitos cotidianos. Por exemplo, os horários das celebrações e de funcionamento das escolas foram alterados. As pessoas se recolhem em casa bem cedo, muitas vezes, também, com medo de irem sozinhas trabalhar na roça/machamba. O cenário é assustador: todos vivem aterrorizados, sempre esperando onde e como será o próximo ataque.

Como toda guerra, as táticas dos ataques foram se modificando. Das aldeias, eles passaram a atacar automóveis, lotações e ônibus nas estradas. Se antes disso nosso medo se restringia apenas em permanecer nas aldeias, doravante esse medo se estende às viagens, dada a necessidade de tomarmos o transporte para nos locomover. Foram registrados vários ataques com muitas mortes e com automóveis queimados.

Ônibus atacado em Mocímboa da Praia, em janeiro de 2020.
(Foto: http://opais.sapo.mz/autocarro-arde-em-plena-via-publica)

Fomos observando, pelas táticas e pelos relatos, que o grupo dos insurgentes estava aumentando. Ouvimos falar de recrutamento de jovens através da oferta de dinheiro. Numa realidade de desemprego e de abandono, muitos tendiam a aceitar essa proposta.

Ressaltamos que até este momento não temos informações claras acerca de quem são os responsáveis, nem de que há uma ação do governo para controlar as ações terroristas. Em decorrência disso, percebemos que, de simples “catanas” (facões) ou até de um “pequeno exército”, a ação terrorista parece crescer e manusear armas mais pesadas e modernas. Basta dizer que, em um dos ataques ao Distrito de Mocímboa da Praia, os terroristas entraram por terra e pelo mar, com um forte arsenal bélico, e o mesmo aconteceu no Distrito de Quissanga.

Ataque em abril de 2020, em Quissanga, registro de grupo armado insurgente. Estes grupos atacam e ateiam fogo em casas, estabelecimentos, prédios públicos, carros, igrejas em diversas municípios e distritos de Cabo Delgado.
(Foto: https://www.publico.pt/2020/04/07/mundo/noticia/mocambique-grupos-armados-intensificam-ataques-cabo-delgado)

Os ataques aumentavam e circulavam informações de que o interesse do grupo era atacar as sedes distritais, sobretudo os prédios públicos. Assim, a cada dia aconteceu uma onda sucessiva de ataques a “prédios oficiais”. Muitas coisas foram destruídas e queimadas: fóruns, escolas, hospitais, bancos, casas, escritórios, sede administrativa. Infelizmente, ao povo restava o mato. Temos relatos de situações mais entristecedoras de famílias no mato, sem água e comida. Em todos os distritos, o abastecimento ficou comprometido, uma vez que fazia parte da estratégia dos insurgentes incendiar pequenas casas comerciais.

No final de 2019 e no primeiro semestre de 2020, alguns templos católicos foram violados e queimados. Mesmo assim, desejamos registrar que, pastoralmente, a Diocese de Pemba se faz presente na região Norte com uma equipe de 35 missionários – padres e religiosas moçambicanos, diversas congregações com missionários de dez países diferentes. Essas presenças asseguram a assistência religiosa e social a essas localidades.

Em nossas reuniões com os agentes de pastoral ou através das redes sociais sempre nos perguntamos: quem são estes malfeitores? O que desejam? Por que matam os inocentes? Chegamos a pensar que essa guerra tem um “rosto oculto” (um oculto explícito). Começamos a conversar sobre as “hipóteses” possíveis que configuram esse “rosto”.

Existe alguma identificação clara dos responsáveis e envolvidos nos conflitos?

As marcas da destruição deixada pelos grupos terroristas.

Temos algumas hipóteses para a explicação dessa guerra que já se prolonga por quase três anos. Alguns falam em cenários distintos para compreendermos este quadro. Por outro lado, a população se sente inquieta diante de certa “indiferença” do governo moçambicano em relação aos ataques. Há pouca cobertura jornalística dos meios de comunicação. Isso, numa região onde o governo tem uma das suas maiores bases políticas. Para além destes ataques, a região de Cabo Delgado enfrentou, neste mesmo tempo, outras calamidades. Entre elas, o Ciclone Kenneth e as fortes chuvas iniciadas em dezembro de 2019 que deixaram a região ilhada por quase cinco meses.

Mas qual organização terrorista que tem dado suporte econômico e bélico a essa guerra, cujo custo é sempre muito alto? Quem tem treinado os insurgentes com táticas militares? Na verdade, não dispomos de nenhuma palavra oficial capaz de responder a esses questionamentos. Supomos que seja a presença de grupos que defendem uma radicalização islâmica, incluindo o grupo Al-Shabab. Num determinado momento, a orientação era de não oficializarmos os ataques como sendo derivados de um viés religioso, até mesmo porque essa guerra, como todas outras, parece ser mais motivada por interesses econômicos do que religioso.

No ataque em Quissanga, alguns vídeos foram veiculados e, neles, os terroristas falam claramente dos objetivos religiosos e de seu desejo de implementar na região o estado islâmico. Essas filmagens eram registradas por falas e pelo hasteamento da bandeira desse movimento. Num mundo marcado pelas “fake news”, devemos checar e questionar algumas imagens que nos chegam pelas redes sociais, mas, no entanto, aquelas imagens nos deixaram bastante preocupados.

Outro ponto é que não nos parece muito evidente que haja uma ligação dessa guerra com as anteriores. Se caracterizarmos as “três guerras” enfrentadas por Moçambique, essa tem um rosto muito específico, pois parece visar mais a concentração de riqueza da região e o seu possível controle.

Há motivações de ordem religiosa ou econômica nesses conflitos?

Registro de templo católico queimado!

Do ponto de vista religioso, os últimos ataques trazem alguns elementos. Haverá muitas informações que só saberemos após a guerra. Será necessário fazer um registro mais preciso e ouvir as pessoas. Nesse momento, é impossível saber, pois muitas aldeias estão abandonas e em muitas estamos proibidos de entrar.

Algumas mortes que ocorreram estão sendo associadas a não adesão à proposta religiosa do estado islâmico. Logo que possível, deveremos esclarecer o ataque à comunidade de Xitaxi. Nesta comunidade, a 8 de abril de 2020, houve um massacre de 52 jovens. Afirma-se que estes jovens se recusaram aceitar a proposta dos terroristas, de entrarem em suas fileiras. Também aconteceu a violação e profanação de diversos templos católicos. No entanto, é preciso prudência para afirmar que os ataques têm como objetivo a implantação do estado islâmico nesta região.

Um outro aspecto muito claro para nós: a Província de Cabo Delgado é uma das mais ricas do país. Esta região é rica em gás natural. É a Província onde está a ser feito o maior investimento total em Moçambique, para a construção da “Cidade do Gás”, na Península de Afungi. Os recursos petrolíferos de Cabo Delgado são explorados por multinacionais, enquanto a população vive na pobreza, sem acesso à educação, aos cuidados da saúde e ao trabalho.

Dessa forma, podemos dizer que essa desigualdade econômica pode fomentar os pregadores do fundamentalismo islâmico, que viram aqui um terreno fértil para sua expansão ou até mesmo grupos locais que desejam garantir uma fatia. Fala-se de um controle da região em vista da riqueza de seu solo e oceano. Consequentemente, atacar as aldeias seria uma forma de despovoar a região para se ter um melhor “controle” dessas riquezas. Pode haver também, o interesse religioso, cuja missão seria a de implantar o estado islâmico. Mas essas são apenas hipóteses.

Direitos humanos mais ameaçados

Diante da destruição o fio tênue da esperança para recomeçar.

A Igreja Católica, por fidelidade ao Evangelho da vida e a práxis libertadora de Jesus, é chamada a defender os direitos humanos e, sobretudo, o direito dos pobres. A Doutrina Social da Igreja retoma e contribui para a formulação destes direitos pautados na Palavra de Deus. Logo, nossa missão é também defender os Direitos Humanos.

Não se trata aqui de tomar cada artigo detalhadamente. Citamos apenas o primeiro: “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Vejam que esse artigo consiste justamente naquilo que nos tem sido tirado.

A Diocese de Pemba, com seus missionários e animadores, tem sofrido e chorado ao ver tantas mortes, injustiças com os pobres, sobretudo porque essa guerra já causou mais de mil mortes e mais de 200 mil pessoas foram deslocadas. Somam-se a esse quadro o número de pessoas torturadas, submetidas a castigos cruéis, detidas e presas. Preocupa-nos também o número de pessoas raptadas, violando assim a Declaração dos Direitos Humanos supracitada.

Consequências imediatas desses acontecimentos

Mãe e filho contemplam o horror da destruição de seu lar.

Temos vivido muitas consequências, entre elas:

  • aldeias abandonadas;
  • a fome que tem aumentado, pois a terra não está sendo cultivada;
  • a perda dos poucos recursos (casas, roupas, alimentos etc.);
  • desestruturação das famílias, com pessoas espalhadas por todos os lados;
  • a vida comunitária está desestruturada: ninguém sabe onde estão os catequistas, os animadores, os ministros de muitas comunidades;
  • o ano escolar foi comprometido;
  • o medo que assusta as pessoas e a desconfiança com a chegada de qualquer pessoa desconhecida na aldeia.

Agentes de pastoral

Pensando na segurança e em garantir a presença das missionárias e missionários, Dom Luiz Fernando trouxe para sede da Diocese os agentes de pastoral. Em junho, os missionários da região norte publicaram uma mensagem às comunidades:

“Como muito de vós, a maioria dos missionários tivemos que abandonar os nossos lugares de missão. Temos esperança de em breve estarmos juntos de novo. Esta simples carta é para dizer a todos, que nós Missionários e Missionárias: rezamos diariamente por todas as pessoas e comunidades! Sentimos muitas saudades de estar convosco!

Desejamos que logo tudo isso passe para voltarmos a servir a todos, como sempre fizemos! Nossa oração neste tempo tem sempre duas intenções: pelo fim desta doença que se alastrou por todo o mundo e pela PAZ em CABO DELGADO!

Rezem também nestas intenções. Que termine logo os ataques e todos possam voltar aos seus trabalhos e celebrações”.

Medidas em âmbito nacional e internacional para superar esses conflitos

Rastro de destruição e aldeia abandonada e população deslocada em busca de paz.

Em nossa opinião, é mais do que necessário tornar essa guerra conhecida no cenário internacional para que pessoas e organizações internacionais tenham acesso às informações e às situações do país. Um outro passo é a coragem de denunciar, numa linguagem eclesial, como exercício da profecia.

Do ponto de vista político/militar, alguns falam de uma cooperação entre países aliados que estão agindo nessa região. No entanto, temos pouca informação das ações que são realizadas por parte da Força de Segurança. Em alguns momentos, ouvimos que o exército combateu os terroristas, no entanto, em outra parte da região, somos pegos de surpresa com notícias de novos ataques.

Sobre reportagens desvirtuadas e tendenciosas

Essa guerra tem gerado um desgaste emocional muito grande, tanto no nosso bispo, quanto nos missionários e moradores situados na região norte e em toda a Diocese de Pemba. Nossas atividades cotidianas se voltam para ações mais urgentes:

  • socorrer as pessoas que fogem da guerra;
  • amparar e consolar familiares que perderam seus familiares;
  • prover alimentos;
  • organizar locais de acolhimento.

Nesse sentido, é importante reconhecer o trabalho efetivo da Cáritas Diocesana na colaboração com nossas atividades. Além disso, também devemos reconhecer a ação de muitas organizações internacionais: a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), entre outras.

Dom Luiz Fernando e crianças moçambicanas.

Tal atitude serve para dizer que nosso foco se volta pontualmente para essa situação. No entanto, constantemente temos sido bombardeados com reportagens totalmente desvirtuadas, mentirosas, com notícias tendenciosas atacando, sobretudo, a pessoa de Dom Luiz Fernando. O Bispo de Pemba tem sido vítima de calúnias e de reportagens duras e mentirosas. No início, vários setores da diocese procuravam responder. Depois, tornamos os artigos conhecidos e deixamos livres para as manifestações. Um desses artigos que caluniava Dom Luiz estimulou a iniciativa de diversas organizações, em Maputo, capital do País, para a criação de uma campanha de apoio com assinaturas digitais. Em cinco dias, esta petição contava com milhares de assinaturas.

A solidariedade internacional

Sabemos que a dignidade do Continente africano não desperta o interesse de muitos países, tampouco da grande mídia. Por isso, uma das pautas que devemos assumir em nossas ações pastorais e nos meios de comunicação que dispomos consiste em divulgar tudo o que pudermos sobre África, especificamente a situação de Cabo Delgado, em Moçambique. Toda ação solidária – seja o menor gesto, seja uma ação organizada político-institucional – nesse momento é de suma importância. Desejamos, com urgência, a Paz para Cabo Delgado!

Esperamos que as pessoas voltem para suas casas, aldeias e comunidades, que nossos missionários possam retornar ao trabalho de evangelização num ambiente seguro, respeitando e valorizando as singularidades de nosso povo africano. Neste momento de fragilidade e insegurança do povo, em que os missionários estão afastados da missão por medida de segurança, alguma palavra ou ação que venha de qualquer organização, eclesial ou social, é um gesto evangélico. Toda ação solidária demonstra a nossa humanidade, todo gesto de partilha mostra o Evangelho sendo vivido na prática, encarnado na experiência do povo.

A solidariedade eclesial e a proximidade do papa Francisco

Papa Francisco e Dom Luiz Fernando

Nesse clima de guerra e de Covid-19, as atividades pastorais então na dinâmica do “novo normal”. É um tempo de tristeza, de famílias separadas, inseguras ou enlutadas, de comunidades feridas, amedrontadas e destruídas… Neste momento, a solidariedade, as palavras de consolo e ânimo são importantes para continuarmos nossa caminhada. Elas chegam por diversas “portas” e vem de vários lugares.

Entre esses gestos de solidariedade, destacamos a do papa Francisco. Esse reconhecimento do Papa é importante para nós porque confirma que não estamos sós nessa árdua missão. Na recitação do Ângelus do Domingo da Páscoa, dia 12 de abril de 2020, Francisco mencionou a guerra de Cabo Delgado. Passado cinco meses, por ocasião de sua visita à Moçambique na cidade de Maputo, mais uma vez repete sua preocupação. Mais adiante, dom Luiz escreve pessoalmente ao papa Francisco relatando o que está acontecendo. No dia 19 de agosto de 2020, às 11h29, dom Luiz relata:

Para minha surpresa e alegria, recebi um telefonema de Sua Santidade, o papa Francisco, que me confortou muito. Ele disse que está bem próximo do Bispo e de todo povo de Cabo Delgado e acompanha a situação vivida na nossa Província com muita preocupação e que tem rezado por nós. O Papa disse que está conosco e nos encorajou: adelante!, que significa: avante! coragem!..”.

Na imprensa, muitas vezes maldosa e caluniosa, houve até quem duvidasse da veracidade do telefonema. Para estes mentecaptos, a resposta veio em apenas quatro dias, quando, na recitação do Ângelus do dia 23 de agosto de 2020, o Papa Francisco disse:

“Gostaria de reiterar a minha proximidade com o povo de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, que está a sofrer em consequência do terrorismo internacional. Faço-o em memória viva da minha visita àquele querido país há cerca de um ano”.

Portanto, nesse momento de sofrimento, em que a fragilidade humana aflora, qualquer palavra ou gesto tem um grande significado. Gostaríamos de terminar dizendo que esse relato se resume numa palavra tão simples, pequena, mas no momento ainda muito longe de ser uma prática:

Queremos a PAZ! O povo de Cabo Delgado quer a PAZ! O povo quer retornar às suas comunidades e viver em PAZ! Os missionários querem voltar às paróquias e viverem em PAZ!

Obs.: Estas informações foram elaboradas em nome da Diocese de Pemba para que o mundo conheça a situação de Cabo Delgado e mostre solidariedade e cumplicidade fraterna com este povo que atravessa esse longo túnel de sofrimento e dor.

Pe. Edegard Silva Júnior

Pe. Edegard Silva Júnior é Missionário Saletino brasileiro. Atualmente trabalha na Missão de Muidumbe na Diocese de Pemba, Cabo Delgado, Moçambique.

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