Brumadinho – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Tue, 01 Mar 2022 12:00:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Brumadinho – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O perdão: a grandeza e a dignidade das vítimas de extrema violência. Artigo de Leonardo Boff https://observatoriodaevangelizacao.com/o-perdao-a-grandeza-e-a-dignidade-das-vitimas-de-extrema-violencia-artigo-de-leonardo-boff/ Tue, 01 Mar 2022 12:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=43994 [Leia mais...]]]>

O perdão é um tema urgente em nosso tempo! Os horizontes do perdão se configuram em processos de elaboração de traumas causados por crimes, tragédias, exclusões sociais ou por elementos que, simplesmente, fazem parte das dores da vida de toda e qualquer pessoa. É preciso, por isso, atestar que ocorreu uma ferida e entender a sua trajetória, os seus efeitos e impactos sociais, humanitários e pessoais. Podemos apenas pensar em horizontes de perdão, por isso mesmo, quando temos possibilidades hermenêuticas, propiciadas por sociedades democráticas ou grupos de resistência, que não aceitam pagar violência com violência. É possível alcançar um estado de harmonia e de paz, quando buscamos caminhos para a ressignificação. Para tanto, torna-se imprescindível elementos como a tolerância, a justiça e a reconciliação. Como afirma o filósofo francês Paul Ricoeur, o perdão é difícil, mas possível. Perdoar não é uma obrigação, não é casual, mas extraordinário, um transbordamento, um dom, expressão do divino no humano, profundamente humano! Cremos que, participantes de uma tradição cristã, em várias abordagens corre, como um rio de água viva, a possibilidade de um perdão maior. Daquela fonte que de tanto amor, torna-se vítima que perdoa, matando a própria inimizade. A história de Cristo mesmo como antecipação escatológica de um novo reino no qual todos são irmãos. No artigo a seguir, Leonardo Boff faz uma apresentação profunda do tema, tomando como inspiração o livro “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) organizado por Dom Vicente Ferreira e pelo professor René Dentz (membro da equipe executiva do Observatório):

Por iniciativa do bispo Dom Vicente Ferreira, pastor da região da tragédia de Brumadinho-MG e do professor e psicanalista René Dentz, foi organizado um livro que recolhe excelentes estudos sobre o perdão: “Horizontes de Perdão” (Editora Ideias & Letras 2020, pp.180). Sua singularidade reside no fato de terem sido escolhidos exemplos de perdão de diferentes países com suas culturas e tradições próprias.

 Queremos comentar esta obra por sua alta qualidade e por abordar um tema de grande atualidade, também largamente abordada pelo Papa Francisco na sua encíclica social Fratelli tutti (2020).

O livro “Horizontes de Perdão” tem como foco pensar o perdão a partir do sofrimento concreto e terrível, suportado por vítimas humanas inocentes ou por todo um povo vitimado durante séculos. Aqui reside sua grande força e também o seu poder de convencimento.

 Um exemplo, descrito e analisado pelo bispo Dom Vicente Ferreira e de René Dentz, também organizador desta obra, vem do Brasil, das tragédias criminosas do rompimento de duas barragens da mineradora Vale, em Mariana-MG no dia 05 de novembro de 2015, matando 19 pessoas e destruindo a bacia do Rio Doce, com 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério, e Brumadinho-MG, no dia 25 de janeiro de 2019, com a ruptura da barragem da mesma mineradora Vale, vitimando 272 pessoas, soterradas sob 12,7 milhões de metros cúbicos de lama e detritos.

O livro abre com um minucioso estudo do bispo Dom Vicente Ferreira, pastor, poeta, músico e profeta: “Brumadinho: o perdão a partir das vítimas de crimes socioambientais”. Precede-o uma pertinente análise de conjuntura global, sob a hegemonia do capital, uma máquina de fazer vítimas no mundo inteiro. A mineradora Vale representa a lógica do capital que prefere o lucro à vida, aceitando o risco de dizimar centenas de pessoas e de danificar profundamente a natureza. Mesmo consciente dos danos perpetrados, reluta em compensar com justiça e equidade as famílias e pessoas afetadas.

Dom Vicente procura entender o processo vitimatório da globalização do capital com as categorias do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos e a compreensão da violência com a psicanálise de Sigmund Freud que, face à nossa capacidade de superar a violência, se mostra, de certa forma, cético e resignado.

Dom Vicente supera esta resignação com a contribuição da mensagem cristã bem no espírito da Fratelli tutti do Papa Francisco. Esta testemunha o sacrifício da vítima inocente, do Crucificado que rompeu o círculo da vingança e do ressentimento com o perdão a seus algozes. Esta visão foi bem desenvolvida pelo pensador René Girard, referido no estudo. Este pensador francês emerge como um dos que melhor estudou a dinâmica da violência que se origina pelo desejo mimético excludente (alguém quer só para si um objeto excluindo a terceiros), mas que a proposta cristã mostrou que este desejo mimético pode ser transformado em includente (desejamos juntos e compartilhamos o mesmo objeto) pelo perdão incondicional.

 Mas esse perdão coloca a exigência de justiça a ser praticada por aqueles que provocaram o desastre criminoso, no caso os responsáveis da mineradora Vale. Essa luta, o bispo a leva com determinação e ternura, com canto, poesia e oração junto com a comunidade dos sofredores que ele incansavelmente, com uma generosa equipe, acompanha. Cabe citar novamente o que diz a Fratelli tutti: “Não se trata de propor um perdão renunciando aos próprios direitos perante um poderoso corrupto… Quem sofre injustiça tem de defender vigorosamente os seus direitos e os da sua família, precisamente porque deve guardar a dignidade que lhes foi dada, uma dignidade que Deus ama” (n. 241).

Para entender melhor a dinâmica da violência e do perdão, alguns autores foram seminais: o filósofo francês Paul Ricoeur com seu livro “La mémoire, l’histoire, l’oubli” (Paris, Seuil 2000) e Franz Fanon, “Os condenados da Terra” (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 1968).

A reconciliação e o perdão não terminam em si mesmos. Novamente a Fratelli tutti é inspiradora:

 “Como ensinaram os bispos da África do Sul, a verdadeira reconciliação alcança-se de maneira proativa, ‘formando uma nova sociedade baseada no serviço aos outros, e não no desejo de dominar; uma sociedade baseada na partilha do que se possui com os outros, e não na luta egoísta de cada um pela maior riqueza possível; uma sociedade na qual o valor de estar juntos como seres humanos é, em última análise, mais importante do que qualquer grupo menor, seja ele a família, a nação, a etnia ou a cultura’ (n. 213). E os bispos da Coreia do Sul destacaram que uma verdadeira paz ‘só se pode alcançar quando lutamos pela justiça através do diálogo, buscando a reconciliação e o desenvolvimento mútuo'” (n. 229).

Releva enfatizar: cada povo e cada grupo encontraram caminhos próprios para chegar ao perdão. Assim, por exemplo, para os afrodescendentes brasileiros é imprescindível para um perdão real que os brancos que os vitimizaram pela escravidão reconheçam a desumanidade que cometeram, reforcem a identidade africana e os restaurem na sua dignidade ofendida. Bem se disse: “o perdão é mais que uma justa justiça, antes é da ordem da doação – doação aos outros”.

 No Congo Brazzaville, país marcado por sangrentas guerras civis, o conceito chave foi “palaver”, recorrente nos países do sul do Saara.

 “Palaver” implica buscar a verdade pelo diálogo, pela liberdade de todos falarem, independentemente de seu lugar social e de gênero, até se elaborar um consenso em função da paz social; todos se perdoam mutuamente, sem penalizar ninguém, mas todos se propõem corrigir os erros. O texto mostra como esse pacto pela ganância do poder de grupos e pela vasta corrupção que assola o país não conseguiu prevalecer e ter sua sustentabilidade garantida. Mas vale a tentativa.

Na África do Sul, o conceito-chave no processo de reconciliação e de perdão, conduzido pelo arcebispo anglicano Desmond Tutu, foi a categoria “Ubuntu”. Ela fundamentalmente expressa essa profunda verdade antropológica: “eu só sou eu através de você”. Todos se sentem interligados. A estratégia era: o vitimador confessa seu crime com toda sinceridade; a vítima escuta atentamente e narra a sua dor; restaura-se a justiça reparadora e restaurativa, eventualmente aceita-se uma punição curativa, exceto para os crimes mais hediondos de lesa-humanidade, que são encaminhados ao tribunal competente.

 Outra contribuição trabalha estudos avançados de mereologia (como as partes se relacionam com outras partes, como elas se situam no todo e como dentro dele se movem). Os dois autores articulam os dados numa certa harmonia, base para o perdão, assim definido por eles:

 “A superação do afeto negativo e do julgamento em relação ao ofensor, não negando a nós mesmos o direito a tal afeto e julgamento, mas se esforçar em ver o ofensor com compaixão, benevolência e amor”.

 O pressuposto antropológico é que por mais criminoso que alguém seja, nunca é só criminoso, jamais deixa de ser humano com muitas outras virtualidades também positivas. Da mesma forma, por mais que a população trazida violentamente da África para ser escrava no Brasil, nunca os senhores de escravos conseguiram matar-lhes a liberdade. Eles resistiram e procuraram sempre conservar sua identidade cultural e religiosa. O quilombolismo é disso uma prova ainda hoje visível nas centenas de quilombos existentes, onde se vive uma vida mais comunitária, igualitária, na linha do “Ubuntu”.

 Entretanto, enquanto não se parar de dar um download do ressentimento e do espírito de vendetta, nunca se rasgará o caminho para um verdadeiro perdão. Não se trata de esquecimento, mas de não deixar de ser refém de um interminável ciclo de amargura e de mágoa.

 Nesse ponto do perdão generoso, o cristianismo mostrou seu capital humanístico. Como o texto de Dom Vicente o mostra e especialmente o da Colômbia que assim o expressa: perdoar o imperdoável não é só uma amostra como o espírito humano pode revelar a sua transcendência, a sua capacidade de estar para além de qualquer situação por mais desumana que se apresente, mas é acima de tudo o dom da graça divina. Perdoamos porque fomos perdoados por Deus e por Cristo cuja misericórdia não sofre nenhuma limitação.

A justiça é irrenunciável. Mas não é ela que escreve a última página da história humana. Excelentemente respondeu o filósofo Roger Icar a Wiesenthal, aquele que buscava no mundo todo criminosos nazistas: “O perdão sem justiça revela fraqueza, mas uma justiça sem perdão representa uma força desumana”.

 Estes textos revelam a excelência das reflexões sobre o perdão, dos melhores publicados nos últimos tempos. A parte desumana no ser humano pode, pelo perdão e pela reconciliação, ser resgatada e transformada. Essa é a grande lição que esta notável obra “Horizontes de Perdão” nos quer transmitir, tão bem organizada pelo bispo-pastor Dom Vicente de Brumadinho e pelo erudito psicanalista René Dentz.

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Leonardo Boff
Teólogo, filósofo, escritor, professor e membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.

Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/609602-o-perdao-a-grandeza-e-a-dignidade-das-vitimas-de-extrema-violencia-artigo-de-leonardo-boff

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Dom Vicente de Paula Ferreira: 'É urgente que se pense em caminhos alternativos' https://observatoriodaevangelizacao.com/dom-vicente-de-paula-ferreira-e-urgente-que-se-pense-em-caminhos-alternativos/ Fri, 24 Jan 2020 16:50:37 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=33948 [Leia mais...]]]> Bispo que assumiu a missão de levar amparo e esperança às vítimas do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão conta ao EM o que viu e como a tarefa mudou sua vida.

Ao se ver no núcleo da maior tragédia humanitária e ambiental mineira, o líder religioso teve dúvidas, se questionou, temeu não ser capaz, mas tomou uma decisão corajosa que mudaria a sua vida e a de seu rebanho. Em meio à devastação e ao sofrimento causados pelo rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, o bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte dom Vicente de Paula Ferreira se mudou para o município. Desde então passa dias incomunicável, percorrendo as comunidades atingidas mais carentes e isoladas do Vale do Rio Paraopeba para levar auxílio humanitário, psíquico, social, espiritual e esperança.

Não fui preparado para lidar com um rompimento de barragem. Quanto mais nessa extensão. Comecei a questionar os valores da vida. Por que têm de acontecer coisas assim tão brutais? Por que deixaram acontecer uma tragédia dessas? É raro o dia em que não choro pela situação de Brumadinho”, desabafa o religioso, que aos 49 anos é bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e responsável pela Região de Nossa Senhora do Rosário, com 150 comunidades, incluindo Brumadinho. Em meio a essa demanda da vocação e às vésperas de um ano da catástrofe que matou 270 pessoas, incluindo duas gestantes, ele concedeu entrevista ao Estado de Minas num de seus raros retornos a Belo Horizonte.

Confira a entrevista:

1. A tragédia de Brumadinho trouxe impactos para o senhor? Como, um ano depois, o senhor descreveria essas mudanças?

Do dia 25 (de janeiro de 2019) em diante comecei a viver uma conversão de vida. Incluí a pauta da ecologia integral. A nossa forma de lidar com o meio ambiente. O rastro de destruição foi muito impactante para mim não apenas como um homem de fé, mas como pessoa. Comecei a perceber que por mais que tivesse estudado e que acumulasse conhecimento, estava lá e não sabia onde havia barragens, que riscos elas tinham. Me percebi em uma alienação. Mas foi uma mudança brusca, porque as soluções para a região são imediatas. Tivemos de nos lançar (a Igreja e ele) de corpo e alma para alcançar os caminhos (dos atingidos). Quando aconteceu (o rompimento), tivemos de nos lançar por inteiros. Nessa hora não tem diretrizes para seguir.


2. Como foi a situação que o senhor testemunhou e os desafios após o rompimento?

No mesmo dia, fiz de tudo para chegar até Brumadinho, passando por vários caminhos e bloqueios nas estradas. Era uma situação em que se sentia o desespero das pessoas todos os dias. Tinha gente chegando na igreja, enterrando um filho e desesperada porque o outro estava desaparecido. Mas estavam todos com medo, porque não podiam atravessar para o outro lado (o município foi partido pela avalanche de lama) e a sirene ainda soava lembrando os riscos de mais rompimentos. Nosso Centro de Líderes, que hoje é o Santuário de Nossa Senhora do Rosário, ficou aberto para receber pessoas que foram retiradas de suas casas, quem tinha medo de a lama chegar até elas. Recebemos, ao mesmo tempo, gente das corporações internacionais pedindo um tipo de parceria. Hospedamos esses voluntários na casa paroquial, organizamos a distribuição de doações que chegaram e fomos entrando no território para conhecer as comunidades, sem distinção.


3. Após o auxílio emergencial, o senhor continuou em Brumadinho. Que tipo de trabalho desempenhou?

O segundo momento é o de articular e dar as mãos. Somos uma rede de comunidades cristãs. Criamos esse trabalho de articulação social. O amparo material é menor neste momento. Mas o grande amparo agora é estar ao lado das pessoas que estão em luto, em sofrimento, desnorteadas, para verem que não as abandonamos. Temos reuniões com os atingidos, participamos de audiências, discutimos caminhos alternativos, estamos muito presentes e a nossa proposta é o fortalecimento das comunidades. Não podem brigar entre si pelo dinheiro de indenizações.

4. Quais são as dificuldades que o senhor vê hoje, sendo uma das pessoas que melhor conhecem o território devastado?

As pautas hoje, em Brumadinho, são muito complexas. Uma palavra que resume o sentimento de angústia no território atingido é indefinição. Há o que é realizado de reparos e de compensações, que são oficiais. Mas há outros aspectos. A questão dos danos morais espirituais. Um luto que não para. Pessoas que não foram encontradas. Isso já deixa uma ferida aberta o tempo todo no coração das pessoas. Como podemos falar de reparo de traumas que serão marcas nas vidas das pessoas? São 270 mortes. É uma coisa muito profunda. Isso tem consequências no tecido social da região. Não há condições de se medir isso. A região de Brumadinho era uma até 25 de janeiro de 2019. Depois dessa data, passou a ser outra. Inclusive, na constituição diferente de pessoas que chegam, com costumes diferentes. As famílias foram removidas de seu meio ambiente e acabaram levadas para um outro meio ambiente e isso traz muitas mudanças duradouras.

5. Como cada atingido reage e pode ser ajudado?

O desespero é grande. Escuto muita gente na igreja, na sala de atendimentos, e é rara a pessoa que não está tomando algum tipo de remédio. Acompanho muitas famílias, inclusive as suas vidas dentro das casas delas. O índice de consumo de ansiolíticos se tornou muito alto. Um homem, por exemplo, que perdeu a sua filha, me disse claramente: “Nunca tomei remédios na minha vida. Depois do dia 25, só vivo a poder de remédios”. Então, você pode acompanhar psicologica e espiritualmente, mas o corpo e a alma dessa pessoa estão feridos e começam então a ter outras demandas que não estão nos pacotes. Quem vai acompanhar essas pessoas?

6. O senhor poderia detalhar algum drama que lhe chamou mais a atenção nesse tempo?

Muitos casos me chamam a atenção. Me pego vendo o desamparo das pessoas que estão olhando para o vazio e isso dói demais na gente. A gente pensa que por mais que se tente lutar, ajudar a pessoa a reconstruir sua vida, vemos que não estão dando conta de abraçar esses objetivos. O que vemos também é choro toda hora. Tem casas onde as famílias estão presas em angústias e o que resta a fazer é chorar o tempo inteiro. Tenho muito apreço por uma família, a do senhor Geraldo e da dona Ambrosina. Até me emociono ao falar deles. Perderam a filha e o genro, deixando um casal de netos gêmeos que se chamam Geraldo e Antônio. Esses dois estão num nível de sofrimento muito alto. Até agora não encontraram a filha. Mas mesmo sob essa dor surge a força, pois estão cuidando dos netos de 1 ano e 4 meses como se fossem seus filhos – e o são. Os meninos estão uma gracinha, mas você vê o choque nesse casal. O senhor Geraldo mesmo é um que disse que nunca tinha tomado remédios. E que hoje só vive com remédios. Os meninos são uma lembrança, mas também uma saída, pois já chamam os avós de papai e mamãe.

7. Que questões e necessidades básicas ainda estão em aberto nas áreas atingidas?

Consideramos que há pautas não respondidas, como por exemplo os agricultores que perderam seus terrenos. Ainda não foi feita uma proposta de reintegração clara. Uma das coisas mais complicadas é quando perguntamos se os atingidos estão sendo escutados e às vezes a resposta é que não. Então, às vezes, vem uma decisão de cima para baixo que passa por cima do desejo dos atingidos. Isso não é uma forma de tentar reparar as coisas. A questão da água. Já tivemos de socorrer comunidades que estavam sem água. Nas comunidades vemos que as interrogações estão presentes dentro do território atingido. Qual a segurança da água que se consome? Está contaminada? Pode estar ou não contaminada. As comunidades são muito inseguras com relação a isso. Além de terem a carência mesmo. Já tivemos de pedir socorro a uma entidade para levar um caminhão de água para a comunidade de Ribeirão, que é uma comunidade de quilombolas que usam poços artesianos, mas os poços secaram.


8. No longo prazo, qual é o futuro que o senhor vislumbra para a região?

Temos de debater caminhos alternativos, até mesmo de economia. Caminhos que passam pela ecologia, pela cultura, pelo turismo, pela agricultura familiar. Isso tem de ser debatido como propostas alternativas para a gente dialogar com um sistema que é unitário, que é o da mineração, da dependência do minério. Isso até as autoridades sabem. Quando há um império de uma coisa única, um patrão único, fica difícil de dialogar sobre outras perspectivas. Na região de Brumadinho é urgente que se pense em caminhos alternativos. Se continuarmos nesse mesmo processo, a dor só será mais aguda. Vem pela frente uma pergunta sobre a crise hídrica, sobre a questão dos mananciais. Do próprio Rio Paraopeba, que foi duramente atingido e já começa a repercutir na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

FONTE: Estado de Minas

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Emoção marca visita do representante do Papa a Brumadinho https://observatoriodaevangelizacao.com/emocao-marca-visita-do-representante-do-papa-a-brumadinho/ Mon, 20 May 2019 12:01:18 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30555 [Leia mais...]]]> No sábado, dia 18, as comunidades do Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira, em Brumadinho, receberam monsenhor Bruno-Marrie Duffé, representante do Papa Francisco, que participou de emocionante Celebração com os fiéis.

Dom Vicente saudou o Monsenhor e agradeceu sua presença na comunidade. O Bispo explicou que monsenhor Bruno-Marrie “tem uma sensibilidade enorme para as causas humanas, com especial atenção para aqueles que sofrem”. Dom Vicente ressaltou que a presença do Monsenhor em Brumadinho é “um envio especial do Papa, que tem dedicado toda a atenção a Brumadinho”.

Padre Renê Lopes, pároco da Paróquia São Sebastião, em Brumadinho, ressaltou o “importante trabalho realizado pela comunidade da Igreja Nossa Senhora das Dores, ao acolher os bombeiros e voluntários, tornando-se referência para as vítimas que procuravam consolo”. Destacou,  ainda, “o trabalho dos leigos e leigas na acolhida daqueles que sofrem”.

Monsenhor Bruno-Marrie ouviu testemunhos de fiéis que perderam familiares em consequência do rompimento da barragem. Emocionado,  partilhou: “consigo imaginar a dor do povo de Brumadinho e trago, a pedido do Papa, uma mensagem de esperança. Crendo que, no Córrego do Feijão, está o coração da Igreja e da humanidade”. O Monsenhor convidou o povo de Brumadinho a se tornar “profeta que anuncia um tempo novo, que consola e lutam por um mundo mais justo, combatendo a ganância”.

Numa Celebração que reuniu pessoas das diversas comunidades atingidas, moradores levaram ao altar produtos cultivados nas comunidades rurais da cidade e lembranças das vítimas da tragédia.

Em seguida, o Monsenhor saiu acompanhado pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte dom Vicente, junto com moradores,  em procissão pelas ruas de Córrego do Feijão. Durante a caminhada, os nomes de todas as vítimas foram lembrados. A ideia era levar o representante do Vaticano até um ponto que foi atingido pela lama, mas a rua foi interditada pela Vale. Ele não conseguiu ver de perto os estragos provocados pela lama.

A comunidade encerrou o encontro com um minuto de silêncio em homenagem às vítimas da tragédia.

Fonte: Arquidiocese de Belo Horizonte

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