“Somos solidários? Sentimento de amor pelos necessitados e injustiçados, que impele o indivíduo a prestar-lhes ajuda moral ou material. Situação de um grupo que resulta do compartilhamento de atitudes e sentimento, tornando-o coeso e sólido, com capacidade de resistir aos tempos de crise e perseguição. Solidariedade é também ato de resistência… A solidariedade encontra seu maior referencial na pessoa de Cristo… é uma prática que nos transforma em amigos do Senhor… Praticar a solidariedade é resistir, é reconquistar diretos e reconstruir a sociedade.”
Confira a reflexão do prof. dr. Élio Gasda, SJ:
Você é solidário? Somos solidários?
Solidariedade, do latim solidus, firme, inteiro, sólido. Em português, o substantivo feminino significa qualidade de solidário. Sentimento de amor pelos necessitados e injustiçados, que impele o indivíduo a prestar-lhes ajuda moral ou material. Situação de um grupo que resulta do compartilhamento de atitudes e sentimento, tornando-o coeso e sólido, com capacidade de resistir aos tempos de crise e perseguição. Solidariedade é também ato de resistência.
O povo brasileiro se auto define solidário. Faz campanhas do agasalho, de cestas básicas para os que tem fome, faz doação de sangue, roupas, ajuda idosos a atravessar ruas, compra rifas de entidades sociais, visita os enfermos, é criativo em seu “empreendedorismo social”. Mas ser solidário não é apenas ser assistencialista. Se assim o fosse, o Brasil jamais voltaria ao mapa da fome. Somamos 20 milhões de famintos.
Não adianta dizer “somos um povo cheio de fé” se somos um povo um povo cheio de fome!
- Que adianta ter cruz nos tribunais se estão cheios de injustiça?
- Que adianta ter cruz nas casas legislativas, cheias de leis iníquas, de acertos, corrupção e maldade?
- Que adianta colocar na cédula “Deus seja Louvado” e explorar o pobre, o trabalhador, maltratar o aposentado, o desempregado, o desalentado?
A fé tem que estar presente na vida… Como nos diz Thiago: assim também acontece com a fé, se não se traduz em obras, por si só está morta! (padre Júlio Lancellotti).
A solidariedade encontra seu maior referencial na pessoa de Cristo. Sua fonte é a própria experiência de Jesus. Como afirma Bento XVI, “dar de comer aos famintos é um imperativo ético para toda a Igreja, é resposta aos ensinamentos de solidariedade e partilha do seu Fundador, o Senhor Jesus” (Caritas in Veritate, 27).
A solidariedade é uma prática que nos transforma em amigos do Senhor.
“Em Jesus a solidariedade alcança as dimensões do mesmo agir de Deus. N’Ele, e graças a Ele, também a vida social pode ser redescoberta, mesmo com todas as suas contradições e ambiguidades, como lugar de vida e de esperança, enquanto sinal de uma graça que de contínuo é a todos oferecida”. É ver o próximo não só como sujeito de direitos, é vê-lo como “imagem viva” de Deus, e assim deve ser amado. O próximo é aquele que merece todo nosso esforço: “dar a vida pelos irmãos”.
Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n.196
Não se pode amar verdadeiramente a Deus e dar as costas aos necessitados
A solidariedade, ao lado da Dignidade da pessoa humana, do Bem comum, da Subsidiariedade e da Participação, é um princípio permanente da Doutrina Social da Igreja. Os princípios, articulados entre si, são referências para a interpretação da realidade e dos acontecimentos, são critérios orientadores do agir em todas as esferas: política, social, econômica, interpessoal. São “caminhos possíveis para edificar uma vida social verdadeira e boa” (Compêndio, n. 162).
A solidariedade é princípio social que deve inspirar as instituições sociais. As “estruturas de pecado” que dominam as relações entre as pessoas e os povos devem ser superadas e transformadas em estruturas de solidariedade.
Como virtude moral, a solidariedade não pode se reduzir ao desejo transitório de ajudar os sofredores. Pelo contrário, é
“determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos [….]. A solidariedade é uma virtude social fundamental, pois se coloca na dimensão da justiça. A solidariedade com sentido evangélico de perder-se em benefício do próximo em vez de o explorar, de ‘servi-lo’ em vez de o oprimir para proveito próprio” .
Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 193
“Viver a solidariedade é indispensável para possibilitar que as práticas políticas recuperem a sua inteireza” (dom Walmor). Nunca foi tão importante resistir a uma política corrompida e fragmentada que corrói o tecido social brasileiro. Praticar a solidariedade é resistir, é reconquistar diretos e reconstruir a sociedade.
A solidariedade não pode ser compreendida como “gestos de generosidade esporádicos”, talvez, por isso, seja uma palavra de significado pouco conhecido. Solidariedade, ensina papa Francisco,
“é pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É também lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a casa, a negação dos direitos sociais e laborais. É enfrentar os efeitos destrutivos do império do dinheiro”.
Fratelli tutti, 116
- “A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana.”
Franz Kafka
- “Que importa ao Senhor que sua mesa esteja cheia de objetos de ouro se Ele está passando fome? Sacia primeiro Sua fome e, se sobrar, enfeitai sua mesa“.
São João Crisóstomo
(Adaptação e grifos, Edward Guimarães, para o Observatório da Evangelização)
Sobre o autor:
Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.
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