“Sinodalidade: caminhar juntos”, com a palavra Chico Machado

Domingo da Solenidade de Todos os Santos e santas. Oportunidade para celebrarmos a multidão de profetas e profetisas, mártires da caminhada, sobretudo àqueles santos e santas anônimas de nossa caminhada de Igreja Povo de Deus. Como não podia deixar de ser, rezei nesta manhã, ao lado de um dos santos que muito prezo: São Pedro do Araguaia. Sim, Pedro é tido por muitos de nossa região, como um grande santo que passou por estas terras mato-grossenses. Não pelos “donos das cercas”, que o tinham como uma pedra em seus sapatos. “Eu posso dizer que conheci e convivi com um santo”, disse-me certa feita o meu amigo Deodato, uma das lideranças da Comunidade São Francisco de Assis da Gameleira.

Rezar na companhia de Pedro, ali no seu túmulo, faz toda a diferença. Espaço de simplicidade e sobriedade, tão característicos dele em vida entre nós. Para completar o cenário de austeridade, o pequizeiro que faz sombra ao seu túmulo, tratou de deixar cair os seus frutos, ao redor de sua cova rasa, povoando todo aquele espaço com o cheiro peculiar da fruta. Curiosamente, nenhum deles sobre a sepultura em si, mas no entorno. Segundo as pessoas da cidade, este é um dos melhores pequis da região. Verdade ou não, aquela árvore centenária imponente, cobre quase todo o espaço do cemitério.

Santo ou não, estamos trabalhando no intuito de coletar dados, relatos e informações sobre Pedro, com vistas ao seu processo de canonização. Se dom Hélder Câmara, era tido como “o santo rebelde”, Pedro sempre será para nós, o santo da resistência e da teimosia. O revolucionário das causas de Jesus de Nazaré, como testemunha fiel do Ressuscitado. Como na experiência das primeiras comunidades cristãs, pensou e viveu a Igreja encarnada na realidade dos pobres e dos mártires da caminhada, cuja mística martirial, inspirava na luta pela libertação de todas as formas de opressão. O santo poeta das utopias críveis do Reino, no aqui e agora da nossa história. Santos e santas de Deus, rogai por nós! São Pedro do Araguaia, rogai por nós e por nosso Brasil!

Santos e santas, mártires de nossa caminhada que inspiram a nossa caminhada por este chão de pés “Descalços sobre a Terra Vermelha”. Se lá fora os tempos são ainda de pandemia, no interior da Igreja dos pobres, comprometida com a caminhada do Jesus histórico de Nazaré, os tempos são de sinodalidade. Sinodalidade que quer dizer “andar juntos por uma mesma estrada”. Um momento todo especial pós-Sínodo da Amazônia, de momento de encontro e aprimoramento de escuta e diálogo, com a finalidade específica de oportunizar sintonia em torno de decisões a serem tomadas. A palavra sinodalidade vem do conceito sínodo: de sun (junto), odos (via). Uma sinodalidade que só será possível de acontecer em comunhão, do estar juntos na mesma estrada.

O Concílio Vaticano II, ocorrido no século passado (1962-1965), trouxe novos ares e luzes para a caminhada da Igreja em todo o mundo. Uma lufada de ar soprou sobre o interior da Igreja Católica, possibilitando que olhássemos para a modernidade e com ela pudéssemos dialogar. Um acontecimento histórico que vai mudar significativamente o nosso jeito de ser Igreja, antenada com o mundo e no mundo, sem nenhum temor como antes. Todavia, como forma de dar encaminhamento às decisões advindas do Concílio, nossa Igreja latino-americana, tratou de fazer acontecer a Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, realizada na cidade de Medellín (Colômbia), entre os dias 24 de agosto e 06 de setembro de 1968. Um momento histórico que produziu um importante e significativo documento, registrando as posições da Igreja da América Latina, assumindo uma posição libertadora frente à opressão no continente. Nosso bispo Pedro chegou a afirmar que Medellín foi o nosso novo Pentecostes.

A sinodalidade é este momento histórico importante para a caminhada da Igreja, como foi o Concílio e também Medellín. O “Caminhar juntos” proposto, quer ser este momento de escuta, ouvindo o que o Espírito Santo tem a nos dizer, para que possamos nos transformar numa Igreja comunhão, participação e missão, através de um testemunho profético libertador. Isto requer uma atitude de escuta daquilo que Deus tem a dizer ao seu povo. Nesta mesma dinâmica, escutar também atentamente a voz do povo negro, dos indígenas, dos favelados, das mulheres e dos clamores da nossa “Casa Comum”. Sempre atentos àquilo que nos disse o Papa Francisco: “É impossível para uma Igreja, cuja estrutura hierárquica é composta exclusivamente por homens (bispo, padre e diácono), se colocar em situação sincera de escuta, no âmbito da sinodalidade, no hoje da história, sem ouvir e se deixar afetar pelas incontáveis vozes de mulheres cristãs que reivindicam, desde há muito tempo, igualdade de gênero dentro do catolicismo, hierarquicamente, patriarcal e branco”.

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.