O testemunho de uma catequista
(22 de Julho de 2016)
Conhecia a Romaria dos Mártires da Caminhada por comentários, artigos e fotos. No segundo semestre de 2009, recebi o convite para a Romaria dos Mártires da Caminhada de 2011. Eu e meu esposo aceitamos o convite e durante dois anos nos preparamos, economizando para as despesas da longa viagem, participando de encontros para rezar, cantar e celebrar a vida e o compromisso com o seguimento de Jesus Cristo, mártir primeiro pela causa do Reino de Deus.
Para a Romaria de 2016 foram também dois anos de preparação com algumas pessoas da Irmandade dos Mártires de nossa região. Alguns grupos de romeiros podem organizar de forma diferente a preparação para a Romaria, elaborando um planejamento de longo, médio e curto prazo. Este ano a CEBs, junto com a Irmandade dos Mártires da Caminhada de nossa região e a Pastoral da Juventude uniram-se e fretaram um ônibus.
Participar da Romaria dos Mártires da Caminhada é diferente de participar de uma excursão turística religiosa. Pode-se simplesmente estar na Romaria dos Mártires da Caminhada ou vivenciá-la. Temos aqueles poucos que, por simples curiosidade, vão para a Romaria e entre estes alguns retornam com muito mais do que levaram. Trazem algo que lhes deu um sentido novo para a vida. Isso é algo que testemunhei em 2011 e também nesta Romaria de 2016.
Este ano a Romaria dos Mártires nos levou a refletir o texto das Bem Aventuranças. “Bem-aventurados/as as/os que são perseguidos/as por causa da justiça, porque deles/delas é o Reino do Céu”. (Cf. Mateus 5,10).
Celebramos a memória dos mártires da caminhada e em particular, este ano, os 40 anos do martírio do Pe. João Bosco Penido Burnier, Pe. Rodolfo Lunkenbein e do índio Simão Bororo.
O tema da romaria de 2016 foi: “PROFETAS DO REINO”. Tratou-se das três funções que caracterizam a profecia: anuncio, denuncia e consolo. A profecia anuncia a Boa Nova: ela é evangelizadora por definição. A profecia denuncia o anti-reino: denuncia a má noticia de todos os sistemas e atitudes de morte. A profecia consola: É o pedido do próprio Deus, “consola o meu povo”. Opta pelos pobres, excluídos, marginalizados. A profecia que consola é misericordiosa, solidária, cuidante, luta pela justiça e pela paz, é amorosa.
(Cf. Carta de Dom Pedro Casaldáliga enviada aos romeiros).
Entre os romeiros e romeiras da Romaria dos Mártires da Caminhada encontram-se pessoas de diversos países, de outras denominações religiosas, a maioria é cristã com uma experiência de ação pastoral ou de movimentos eclesiais. Ativistas de várias causas sociais, pessoas juradas de morte com um preço pela sua vida e que sobrevivem aos atentados ou os testemunharam reforçam o coro que entoa em uníssono: PRESENTE NA CAMINHADA!
Independente de religião, da opção política partidária ou de etnia, todos e todas se irmanam por uma causa comum, uma utopia possível: crer na justiça que constrói a paz e gera vida para todos. A romaria reúne pessoas revelando a unidade na diversidade. Na Romaria dos Mártires da Caminhada estamos como membros da mesma família que habita a casa comum e sentam-se à mesa para dialogar, partilhar e conviver. Vivemos e celebramos, reconhecendo e respeitando nossa individualidade e liberdade. O dialogo ecumênico e inter-religioso é vivenciado. Em nosso meio não há espaço para conflitos ou extremismos seja por religião, política ou etnia. O que nos difere é o que nos enriquece como pessoas únicas. Isso foi o que testemunhei, experimentei e vivenciei em 2011 e em 2016.
Todos são bem vindos à Romaria e se, para algumas pessoas, conviver com as diferenças é um obstáculo, estas vão limitar-se à simplesmente estar na romaria por simples curiosidade religiosa ou turística e, por causa de seus muros e pré-conceitos enraizados terá dificuldades para permitir-se viver a experiência, de ver profeticamente, o alvorecer de um mundo melhor e possível. No entanto, acredito na força do testemunho, pois que o que se ouve e se vê na Romaria sempre queimará por dentro, no fundo da consciência…
Por que tantas pessoas deram a vida para que outros tenham vida? Quantas ainda precisam morrer para tirar o véu da indiferença e da inércia da nossa consciência? Ao longo da história da humanidade quantas vidas plantadas como semente no chão e regadas com o suor e o sangue de tantos outros. Para nós cristãos estas vidas são marcadas pela causa do Reino de Deus, pela fidelidade a sua Palavra e por viver a radicalidade do evangelho no seguimento de Jesus Cristo. Mas a Romaria dos Mártires não celebra a memória somente dos mártires cristãos, pois temos também homens e mulheres mártires na história e que não são cristãos, pessoas que ousaram levantar a voz e contradizer o sistema que cega, cala, anestesia, oprime, fere e nega a dignidade de pessoa humana.
O pecado social, tão presente em nosso mundo e gerador da cultura de corrupção e morte, exige mais que uma conversão, eu costumo dizer que é necessário um exorcismo.
A minha experiência pessoal com a Romaria dos Mártires da Caminhada desde 2011 veio corroborar o que eu já intuía e sentia em meu ser por muito tempo. Sempre questionei a incoerência entre o discurso e a prática, o divórcio entre a fé e a vida. Faltava testemunhar com meus olhos e ouvidos e com todos os outros sentidos que a esperança é teimosa e sua força nos transcende. Posso dizer que é uma experiência de reencontro com Jesus Cristo vivo que muda o modo como vejo os conflitos deste mundo e a minha práxis cristã.
Como catequista de uma Paróquia de periferia urbana na cidade de Jacareí – SP, Diocese de São José dos Campos, convivendo dia-a-dia com a intolerância religiosa, a exclusão e criminalização de pessoas não batizadas ou batizadas e não evangelizadas, com o tráfico de drogas, a violência e extermínio de jovens, as disputas políticas e eclesiais, o desemprego, a falta de atendimento na saúde e educação, e tantas outras situações que nós brasileiros já conhecemos. A Romaria dos Mártires da Caminhada renova a esperança, o compromisso batismal e dá sentido para a paz inquieta, para o fogo que arde e impulsiona, para a indignação que consome lágrimas e não aceita ficar inerte no conformismo de uma fé sem ação. A mistagogia que anima tudo isso é alimentada pela Palavra de Deus, cultivada no silêncio da oração. Minha vocação cristã, minha vida como mulher, esposa e cidadã, membro da família que habita a casa comum, não me permite ficar alheia, pecar por omissão ou comodismo.
A Romaria dos Mártires da Caminhada que acontece a cada quatro ou cinco anos em Ribeirão Cascalheira – MT, tem uma história de 40 anos. Para conhecer um pouco mais faça uma pesquisa sobre a vida dos mártires e sobre os Bispos, padres, religiosos/as e leigos/as ameaçados de morte no Brasil e em outros países, sobre quem foi o Padre João Bosco Penido Burnier ou sobre a Romaria dos Mártires nos sites:
– http://irmandadedosmartires.blogspot.com.br/
– http://martiresal.blogspot.com.br/p/pe-joao-bosco.html
– http://irmandadedosmartires.blogspot.com.br/2013/01/anotacoes-sobre-o-conceito-de-martirio.html
– http://irmandadedosmartires.blogspot.com.br/2013/01/irmandade-dos-martires-da-caminhada-o.html
Como bibliografia vou sugerir a Agenda-Livro Latino Americana pesquise sobre no site: http://latinoamericana.org/Brasil/
Roseli de Carvalho Moraes de Miranda
Catequista na Paróquia São José Operário de Jacareí
Diocese de São José dos Campos.