A complexidade da realidade da família no contexto atual exige da Igreja profunda conversão pastoral. Importa acolher, aproximar, ouvir, acompanhar, partilhar, refletir à luz da Palavra, da fé no Deus da vida e na dinâmica de seguimento de Jesus. Não hã respostas prontas. Que o Espírito Santo vem em nosso socorro e ilumine o nosso discernimento na busca de lucidez. A 5ª Assembleia do Povo de Deus, cremos que foi a presença do Espírito que nos ajudou a assumir o compromisso de cuidar, como prioridade evangelizadora, da família.
Vejamos a reflexão catequética de Neuza de Souza a partir do quinto compromisso do Projeto de Evangelização “Proclamar a Palavra”, fruto da 5ª Assembleia do Povo de Deus:
Proclamar a Palavra – A família
Nos tempos atuais, percebemos que a presença, a atuação pastoral e os ensinamentos da Igreja católica (a sua doutrina social), sintonizados com o espírito do Concílio Vaticano II e com a reforma eclesial proposta pelo papa Francisco, estão se abrindo ao diálogo com os desafios e urgências do contexto em que vivemos.
A família, núcleo fundamental da sociedade, onde as pessoas ensinam e aprendem a viver e amar, está entre os maiores desafios. Por isso os compromissos assumidos no Projeto de Evangelização Proclamar a Palavra criam um tempo muito propício para a nossa conversão e a conversão pastoral da nossa Igreja Particular de Belo Horizonte.
Em Jesus revela-se a experiência do amor de Deus por nós e o sentido maior da família no projeto do criador e em nossa vida
O encontro de fé com Jesus Ressuscitado, o testemunho e o anúncio da vida cristã exigem uma Igreja em saída. Isso significa concretamente que os cristãos, por seu chamado batismal para a vida nova no seguimento de Jesus, vão ao encontro das pessoas aonde elas concretizam suas vidas, acolham a todos, partilhem de suas vidas escutem seus clamores: nos desafios da família, do trabalho, na vida em sociedade. Essa compreensão da fé cristã encarnada na realidade das pessoas brota da prática libertadora de Jesus e do anúncio/testemunho do Reino de Deus. Jesus tinha como preocupação fundamental a defesa da dignidade do ser humano e dea sua realização e felicidade: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10).
A vida de Jesus possibilita uma nova experiência da proximidade e do amor de Deus por nós. Jesus revela também a centralidade da misericórdia divina como experiência incondicional e gratuita do amor de Deus por nós. Esse amor nos sustenta e nos interpela para a concretização de uma aliança com Ele. Assim, ao revelar o seu projeto de amor como aliança com a humanidade, Deus nos faz, em Jesus Cristo, seus filhos e filhas. Somos todos família de Deus. Com esse gesto de amor benevolente, Deus convida as pessoas a criarem aliança, vínculos de amor. À luz do amor de Deus, as pessoas formam famílias e tornam-se cocriadores e zeladores ou cuidadores de toda a criação. Assim como Deus cuida de nós, na família os membros são chamados a cuidar uns dos outros com atenção especial para os/as filhos/as e para os/as idosos/as, por serem os mais vulneráveis.
Na tradição cristã, Deus Uno e Trino por amor, com amor e no amor, é a mais perfeita comunhão. Ele, ao criar o ser humano à sua imagem e semelhança, o cria para participar da plenitude da comunhão trinitária. Aqui encontramos o sentido maior da família: a aliança de amor entre Deus e o ser humano encontra expressão singular entre nós no vínculo matrimonial. Este vínculo existe para a beleza do conviver, amar, transmitir o dom da vida e cuidar. Nesse sentido,
O exercício do amar é o que mais vincula o ser humano a Deus e é o que mantém, nele, a força divina para tudo transformar em ocasião de vida.
A Igreja, enquanto sacramento de Jesus Cristo, defende a dignidade e o valor de cada família
A Igreja é chamada a realizar, promover, zelar e valorizar o vínculo conjugal do matrimônio, pois, o compreende como sacramento da grande, gratuita e eterna Aliança de Amor de Deus por nós revelada por Jesus Cristo pela força do Espírito Santo. Do mesmo modo, ela é chamada a despertar, suscitar, alimentar e fermentar a realização da grande vocação de todo ser humano: aprender a amar e cuidar da dignidade da vida.
Ao encarnar-se na sociedade enquanto lugar onde os seres humanos concretizam as suas vidas e nela anunciar/testemunhar o Amor de Deus, a Igreja é desafiada a dialogar e acolher as diferentes configurações familiares, oriundas de situações sociais, culturais, econômicas e religiosas diversas. Isso porque família é a união das pessoas na consciência do amor, cuja força reside na sua capacidade de amar e ensinar a amar. Assim nos diz o papa Francisco:
“No horizonte do amor, essencial na experiência cristã do matrimônio e da família, destaca-se ainda, como virtude, a ternura”. (Papa Francisco, Amoris Laetitia, n. 38).
A Igreja é chamada a acolher com a ternura e misericórdia divina a todas as pessoas como filhos e filhas de Deus. Ninguém está excluído da graça e do amor de Deus.
No livro do Gênesis, as duas narrativas da criação, a da Semana da Criação e a do Jardim do Éden, nos chamam muito a atenção que homem e mulher são fruto da criação de Deus. A distinção sexual de homem e mulher é anunciada com finalidade significativa: para conviverem, se unirem, se multiplicarem e juntos cuidarem de toda a criação. Eles são companheiros adequados, feitos para a relação e não se realizam na solidão. A identidade de um firma-se na relação da diferença de gênero do outro.
Desse modo, com um olhar de ternura, fé e amor, de graça e compromisso somos chamados a contemplar a família que a Palavra criadora de Deus confia nas mãos de seus filhos e filhas, para que formem vínculos de comunhão expressão sacramental da comunhão do Pai, Filho e Espírito Santo com toda a humanidade.
Que possamos expandir esse olhar para todas as famílias, em suas mais diversas configurações, com respeito e zelo fraterno. Quero terminar com o que disse no meio de minha reflexão, tal qual um refrão que guardamos no coração:
O exercício do amor é o que mais vincula o ser humano a Deus e é o que mantém, nele, a força divina para tudo transformar em ocasião de vida.
(os grifos são nossos)
Neuza Silveira de Souza
Teóloga leiga, com especialização em teologia pastoral voltada para a catequese, objeto de sua especialização e pesquisa de mestrado. Atualmente, coordena da Comissão Arquidiocesana Bíblico-Catequética da Arquidiocese de Belo Horizonte.