Contra a depressão é preciso mais que comprimidos
(Síntese da 4ª meditação do P. José Tolentino Mendonça no retiro do papa)
A acédia, estado de apatia, desânimo, fraqueza, tristeza e melancolia, é o contrário da sede e do desejo de vida: foi este o tema que esteve no centro da meditação proposta na manhã desta quarta-feira, 22/02/2018, pelo P. José Tolentino Mendonça durante os exercícios espirituais da Quaresma que o papa Francisco e membros da Cúria Romana estão a realizar em Ariccia, a 30 km do Vaticano.
«Quando renunciamos à sede, então começamos a morrer. Quando desistimos de desejar, de encontrar gosto nos encontros, nas conversa, nos intercâmbios, na saída de nós mesmos, nos projetos, nos trabalhos, na própria oração».
Este desânimo que atinge a relação com Deus tem outros sintomas: «Quando diminui a nossa curiosidade pelo outro, a nossa abertura ao inédito, e tudo nos soa como um requentado “déjà vu” que consideramos como um peso inútil, incongruente e absurdo, que nos esmaga».
Parece que a vida que «eu vivo» é a de outra pessoa, recordava Kierkegaard (séc. XIX), enquanto que Evágrio Pôntico (séc. IV) falava do «demónio da acédia» e S. João Cassiano (sécs. IV-V) recordava as consequências na vida dos monges: uma insatisfação profunda que leva à perda do entusiasmo.
A própria exortação apostólica “Evangelii Gaudium”, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, do papa Francisco, adverte para os efeitos nefastos da «psicologia do túmulo», «que pouco a pouco transforma os cristãos em múmias de museu» e pode conduzir «a uma tristeza melosa, sem esperança, que se apodera do coração como o mais precioso elixir do demônio».
Os estados depressivos não se curam só com comprimidos
A contemporaneidade «medicalizou a acédia, enfrentando-a como uma patologia que deve ser tratada do ponto de vista psiquiátrico». «Mesmo dentro de um quadro clínico, é evidente que a acédia ou os estados depressivos» não se podem curar só com «pastilhas», mas «devem envolver na cura a pessoa inteira».
«Há muitos sofrimentos ocultos cuja origem devemos descobrir que se radica no mistério da solidão humana», e nesse contexto pertencem também ao domínio do itinerário espiritual, defendeu o vice-reitor da Universidade Católica.
O “burnout”: um esgotamento emocional
Há também outro problema que «se amplia cada vez mais», o “burnout”, que literalmente significa “queimar-se”, um esgotamento emocional que pode atingir inclusivamente os sacerdotes.
Em geral, quando uma pessoa se sente abandonada, permanece apenas um vazio, que se enche com angústia ou com falsos paliativos, como a mundanidade, o álcool, as redes sociais, o consumismo ou a hiperatividade. Há quem traga as feridas de lutas ou fracassos, do abandono ou abusos quando eram crianças, da pobreza econômica, da guerra.
Jonas, Jacó e o jovem rico
São três as figuras que podem fazer compreender esta dinâmica. Na história de Jonas vê-se como o diálogo entre surdos é muitas vezes o que caracteriza a nossa relação com Deus, na qual não se ouve porque se está «relutante ao conteúdo da vontade de Deus», à lógica da sua misericórdia.
Jacó, ao contrário, lutou com Deus até ao amanhecer: há nele um desejo de vida, enquanto que Jonas é «caprichoso», colide com o desejo de vida de Deus, que quer introduzir todos os seres humanos numa relação existencial nova.
A tristeza ligada à acédia recorda também a do jovem rico, que obedecia a todos os mandamentos mas na hora decisiva prefere os seus bens, em vez da aventura aberta de viver na confiança. «Não é raro que a nossa tristeza provenha desta incapacidade», afirmou o P. Tolentino Mendonça.
Urge fazer um exame sobre a desvitalização do desejo: nem sempre o problema é o excesso de atividade, mas o não ter as motivações adequadas.
Amar como Jesus
A resposta à acédia está em Jesus. O laço com Ele passa necessariamente pela configuração na paixão. Na palavra da esposa do Apocalipse, «vem», revela-se a necessidade profunda que a Igreja experimenta em relação à vinda do Espírito, como destacava também Simone Weil.
«Nesta palavra está a marca de tudo aquilo de que temos necessidade, a razão do nosso grito, a razão da nossa esperança e, muitas vezes, a razão da nossa desesperança, do nosso fracasso, do nosso cansaço, e a necessidade de superar tudo isto em Deus.»
Aquele a quem dizemos “vem!” é o mesmo que nos diz: «Vinde a mim, vós todos que estais cansados e oprimidos, e eu vos darei alívio. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim”», assinalou o P. Tolentino Mendonça.
Debora Donnini
In Vatican News Trad. / edição: SNPC
Imagem: sanchairat/Bigstock.com
Publicado em 23.02.2018
Esta sede de nada que nos faz adoecer
(4ª meditação)
Cidade do Vaticano
O contrário da sede é a preguiça. Quando perdemos a curiosidade e nos fechamos ao inédito ficamos apáticos e começamos a ver a vida com indiferença. Por sua vez, a sede nos ensina a arte de procurar, de aprender, colaborar, a paixão de servir.
Existem muitos sofrimentos escondidos cujas origens devemos descobrir e que se escondem no mistério da solidão humana.
Quando nos sentimos em ‘burnout’
Um dos problemas mais comuns hoje é o chamado ‘burnout’: sentir-se em curto-circuito, esvaziado de energias físicas e mentais. Este esgotamento emocional é definido por alguns como ‘síndrome do bom samaritano desiludido’ e atinge muitas pessoas que fazem da ajuda e da cura do próximo sua ocupação principal.
Pe. Tolentino mencionou uma pesquisa realizada entre o clero da Diocese de Pádua (Itália), que apontou que os presbiteros com maior risco de burnout são os jovens (25-29 anos) e os mais idosos, com mais de 70 anos. Dentre as causas deste mal-estar, estão o peso excessivo das expectativas (pessoais e dos outros), a ausência de uma vida espiritual, o temor do juízo, a exposição demasiada a situações humanas difíceis, pouca solidariedade entre os presbíteros, incapacidade de se comunicar…
Quando nos sentimos amados como pessoas, amparados com afeto e acompanhamento, sabendo que nosso trabalho interessa, envolve e apaixona, temos a certeza de existir. Mas quando nos sentimos abandonados, incompreendidos e com o coração ferido por dores que não sabemos curar, temos a impressão de não contar nada para ninguém.
A este respeito, lembrou que somos todos diferentes, cada um com sua beleza e fragilidades. A beleza humana é aceitar-se como somos; não viver nos sonhos ou ilusões, na raiva e na tristeza. Ter o direito de ser o que somos… e seremos amados por Deus e preciosos a seus olhos.
Jonas ou a necessária terapia do desejo
Recorrer à terapia do humor para satisfazer o desejo: o livro bíblico de Jonas nos faz sorrir salutarmente de nós mesmos, ao invés de dramatizar. Ele nos diz que a sabedoria está nos anunciadores de esperança e não nos apocalíticos pregadores de tragédias.
A anatomia da tristeza
Um dos sinônimos da preguiça, a ‘atonia’ da alma, é a tristeza’.
Em relação à pastoral, a preguiça pode ter diferentes origens: insistir em projetos irrealizáveis; não aceitar a evolução dos processos; perder o contato real com as pessoas, não saber esperar, querer dominar o ritmo da vida… A ansiedade de obter resultados imediatos… a sensação de fracasso, de ser criticado, de cruz.
Aprendam de mim: ‘vem’
Pe. Tolentino concluiu sua meditação relacionando a nossa sede ‘de água’ com a palavra que revela a necessidade profunda, íntima e dolorosa ‘vem’, que a Igreja experimenta com a chegada no Espírito. Nesta palavra está o sinal de tudo o que precisamos, a razão de nossa esperança e ao mesmo tempo, a razão de nosso fracasso, cansaço… e a necessidade de superar tudo isso em Deus.
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