Dizem que foi um pastor, mas pode ter sido um padre. O fato, que inventei, de fato aconteceu num culto ou, quem sabe numa missa, sei lá.
O que se sabe é que o pregador fez uma leitura empolgada e empolgante da Parábola do Semeador e, ao final, conclamou a assembleia a ajudar o Senhor a espalhar suas boas sementes pelo mundo, que de espinhos, pedras e ervas daninhas já estamos de saco cheio.
Antenor ouvia cada palavra como se estivessem sendo ditas só pra ele. Atravessava um período duro, tanto de grana quanto de esperança. Desempregado há meses, os caraminguás da indenização há muito acabados, a mulher reclamando, os filhos choramingando…
No ponto do ônibus, voltando de mais um dia cansativo e frustrante, distribuindo currículo e ouvindo nãos e talvezes, recebeu um panfleto, um, não, vários, que guardou no bolso para ler, mais por costume que por interesse, na longa e amargurada viagem de volta pra casa.
- Saia do aluguel. Lotes financiados. Oportunidade!
- Trago seu amor de volta!
- Compro sua dívida!
- Um milagre espera por você!
Um milagre? Um milagre espera por mim…? Onde? Suspirou… Era o que Antenor estava precisando e esperando: um milagre.
No dia seguinte lá estava ele, no endereço indicado no folheto, ouvindo o pregador. O coração acelerado, os olhos úmidos, certo de que só sairia daquele templo com seu milagre debaixo do braço. Esse milagre é meu, nem que seja a porrete!
Não seria tão simples…
Ao final do sermão, entre muitos aleluias e glórias, o pregador anunciou:
“Deus me enviou para falar a vocês sobre um milagre. Ele está te esperando para fazer o milagre acontecer. Só falta um sinal de sua fé para você tomar posse do milagre. Na porta da igreja há um obreiro (ou seria um sacristão?) com uma cesta de abóboras ungidas, colhidas diretamente no Jardim do Éden, bem ao lado da árvore da vida. Pegue a sua. Chegando em casa, releia a parábola que acabei de proclamar e deixe que o espírito de Deus toque seu coração para fazer de você um semeador do Senhor. Ore com fé e parta a abóbora. A cada semente que encontrar dê glória a Deus e coloque 10 reais sobre a mesa. Não se esqueça: dez reais por semente. No dia seguinte traga as sementes e o dinheiro à igreja, e faça a sua oferta. Para que não haja erro, um obreiro (ou terá sido um sacristão?) irá conferir se o valor em reais corresponde ao número exato de sementes. Mas, veja bem! Não se pode errar ou tentar enganar a Deus. Ele tudo vê e te julgará”!, concluiu com voz tonitroantemente divina o pregador.
Antenor achou aquela história de abóbora ungida meio esquisita, mas preferiu não duvidar. O pregador fora muito claro ao dizer que Deus oferece o milagre, mas temos que provar a nossa fé. Palavra de Deus não permite dúvida.
Antenor chegou em casa, reuniu a família, pegou a Bíblia, acendeu uma vela e leu pausadamente: “Saiu o semeador a semear…” Os três filhos olhavam, curiosos. A mulher, de olho na abóbora, já pensando em fazer um caldo…
Terminada a leitura, Antenor, solenemente, partiu a abóbora dando glórias a Deus enquanto olhava para a carteira quase vazia sobre a mesa.
Ao final, depois de uma saraivada de aleluias e glórias, ninguém entendeu a blasfêmia:
“Filho da puta, é abóbora jacaré”…
Sobre o autor:
Eduardo Machado é educador e escritor apaixonado pelo ser humano. Considera-se um católico que tenta, cada dia mais, tornar-se cristão. É colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.