Hoje, no complexo contexto urbano, as pessoas estão morando mais próximas geograficamente, mas, reparem, há mais solidão, depressão e indiferença entre nós; há mais carros possantes e velozes, com estradas mais asfaltadas, mas parece haver mais desencontros, desentendimentos e distâncias entre as pessoas; há mais comércio, sim, mas menos trocas, partilhas e há cada vez maior desigualdade entre as pessoas, com crescente número de excluídas da mesa da vida digna e da cidadania; adquirimos as coisas com maior facilidade, há serviços que trazem os objetos de consumo até nós, mas reparem há maior desperdício e menor tempo de uso. Rápido demais, tudo parece se tornar obsoleto, sem interesse, descartável, inclusive estamos fazendo isso com pessoas, seres vivos, relações afetivas, postos de trabalho…
Diferente do mundo dos pobres e dos excluídos, as casas dos ricos ficam cada vez maiores e protegidas, mas as suas famílias tem se tornado cada vez menores; há mais facilidades, sim, no entanto, nosso tempo livre e os espaços de gratuidade se tornam mais escassos; levamos uma vida mais sedentária e adquirimos mais doenças; há mais diplomas de doutores e de especialistas, mas encontramos mais dificuldades de cultivar um olhar abrangente e de darmos as mãos para juntos buscar soluções coletivas e transdisciplinares; há mais ciências e produções científicas, sim, mas não se pode dizer que estamos mais sábios enquanto humanidade; temos mais tecnologias, isso é evidente, mas há mais desequilíbrios ambientais, desigualdades sociais e maior produção de lixo e desperdícios; gostamos de frequentar as praias, mas jogamos lixo nos mares; há mais avanços na medicina, mas muitas pessoas não têm acesso a ela, não podem pagar planos de saúde e dela são excluídas.
Hoje se frequenta mais as drogarias e os consultórios de psicologia do que as bibliotecas, as praças e parques; há pílulas para quase tudo, mas não para a felicidade e para o bem viver; há mais áreas de lazer, mas, no conviver, há menor alegria, diversão e prazer. As crianças têm mais brinquedos, mas menos criatividade no brincar e no interagir. Anda-se mais rápido, mas estamos quase sempre atrasados e com menor paciência uns com os outros; dorme-se menos e vive-se com mais estresse; passa-se mais tempo diante das telas da TV e do computador, e cada vez temos menor tempo de leitura e reflexão.
Há aumento da produção, mas menor contemplação e realização criativa. Multiplicam-se as posses, mas as concentram em poucas mãos; valoriza-se e cuida-se mais do PIB e das bolsas de valores do que do IDH e do pacto social; há mais propriedades privadas, mas com menor função social; falamos mais e ouvimos menos; temos dificuldade de dialogar; há mais agitação e menos tempo de silêncio; aumentamos a expectativa dos anos de vida, mas sem ampliação de sua qualidade; desejamos viver bem, mas não alcançamos o bem viver; conquistamos, a cada dia mais, o espaço sideral, mas temos dificuldade de conhecer a própria interioridade; conseguimos ir até a Lua e sonhamos habitar o planeta Marte, mas temos, cada vez mais, dificuldade de adentrar ao coração e de respeitar o vizinho; quebramos o núcleo de um átomo de urânio, mas não conseguimos acabar com os preconceitos e discriminações.
Quem conquista mais rendimentos, paulatinamente, parece ficar mais pobres em valores morais ou humanidade; os mais abastados acumulam ainda mais fortuna e fartura, mas conseguem viver tranquilos sem universalizar os direitos humanos. E o pior, conseguem conviver com a miséria e a fome de tantas pessoas. se desenvolvemos mais obesidade, bulimia, anorexia, aporofobia e perdemos mais a noção do autocontrole, da saciedade, da necessidade da partilha e da solidariedade; vivemos com inteligentes smartphones nas mãos, mas, ao que parece, diminuímos a capacidade de comunicação e de entendimento nas relações familiares e sociais; passamos mais tempo conectados do que na convivência interpessoal; cultivamos mais a realidade virtual do que a proximidade e o contato afetivo; adquirimos maior acesso a informação, mas aceitamos passivamente fakenews, posturas negacionistas e temos a sensação de termos menor conhecimento da realidade em que vivemos.
Diante de tantos paradoxos, que tal tirarmos um tempo para contemplar a vida que estamos a levar, refletir e discernir juntos, em rodas de conversa, com familiares e amigos, os caminhos a seguir: Para onde estamos indo? Onde queremos chegar? O que é necessário para avançarmos na arte de conviver e amar? Que tal partilhar o que pensamos sobre a justiça, a paz, a felicidade e o bem viver?
Edward Guimarães
Educador e teólogo leigo
Secretário Executivo do Observatório da Evangelização