“A divisão espiritual e prática do Cristianismo é algo escandaloso. O único Deus trinitário, uma mesma fé e várias expressões divididas e contrapostas do que poderia ser a adesão à Única Verdade”, escreve nosso colaborador, Pe. Matias, ao analisar outras divisões no cerne da Igreja, 500 anos após Martinho Lutero.
“Tudo isso exigirá dos seus filhos uma verdadeira conversão pessoal e pastoral. Mas para isso acontecer, deverá ocorrer uma mudança no modo de ser de todos os membros da comunidade, a começar dos ministros ordenados, inclusive do próprio Papa, seja ele quem for, no presente e no futuro.”
Os Luteros na Igreja de Hoje
Pe. Matias Soares
O mundo cristão acabou de celebrar os 500 anos da chamada Reforma Protestante (31/10/1517-31/10/2017). Não pretendo entrar nos detalhes históricos, pois a perspectiva da reflexão não é esta, mas a análise da situação atual interna da Igreja.
Para quem acompanhou as celebrações e teve a percepção dos tantos atos intencionais, tanto da parte católica, quanto da luterana, pôde ter percebido que o movimento ecumênico – que teve no protestantismo suas primeiras motivações, já no pós-guerra, e que foi assumido enfaticamente pela Igreja Católica no Concílio Vaticano II – é um caminho a ser percorrido por quem é cristão e se deixa provocar pelo que Jesus Cristo na sua Oração Sacerdotal já rezava (cf. Jo 17). A divisão espiritual e prática do Cristianismo é algo escandaloso. O único Deus trinitário, uma mesma fé e várias expressões divididas e contrapostas do que poderia ser a adesão à Única Verdade.
Tanto quanto alguns de seus predecessores, o Papa Francisco tem assumido o desejo de testemunhar esse espírito ecumênico e de dialogo inter-religioso. Fujo dos detalhes, mas vos remeto ao que ele viveu em Buenos Aires e o que está relevando no seu ministério petrino. Ele é um Cristão que não barateia o Evangelho; e a divisão não é um sinal de conversão a Deus e ao seu Reino, que não pode se dividir contra ele mesmo (cf. Mc 3, 24). As diferenças são concomitantes ao dinamismo do Espírito Santo na vida da comunidade cristã (cf. 1 Cor 12), pois configuraram a beleza da sinodalidade eclesial.
Nos dias que precederam às celebrações dos 500 anos da Reforma, foram muitas as manifestações de ojeriza à pessoa de Martinho Lutero e, ainda mais, muitos sinais de renegação da postura ecumênica do Papa Francisco. Aliás, como é notório já há algum tempo, existem diversos católicos dentro da Igreja, que se dizem fiéis à doutrina da Igreja e ardorosos defensores da tradição, que repugnaram o reconhecimento que foi dado ao que o monge Lutero fez e que gerou a divisão do Cristianismo no Ocidente; mas que são os mesmos a rejeitar a comunhão com a proposta pastoral e de reforma que o Santo Padre está querendo para a Igreja nos tempos atuais. Há até quem o acuse de herético, mesmo sem ele ferir o que é essencial da fé da Igreja, em todos os tempos.
O que estes, que são mais católicos do que o Papa e mais guardiões do Evangelho do que Jesus Cristo, esquecem é que o seu comportamento em relação ao Sucessor de Pedro é pior do que o que Martinho Lutero teve; pois, Francisco em nada se comporta, nem aceita que a Igreja de Jesus Cristo tenha as mesmas atitudes que, infelizmente, a mesma Igreja teve na época de Lutero. Cartazes agravando o Pontífice, dúvidas sobre questões pastorais que foram pensadas em Sínodo, com a participação de fiéis do mundo inteiro, manifestos públicos de ataque e tantos escritos inflamados e claramente contra o Papa proclamados, na maioria das situações, por quem se diz muito católico. O que temos que ter presente é que Francisco está incomodando a vários sistemas. O Evangelho sempre vai inquietar, pois ele exige conversão a Deus e ao seu Reino, que é de serviço, justiça, paz, verdade e vida plena para todos.
O que está em jogo é um modelo de Igreja que o Papa Francisco está lutando para fazer florescer no coração da catolicidade. Uma Igreja pobre para os pobres, servidora, missionária, hospital de campanha, sinodal, misericordiosa, acolhedora, mãe e pastora e em saída permanente, que está a serviço do povo santo de Deus. Tudo isso exigirá dos seus filhos uma verdadeira conversão pessoal e pastoral. Mas para isso acontecer, deverá ocorrer uma mudança no modo de ser de todos os membros da comunidade, a começar dos ministros ordenados, inclusive do próprio Papa, seja ele quem for, no presente e no futuro. Lembrando de São João Paulo II, o Papa Francisco fala de uma conversão do Papado. Será que já paramos para pensar o que isso significa?
Por fim, o que a Igreja hoje, com suas alegrias e tristezas, pecados e virtudes, deve fazer é rezar pelo Santo Padre. Como ele mesmo nos pede, rezemos por este que veio lá “do fim do mundo”, e que no mesmo dia da sua eleição se inclinou e pediu para que o povo de Deus rezasse por ele. Quem é Igreja reza e está em comunhão com o Papa. Assim o seja! PADRE MATIAS SOARES PERTENCE À ARQUIDIOCESE DE NATAL-RN. ATUALMENTE MORA NO PIO BRASILEIRO, EM ROMA, E FAZ MESTRADO EM TEOLOGIA MORAL NA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE GREGORIANA. COLABORA COM O OE ENVIANDO-NOS ARTIGOS DE OPINIÃO
Tânia, eis o que produzi hoje. Vai para vossa análise.
Obriagado!
Matias
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Concordo plenamente com as colocações . Cabe a todos colaborar para u união tão recomendada por Nosso Senhor Jesus Cristo em sua Oração Sacerdotal em João 17, 20-23.
Parabéns ao OE pela publicação inédita do belo artigo do Pe. Matias Soares. Como igreja, avante, exaurirmo-nos de críticas infantis ao Papa e aurirmo-nos de posturas definidas, condizentes com o evangelho de Jesus Cristo.