Uma das grandes contribuições do Sínodo para a Amazônia tem sido a defesa dos povos da Amazônia e da natureza. Ao longo do processo sinodal, esse é um tema recorrente, que visibiliza o trabalho secular da Igreja católica. Nessa reflexão teve um papel em destaque Felício Pontes, Procurador da República e auditor na Assembleia Sinodal. Nascido na Amazônia, e bom conhecedor da realidade local, sempre foi um grande defensor dos direitos dos povos da floresta e de um sistema de desenvolvimento sustentável, chamado a superar o atual sistema predatório, escolha de desenvolvimento dos últimos governos brasileiros, especialmente do atual.
As leis brasileiras são claras em referência aos direitos dos povos indígenas. Nas últimas semanas há grupos com a intenção de modificar essas leis, segundo o interesse do governo e de ruralistas, que tem como uma das suas prioridades no ano de 2020, mudanças em relação às Terras Indígenas e os direitos dos povos. De fato, segundo o Procurador da República, “a lei proíbe a mineração em terras indígenas”, mas o Presidente da República, a través de um Projeto de Lei (PL 191/2020), pretende responder aos desejos de seus aliados políticos. Diante desse fato, Felício Pontes lembrava na assembleia do Conselho Indigenista Missionário Norte 1, que o Estatuto dos Povos Indígenas não passou depois de vinte anos por causa da mineração.
Ele não hesita em afirmar a necessidade de “cobrar o governo, ele tem que cumprir as leis”. Para chegar no objetivo, “é preciso uma articulação dos povos indígenas para mostrar no Congresso Nacional as nefastas consequências desse projeto de lei”, segundo o Procurador da República. A situação lembra a estratégia do CIMI nos meses prévios à tramitação da Constituição de 1988, que conseguiu a aprovação do artículo 231. Existe entre os deputados o chamado Frente Parlamentar Indigenista, onde tem um papel em destaque a deputada indígena Joenia Wapichana, que está se posicionando, junto com as organizações indígenas, que eram recebidos na última terça-feira pelo Presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
A história dos povos indígenas está recheada de episódios em que eles tem sido vítimas de atividades ilícitas dentro de seus territórios. Um desses episódios foi o masacre de Haximú, onde garimpeiros ilegais assassinaram 16 yanomamis em 1993, um momento nunca esquecido pelo povo que mora na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. O papel das ONGs e do CIMI, segundo o procurador, é “a divulgação dessas mazelas, divulga-lo para que a sociedade brasileira saiba o que aconteceu e como isso pode atingir toda a sociedade brasileira”.
Dentro da sociedade brasileira, uma pesquisa de Data Folha, diz que 86% da população brasileira não aprova a mineração em Terra Indígena, 7% é parcialmente a favor, e mais 7% é totalmente a favor. Essa porcentagem que se posiciona contra o projeto de lei ainda é maior entre as mulheres e os jovens. Tudo isso demostra que “o projeto do governo não reflete o pensamento da grande maioria da sociedade brasileira”, insiste o Procurador da República. Nesse sentido, ele afirma que o Ministério Público Federal já lançou uma nota contra o PL 191/2020, pois “o projeto é ilegal se não tiver consulta prévia”.
Em referência à assembleia sinodal, o auditor afirma que “não houve nenhuma instituição no Sínodo mais presente do que o CIMI. Todas as menções aos direitos indígenas foram incluidos e aprovados pela Assembleia Sinodal no Documento Final e eles têm sido revitalizados na exortação “Querida Amazônia”. O Documento Final do Sínodo, segundo Felício Pontes, defende o pluralismo, os povos issolados e consagra os direitos da natureza. Como aparece nos números 16, 55 e 81 do documento, ele é contra o colonialismo, defendendo o direito à autodeterminação, demarcação dos territórios e direito à consulta prévia, livre e informada, como relata o número 47 do Documento Final.
Os povos issolados aparecem nos números 49 e 50, fazendo um chamado de atenção diante da limpeza e desaparecimento étnico. Na Amazônia são 130 os povos que vivem nessa situação, contantemente ameaçados, sendo os mais vulneráveis dentre os vulneráveis, como lembrava o Papa Francisco em Puerto Maldonado. No Brasil, essas ameaças também chegam desde algumas igrejas pentecostais. Em referência aos direitos da natureza, uma das grandes novidades do Sínodo para a Amazônia, dentro da reflexão eclesial, o Documento Final aborda essa questão nos números 74 e 84, destacando o papel fundamental das comunidades amazônicas na proteção e defesa desses direitos.
Aos poucos vão aparecendo novas estrategias. Dentre elas, Felício Pontes destaca a Aliança dos Povos da Floresta, reavivada recentemente pelo cacique Raoni Metuktire depois de 35 anos. Essa união se torna uma atitude decisiva no futuro dos direitos da Amazônia e dos povos tradicionais que a habitam. Nesse sentido, se faz urgente usar espaços para denunciar o que está acontecendo a través dos meios de comunicação e as redes sociais, insiste Felício Pontes.
Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manus – A.M. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.