O clima de polarização extremista é um fenômeno que tem marcado o nosso tempo. Muitos parecem ter perdido a capacidade de se aproximar, dialogar, discernir, ensinar e aprender com o pluralismo saudável de posturas e ideias. A irracionalidade de certas manifestações extremistas da condição humana tem penetrado nos vários espaços de nossa cultura. Este fato social está a desafia-nos seja na busca de sua compreensão crítica, seja na busca de caminhos de superação, pois, traz consigo conflitos de poder e interesse, intolerâncias e divisões, ódio e violência que afetam de modo terrível o exercício da política e o necessário cuidado com a dignidade da vida, bem como a convivência entre as pessoas no seio de nossas famílias, comunidades, cidades.
Os novos meios de comunicação, mídias digitais e redes sociais, de criativas tecnologias portadoras de potenciais canais de entrosamento, debate de ideias e partilha de conhecimentos, tem sido usados como fonte transbordante de fake news (convincentes mentiras virtuais) e como poderosa arma para agredir e destruir a imagem do que ou de quem seja visto como ameaça ou como inimigo. Nada fica imune ou protegido.
O profetismo do papa Francisco em recuperar o espírito do Concílio Vaticano II tem sido um dos principais alvos. De modo muito particular agora, o Sínodo da Amazônia, por ele convocado para outubro, é a bola da vez. A cada dia uma nova onda de críticas é lançada pela ala ultraconservadora da Igreja. Polêmicas são criadas e se espalham com virulenta rapidez. Trata-se de uma ínfima, mas poderosa e barulhenta, patota de opositores ao projeto de reforma da Igreja impulsionado por Francisco. Mostra-se contrária a tudo quanto o Sucessor de Pedro assume enquanto atitude pastoral. Não há espírito de diálogo ou discernimento fraternos. Ao contrário, joga suas bombas para suscitar dúvidas e causar confusão na cabeça dos fieis diante do rico processo de execução do evento. Age como um grupo de terroristas eclesiásticos.
Acontece que pessoas ou grupos assim sempre existiram no seio da Igreja. Basta conhecer um pouco da história da Barca de Pedro, a começar pelo que está registrado no livro dos Atos dos Apóstolos ou nas cartas paulinas. As comunidades cristãs nunca deixaram de ser humanas e de enfrentar os desafios da busca de aprender a conviver fraternalmente inspirados pelo amor incondicional e universal de Deus. Mas no contexto atual, as posturas contrárias, por suas perversas estratégias, tem adquirido características singulares.
Alguns que se colocam como ardorosos defensores da reta doutrina partiram de uma análise parcial do Instrumentum Laboris (Instrumento de trabalho elaborado, conforme orientação de Francisco, a partir de um amplo processo de escuta dos povos da Amazônia). Estrategicamente começaram do que não é o objetivo imediato e primário do texto orientativo. Partiram de questões periféricas, mas com o objetivo de minar e destruir os fins das proposições elaboradas ao longo do criativo processo de escuta dos fiéis que estão nos territórios amazônicos e de religiosos/as, pastores e teólogos/as.
O Instrumento de Trabalho recolheu e discerniu urgências, necessidades, desafios e as sugestões concretas de resposta apresentados pelas pessoas que ali vivem para a Igreja da Amazônia. Tudo isso elaborado sem desconsiderar as balizas estruturantes da Palavra de Deus: o encontro vital com Jesus Cristo e os desdobramentos da acolhida do projeto salvífico de Deus que celebramos no Batismo e que procuramos encarnar na busca de concretização do seguimento de Jesus.
No jornal L’Osservatore Romano do dia 20 de agosto de 2019, numa entrevista do Papa a La Stampa-Vatican Insider, Francisco esclarece que, o que o motivou a convocar o Sínodo para Amazônia foi: em primeiro lugar a preocupação missionária e evangelizadora; em segundo, que o Sínodo é filho da Laudato Si‘, que é uma encíclica ecosocial, e não simplesmente uma encíclica verde, preocupada apenas com o bem da Criação. Por fim, o Papa denuncia que é um “território ameaçado por interesses econômicos e políticos, nos setores dominantes da sociedade, no qual a política deve eliminar a sua conivência e corrupção e assumir responsabilidades concretas”.
A missão da Igreja, em primeiro lugar, não encontra a sua legitimidade em anseios ou práticas sociopolíticas e econômicas presentes na cultura contemporânea, por mais importantes e necessárias que sejam. Ela também não pauta o seu agir pelos jogos de poder entre direitistas e esquerdistas, entre as diferentes classes sociais. Seu paradigma estruturante vem do Evangelho de Jesus. A Igreja anuncia e testemunha o amor de Deus e seu projeto salvífico universal, mas o faz, como Jesus, a partir opção pelos pobres, oprimidos, excluídos e ameaçados.
É perverso que muitos fiéis católicos estejam sendo manipulados ideologicamente e estejam ardilosamente caindo em armadilhas postas por pessoas que se dizem cristãs católicas e se colocam como corifeus da reta doutrina. Sendo, dessa forma, críticos do papa Francisco, são, veja bem, inimigos da Igreja de Cristo.
No Brasil isso é muito evidente. Grupos ultraconservadores se mostram poderosos e articulados no nível internacional. Já foi denunciado que essas balbúrdias são causadas com a intenção futura de forjar a eleição do próximo Pontífice. O papa Francisco tem se mostrado um cristão fiel e comprometido com o Evangelho. Ele está incomodando e contrariando os interesses de muitas pessoas que se julgam poderosas dentro e fora da Igreja. Está mexendo com estruturas de poder e de corrupção das consciências que têm amnésia da história humana e cristã. Daí a importância de fazermos memória da caminhada.
Rezemos pelo Sínodo da Amazônia! Que seja um verdadeiro kairós: uma oportunidade singular de comunhão fraterna e de sentirmos eclesialmente com todos os filhos de Deus e nossos irmãos que “são e estão ali”. Que da Amazônia possa surgir pistas concretas para a construção coletiva de caminhos novos para o toda humanidade.
Sejamos Igreja! Sejamos cristãos! Sejamos humanos! Assim o seja!
Pe. Matias Soares tem mestrado em Teologia Moral pela PUG Roma e, atualmente, atua como presbítero na Paróquia de Santo Afonso em Natal-RN. É um assíduo colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.