Comecemos pela via negativa, ou seja, pelo que confunde e não define a “ação de evangelizar”. Equivoca quem a compreende como um mero “anúncio”, “pregação” ou “propagação” de algo que se julga precioso e fundamental para a vida. Erra, igualmente, quem a entende como “discurso de defesa” de uma doutrina, igreja ou religião, dentre outras, como a melhor, a única verdadeira e digna de existir ou de ser seguida. Também se engana quem a concebe como um “conjunto de esforços” para que uma pessoa, divindade ou caminho espiritual seja aceito como o “único mediador capaz de salvar” ou encontrar luz, força e felicidade.
No primeiro caso, há a necessidade de discussão sobre os critérios de julgamento, a autoridade de quem julga e as disposições de abertura de quem recebe o conteúdo anunciado. No segundo, a ação evangelizadora suscitaria inúmeros conflitos entre igrejas, religiões e doutrinas cada qual com a pretensão de evangelizar o diferente de si. No terceiro, ainda que o mediador seja Jesus Cristo e que a religião seja o Cristianismo, a ação evangelizadora não evitaria, mas provocaria enormes dificuldades de convivência fraterna entre as pessoas, diálogo aberto entre as religiões e paz entre os povos e as culturas.
Se evangelização não é sinônimo de apologética religiosa, então, o que vem a ser “evangelizar”? O substantivo “evangelho” vem do grego ευαγγέλιον, euangelion, eu = bom + angelion = mensagem, significa, portanto, boa mensagem, boa notícia, boa nova. Trata-se, concretamente, da ação de compartilhar com outros, no cotidiano da vida, o ser humano que foi convertido, transformado e iluminado pelo conteúdo que ele anuncia cuja pretensão é ser recebido como boa nova. Deste modo, a autoridade da ação evangelizadora nasce nos olhos, e não apenas nos ouvidos, de quem recebe a ação evangelizadora. Significa que o evangelizador necessariamente concretiza alguém que foi evangelizado, ou seja, transformado pelo conteúdo do evangelho que anuncia. A vida do evangelizador apresenta-se como uma espécie de amostra grátis para quem é convidado a abrir o coração e acolher a boa nova anunciada.
No caso da tradição cristã, Jesus anunciou uma boa nova específica para os pobres e necessitados, pecadores, doentes, estrangeiros e marginalizados. Revelou que Deus é presença amorosa, misericordiosa e salvífica no meio do povo. Além disso, mostrou que Deus tem um projeto salvífico universal. Jesus encarnou, em sua vida, o que proclamava sobre Deus e o projeto do Reino. Após a morte brutal na cruz, a experiência da Ressurreição e de Pentecostes, os discípulos e as discípulas de Jesus, transformados pelo evangelho, passam a anunciar como boa nova a vida de Jesus e a compartilhar, em comunidades fraternas, a vida nova que brotava entre aqueles e aquelas que acolhiam o evangelho.
O cristão crê que Jesus experimentou e anunciou o amor universal de Deus. Cada pessoa é amada por Deus, de forma gratuita e incondicional, como filho ou filha. E porque somos amados por Deus, Jesus percebeu e testemunhou a possibilidade de rompermos muros e construirmos pontes de fraternidade, justiça e misericórdia entre nós. Anunciou a alegria desta boa nova e indicou-nos um caminho a seguir. Não há, nesse sentido, autêntica evangelização cristã sem a acolhida, de todo coração, do amor universal de Deus, como Pai de todos, e dos outros, como irmão e irmã.
Evangelizar, nesse horizonte de sentido, passou a significar ações, gestos e palavras, da Igreja de Jesus Cristo. A Igreja é formada por aqueles que concretizam entre si a vida nova e que descobriram a alegria de colocar-se a serviço, em espírito de diálogo fraterno, da convivência pacífica e justa entre os seres humanos, juntamente com as suas culturas e religiões. A ação evangelizadora adquire credibilidade na busca diária de promover e cuidar da dignidade da vida, sobretudo, de quem está à margem do caminho.
Edward Neves M. de B. Guimarães
P/ equipe executiva do Observatório