O rito zairense, um exemplo de que o rito amazônico é possível e cada vez mais próximo

As mudanças que permanecem com o tempo não são aquelas que se tornam uma realidade de um dia para o outro, uma afirmação mais significativa quando falamos da Igreja. O papa Francisco gosta de falar de processos, de consenso, de diálogo, de escutar, de prestar atenção às coisas importantes. Em sua visão do mundo e da Igreja ele defende a multiformidade, a inculturação, a interculturalidade, dando valor às diferentes expressões de fé que foram forjadas na vida dos povos e que ajudaram a descobrir o valor do sagrado na vida cotidiana.

O rito zairense do Missal Romano pode ser considerado uma expressão de tudo isso. Diante daqueles que se comprometeram a romanizar a liturgia ao longo das décadas, estamos diante do compromisso decisivo com o que o Concílio Vaticano II propôs, a inculturação da liturgia. Este rito, “o único rito inculturado da Igreja Latina aprovado após o Concílio Vaticano II”, como o próprio papa Francisco afirma no prefácio do livro “O papa Francisco e o ‘Missal Romano para as Dioceses do Zaire'”, pode ser considerado “um rito promissor para outras culturas”, como diz o subtítulo.

Se existe uma região onde esta tentativa de inculturação da liturgia já tomou medidas, é a Amazônia. A celebração do Sínodo para a Amazônia, onde não podemos esquecer a importância decisiva de seu processo de escuta, do qual participaram oficialmente mais de 87 mil pessoas, foi reunindo diferentes sentimentos, nos quais os povos amazônicos expressaram seu desejo de trazer para as celebrações aquilo que fazia parte de sua própria vida, a começar por sua própria língua.

Na diocese de São Gabriel da Cachoeira, durante várias décadas, foram feitas tentativas para tornar esta Igreja inculturada uma realidade, expressões do que o Sínodo para a Amazônia reuniu no que é conhecido como o rito amazônico. Há música em diferentes línguas indígenas, que o povo canta com devoção e alegria, ritos culturais foram introduzidos nas celebrações, o sacramento do batismo também vem assumindo elementos próprios da cultura e até mesmo o rito da missa foi traduzido para a língua Tukano. Pouco a pouco estão sendo traduzidas para outras línguas, assim como a celebração da Palavra, que é o que marca a vida cotidiana das comunidades.

Com o pouco que aprendi dessa língua, pude celebrar em algumas comunidades na língua Tukano, algo que sempre foi recebido com alegria pelos próprios povos indígenas. Isto nos mostra a importância que estas realidades têm na vida dos povos originários e exige a necessidade de continuar avançando no que nos diz o Documento Final do Sínodo, “a elaboração de um rito amazônico, que expresse o patrimônio litúrgico, teológico, disciplinar e espiritual amazônico“.

O papa Francisco, que na Querida Amazônia assume o que foi dito no Documento Final, afirma que “o Concílio Vaticano II solicitara este esforço de inculturação da liturgia nos povos indígenas, mas passaram-se já mais de cinquenta anos e pouco avançamos nesta linha“. Portanto, ele vê como uma possibilidade real, “receber na liturgia muitos elementos próprios da experiência dos indígenas no seu contacto íntimo com a natureza e estimular expressões autóctones em cantos, danças, ritos, gestos e símbolos“. Neste sentido, poderíamos dizer que o Papa reúne na exortação pós-sinodal o que já está sendo vivido em diferentes regiões da Amazônia.

Avançar no que se refere a este rito amazônico é uma das tarefas que a Assembleia Sinodal, como consta em seu Documento Final, confiou ao novo organismo da Igreja na Amazônia, que foi concretizado na Conferência Eclesial da Amazônia – CEAMA, nascida em 29 de junho passado, a primeira deste tipo na história da Igreja. O Documento Final diz queo novo organismo da Igreja na Amazônia deve constituir uma comissão competente para estudar e dialogar, segundo os usos e costumes dos povos ancestrais, a elaboração de um rito amazônico“. Como afirmou o presidente da CEAMA, o Cardeal Claudio Hummes, na primeira assembleia plenária, celebrada nos dias 26 e 27 de outubro de 2020, coincidindo com o primeiro aniversário do encerramento da Assembleia Sinodal, estão sendo dados passos para tornar este rito amazônico uma realidade, algo mais do que possível se levarmos em conta que o rito zairense existe e o que o Papa afirmou na Querida Amazônia.

A celebração deve ser “um verdadeiro lugar de encontro com Jesus”, como o papa Francisco implicou em diferentes ocasiões. Segundo ele, ao falar do rito zairense, ele enfatiza a importância de não celebrar “com palavras emprestadas de outros, mas assumindo toda a especificidade espiritual e sociocultural do povo congolês, com suas transformações”, insistindo que “a liturgia deve tocar o coração dos membros da Igreja local e ser sugestiva”. A Igreja não pode ter medo de expressar sua autêntica catolicidade, elemento muito presente na reflexão do atual pontífice, para assumir rostos novos, nascidos das culturas que acolheram e nas quais o Evangelho se enraizou.

Um elemento que, juntamente com a inculturação da liturgia, está incluído na Querida Amazônia é o da inculturação do ministério, uma necessidade que deve responder ao fato de que “a pastoral da Igreja tem uma presença precária na Amazônia, devido em parte à imensa extensão territorial, com muitos lugares de difícil acesso, grande diversidade cultural, graves problemas sociais e a própria opção de alguns povos se isolarem. Isto não pode deixar-nos indiferentes, exigindo uma resposta específica e corajosa da Igreja”.

Como já dissemos, o papa Francisco assumiu o Documento Final do Sínodo, onde afirma que “propomos estabelecer critérios e disposições por parte da autoridade competente, no âmbito da Lumen Gentium 26, para ordenar sacerdotes a homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterato, podendo ter uma família legitimamente constituída e estável, para sustentar a vida da comunidade cristã mediante a pregação da Palavra e a celebração dos Sacramentos nas áreas mais remotas da região amazônica“. Neste sentido, segundo Querida Amazônia, é necessário assegurar que “o ministério se configure de tal maneira que esteja ao serviço duma maior frequência da celebração da Eucaristia, mesmo nas comunidades mais remotas e escondidas”.

O papa Francisco sempre esteve aberto ao diálogo, também sobre assuntos ministeriais, afirmando na exortação pós-sinodal que “o modo de configurar a vida e o exercício do ministério dos sacerdotes não é monolítico, adquirindo matizes diferentes nos vários lugares da terra. Portanto, levando em conta as “circunstâncias específicas da Amazónia, especialmente nas suas florestas e lugares mais remotos, é preciso encontrar um modo para assegurar este ministério sacerdotal”, ele não hesita em afirmar que “é preciso encontrar um modo para assegurar este ministério sacerdotal”, já que “é urgente fazer com que os povos amazônicos não estejam privados do Alimento de vida nova e do sacramento do perdão”. É verdade que seu conselho é promover o trabalho missionário na Amazônia, mas as possibilidades para o futuro estão abertas ao diálogo, uma atitude cada vez mais presente na Igreja da Amazônia, que não podemos esquecer que celebrou seu Sínodo com o objetivo de encontrar novos caminhos.

Sobre o autor:

Luis Miguel Modino

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.

A seguir, a versão do texto em espanhol, confira:

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Rito zaireño, un ejemplo de que el rito amazónico es posible y está cada vez más próximo

Los cambios que permanecen en el tiempo no son aquellos que se hacen realidad de un día para otro, una afirmación que cobra más sentido cuando hablamos de la Iglesia. Al Papa Francisco le gusta hablar de procesos, de consenso, de diálogo, de escucha, de fijarse en las cosas importantes. En su visión del mundo y de la Iglesia aboga por la multiformidad, por la inculturación, por la interculturalidad, por dar valor a las diferentes expresiones de la fe que se ha ido fraguando en la vida de los pueblos y que han ayudado a descubrir el valor de lo sagrado en la vida del día a día.

El rito zaireño del Misal Romano puede ser considerado como expresión de todo eso. Frente a quienes se han empeñado en romanizar la liturgia a lo largo de décadas, nos deparamos con la apuesta decidida por aquello que el Concilio Vaticano II proponía, inculturar la liturgia. Este rito, “el único rito inculturado de la Iglesia latina aprobado después del Concilio Vaticano II”, como que afirma el propio Papa Francisco en el prefacio del libro “Papa Francisco y ‘el Misal Romano para las Diócesis de Zaire'”, puede ser considerado “un rito prometedor para otras culturas”, como recoge el subtítulo.

Si hay una región donde esta tentativa de inculturación de la liturgia ya ha dado pasos, esa es la Amazonía. La celebración del Sínodo para la Amazonía, donde no podemos olvidar la importancia decisiva de su proceso de escucha, en el que participaron oficialmente más de 87 mil personas, fue recogiendo diferentes sentimientos, en los que los pueblos amazónicos expresaban su deseo de llevar a las celebraciones aquello que formaba parte de su propia vida, comenzando por su propia lengua.

En la diócesis de San Gabriel da Cachoeira, desde hace varias décadas, se han llevado a cabo tentativas para hacer realidad esa Iglesia inculturada, expresiones de aquello que el Sínodo para la Amazonía recogió en lo que es conocido como rito amazónico. Existen músicas en diferentes lenguas indígenas, que la gente canta con devoción y alegría, en las celebraciones han sido introducidos ritos culturales, el sacramento del bautismo ha ido también asumiendo elementos propios de la cultura e inclusive se ha traducido el rito de la misa a la lengua tukano. Poco a poco se van traduciendo a otras lenguas, así como la celebración de la Palabra, que es lo que marca la vida del día a día en las comunidades.

Con lo poco que aprendí de esa lengua, pude celebrar en algunas comunidades en lengua tukano, algo que siempre fue acogido con alegría por los propios indígenas. Eso nos muestra la importancia que esas realidades tienen en la vida de los pueblos originarios y demanda la necesidad de continuar avanzando en aquello que el Documento Final del Sínodo nos dice, “la elaboración de un rito amazónico, que exprese el patrimonio litúrgico, teológico, disciplinario y espiritual amazónico”.

El Papa Francisco, que en Querida Amazonía asume lo dicho en el Documento Final, afirma que “ya el Concilio Vaticano II había pedido este esfuerzo de inculturación de la liturgia en los pueblos indígenas, pero han pasado más de cincuenta años y hemos avanzado poco en esta línea”. Por eso, ve como una posibilidad real, “recoger en la liturgia muchos elementos propios de la experiencia de los indígenas en su íntimo contacto con la naturaleza y estimular expresiones autóctonas en cantos, danzas, ritos, gestos y símbolos”. En ese sentido, podríamos decir que el Papa recoge en la exhortación postsinodal aquello que ya está siendo vivido en diferentes regiones de la Amazonía.

Avanzar en lo referente a ese rito amazónico es una de las tareas que la Asamblea Sinodal, como recoge su Documento Final, le encargó al nuevo organismo de la Iglesia en la Amazonía, que se concretó en la Conferencia Eclesial de la Amazonía – CEAMA, nacida el pasado 29 de junio, la primera de este tipo en la historia de la Iglesia. El Documento Final decía que se “debe constituir una comisión competente para estudiar y dialogar, según usos y costumbres de los pueblos ancestrales, la elaboración de un rito amazónico”. Como afirmaba el presidente de la CEAMA, el cardenal Claudio Hummes, en la primera asamblea plenaria, celebrada el 26 y 27 de octubre, coincidiendo con el primer aniversario de la clausura de la Asamblea Sinodal, se están dando pasos para hacer realidad ese rito amazónico, algo más que posible si tenemos en cuenta que existe el rito zaireño y lo afirmado por el Papa en Querida Amazonía.

La celebración debe ser “un verdadero lugar de encuentro con Jesús”, como ha dado a entender el Papa Francisco en diferentes ocasiones. Según él, al hablar del rito zaireño, destaca la importancia de no celebrar “con palabras prestadas de otros, sino asumiendo toda la especificidad espiritual y sociocultural del pueblo congoleño, con sus transformaciones”, insistiendo en que “la liturgia debe tocar los corazones de los miembros de la Iglesia local y ser sugestiva”. La Iglesia no puede tener miedo de expresar su auténtica catolicidad, un elemento muy presente en la reflexión del actual pontífice, de asumir nuevos rostros, nacidos de las culturas que han acogido y en las que se ha enraizado el Evangelio.

Un elemento que junto con la inculturación de la liturgia es recogido en Querida Amazonía es el de la inculturación de la ministerialidad, una necesidad que debe dar una respuesta ante el hecho de que “la pastoral de la Iglesia tiene en la Amazonia una presencia precaria, debida en parte a la inmensa extensión territorial con muchos lugares de difícil acceso, gran diversidad cultural, serios problemas sociales, y la propia opción de algunos pueblos de recluirse. Esto no puede dejarnos indiferentes y exige de la Iglesia una respuesta específica y valiente”.

Como ya hemos dicho, el Papa Francisco asumió el Documento Final del Sínodo, donde se dice que “proponemos establecer criterios y disposiciones de parte de la autoridad competente, en el marco de la Lumen Gentium 26, de ordenar sacerdotes a hombres idóneos y reconocidos de la comunidad, que tengan un diaconado permanente fecundo y reciban una formación adecuada para el presbiterado, pudiendo tener familia legítimamente constituida y estable, para sostener la vida de la comunidad cristiana mediante la predicación de la Palabra y la celebración de los Sacramentos en las zonas más remotas de la región amazónica”. En ese sentido, Querida Amazonía afirma que “se requiere lograr que la ministerialidad se configure de tal manera que esté al servicio de una mayor frecuencia de la celebración de la Eucaristía, aun en las comunidades más remotas y escondidas”.

El Papa Francisco siempre ha estado abierto al diálogo, también en temas ministeriales, afirmando en la exhortación postsinodal que “el modo de configurar la vida y el ejercicio del ministerio de los sacerdotes no es monolítico, y adquiere diversos matices en distintos lugares de la tierra”. Por eso, teniendo en cuenta “las circunstancias específicas de la Amazonia, de manera especial en sus selvas y lugares más remotos”, no duda en afirmar que “hay que encontrar un modo de asegurar ese ministerio sacerdotal”, pues “es urgente evitar que los pueblos amazónicos estén privados de ese alimento de vida nueva y del sacramento del perdón”. Es verdad que su consejo es promover la misionariedad en la Amazonía, pero las posibilidades de futuro están abiertas al diálogo, una actitud cada vez más presente en la Iglesia de la Amazonía, que no podemos olvidar que celebró su Sínodo con el objetivo de encontrar nuevos caminos.