No marco celebrativo dos 90 anos do grande biblista das comunidades, Frei Carlos Mersters, celebrado em outubro de 2021, publicamos um de seus incontáveis e memoráveis textos, que nos convida a perceber a beleza de cultivar a centralidade da Palavra de Deus em pequenos círculos bíblicos, de fé, cultivo da vida cristã e da partilha do amor fratersororal. E, assim, como os discípulos de Emaús, ressuscitarmos com Jesus Cristo, para amar e servir, cuidar dos sofredores e necessitados, para anunciar e testemunhar a vida nova e a alegria de quem renasceu pelo Evangelho de Deus para os pobres.
Boa leitura,
Edward Guimarães
Muita gente pergunta: “O que vem ser um círculo bíblico?” Círculo Bíblico não é uma coisa nova. A prática do círculo bíblico vem desde o Concílio Vaticano II dos anos sessenta do século passado. O Concílio insistiu muito para que os cristãos retomassem a Bíblia em mãos e começassem a fazer dela seu livro de cabeceira.
Assim, desde aquela época do Concílio, os círculos bíblicos cresceram e aumentaram. Só Deus é quem sabe quantos são os círculos bíblicos no Brasil. São milhares e milhares! Na realidade, quase todas as famílias já possuem uma Bíblia em casa. A semente já está no chão. Só falta o sol e a chuva da reza e da reunião.
Círculo bíblico não é uma coisa nova. O primeiro encontro em torno da Palavra de Deus vem do próprio Jesus, quando andava com os dois discípulos na estrada de Emaús. Antes disso, ele mesmo, durante os trinta anos que viveu em Nazaré, todo sábado, participava da reunião da comunidade na sinagoga, onde se faziam três coisas, que até hoje fazemos nos círculos bíblicos:
- Primeiro, eles rezavam e cantavam juntos;
- Segundo, eles liam e meditavam um trecho da Bíblia;
- Terceiro, eles procuravam ver como podiam ajudar-se mutuamente para colocar em prática a Palavra e, assim, resolver os problemas da vida.
Um grande Rabino daquela época, chamado Aquiba, dizia o seguinte sobre estes encontros semanais na sinagoga: “O mundo repousa sobre três colunas: a Lei, o Culto, o Amor”. A Lei era a Palavra de Deus. O Culto era a reza, a celebração. O Amor era a ajuda mútua para resolver juntos os problemas da vida. Foi o que Jesus fez durante todos os anos da sua vida. No fim, já depois da ressurreição, ele o fez pela última vez com os discípulos na estrada de Emaús (Lc 24,13-35).
No caminho de Emaús, a primeira coisa que Jesus fez foi aproximar-se dos dois discípulos, caminhar com eles, escutar e sentir de perto o problema deles. Eles ainda não se davam conta que aquela pessoa era Jesus (Lc 24,13-16). Jesus fazia perguntas. Queria saber porque estavam tristes. Mas eles não queriam muita conversa. Jesus insistiu em perguntar (Lc 24,17-18). Eles estavam tristes porque o governo e os anciãos tinham matado Jesus: “Nós esperávamos que ele fosse o libertador, mas já faz três dias que isto aconteceu” (Lc 24,19-21). Estavam desanimados. Nem foram capazes de crer no testemunho das mulheres que já tinham visto Jesus ressuscitado (Lc 24,22-24).
Aí Jesus começou a usar a Bíblia para iluminar aqueles problemas com a luz da Palavra de Deus. Ele disse: “Como vocês demoram para crer em tudo que os profetas falaram! Então, vocês não sabiam que o Messias devia passar por tudo isto para poder entrar na sua gloria?” (Lc 24,25-27). Enquanto assim conversavam, eles iam andando, chegando mais perto de Emaús. Foi uma conversa boa. Os dois gostaram. O coração ardia dentro deles enquanto Jesus explicava a Bíblia (Lc 24,32). Mesmo assim, eles ainda não perceberam que aquela pessoa era Jesus. A Bíblia, ela sozinha, não chegou a abrir os olhos. Então o que é preciso fazer para que a Palavra de Deus possa abrir os olhos e nos faça perceber Jesus presente no meio de nós?
Quando eles chegaram em Emaús, Jesus fez de conta que queria ir mais adiante. Mas os dois disseram: “Fique com a gente. Já é tarde. Passe a noite aqui e amanhã o senhor segue sua viagem” (Lc 24,29). Jesus aceitou o convite e entrou com eles. Sentaram à mesa, rezaram juntos e partilharam o pão. Neste exato momento os olhos se abriram e eles perceberam que era Jesus. E aí, Jesus desapareceu. (Lc 24,28-31). Aquilo que abriu os olhos e os fez perceber a presença de Deus, foi o gesto comunitário de convidar para entrar, sentar juntos à mesa, rezar juntos, partilhar o pão. Foi na partilha do pão que eles reconheceram Jesus (Lc 24,35).
Três coisas aconteceram neste primeiro círculo bíblico:
- Primeiro: a preocupação de Jesus com a vida dos dois discípulos;
- Segundo: meditar a Bíblia para clarear o problema dos discípulos com a luz da Palavra de Deus;
- Terceiro: o encontro comunitário de sentar juntos à mesa, rezar juntos e partilhar o pão.
Até hoje, estas três coisas juntas, acontecem nos nossos círculos bíblicos, abrem nossos olhos e nos ajudam a perceber Jesus caminhando conosco. Até hoje, quando nos reunimos nas nossas casas em torno da Palavra de Deus, caminhamos com Jesus na estrada de Emaús e o coração da gente começa a arder, os olhos vão se abrindo e, aos poucos, vamos percebendo Jesus presente no meio de nós.
Numa destas reuniões dos círculos bíblicos, alguém perguntou: “Para onde é que foi Jesus depois que desapareceu diante dos dois discípulos?” Um outro respondeu: “Eu sei. Ele foi para dentro deles!” Resposta boa e muito bonita. Na realidade, eles mesmos ressuscitaram, porque naquela hora, de repente, tudo mudou. Eles estavam tristes, e ficaram alegres. Tinham perdido a esperança, e ficaram animados. Estavam com medo, e ficaram cheios de coragem. Tinham separado dos outros, e voltaram a reunir-se com eles em Jerusalém. Tinham perdido a fé em Deus e no testemunho das mulheres, e renasceu em neles a convicção de fé. Pareciam mortos, cadáveres ambulantes, e estavam vivos mais do que nunca. Eles mesmos ressuscitaram! Imediatamente levantaram e voltaram para Jerusalém para contar para os outros o que tinha acontecido com eles e como tinham reconhecido Jesus no partir do pão. A ressurreição que tinha acontecido em Jesus, estava acontecendo com eles e acontece conosco quando nos reunimos em torno da Palavra de Deus.
(os grifos são nossos)
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