O Projeto IDE do Setor Pastoral Juvenil da CNBB e o desafio da evangelização das juventudes

Nos dias 7 e 8 de setembro, reuniram-se em Brasília/DF os Responsáveis Diocesanos de Juventude com os bispos referenciais da Juventude no Brasil. Este é o XIV ENRDJ. Principal ponto da pauta foi o Projeto IDE. Pe. Antônio Luiz Castelan falou do Projeto IDE e sobre a mística e a eclesiologia que devem animar a ação pastoral com os jovens.

O Projeto IDE se desenvolve neste período, 2018 – 2020, em que a Igreja vive a preparação, a realização e o acolhimento às conclusões do Sínodo dos Bispos sobre a Juventude. O IDE consiste de cinco eixos pastorais:

1. Missão – tem em vista estimular a mística e a atitude missionária nas juventudes do Brasil;

2. Formação – visa ampliar e melhorar os espaços e oportunidades de formação de assessores, acompanhantes, lideranças e coordenadores de grupos juvenis em todo o país;

3. Estruturas de Acompanhamento – fomenta estimular a criação do Setor Diocesano da Juventude, como lugar de comunhão e unidade das diversas expressões juvenis;

4. Ecologia – visa levar a juventude aprofundar o estudo e as inspirações da Carta Encíclica Laudato Si, estimulando a consciência ecológica e ações locais de cuidado da Casa Comum;

5. Políticas Públicas – tem em vista estimular a presença da Juventude nos conselhos municipais e sua participação ativa na discussão por políticas públicas como agentes na construção da Civilização do amor.

Reunidos no Colégio Dom Bosco, mais de 168 participantes puderam partilhar suas experiências à frente dos setores Juventude de todos os estados brasileiros. Também foi apresentada a plataforma de serviço de evangelização da juventude da CNBB, Jovens Conectados.

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XIV ENCONTRO NACIONAL DE RESPONSÁVEIS DIOCESANOS DE JUVENTUDE – ENRDJ 

 

“(…) Quando isolamos os jovens, praticamos uma injustiça: despojamo-los da sua pertença.

(Papa Francisco, 28ª Jornada Mundial da Juventude – Rio de Janeiro)

 

INTRODUÇÃO

A Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude da CNBB, na missão de acompanhar a Evangelização da juventude no Brasil, neste período de preparação, realização e acolhimento das conclusões do Sínodo dos Bispos, “os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, promoveu, em Brasília, o XIV Encontro Nacional de Responsáveis Diocesanos de Juventude (XIV ENRDJ), com o objetivo aprofundar o Plano Trienal da Pastoral Juvenil da CNBB para o período de 2018 a 2020 através do Projeto IDE.

O referido projeto foi aprovado nos dias 07 a 09 de 2017 no II Encontro Nacional de Revitalização da Pastoral Juvenil, com a participação de 300 jovens de todo o Brasil. O mesmo aprovou cinco eixos pastorais a serem desenvolvidos de 2018 a 2020, a saber:

  1. Missão
  2. Formação
  3. Estruturas de acompanhamento
  4. Ecologia
  5. Políticas Públicas.

Os dois últimos eixos foram inspirados a partir do magistério do papa Francisco, da “Evangelli Gaudium”, da “Laudato Si’”, do DOCAT (Doutrina Social da Igreja numa linguagem jovem) , da CF 2019 (Fraternidade e Políticas Públicas), e do Doc. 105 (da CNBB Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade: Sal da terra e Luz do mundo)

 

Aprofundamento

O Projeto IDE está fundamentado na passagem bíblica do evangelista Marcos: “Ide e pregai o Evangelho a toda criatura!” (Mc16,15) e , ao mesmo tempo, alimenta a ação pastoral com os jovens em sintonia com a mística/eclesiologia do pontificado do papa Francisco.

O XIV ENRDJ contou com a assessoria do Pe. Antônio Luís Catelan Ferreira, presbítero da diocese de Umuarama, Mestre em Direito Canônico, assessor da doutrina da fé da CNBB e membro da Comissão Internacional da Teologia de Roma.

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Pe. Antônio Luís Catelan Ferreira

Que elementos da eclesiologia do papa Francisco podem iluminar o projeto IDE da pastoral da juventude? Segundo Catelam, na Teologia Pastoral, o pressuposto da ação evangelizadora se apoiava, até então, num tripé, aos quais hoje se acrescenta mais um elemento. São eles:

  • Formação
  • Espiritualidade
  • Mística
  • Motivação, organização e acompanhamento.

O projeto IDE já contempla esses quatro pontos necessários para manter uma ação pastoral evangelizadora. A atenção do encontro voltou-se especificamente para a Espiritualidade, que está profundamente entrelaçado à compreensão eclesiológica do pontificado do papa Francisco. Sua espiritualidade é sua eclesiologia vivida no nível da profundidade, dos valores e das convicções, diz o assessor.

A espiritualidade do papa Francisco pode ser refletida em dois registros importantes: o seu magistério e a sua prática de vida. Esta se dá marcadamente através de hábitos diários envolvendo momentos de oração, contemplação e devoção profundamente simples. No âmbito do magistério, o tema da espiritualidade é abordado, de forma bastante ampla, através das três exortações apostólicas: “Evangelli Gaudium”, “Amoris Laetitia”, “Gaudete Et Exsultate” e a carta encíclica “Laudato Si‘”.

A espiritualidade deve se cultivada não para sermos mais eficazes, mas para sermos santos e quanto mais santos, mais eficazes seremos. Espiritualidade é um permanente crescer na comunhão com Deus, diz  Catelam. O papa Francisco chega a dizer que há uma só tristeza no mundo: a de não sermos santos. A riqueza do capítulo V da “Lumem Gentium” (A vocação de todos à Santidade na Igreja), ainda não foi devidamente explorado por nós. Tudo que se faz centrado no Evangelho, em Jesus Cristo, contribui enormemente para a espiritualidade.

 

“Evangelli Gaudium” e a Espiritualidade

O centro da “Evangelli Gaudium” é a noção de “Querigma” (anúncio). O Cristianismo tem uma hierarquia de verdades e como centralidade o amor de Deus em Cristo que nos salvou e dignificou-nos. Sempre se tem a necessidade de ouvir acerca do amor através do encontro com Jesus Cristo. O que de melhor aconteceu na nossa vida foi o encontro com Cristo  a  nossa missão consiste justamente em levar as pessoas à alegria do mesmo encontro.

Segundo Catelam, nossa dor não é a de uma competição perdida, mas a de um amor ferido. A dor de não termos conseguido evangelizar os sacramentalizados. A Exortação Apostólica “Evangelli Gaudium” é uma proposta de espiritualidade. Esta proposta é uma saída para o individualismo que tem como sintoma o gnosticismo e o pelagianismo. A saída está justamente no encontro com Jesus Cristo que desencadeia numa missão: partilhar a experiência do encontro do amor de Deus com os outros. Se antes do Concílio, a missão era salvar as almas das pessoas, agora consiste num outro paradigma: partilhar o amor de Deus com os outros. A partir do encontro que experimentamos já se dá a espiritualidade. O discípulo é aquele que suja os pés para ir, em missão, levar às pessoas o anúncio da alegria do encontro com Jesus Cristo.

O Projeto IDE renovará a juventude e terá sua eficácia ao realizar o exercício da missão que consiste no encontro de jovens com outros jovens a partir de Jesus Cristo. Respeitando pacientemente as etapas de cada pessoa, deve ser incansável o anúncio do amor de Deus.

Neste horizonte, o papa Francisco testemunha um jeito novo e singular de aprofundar o Evangelho e dele falar. A novidade e singularidade está na vivência pastoral. Outra proposta de espiritualidade/mística do papa Francisco, diz respeito à fraternidade mística (EG 92). Esta se caracteriza pelo fato de que ninguém deve se sentir melhor do que os outros e a missão, por sua vez, deve consistir no serviço humilde e discreto a cada pessoa, a todas as pessoas (EG 95). Que ninguém se sinta melhor que os outros. A piedade popular é uma oportunidade de encontro/relação com Deus. Ela compreende o encontro com Cristo e a missão (EG 125) de forma conatural afetiva em que se percebe a maneira que a fé recebida se encarna numa cultura e continuamente é transmitida (EG 123). A exemplo da Juventude, a piedade popular é um lugar teológico, isto é, Deus se revela através de suas expressões, Deus fala. No âmbito da evangelização e da missão, não se pode esquecer-se da importância de considerar e personalizar os processos de crescimento das pessoas (EG 169). Esta consideração é importante em relação ao Projeto IDE da juventude nacional. Outra atenção fundamental ao considerar a dimensão da espiritualidade, é a centralidade da Palavra de Deus. Toda a ação evangelizadora deve ter como referencial absoluto para a comunhão íntima com Deus e os irmãos, a Palavra proclamada, escutada, meditada, interiorizada, celebrada e vivenciada (testemunho). Sem o contato permanente com a Palavra de Deus, não se consegue iluminar a vida.

A espiritualidade, que nasce e se fortalece da Palavra, desencadeia nos que a acolhe, a sensibilidade social marcada pela escuta do clamor dos pequenos que é a “carne” de Cristo sofredor (EG 193) fazendo-nos deles servidor, pois Deus neles se manifesta e a opção por eles é uma categoria teológica antes que sociológica e cultural.

Nossa fé deve estar implicitamente marcada pelos mesmos sentimentos de Cristo Jesus. Assim, eles, os pobres nos evangelizam, nos enriquecem com sua pobreza e nos desafiam a descobrir Cristo neles (EG198). O capítulo V da “Evangelli Gaudium”, Evangelizadores com Espirito, trata do que é o querigma, a chave central da Espiritualidade: o amor que recebemos de Jesus e que nos impele a amá-lo ainda mais. Por conseguinte, se de fato experimentamos verdadeiramente o seu amor, não resistiríamos em anunciá-lo (EG 264). O amor às pessoas nos favorece o encontro em plenitude com Deus e o amor de Deus nos “devolve” aos irmãos. Há um duplo movimento na experiência do amor (EG 272).

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“Laudato Si” e a Espiritualidade

Segundo o papa Francisco, a Igreja possui ao longo dos séculos, uma riquíssima experiência pessoal e comunitária de contribuição na renovação da humanidade. Ao propor uma espiritualidade ecológica, a humanidade é convidada a encontrar no Evangelho a renovação das convicções da sua fé. Por conseguinte, o fruto do encontro com a Palavra de Deus tem repercussões no nosso modo de pensar, sentir e viver.

As motivações que derivam da espiritualidade nos ajudam a alimentar a paixão e o cuidado pela casa de todos, a casa comum (LS216). Só com ideias claras não se consegue realizar o que é preciso realizar. Faz-se necessário, e fundamentalmente, a motivação, uma espiritualidade. Ser guardião da obra de Deus não é algo opcional ou destoado da fé cristã. Muito pelo contrário, trata-se de um aspecto essencial da experiência cristã.

A conversão ecológica, que o papa Francisco se refere na “Laudato Si”, manifesta-se por atitudes que traduzem no ativo cuidado generoso para com o planeta. Uma destas atitudes diz respeito à gratidão e generosidade. Estas atitudes brotam de um coração reconhecido de que tudo o que temos e recebemos é dom do Pai. Assim sendo, nasce a consciência da fraternidade, isto é a compreensão de que não estamos separados uns dos outros, mas formamos uma comunhão universal. Ao estarmos no mundo e não fora dele, precisamos conscientizarmo-nos de que somos todos corresponsáveis pelo planeta que é nossa casa comum (LS 220).

Num mundo notoriamente marcado pelo consumo exacerbado, pelo ter, pelo acumular, a espiritualidade cristã indica a experiência da sobriedade originando, por conseguinte, a capacidade de alegrar-se com pouco. Esta experiência possibilita o coração satisfazer-se com as pequenas coisas, saboreá-las de forma agradecida tudo o que a vida nos oferece. Esta prática contribui na superação do acúmulo e da dinâmica do domínio das coisas e do próprio mundo (LS 222). Ao faltar a sobriedade e a humildade no ser humano, o mesmo acaba sofrendo inúmeros desequilíbrios em si e no próprio ambiente, o que, por si, vai acarretar a possibilidade de tudo dominar sem limites prejudicando assim a sociedade e o meio ambiente (LS 224).

Uma autêntica espiritualidade nos leva a contemplar tudo o que se encontra ao nosso redor e, inclusive o ser humano, com serena atenção enquanto dom divino e que se deve viver em perfeita plenitude. Jesus nos ensina esse exercício quando o evangelista Marcos narrava a passagem que fala da contemplação dos lírios do campo, ou quando na presença de um homem inquieto, “fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele” (Mc 10,21). O cultivo das relações entre nós contribui e muito para a nossa espiritualidade. Os pequenos gestos, o “pequeno caminho do amor” de Santa Teresinha caracterizado pelo sorriso, por uma palavra gentil, por um pequeno gesto ajuda a posicionarmos de forma diferente na relação também com a natureza, com a ecologia integral, pois é através dos pequenos gestos de amor que quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo (LS 230 -231).

Ao contemplarmos o universo reconhecemos que foi desenvolvido em Deus e, ao mesmo tempo, Deus o preenche completamente. Nesse sentido há um mistério a ser contemplado em tudo e em cada coisa, em cada obra da criação das mãos de Deus. É preciso descobrir a ação de Deus não simplesmente na interioridade da alma, mas na exterioridade das coisas, das pessoas, da vida (LS 233). Tudo o que há de bom nas coisas e experiências do mundo, “encontra-se eminentemente em Deus de maneira infinita ou, melhor, Ele é cada uma destas grandezas que se pregam” (Cântico Espiritual, XIV,5.). A “Laudato Si” fala da sacramentalidade de um modo bastante amplo. Indica-nos que “os sacramentos são um modo privilegiado em que a natureza é assumida por Deus é transformada em mediação da vida sobrenatural” (LS 235).

Finalmente destaca que é na Eucaristia que a natureza, a criação alcança sua maior elevação. “Na Eucaristia já está realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim (…) a Eucaristia é, por si mesma, um ato de amor cósmico. Sim, cósmico! Porque mesmo quando tem lugar no pequeno altar de uma aldeia, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo” (Carta enc. Ecclesia de Eucharistia, 17 de Abril de 2003), diz o papa Francisco. A Eucaristia nos ilumina e motiva a sermos guardiões da criação, a termos responsabilidades para com a casa comum (LS 236). Enfim, na “Laudato Si”, o Papa faz ainda referência à Trindade e à compreensão que emana desse mistério. Professar a fé num Deus único que é comunhão de pessoas convida-nos a pensar que toda a realidade da obra de Deus, possui também uma marca trinitária, nos chama a atenção o Papa Francisco.

 

“Gaudete ET Exsultate” e a Espiritualidade

Ao iniciar a Exortação Apostólica sobre o chamado à Santidade no mundo atual (“Gaudete ET Exsultate”), papa Francisco expressou aquele que era o seu objetivo: “fazer ressoar mais uma vez a chamada à santidade, procurando encarná-la no contexto atual, com os seus riscos, desafios e oportunidades, porque o Senhor escolheu cada um de nós ‘para sermos santos e íntegros diante dele, no amor’” (Ef 1,4).

O assessor Catelam destacou alguns aspectos desta exortação tais como: a força do testemunho através dos santos ao pé da porta (GE 7) em que a santidade se expressa nos pequenos gestos, nas coisas simples; a compreensão da espiritualidade no seu sentido amplo que engloba toda a vida através de tudo que a compõem; o processo de humanização que advém de uma espiritualidade verdadeira; os inimigos sutis de uma espiritualidade (gnosticismo e pelagianismo); as bem aventuranças como paradigma da espiritualidade; a experiência da misericórdia de Deus no serviço aos outros; a eficácia qualitativa da oração; a espiritualidade como enfrentamento dos desafios e não fuga e, enfim, algumas características da santidade no mundo atual.

 

Consideração final

Segundo Catelam, os documentos do magistério do papa Francisco retomam os pontos cruciais acerca da espiritualidade considerando seus aspectos específicos, o que, por sua vez, norteiam também a mística e/ou eclesiologia do seu pontificado. Esta mística e/ou eclesiologia está presente e fundamenta o Projeto IDE, plano trienal da Pastoral Juvenil da CNBB. O referido plano indica um adequado caminho pastoral evangelizador junto às várias expressões juvenis no nosso Brasil.

Joel Maria dos Santos

Vigário Episcopal para Ação Pastoral

Membro da Equipe executiva do Observatório da Evangelização