O ESTUDO DA FILOSOFIA E DA TEOLOGIA
Por Joaquim Jocélio de Sousa Costa [1]
Nossas sociedades estão cada vez mais envolvidas pela técnica e pela exigência de eficiência e produção. Assim, a própria produção de conhecimento está fundamentalmente ligada a uma visão pragmática do mundo. Quando se confronta uma área do conhecimento, a pergunta é: Para que serve isso? E o que se lucra com isso? Nesse sentido, conhecimentos filosóficos e teológicos são pouco valorizados. Considerados até não científicos ou, ao menos, de segunda categoria. Comecemos pela filosofia, qual seria a sua especificidade e razão de ser?
O estudo da filosofia
Todas as ciências trazem questionamentos cujas respostas, embora sempre parciais, geram as transformações que vemos na sociedade. As perguntas filosóficas se diferenciam das demais feitas pelas ciências empíricas, assim como se diferencia das perguntas comuns do cotidiano. As ciências podem se perguntar pela estrutura do DNA, pela fórmula química da água, pelas leis físicas que regem o universo, pela estrutura do cérebro humano, pelo modo como se organiza a sociedade. A filosofia se pergunta: O que é a vida? O que é a realidade e como ela se estrutura? O que é a mente? O que é o poder? O que é a pessoa humana? No dia a dia, podemos perguntar que horas são, se alguém está mentindo, porque aconteceu tal coisa. A filosofia se pergunta: O que é o tempo? O que é a verdade? O que é a razão? Existe a relação de causa e feito? (Cf. CHAUÍ, 1995, p. 9-12).
Como podemos perceber, as perguntas filosóficas se preocupam com o fundamento último das coisas, com sua essência, é um conhecimento radical (que vai a raiz), isto é, o que as coisas são em si mesmas. Mais que filosofia, se aprende a filosofar. Filosofia não é como se costuma dizer: “aquilo com o qual ou sem o qual, tudo fica tal e qual”. Ou seja, a filosofia não é inútil. Por trás de todas as descobertas e investigações científicas, estão perguntas filosóficas que motivaram as investigações. A filosofia molda a forma de pensar e a própria elaboração teórica dos conhecimentos. A filosofia, portanto, pergunta pela essência das coisas (O QUE É); por sua estrutura e organização (O COMO É); sua causa e razão de ser (POR QUE É); mas também sua finalidade e intenção (PARA QUE É e o PARA QUEM É) (Cf. CHAUÍ, 1995, p. 13-18). Esses últimos pontos explicitam bem sua dimensão crítica, pois “a filosofia tem, portanto, além de uma função radicalizadora, uma função desmascaradora das ideias e das teorias aparentemente ‘puras’, ‘neutras’ e ‘verdadeiras’” (GONZÁLEZ, 1987, p. 31).
A filosofia trata, desse modo, da totalidade das coisas, as realidades vistas a partir do todo, a partir do seu fundamento último. Ao longo da história, algumas áreas filosóficas se destacaram, como a metafísica (o que a realidade é nela mesma?), a epistemologia (como é possível conhecer as coisas?) e a linguagem (como é possível expressar as coisas?). Estudar filosofia envolve, logicamente, recorrer aos textos e reflexões dos grandes filósofos nos diferentes contextos da história, mas sobretudo, assumir uma atitude filosófica diante do mundo. Aqui, se destaca sua importância e, poderíamos também dizer, sua praticidade; isto é, como ela ajuda em nosso dia a dia. A atitude filosófica nos leva a ir além dos conhecimentos formais e nos ajuda a perceber como o próprio conhecimento é organizado, estruturado e até instrumentalizado. Nos ajuda a perceber como nós também podemos e devemos fazer a diferença no mundo. E a abordagem da teologia, qual a sua contribuição singular?
O estudo da teologia
A teologia é um conhecimento que desde muito cedo esteve em profundo diálogo com a filosofia. Contudo, é preciso ter muito claro o que é específico da teologia. Ela é inteligência da fé. Ela “parte do dado da fé, por isso, pretende falar a partir de Deus, a partir da relação que ele estabelece com o ser humano… Seu ponto de partida é a experiência de fé” (CROATTO, 2001, p. 22. 23). Ou seja, o teólogo é antes de tudo uma pessoa de fé. Sua reflexão não é alheia a sua vida, mas profundamente ligada a ela; não é simplesmente falar de Deus, mas falar a partir da sua relação com Ele. A teologia pressupõe, assim, que Deus revelou seus desígnios de amor com a finalidade de salvar a humanidade, ou seja, fazê-la participar de sua vida divina. Desse modo, todas as questões humanas são tratadas a partir do olhar da fé. Por isso, “para promover a teologia no futuro, não se pode limitar-se a propor de forma abstrata fórmulas e esquemas do passado. Chamada a interpretar profeticamente o presente e a vislumbrar novos itinerários para o futuro, à luz da Revelação, a teologia terá de enfrentar profundas transformações culturais” (FRANCISCO, 2023b, n 1).
Assim, a teologia é sempre ato segundo, pois antes de tudo está a vida de fé. A teologia é uma reflexão sobre esta fé vivida e é feita dentro dela. São momentos distinguíveis, mas não separáveis. A teologia, inclusive, tem um momento chamado de pré-teológico, quando dialoga com diversos conhecimentos para melhor pensar a fé. Aqui entra seu histórico e profundo diálogo com a filosofia. Muito das elaborações doutrinais e da própria reflexão teológica bebeu e bebe de compreensões filosóficas. A teologia não é filosofia, mas a utiliza em sua reflexão sobre a fé; confronta o saber filosófico a partir dos dados da revelação; o mesmo faz com a sociologia, economia, história, direito, psicologia etc. Existem diferentes níveis de elaboração teológica, desde aquele mais complexo elaborado nas universidades (teologia profissional) até níveis mais simples como as elaborações realizada pelos pastores em homilias e formações (teologia pastoral) ou pelos demais fiéis em círculos bíblicos, novenas ou mesmo conversas mais informais (teologia popular) (Cf. BOFF, 2015, p. 597-600).
Contudo, fazer teologia não é o mais importante para o cristão, o mais fundamental é seguir a Jesus Cristo, viver como ele viveu. A teologia é um meio muito importante para isso. A fé é pensada e refletida para ser melhor vivida. Por isso, as diversas realidades cotidianas “exigem uma ‘teologia em saída’, capaz de compreender questões, muitas vezes, situadas nos confins de existências complexas, conturbadas e feridas” (FRANCISCO, 2023a). A teologia deve ser compromisso com um mundo mais justo e fraterno, sinal do Reino de Deus. As universidades, na produção da teologia profissional, devem ter muita clareza sobre isso. “Devemos sempre nos perguntar: para que serve a nossa ciência? Qual o potencial transformador do conhecimento que produzimos? O que e a quem servimos? A neutralidade é uma ilusão. Portanto, uma universidade católica deve tomar decisões, e estas devem ser um reflexo do Evangelho. Ele deve se posicionar e demonstrá-lo com suas ações de forma transparente, ‘sujando as mãos’ evangelicamente na transformação do mundo e no serviço da pessoa humana” (FRANCISCO, 2024).
A teologia é “um conhecimento transcendente e, ao mesmo tempo, atento à voz do povo, portanto, teologia ‘popular’, misericordiosamente dirigida às feridas abertas da humanidade e da criação e nas dobras da história humana, para a qual profetiza a esperança de uma realização final” (FRANCISCO, 2023b, 7). Assim, temos que ter “a coragem de adotar esta teologia que tem cheiro de ‘carne e de povo’” (FRANCISCO, 2023a). Para isso se estuda teologia, para melhor seguirmos a Jesus de Nazaré, amando como ele amou, construindo com ele o Reino.
E você, o que pensa dos estudos de filosofia e teologia?
Referências bibliográficas
BOFF, Clodovis. Teoria do Método Teológico. 6ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2015.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995.
CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa: Uma introdução à fenomenologia da religião. São Paulo: Paulinas, 2001. p. 22. 23.
FRANCISCO, PP. A Teologia que tem gosto de carne e de povo: Prefácio do Papa no livro “Repensar o pensamento” de dom Antonio Stagliano. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-11/teologia-prefacio-papa-francisco-livro-repensar-pensamento.html, acesso em: 22.11.2023a.
FRANCISCO, PP. Discurso del Santo Padre Francisco a la Delegación e la Federación Internaciónal de las Universidades Católicas. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/es/speeches/2024/january/documents/20240119-fiuc.html, acesso em: 24.01.2024.
FRANCISCO, PP. Motu Proprio Ad theologiam promovendam. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/it/motu_proprio/documents/20231101-motu-proprio-ad-theologiam-promovendam.html, acesso em: 22.11.2023b.
GONZÁLEZ, Antonio. Introducción a la práctica de la filosofía: Texto de iniciación. San Salvador: UCA Editores, 1987.
Joaquim Jocélio de Souza Costa é graduado em filosofia e teologia pela Faculdade Católica de Fortaleza; é diácono da Diocese de Limoeiro do Norte-CE.
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