O 13º Fórum Social Mundial, as pastorais sociais e as Comunidades Eclesiais de Base

Do 13º Fórum Social Mundial que nesses dias ocorre em Salvador, BA, participam 60 mil pessoas, dizem os organizadores. O tema é “Resistir é criar. Resistir é transformar“. E hoje, 15/02/2018, haverá dois painéis envolvendo o cristianismo, um sobre como as Igrejas podem colaborar com essa resistência e o segundo como a Teologia pode desenvolver uma reflexão mais profunda que ajude a resistência transformadora.

No primeiro painel “As Igrejas no cenário de golpes da América Latina”, o próprio título merece um cuidado maior. Os golpes políticos aconteceram e acontecem. Mas, dentro de um sistema que é de democracia formal e burguesa. Nós defendemos esse modelo de democracia porque é isso que ainda conseguimos hoje e já como conquista do povo. No entanto, ao mesmo tempo, temos sempre de ter consciência de que esse sistema é por natureza discriminador e anti-povo. Nesse sentido, as Igrejas se inserem na luta contra o golpe, mas devem ser sinais e instrumentos que apontam para uma Política totalmente nova e um modo de organizar o mundo que radicalize o que chamamos de democracia participativa e mesmo direta.

No século IV, perguntaram a Teodoro de Mopsuécia, um pai da Igreja Oriental, o que é a Igreja e ele respondeu: “deveria ser o ensaio de um mundo novo”. Deveria ser. Pois é, o Fórum Social Mundial começou e trabalhou até agora com essa meta de um outro mundo possível.

Então, como Igreja, o nosso programa é duplo: resistir e ao mesmo tempo ousar ensaiar o novo. No resistir temos que reconhecer: se os povos indígenas e as comunidades afrodescendentes, quilombolas e de terreiros, foram capazes de resistir 500 anos, certamente, eles e elas são os nossos melhores professores de resistência. Eles podem conduzir a nossa resistência. Temos de nos guiar por eles e aprender deles lições de resistência criativa e transformadora. Ao mesmo tempo, as Igrejas têm de voltar ao espírito de origem. Não como volta ao passado, mas como força de resistência para se atualizar. Todo mundo sabe que o Cristianismo que está aí praticado e vivido em nossas Igrejas se tiver, tem menos de 5% do espírito que moveu Jesus e tem 10% do que as comunidades do evangelho escreveram na segunda parte do primeiro século. O que está aí é um Cristianismo, branco, europeu (que seja romano, inglês ou alemão) e o que tentou ser diferente surgiu como norte-americano e totalmente dentro do sistema capitalista. As Igrejas antigas como católicas recriaram até no céu a hierarquia de classes sociais em que creem. Até os santos são divididos entre santos de primeira classe e outros de classe inferior. As Igrejas pentecostais não estão livres do que o papa Francisco afirmou nessa Quaresma falando dos católicos: “é preciso não aprisionar o Espírito Santo em nenhuma gaiola”.

Nos últimos 50 anos, na América Latina e em muitos países do mundo, surgiram o que se chamou de “comunidades eclesiais de base” e as pastorais sociais de uma Igreja serviço. Não serviço para catolicizar ninguém, mas para servir à libertação e à vida do povo.

Nos últimos anos, muitos bispos e padres e até documentos oficiais da Igreja tentam confundir CEBs com pequenas comunidades eclesiais, ou seja, capelas das paróquias e comunidades tradicionais católicas que existem em todo canto. Alguém me perguntou qual a diferença de CEBs para uma outra comunidade eclesial qualquer. Respondi:

  • As CEBs surgiram com a vocação de ser um novo modo de Igreja para ajudar a Igreja a ser ela mesma nova, renovada, transformada e transformadora;
  • As CEBs são um novo modo de ser Igreja para ser um novo modo da Igreja ser.

Isso é o que distingue as CEBs de outras comunidades de fé: o seu caráter profético e transformador. E esse é o espírito das pastorais sociais – lembrar que toda pastoral deve ser social, senão não é pastoral.

Para as Igrejas serem instrumentos desse novo mundo possível…

  • precisam superar o seu caráter clericalista e como diz Pedro Casaldáliga, “A Igreja deve ser mais do que uma Democracia. Deve ser Comunhão”;
  • precisam superar o patriarcalismo e aprender das religiões afro a importância do ministério das mulheres;
  • precisam sair da camisa de força que as mantêm presas a normas morais das filosofias neoplatônicas como se fossem do Evangelho e a regras cultuais que identificam a Igreja com uma religião imperial antiga.

Isso precisa ser superado para que nossas Igrejas se tornem mais e mais caminhos de espiritualidade e de liberdade humana. Aí sim nós estaremos caminhando na direção do que, há 50 anos, os bispos latino-americanos afirmaram em Medellín:

Queremos dar à nossa Igreja um rosto de Igreja pobre, missionária e pascal, que seja libertadora de toda a humanidade e de cada ser humano por inteiro.” (Med 5, 15).

(Grifos e destaques da equipe executiva do Observatório)

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Marcelo Barros é monge beneditino, escritor e teólogo brasileiro. Em 1969 foi ordenado padre por Dom Helder Camara e, durante quase dez anos, de 1967 a 1976, trabalhou como secretário e assessor de Dom Hélder para assuntos ecumênicos. É membro da Comissão Teológica da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT), que reúne teólogos da América Latina, África, Ásia e ainda minorias negras e indígenas da América do Norte. É assessor das pastorais sociais, das CEBS e dos movimentos populares.