“As mudanças climáticas são um elemento que vão provocar muita ruptura na conexão entre passado e futuro. Porque o que nós estamos fazendo hoje, aqui no presente, tem deixado e já deixou marcas profundas em como a humanidade e os sistemas sociais, econômicos e políticos poderão se organizar no futuro”, pontuou o professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Carlos Milani, nesta quarta-feira, 2 de setembro, durante a live Negacionismo Climático, Crise da Democracia e Politica Internacional. O evento foi promovido pelo Grupo de Reflexão e Trabalho sobre Economia de Francisco e Clara do Anima PUC Minas. A afirmação do professor Carlos Milani se fundamenta nos dados divulgados recentemente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pela Organização Meteorológica Mundial, que aponta a inevitabilidade das mudanças climáticas em função das ações humanas sobre a Terra nas últimas décadas em decorrência do processo de industrialização.
Durante a palestra, Carlos Milani, que é também coordenador do Laboratório de Análise Política Mundial e do Observatório Interdisciplinar das Mudanças Climáticas (OIMC) e membro da rede Climate Social Science Network, destaca que no final dos anos 1980, quando houve uma mobilização científica relacionada aos fenômenos das mudanças climáticas, muitos compromissos foram assumidos globalmente e o ativismo climático se difundiu internacionalmente. Para ele, este movimento veio acompanhado de uma reação. “Ao mesmo tempo em que se reforçaram dinâmicas pró-clima, também surgiram as redes e estratégias políticas de obstrução ao reconhecimento das mudanças climáticas como um problema social, econômico, político, energético do âmbito local ao âmbito global”, explicou. Esta reação, esta política obscurantista, assume diversos formatos. O negacionismo é um deles, mas ela surge também na forma de protelação de medidas, difusão de fake news, o obscurantismo, o anti-intelectualismo e os movimentos anti-ciência.
Carlos Milani destacou três importantes pontos de debate. O primeiro deles é o motivo pelo qual as mudanças climáticas importam. “A humanidade, e este é o cerne do conceito da nova era geológica em que estamos inseridos – antropoceno, se tornou um agente geológico com a mesma relevância e peso que outros agentes do funcionamento do próprio sistema Terra. A humanidade adquire uma capacidade estrutural de mudança deste sistema”, esclarece. Para Milani, as mudanças climáticas reúnem o humano e a natureza. Rompendo muitas das concepções típicas da modernidade de que a natureza estava a serviço do humano e das projeções que o humano fazia da natureza. “Nos convoca a repensar a modernidade, o desenvolvimento e os processos de transformação social”, frisou.
O segundo ponto de reflexão é o motivo pelo qual negar as mudanças climáticas tem se tornado importante. “O negacionismo climático é uma demonstração de irracionalidade, mas não significa que não seja uma estratégia. Negar é uma forma de proteção contra algo que pode gerar muito sofrimento”, pondera Milani. E mais do que isso, o pesquisador destaca que o negacionismo assume diversas formas ao deturpar as causas, negar os efeitos ou obstruir as informações e aponta que caminhamos para um negacionismo patológico e estabelece uma relação entre o negacionismo climático e os movimentos anti-vacinas. “Ambos estão pautados em um princípio falso de liberdade, não nas evidências que nos avassalam”, destaca Milani.
O terceiro e último ponto trata do porque o negacionismo importa para pensar a democracia e os acordos internacionais que são tão necessários. Para Milani, as mudanças climáticas são um problema econômico, tecnológico e social. “Se não tivermos sociedades que cultivem a dúvida com o objetivo de combater todas as formas de negacionismo, dificilmente conseguiremos construir no âmbito internacional os consensos necessários para se chegar a uma agenda que seja mais favorável a todas as medidas necessárias para se combater os efeitos nefastos da nossa ação sobre o clima”, afirma. Um ponto de preocupação é que os negacionistas do clima se articulam muito bem e têm uma capacidade de capilarização através de redes compostas por empresários, fundações internacionais, algumas lideranças partidárias, assim como algumas igrejas e representantes da mídia. “O negacionismo mata. Existem vítimas. Em 2019 o Brasil foi o terceiro país onde mais se assassinaram ativistas ambientais. O negacionismo é nefasto para a construção de uma sociedade democrática, pluralista e para o estado democrático de direito”, finalizou Milani.
O evento foi conduzido pelo professor Frederico Santana Rick, coordenador do Grupo de Trabalho e Reflexão sobre Francisco e Clara e integrante do Núcleo de Estudos Sóciopolíticos da PUC Minas, e mediado pela professora do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas Mariana Balau.
A live está disponível na íntegra no canal do Youtube do Anima PUC Minas.
Via: Portal PUC Minas