"Não tenham medo", por Dom Joaquim Mol

Vale a pena ler, meditar e rezar este precioso relato de Dom Joaquim Mol sobre a 1ª Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho. Em seguida, quem sabe, se comprometer ou renovar o compromisso com a defesa da dignidade da vida e da casa comum.

Confira:

“Não tenham medo”

25 de janeiro de 2020,
das 12h20 às 12h28, ouvi, ao sol, antes da missa,
com a Comunidade Eclesial presente,
272 badaladas do sino da Igreja Nossa Senhora das Dores,
em Córrego do Feijão, Brumadinho,
uma para cada vítima fatal da ganância por lucro,
em completo silêncio.
Cada badalada marcava o ritmo do coração
e a mente seguia: uma, duas, três, quatro, cinco…
cem, duzentas, duzentas e setenta e duas… pessoas.
Horror.
Holocausto.

Soltamos um balão, com uma semente de girassol dentro,
para cada um dos assassinados na lama da Vale.
Os olhos de todos íam acompanhando um a um ao céu.
Na igreja, as fotografias com os rostos.
Lá estavam mães e pais de vítimas.
Estavam irmãos, parentes, amigos, vizinhos
de dezenas de vítimas mortas ou ainda desaparecidas.
Lá estava o Pe. José, de lá mesmo, todo santo dia lá,
e outros servidores do Evangelho.
Lágrimas escorriam quentes sobre os rostos.

Desaparecidos e anônimos
estavam centenas de animais
e espécies de plantas e flores;
morto está o rio e mortas as fontes de água límpida.

Celebramos o mistério de Jesus Cristo
e o mistério da vida humana.
Jesus, Palavra e Pão,
saciou aquele povo na Eucaristia,
e renovou-o na esperança, na consciência
e na fortaleza “para” – é a missão depois da missa –
para, com a sociedade organizada em movimentos
sociais, populares, acadêmicos, culturais e políticos
lutar, reconstruir, replantar, refazer,
curar uns aos outros, reanimar, revivificar tudo,
de “Romaria Brumadinho pela Ecologia Integral”
em “Romaria Brumadinho pela Ecologia Integral”,
na companhia de Nossa Senhora do Rosário.

Em outros Brumadinhos – são muitos –
ali perto, tanta gente de dentro e de fora,
– todos bem acolhidos –
andando, cantando, ouvindo, rezando,
dando as mãos, testemunhando,
silenciando, fazendo ação de graças,
em mais Eucaristias.

Estavam Pe. Renê e mais evangelizadores,
homens e mulheres diariamente
recolhedores de dores e louvores;
e, com eles, estava Dom Vicente,
líder, profeta, de horizonte largo,
reconhecido no Brasil inteiro e fora do Brasil
como o bispo que arrancou seu coração missionário,
misericordioso e sedento de justiça e paz,
seu coração humano, ecológico, de pastor,
bravo e terno, poético, espiritual e cantante,
e o entregou a cada família, uma a uma,
à Brumadinho inteira.
Do povo porque é de Deus.
De Deus porque é do povo.
Um olho na vida, outro na Bíblia,
um pé na lama, outro na igreja,
uma palavra na rua, outra na prece.
Assim vai ele tecendo relações,
cuidando do trigo, de olho na cizânia.

Ele mereceu ataques
de defensores do dinheiro acima das pessoas,
que nada entendem de humanismo;
de separadores da reza da vida,
que nada entendem de cristianismo.

Ataques a servidores do Evangelho
só servem para confirmar o caminho:
é este mesmo!
Pois, mesmo sob o mandato de Jesus Cristo,
“não tenham medo”,
“há quem tenha medo que o medo acabe”
(Mia Couto).

Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães é bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, referencial da Região episcopal Nossa Senhora da Esperança, reitor da PUC Minas e coordenador do Observatório da Evangelização.

Alguns registros da 1ª Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho: