A migração é uma situação forçada pela busca de melhores condições de vida, muitas vezes agravadas por situações de violência, ameaças, perseguições, racismos , divergências ou confrontos religiosos entre outras. A Igreja sempre se mostrou solidária e companheira dos migrantes, quer por suas raízes judaicas que nos faz herdeiros de um povo de migrantes, quer pela trajetória de Jesus que também foi obrigado a migrar. Luis Miguel Modino entrevista Dom Edgar Moreira da Cunha que acompanha os migrantes nos Estados Unidos. Uma experiência que nos enriquece na perspectiva sinodal, no engajamento de leigos e leigas na ação pastoral e aprofunda nossos conhecimentos sobre a realidade dos migrantes e sua caminhada de fé. Confira!!!
Um imigrante que em sua condição de bispo acompanha os imigrantes. Dom Edgar Moreira da Cunha, nascido em Riachão do Jacuípe (Bahia), chegou nos Estados Unidos em 1978, sendo ainda seminarista da congregação dos vocacionistas. Depois de ser bispo auxiliar da Arquidiocese de Newark, atualmente é bispo de Fall River, no estado de Massachusetts.
Dom Edgar faz parte da Comissão para América Latina da Conferência Episcopal dos Estados Unidos e, em visita a alguns regionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, partilha a realidade de uma Igreja onde os imigrantes dão muita força. Segundo o bispo, cada vez existe uma relação mais fluída entre a Igreja dos Estados Unidos e as Igrejas da América Latina, reconhecendo a importância de participar dos encontros promovidos pelo CELAM.
Uma Igreja que está bem envolvida no processo sinodal que a Igreja está vivendo, uma Igreja com protagonismo laical, especialmente entre os imigrantes latinos.
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Para alguém que chegou nos Estados Unidos em 1978, ainda como seminarista, o que significa ser um bispo brasileiro numa diocese daquele país?
Primeiramente significa ver como os planos de Deus se realizam, aquilo que nós não planejamos e que Deus nos guia em nosso caminho. ´Também a Igreja que acolhe, que se preocupa com os imigrantes. Quando eu fui nomeado bispo, uma das coisas que eu disse para o povo foi que eu sou um imigrante também.
Sempre trabalhei com as comunidades imigrantes. Na Arquidiocese de Newark quando eu fui nomeado bispo tinha muitos imigrantes, essa diocese onde eu estou, Fall River, tem muitos imigrantes. Eu disse para eles, eu sou um de vocês, um com vocês, um para vocês. A Igreja demostra isso, que ela está acolhendo, aberta a aceitar um bispo de fora, do Brasil, para trabalhar com as comunidades nos Estados Unidos. Eu vejo nisso a mão de Deus e a abertura da Igreja.
O senhor fala sobre os imigrantes. A Igreja católica nos Estados Unidos tem uma alta porcentagem de imigrantes, dentre eles os imigrantes latinos. O que significa essa comunidade latina na vida da Igreja dos Estados Unidos?
Significa muito, a Igreja dos Estados Unidos não seria o que ela é, não teria a mesma força, a mesma dinâmica, a mesma participação, quantidade de pessoas, se não fosse os imigrantes. Os imigrantes dão muita vida à Igreja, porque infelizmente os americanos, aqueles descendentes dos antigos imigrantes, porque os Estados Unidos é uma nação feita de migrantes e por imigrantes, os imigrantes que vieram da Europa, não fazem.
Os imigrantes que vieram mais recente da África, da Ásia e das Américas, realmente dão muita força à Igreja. E os latino-americanos, como são uma população de tradição muito católica e com alto número de católicos, realmente eles dão muita força à Igreja. E hoje os católicos dos Estados Unidos a maioria é formada por imigrantes, por latinos especialmente.
O senhor faz parte da Comissão para América Latina da Conferência Episcopal dos Estados Unidos, que tem como missão administrar a coleta que a Igreja faz desde 1965 para ajudar a Igreja da América Latina. Isso é algo assumido por todas as dioceses, algo que que os católicos dos Estados Unidos vêm como uma realidade que ajuda a Igreja local?
Sim, porque já tem mais de 50 anos, desde 1965, e continua tendo uma resposta positiva, o povo responde, o povo doa, contribui para essa finalidade, eles sabem que estão fazendo uma coisa boa para atender as necessidades dos mais pobres da América.
Nem todas as dioceses respondem do mesmo jeito, tem algumas dioceses que em vez de fazer a coleta, elas simplesmente mandam uma oferta para a Conferência para esse fundo. A gente tem que estar constantemente promovendo, animando, reiterando das necessidades para conscientizar o povo da importância dessa coleta e de contar com a generosidade deles.
Como criar mais pontes de união entre a Igreja da América Latina e a Igreja dos Estados Unidos?
Uma das coisas que a gente tem feito, além dessa ponte de colaboração e apoio financeiro, é um intercâmbio maior entre a Igreja de Estados Unidos e de América Latina, apesar de que eu acho que existe um grande intercâmbio.
Quando existem encontros do CELAM para América Latina, eles sempre incluem os Estados Unidos, como a Conferência Eclesial que teve no México, eles mandaram o convite para os bispos, tinha vaga para 10 bispos e 20 leigos, ou uma coisa assim. Eles sempre incluem a gente e a gente sempre tenta participar. O presidente da Comissão para América Latina foi no Mexico para o encontro, o padre Leo Pérez estava lá no México, eu participei pela internet, assistindo as palestras. É um intercâmbio que já existe, mas pode ser sempre melhorado e fortalecido.
O senhor fala da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, que é vista por algumas pessoas como uma preparação para o Sínodo sobre a Sinodalidade. Como esse Sínodo está sendo vivenciado na Igreja dos Estados Unidos, sobretudo nas comunidades imigrantes?
Está sendo bem recebido. Na minha diocese nós estamos promovendo muito o Sínodo com uma comissão diocesana, criamos líderes em todas as paróquias, vários encontros já foram feitos, os párocos, os líderes paroquiais, coordenando tudo isso para que o Sínodo seja uma grande oportunidade para abrir as portas à participação e envolvimento dos leigos e a conscientização do papel e da missão dos leigos na Igreja.
Nesse papel dos leigos, qual a importâncias dos imigrantes nas comunidades locais da Igreja dos Estados Unidos?
Os imigrantes tem um papel muito importante na Igreja, talvez mais do que os americanos em geral. Eu vejo nas comunidades brasileiras e hispânicas da minha diocese como os leigos têm assumido um papel importante.
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Eu tenho uma comunidade na minha diocese que não tem padres, era uma comunidade brasileira pequena, que passava de um lugar para outro. Aí, eu encontrei uma igreja que estava fechada e dei para eles e lhes falei, vocês vão ser responsáveis por esta igreja e se vocês conseguirem construir uma comunidade forte que dá para manter a igreja, vocês têm salão, tem salas, tem tudo. E eles assumiram tudo, a organização, a economia, e isso já tem uns quatro anos e a comunidade tem o triplo do que tinha quando começou. É uma comunidade constituída de brasileiros e caboverdianos, mas como eles falam a mesma língua, os padres vêm, celebram missa, eu vou, celebro missa quando eu posso, mas tudo é cuidado, a catequese, a pastoral, a administração financeira, tudo é feito pelos líderes leigos que assumiram esse papel.
Como brasileiro, qual é sua mensagem para a Igreja do Brasil?
A mensagem que eu teria para a Igreja do Brasil é uma mensagem de fé, esperança, de sempre trabalhar para um futuro melhor. Todos nós sabemos da dificuldade que temos, dos problemas que enfrentamos, especialmente nesse momento difícil de pandemia e de situação política e econômica. Mas o Brasil é tão potente, tem um potencial tão grande, que não podemos desanimar ou nos deixar ser abatidos pelos problemas e perder a vista do potencial e do bom que existe aqui.
Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.