MP 1045: agressão ao sagrado direito do trabalho, com a palavra o prof. élio Gasda, SJ

Os trabalhadores sofrem os maiores ataques aos seus direitos em todo o período da república

MST distribui mais de mil cestas e 7 toneladas de alimentos frescos em Curitiba e Araucária (PR). Falta trabalho para 33 milhões de pessoas (Valmir Neves Fernandes/MST-PR e Giorgia Prates)

Uma trapaça contra os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil

O desfile de blindados e a votação da Câmara sobre o voto impresso foram a trapaça utilizada por Bolsonaro para desviar as atenções da plateia enquanto na jaula dos leões os trabalhadores e as trabalhadoras eram devorados. Sim, 304 deputados aprovaram, no último dia 10/08/2021, a Medida Provisória 1045, um terrível pacote de maldades contra os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil.

A MP foi encaminhada ao Congresso pelo governo para evitar demissões durante a pandemia. Deveria ser apenas a segunda fase do programa de redução de jornadas de trabalho e salários. Contudo, a articulação entre o ministro Paulo Guedes e o relator do texto, deputado Christino Aureo, recebeu emendas esdrúxulas. A aprovação da MP mostra de que lado estão os políticos que votaram a favor. Difícil saber quem é mais perverso, o executivo ou o legislativo.

Encaminhada ao Senado, a MP cria o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip), o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore) e o Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário. Prevê redução de horas extras para algumas categorias, FGTS menor para quem for demitido e flexibilização da fiscalização trabalhista. E determina quem pode contar com gratuidade no acesso à Justiça.

Espoliação e perversidade institucionalizada

O Priore, por exemplo, permite a contratação de jovens entre 18 e 29 anos e pessoas com idade igual ou superior a 55 sem vínculo trabalhista, sem férias, FGTS e 13º salário. Redução de direitos nunca gerou mais empregos. Muito pelo contrário.

Para burlar a lei que impede que o trabalhador ganhe menos que o salário mínimo (R$1.100,00), quem for contratado através do Requip vai receber uma Bolsa de Incentivo à Qualificação (BIQ) e um Bônus de Inclusão Produtiva (BIP), ou compensação financeira para fazer algum curso de qualificação. O governo não se importa com o desemprego que beira a 15%, só quer acabar com a dignidade que resta aos trabalhadores e trabalhadoras.

Falta trabalho para 33 milhões de pessoas. Bolsonaro é responsável pela perda de 377 empregos por hora! (Consultoria IDados, com base no IBGE). Bolsonaro só faz aumentar as desigualdades sociais em plena pandemia. As mulheres negras são 60% do universo de desempregados (IBGE). Além disso, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos (Dieese) são elas que também recebem menos, R$10,95 por hora contra R$18,15 das mulheres brancas e R$20,95 dos homens brancos.

“Quando o trabalho vivo (trabalhadores de fato) é eliminado, o trabalhador se precariza, vira camelô, faz bico etc.” (Ricardo Antunes). Os antigos bicos são a uberização de hoje, o falso empreendedorismo arrasta o trabalhador para um panorama ainda mais dramático, sem perspectiva, sem direitos.

Espoliação! Os trabalhadores sofrem os maiores ataques aos seus direitos em todo o período da república. Mais do mesmo: privatizar, destruir forças produtivas, liquidar direitos! Bolsonaro será lembrado como o pior inimigo dos trabalhadores e trabalhadoras. Reina a barbárie. Milhões de desempregados. Pais, mães que não têm o que dar de comer para os filhos. O país afunda. O cenário é de destruição e desespero do povo.

Trabalho e dignidade na vida em sociedade

O trabalho é elemento fundamental de socialização, de identidade, de equilíbrio psicológico. A insegurança laboral e a precarização impossibilitam viver o presente e planejar o futuro. O trabalho precário “é uma ferida aberta para muitos trabalhadores e trabalhadoras, que vivem no medo de perder o próprio trabalho. Precariedade total. Isso é imoral. Isso mata: mata a dignidade, mata a saúde, mata a família, mata a sociedade” ressalta papa Francisco.

Ser pessoa é a única condição para a titularidade de direitos. “Que haja trabalho para todos, e trabalho digno, não escravo” insiste papa Francisco. O valor primeiro do trabalho está vinculado ao fato de que quem o executa é uma pessoa criada à imagem e semelhança de Deus. Onde há um trabalhador, aí está o olhar de amor do Senhor.

Crises sistêmicas confirmam a necessidade de reestruturar a economia. Não existe outra forma de sair da precariedade no trabalho, da insegurança social e deter a destruição ambiental sem uma profunda transformação. Propor um outro sentido da vida que supere a visão capitalista.

Papa Francisco aposta em uma “Economia do trabalho”. Compartilhar o trabalho e compartilhar os frutos do trabalho. Descartados e trabalhadores explorados devem estar do mesmo lado nas lutas por outra sociedade.

A terra, o teto e o trabalho pelo qual vocês lutam, são direitos sagrados. Afirmar isso é Doutrina Social da Igreja“.

Papa Francisco

(Adaptação e grifos, Edward Guimarães, para o Observatório da Evangelização)

Sobre o autor:

Prof. dr. Élio Gásda, SJ

Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.