A Igreja, historicamente, para realizar a sua missão sempre precisou entrar em sintonia com a cultura em que anuncia-testemunha a boa notícia do Evangelho do Reino. Por isso, além de encarnar na realidade, ela é chamada a fomentar e cuidar da relação estreita entre fé e razão (Cf. Fides et Ratio, João Paulo II), ciência e religião. Não reconhecer que, ainda que com erros e acertos, essa busca esteve muito presente na caminhada do cristianismo revelaria sinais de desonestidade intelectual ou até mesmo de ressentimento.
No entanto, no Concílio Vaticano II essa busca foi assumida definitivamente. Neste evento eclesial, reconheceu-se a necessidade da Igreja assumir postura de contínua hermenêutica (interpretação) dos sinais dos tempos e postura de diálogo com a modernidade, sem que isso signifique negar a sua identidade e razão de ser (Cf. Gaudium et Spes e Ecclesiam Suam, Paulo VI).
A contemporaneidade nos interpela, em tempos de pandemia e horizonte de pós-pandemia, ao enfrentamento polar, para usar uma expressão de R. Guardini, e dialógico com a Inteligência Artificial (IA). Quais os desafios e modos de usá-la? Que questões éticas e bioéticas (pessoais, sociais e ecológicas) estão aí envolvidas?
Importa buscarmos uma dupla fidelidade: às fontes de nossa fé e ao mundo em que vimos. Enquanto cristãos não podemos ignorar o Evangelho e o legado daqueles que nos precederam na fé, a Tradição da Igreja. No entanto, isso não significa deixar de acolher e buscar, confiantes na presença de Jesus Ressuscitado e do Espírito Santo, Deus em nós, compreender o mundo em que vivemos, de ouvir os apelos e de responder aos desafios novos que nos são propostos.
A complexidade implicada na Inteligência Artificial é apenas um desses desafios. Somos chamados, com esperança e fé, a vencer todo medo, e, pelo diálogo fraterno, ouvir e aprender com as ciências e as novas tecnológicas e, ao mesmo tempo, irradiar, pelo nosso testemunho, a alegria, a beleza e o senso de corresponsabilidade que emerge para qualquer pessoa da luz do Evangelho do Reino. O humanismo que se revela na pessoa de Jesus não é apenas para os cristãos, mas para toda a humanidade. E nada do que é humano e que nos humaniza pode ser indiferente a nós cristãos.
Desse modo, nos cursos de formação permanente dos bispos, presbíteros, religiosos/as e lideranças leigas é urgente que se incluam contínuos aprofundamentos nas temáticas relevantes, capazes de nos ajudar a compreender e a nos situar no tempo e no espaço hodiernos. Não podemos ser reféns de mentalidades fundamentalistas e da preguiça intelectual e espiritual. Lembremos-nos que razão e fé são como que os dois pulmões que oxigenam nossos processos de humanização e nossos projetos de evangelização.
Planejemos e nos sintamos inquietos, portanto, diante das novidades que nos desafiam. A Inteligência Artificial é apenas um desses temas que, no contexto de pós-pandemia, seremos chamados a inteligir com profundidade e sabedoria. Em tempos de obscuridades, embasados pela fé e pela esperança, nos permitamos mergulhar em águas mais profundas. Assim o seja!
Sobre o autor:
Pe. Matias Soares é pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, em Mirassol, Natal e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.