A chuva deu uma trégua para acolher os fiéis das comunidades de fé de Belo Horizonte e das várias regiões do país, neste sábado, 25 de janeiro de 2020, na Primeira Romaria da Arquidiocese de Belo Horizonte pela Ecologia Integral a Brumadinho.
O Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom Walmor, levou seu apoio às famílias das 272 vítimas do rompimento da barragem de rejeitos de minério, participando junto com o povo de Brumadinho da Missa presidida, no fim da tarde, pelo bispo auxiliar para a Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser), dom Vicente Ferreira.
Para além das orações e palavras de conforto, o Arcebispo destacou que a Arquidiocese de Belo Horizonte “quer iluminar o caminho de nossas vidas com o Evangelho, que é luz. E, assim, fazer de todos nós aprendizes dessas lições, muitas delas surgidas dessa tragédia-crime ocorrida em Brumadinho, um ano atrás. Portanto, o convite é para sermos aprendizes, pois há muito a se fazer, embora se diga que muito está se fazendo. Mas tudo isso é uma gota d’água no oceano, diante das urgentes mudanças que nós precisamos operar na nossa sociedade brasileira, particularmente pensando aqui em Minas Gerais, mas também em outros lugares do Brasil, quanto ao modo de fazer a mineração. Não podemos continuar como está”.
Dom Walmor reconheceu que houve alguns avanços, mas sublinhou que é preciso maior velocidade, “para que nós não sejamos vítimas, como tantas pessoas aqui foram vítimas, como tantas famílias que carregam um grande luto. É preciso um novo tempo”. O Arcebispo lembrou que ainda não se fez o que era preciso, por parte de governos, de instituições e, sobretudo, para corrigir a impunidade que continua. “Aqueles que cometeram crime precisam ser punidos adequadamente, para que um novo rumo seja construído na sociedade brasileira. E nós queremos iluminar tudo isso com a luz do Evangelho e a força do amor de Deus. Essa luta abrirá a sociedade brasileira para um novo tempo”.
A Romaria
Logo no início da manhã, os romeiros se uniram aos familiares das 272 vítimas do rompimento da barragem de rejeitos de minério, em um momento de partilha e oração. Todos traziam na testa uma cruz feita com barro, durante a celebração da Palavra que antecedeu a Romaria, simbolizando a lama que invadiu as casas e as vidas dos moradores de Brumadinho. Em seguida, conduzidos pelo bispo auxiliar dom Vicente Ferreira, os romeiros deram início à caminhada, relembrando, com cânticos e reflexões, um ano da tragédia.
Em silêncio, após alguns minutos de oração, os fiéis retornaram ao letreiro, que fica na entrada da cidade, e se encontraram com familiares das vítimas. Nesse momento de grande emoção, foram lidos todos os nomes das pessoas que perderam a vida em decorrência do rompimento da barragem. Às 12h28, no mesmo horário em que a barragem se rompeu, há um ano, centenas de balões vermelhos e brancos foram soltos, colorindo o céu de Brumadinho. Os profissionais que ainda trabalham na localização dos corpos, receberam homenagem especial.
Dom Vicente Ferreira afirmou que as ações em defesa de uma Ecologia Integral devem ser contínuas e fazer parte do compromisso de todo cristão. O Bispo recordou, então, a passagem do Evangelho em que Jesus diz “Eu vim para que todos tenham vida” e afirmou: “a vida humana não deve ser desassociada do cuidado com a natureza”. Dom Vicente também destacou a mensagem enviada pelo papa Francisco ao povo de Brumadinho, deixando claro que o problema enfrentado no município não se trata de um problema local, mas que diz respeito a toda humanidade.
Às 15h, integrantes de comunidades indígenas afetadas pela lama da barragem, que até hoje polui o Rio Paraopeba, se uniram em momento de espiritualidade . Emocionado, o pagé da tribo Pataxó, Aracati Dias lembrou dos tempos em que a sua comunidade, situada às margens do Rio Paraopeba, atingido pela lama de rejeitos de mineração, não dependia de ajuda para sobreviver. “Hoje, o rio está todo contaminado e cheira mal. O índio não pode mais pescar. Tem muita doença na tribo. Tudo está muito difícil”. Indígenas de outros estados também participaram da romaria, em apoio à tribo que vive às margens do Paraopeba.
Também integraram a caminhada grupos de congado e moradores de outras localidades onde existem barragens. Foram celebradas missas na Igreja São Sebastião, em Brumadinho, e na Igreja Nossa Senhora das Dores, no Córrego do Feijão, onde a barragem se rompeu.
Durante o trajeto, foram distribuídas velas, corações vermelhos e laços de fitas na cor marrom, em alusão à lama que inundou Brumadinho, no dia 25 de janeiro de 2019,e que mudou a vida de todos os habitantes da cidade, a exemplo do operador de equipamentos Geraldo Oliveira Silva. Ele perdeu um irmão, uma prima e conhecia mais da metade das vítimas da tragédia. Geraldo, que trabalha na Vale há mais de 25 anos e está afastado desde 2017 por motivos de saúde, afirma que se fortalece diariamente na fé e sempre busca força na família e na Igreja. “Sou um sobrevivente, junto com um dos meus irmãos que estava lá. É um momento de dor profunda, mas acredito que o desânimo não é o caminho. As ações da Arquidiocese de Belo Horizonte, de modo muito especial as ações de evangelização de dom Walmor, dom Vicente e dos outros sacerdotes da cidade, são muito importantes para nossa comunidade. Hoje é um dia para a cidade de Brumadinho renovar a sua fé, que cresce cada dia mais, sempre pensando com carinho nos que se foram, nos familiares que estão aqui, e nos solidarizando uns com os outros”.
Desde que tragédia ocorreu, a moradora de Brumadinho Zenilda Aparecida Soares Pereira conta que muitas pessoas de sua família só dormem à base de remédio.”Até hoje, Brumadinho vive um pesadelo. Às vezes saio pra rua e tenho vontade de voltar logo pra casa, onde tento reconfortar minhas memórias. Hoje, o que ameniza nossa tristeza são esses momentos de união, fé, solidariedade e partilha.”
A romeira Ivani Maria do Socorro Sousa destaca a importância da Romaria para que as pessoas e a sociedade não se esqueçam daqueles que morreram em consequência do rompimento da barragem. “A cidade não é a mesma desde então e, por isso, devemos lutar para que ela não se entristeça ainda mais. Espero que a nossa luta conscientize as pessoas e as empresas a fazerem mais pelo meio ambiente”.