A sinodalidade, que não é uma estrutura e sim uma dinâmica, está se impondo como uma prática e uma reflexão cada vez mais presente na Igreja. Estamos diante de uma tentativa de voltar ao espírito que guiava as primeiras comunidades cristãs, um jeito de ser Igreja que busca assumir o discernimento como como caminho que ajuda nas mudanças, tendo como base a comunhão, numa perspectiva escatológica, que mostra que estamos colaborando no caminho do Reino.
Nessa perspectiva, a aula inaugural da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte – MG, versava sobre “Sinodalidade, um jeito de ser Igreja na Amazônia e no mundo”. O palestrante foi Maurício López Oropeza, um dos melhores conhecedores do que significa a sinodalidade na prática, algo que descobriu e assumiu ao longo do processo do Sínodo para a Amazônia. Ele refletia partindo das vozes que fizeram parte desse processo sinodal, vozes do território e da própria Igreja, e a partir daí fazia uma leitura espiritual inaciana da Igreja, do que representa sentir com a Igreja.
O Sínodo para a Amazônia representou um novo tempo de caminhada comum entre os povos originários e a Igreja, segundo Anitalia Pijachi, indígena colombiana, palavras que serviram como preâmbulo para a fala de Maurício López. Ele, bom conhecedor da espiritualidade inaciana, já foi Presidente Mundial das Comunidades de Vida Cristã – CVX, destacava três elementos próprios dessa espiritualidade, presentes nos Exercícios Espirituais, para compreender a sinodalidade na Igreja.
Segundo o Secretário interino da Conferência Eclesial da Amazônia – CEAMA, “o maior propósito é o cumprimento da vontade de Deus”, algo que se faz realidade no relacionamento de uns com os outros de forma sinodal. Nessa realidade, o exercício sinodal da Trindade se concretiza como um processo comunitário de ver-escuta da realidade, desde a multiculturalidade, e a Encarnação que transforma a realidade. Tudo isso, segundo Maurício López, como “um ato que se origina em e para o amor”, que implica sair de si mesmo e “saber que somos convidados a ser cocriadores e contemplativos em ação”.
O caminho sinodal deve nos levar a entender a importância da escuta, pois, “a Igreja não conhece nossa cultura, se ela nos conhecesse, saberia que lutamos pela mesma coisa”. Eis a constatação do indígena peruano Santiago Yahuarcani. Esse pensamento está presente numa das cartas de Paulo aos Filipenses, “uma comunidade com fortes desafios internos em termos de divisões e diferentes visões opostas”, segundo Maurício, algo que também faz parte da vida social e eclesial atuais. Isso tem aparecido de forma mais clara com a pandemia da Covid-19, que em palavras do conferencista, “ela revela sobre nosso fracasso como uma humanidade intolerante – desigual – autodestrutiva”, que torna “essencial testar e consolidar novos caminhos em nossa missão eclesial”.
Discernir uma nova maneira de ser Igreja no mundo, mais fiel ao Evangelho de Jesus, é o convite de onde surge a sinodalidade, afirmava Maurício. Trata-se de um caminho que “implica a afirmação dos sujeitos em sua diversidade, em toda sua gama de rostos e olhares pluriformes”, que tem como condições a unidade, a caridade e a paz, algo já definido na Lumen Gentium. Mas não podemos esquecer que existem “doenças” que dificultam a sinodalidade, que López Oropeza define como esclerose sinodal (farisaica) e misofobia sinodal (essênia), que provocam um gnosticismo alienante, “um sentimento de separação, de superioridade”.
Para superar essa realidade, Maurício fazia a proposta de formas de purificação, próprias do itinerário de Jesus, para avançar na plena sinodalidade. Ele destaca a necessidade de uma conversão do coração e dos fundamentos da sociedade e das instituições, fechadas e injustas. Tudo em vista do Reino de Deus, algo que fundamenta a sinodalidade, que não procura o triunfo de uma ideologia e que deve ser vivida no seguimento de Jesus. Isso tem sido assumido pelo papa Francisco, que insiste em que o Sínodo é mais do que um Parlamento, o que, seguindo a terminologia inaciana, deve nos levar, com urgência, a “purificar a intenção, através do discernimento, diante das grandes tretas”, tendo como fundamento o sensus fidei versus o depositum fidei.
Para Maurício Lópes, o Sínodo Amazônico é “uma expressão particular, com implicações universais, da forma como o Concílio Vaticano II está tomando forma para garantir a relevância da missão da Igreja no mundo e no coração de seus gritos e esperanças”, concretizou tudo isso, gerando num mundo quebrado a possibilidade de um outro amanhã. Ele vê o Sínodo Amazônico como “um processo que torna possível e acompanha a irreversível conversão integral da Igreja”.
Estamos diante de uma escuta, sem precedentes: do papa Francisco, na visita ao território amazônico em Puerto Maldonado, Peru (janeiro de 2018); do processo de escuta sinodal e da assembleia sinodal, que foi amplamente recolhido no Documento Final do Sínodo e que ajudou o próprio Pontífice a identificar possíveis novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral na Amazônia, apontados na Querida Amazônia. Trata-se de um Sínodo que, segundo o conferencista, aborda três tensões substanciais: dimensão (território específico e universalidade), temporalidade (kairós e chronos) e reforma em andamento (passagem de um modelo centralizador, hierárquico-vertical, a outro mais participativo, colegial e comunitário, que tem em conta os gritos e esperanças da realidade, uma experiência inculturada e intercultural).
Ao longo do processo sinodal, o papa Francisco vem dando algumas orientações: “a periferia é o centro”, que faz do secundário a pedra angular para criar novos caminhos; “não perder o foco”, que a dinâmica territorial não seja diluída, evitando que o Sínodo se torne uma arena de disputa ideológica ou de lutas de poder, uma tentativa que esteve presente em alguns, centrando-se nos temas concretos do território; “a perspectiva do desborde”, superando estruturas, que mesmo importantes, são meios e não fins, e nos levando a abraçar “os muitos rostos crucificados que pedem à Igreja esse papel profético e presença credível”; “o Sínodo Amazônico e filho da Laudato Si´”, algo que “expressa a visão multidimensional necessária da ecologia integral para um território específico”.
Finalmente, voltando a Santo Inácio, Maurício López apresentava premissas inacianas essenciais para sustenta este caminho eclesial sinodal: temporalidade (tempos), “que transcende nossas próprias limitações e capacidades” e é guiado pelo Espírito, mostrando o Sínodo Amazônico como um reflexo da revelação de Deus; territorialidade (lugares), que reconhece o território como um lugar teológico; sujeitos do processo (pessoas), se dando um alargamento da diversidade dos participantes, com a destacada presença dos povos originários e das mulheres, vozes que “ressoaram na sala sinodal para mover e transformar a forma como se discutia um território, que não era mais algo distante ou entendido simplesmente a partir de uma leitura hipotética”.
Sobre o autor:
Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.
Confira, a seguir, a versão em espanhol:
Mauricio López: el Sínodo amazónico es “un proceso que posibilita y acompaña la irreversible conversión integral de la Iglesia”
La sinodalidad, que no es una estructura sino una dinámica, se impone como una práctica y una reflexión cada vez más presente en la Iglesia. Estamos ante un intento de volver al espíritu que guio a las primeras comunidades cristianas, una forma de ser Iglesia que busca asumir el discernimiento como camino que ayuda en los cambios, teniendo como base la comunión, en una perspectiva escatológica que muestra que estamos colaborando en el camino del Reino.
En esta perspectiva, el aula inaugural de la Facultad Jesuita de Filosofía y Teología de Belo Horizonte, Brasil, trató sobre la “Sinodalidad, una forma de ser Iglesia en la Amazonía y en el mundo”. El ponente fue Mauricio López Oropeza, uno de los mejores expertos en lo que significa la sinodalidad en la práctica, algo que descubrió y asumió durante el proceso del Sínodo para la Amazonía. Su reflexión partió de las voces que formaron parte de este proceso sinodal, voces del territorio y de la propia Iglesia, y desde ahí hizo una lectura espiritual ignaciana de la Iglesia, de lo que significa sentir con la Iglesia.
El Sínodo para la Amazonía representó un nuevo tiempo de camino compartido entre los pueblos originarios y la Iglesia, según Anitalia Pijachi, indígena colombiana, palabras que sirvieron de preámbulo a la charla de Mauricio López. Él, que conoce bien la espiritualidad ignaciana, ha sido Presidente Mundial de las Comunidades de Vida Cristiana (CVX), destacó tres elementos de esta espiritualidad, presentes en los Ejercicios Espirituales, para entender la sinodalidad en la Iglesia.
Según el secretario interino de la Conferencia Eclesial de la Amazonía – CEAMA, “el mayor propósito es cumplir la voluntad de Dios”, algo que se hace realidad en la relación de unos con otros de forma sinodal. En esta realidad, el ejercicio sinodal de la Trinidad se concreta como un proceso comunitario de ver-escuchar la realidad, desde la multiculturalidad, y la Encarnación que transforma la realidad. Todo ello, según Mauricio López, como “un acto que se origina en y para el amor”, lo que implica salir de uno mismo y “sabernos invitados a ser cocreadores y contemplativos en la acción”.
El camino sinodal debe llevarnos a comprender que “el problema es que la Iglesia no conoce nuestra cultura, si nos conociera, sabría que estamos luchando por lo mismo”, reflexión del indígena peruano Santiago Yahuarcani. Este pensamiento está presente en una de las cartas de San Pablo a los Filipenses, “una comunidad con fuertes desafíos internos en cuanto a divisiones y diferentes puntos de vista opuestos”, según Mauricio, algo que también forma parte de la vida social y eclesial actual. Esto ha aparecido más claramente con la pandemia de Covid-19, que, en palabras del conferenciante, “revela nuestro fracaso como humanidad intolerante – desigual – autodestructiva”, lo que hace “imprescindible ensayar y consolidar nuevos caminos en nuestra misión eclesial”.
Discernir un nuevo modo de ser Iglesia en el mundo, más fiel al Evangelio de Jesús, es la invitación de la que surge la sinodalidad, afirmó Mauricio. Es un camino que “implica la afirmación de los sujetos en su diversidad, en toda su gama de rostros y miradas pluriformes”, que tiene como condiciones la unidad, la caridad y la paz, algo ya definido en la Lumen Gentium. Pero no podemos olvidar que hay “enfermedades” que dificultan la sinodalidad, que López Oropeza define como esclerosis sinodal (farisea) y misofobia sinodal (esenia), que provocan un gnosticismo alienante, “un sentimiento de separación, de superioridad”.
Para superar esta realidad, Mauricio propuso formas de purificación, propias del itinerario de Jesús, para avanzar en la plena sinodalidad. Insistió en la necesidad de una conversión del corazón y de los fundamentos de la sociedad y de las instituciones, que son cerradas e injustas. Todo con vistas al Reino de Dios, algo que subyace en la sinodalidad, que no busca el triunfo de una ideología y que debe vivirse en el seguimiento de Jesús. Así lo ha asumido el Papa Francisco, que insiste en que el Sínodo es algo más que un Parlamento, algo que, siguiendo la terminología ignaciana, debe llevarnos, con urgencia, a “purificar nuestra intención, mediante el discernimiento, ante la gran treta”, teniendo como fundamento el sensus fidei frente al depositum fidei.
El Sínodo de la Amazonía, que Mauricio López considera “una expresión particular, con implicaciones universales, del modo en que el Concilio Vaticano II va tomando forma para asegurar la relevancia de la misión de la Iglesia en el mundo y en el corazón de sus gritos y esperanzas”, ha concretado todo esto, generando en un mundo roto la posibilidad de otro mañana. Considera el Sínodo amazónico como “un proceso que posibilita y acompaña la irreversible conversión integral de la Iglesia”.
Estamos ante una escucha inédita, del Papa Francisco, durante su visita al territorio amazónico en Puerto Maldonado, Perú (enero de 2018), del proceso de escucha sinodal y de la asamblea sinodal, que fue ampliamente recogido en el Documento Final del Sínodo y ayudó al propio Pontífice a identificar posibles nuevos caminos para la Iglesia y para una ecología integral en la Amazonía, señalados en Querida Amazonía. Se trata de un Sínodo que, según el ponente, aborda tres tensiones sustanciales: la dimensión (territorio específico y universalidad), la temporalidad (kairós y chronos) y la reforma en curso (paso de un modelo centralizador, jerárquico-vertical a otro más participativo, colegiado y comunitario, que tenga en cuenta los gritos y esperanzas de la realidad, una experiencia inculturada e intercultural).
A lo largo del proceso sinodal, el Papa Francisco fue dando algunas pautas: “la periferia es el centro”, lo que hace que lo secundario sea la piedra angular para crear nuevos caminos; “no perder el foco”, que las dinámicas territoriales no se diluyan, evitando que el Sínodo se convierta en un escenario de disputa ideológica o de luchas de poder, intento que estuvo presente en algunos de los participantes, centrándose en los temas concretos del territorio; “la perspectiva del desborde”, superando las estructuras, que, aunque importantes, son medios y no fines, y llevándonos a abrazar “los muchos rostros crucificados que piden a la Iglesia ese papel profético y esa presencia creíble”; “el Sínodo amazónico e hijo de Laudato Si'”, algo que “expresa la necesaria visión multidimensional de la ecología integral para un territorio concreto”.
Finalmente, volviendo a San Ignacio, Mauricio López presentó las premisas ignacianas esenciales para sostener este camino eclesial sinodal: la temporalidad (tiempos), “que trasciende nuestras propias limitaciones y capacidades” y es guiada por el Espíritu, mostrando el Sínodo Amazónico como un reflejo de la revelación de Dios; la territorialidad (lugares), que reconoce el territorio como un lugar teológico; los sujetos del proceso (personas), dándose una ampliación de la diversidad de los participantes, con la presencia destacada de los pueblos originarios y de las mujeres, voces que “resonaron en el aula sinodal para conmover y transformar la forma de discutir un territorio, que ya no era algo lejano o entendido simplemente desde una lectura hipotética”.