Juventude, busca por sentido e espiritualidade

A busca por sentido

A juventude contemporânea vive uma insistente angústia, originada pelo fantasma da ausência de sentido; uma angústia fundante, de ser ou não ser, existir significativamente no mundo ou não. Nesse cenário, o jovem busca encontrar sentidos e, para isso, vive em “estado de experimentação”, tentando encontrá-los na incessante experiência, que em última instância, se mostra como uma “experimentação de si mesmo”. Esse panorama atual significa para a juventude ainda mais fluidez, o que pode ser bom, por um lado, pois está livre de fundamentos arcaicos, ilusórios e, muitas vezes, violentos. No entanto, porta um profundo vazio. Está o jovem fadado a viver um constante “abismo”? De fato, há um índice crescente de depressão entre jovens, bem como automutilação e suicídio. A religião poderá “salvá-los”?

Parece que as religiões não são mais fontes de construção de sentido real (mesmo que, em muitas situações, porta ideais longínquos), sobretudo pensada como autoridade e obediência. Não vivemos mais uma sociedade vertical, mas horizontal, as relações são construídas e não impostas. Por outro lado, há um medo de se sentir desconectado neste mundo altamente conectado; “o medo de morrer cedo e de maneira violenta. É nesse tempo de incerteza que boa parcela da juventude amplia seu repertório das trajetórias religiosas possíveis” (FERNANDES, 2018).

Fica uma questão: a religião então serviria como fuga de vazios provenientes do medo? Dessa maneira, estaria verdadeiramente preenchendo sua função de “religare” e libertação?

Jovens que viveram um “narcisismo negativo”

O investimento narcísico do jovem de hoje foi pequeno. Os pais foram ausentes (pelo menos uma grande parcela), delegaram, em grande medida, à escola a educação e o afeto. O ambiente escolar passou a ser o lugar de formação da personalidade e da relação edípica (pai-mãe-bebê). O sentimento de ausência, no entanto, é existente. Um vazio impera. Um aspecto importante na relação entre pais e filhos é o de responsabilidade. O filho necessita perceber, com clareza, que alguém se responsabiliza por ele. Quem é essa figura hoje? A escola? Os pais? Os amigos virtuais? As Igrejas?

A família não é mais o lugar do afeto inicial. Vivemos, na sociedade atual, uma desconstrução da família nuclear, de um modelo de patriarcado (esse último aspecto é libertador!). Criamos instituições para fazer o trabalho do afeto infantil, aquilo que o sociólogo Pierre Bourdieu chama de “socialização primária”. A socialização secundária, que seria justamente função das instituições, passou a vir antes. A escola substituiu a família. Há um grande dilema aqui, pois a produção subjetividade veio como “desinvestimento da criança”. Presenciamos uma espécie de “narcisismo negativo” (BIRMAN, 2021). Se a modernidade foi caracterizada por excesso de narcisismo, hoje vivemos em uma sociedade narcísica justamente porque fomos pouco investidos. Por isso, se analisarmos as formas psicopatológicas do nosso tempo, encontramos características de sofrimento a partir de ausências, advindo de seres pouco investidos, próximos à melancolia e à fuga do mundo: drogas, anorexia, depressão, compulsões, borderline (personalidades que flertam com os limites) (BIRMAN, 2021).

O que acontece com a juventude de hoje na medida em que não há um reconhecimento simbólico, é uma perda de identidade, de fronteira. A violência é uma forma de manter sua posição, seu território. Em algum sentido, é uma forma de fuga da melancolia. Violência pode aparecer como automutilação, palavras fortes contra aqueles que cruzam seu caminho e mesmo fechamento em seu mundo absoluto. Lacan mostra que o estádio do espelho é o primeiro momento de formação da personalidade que nos diferencia do outro. Na medida em que me reconheço enquanto corpo que vejo, percebo as diferenças, as alteridades, o que sou e o que não sou. Nesse momento, é necessário a vivência de permanências iniciais. Quando não há essa vivência, apenas nos resta viver de forma experimental (BIRMAN, 2021).

Ao mesmo tempo, vivemos na era do individualismo, estamos “conectados na desconexão”. Nos últimos anos aumentou significativamente a oferta de produtos customizados. Na pandemia essa tendência não se apagou ou diminuiu, pois o virtual a preencheu. Interessante inclusive verificar a maior exposição de cenas e imagens mais banais no período da quarentena. O singular tem que ser imposto a todos. Estar sozinho, não aceitar vincular sua vida aos outros, é uma tendência. Há uma necessidade de que a vida gire em torno do meu gozo, por isso mesmo muitas vezes os sujeitos contemporâneos não mantêm relações. Deveríamos talvez reconstruir a ideia de união e desunião. A união poderia ser mais qualificada, refletida. A relação é uma aliança inconsciente com o outro. Há conflitos, mas não pode ter um horizonte narcísico.

Como se configura a espiritualidade dos jovens contemporâneos?

Segundo a socióloga Sílvia Fernandes (2018), em primeiro lugar, o jovem sem religião se apresenta multifacetado, podendo agregar em uma única identidade um posicionamento crítico e, ao mesmo tempo, flexível em relação às denominações religiosas. Daí a explicação para o número crescente de jovens que se declaram “sem religião” e sustentam espiritualidades plurais e sincréticas.

A antropóloga Regina Novaes (2018), afirma que juventude contemporânea vive um tempo em que as religiões não são mais as principais fontes distribuidoras de sentido e imagens estáveis da vida entregues de geração a geração pelas autoridades religiosas, reconhecidas como tal, o que corrobora a característica de fluidez que apontamos anteriormente.

Dessa maneira, as posições mais fundamentalistas ganham espaço, pois transmitem ideias objetivas e que dão a ilusão de preenchimento de vazio. Há uma preocupação em reproduzir suas crenças de forma incisiva, afastando qualquer possibilidade de autocrítica.  Nesse momento, ficam de lado a subjetividade e a singularidade do sujeito, para dar espaço ao moralismo, à objetividade e à rigidez. A diversidade e o diferente assustam, ameaçam. “Os sincretismos religiosos, cada vez mais frequentes num contexto de mundo globalizado, em que todos são convidados a se abrir para o diferente, pagam o preço, muitas vezes caro, do risco de expor as suas premissas, incorrendo na possibilidade de que sejam esvaziadas” (JOBIM, 2018).

É importante afirmar que existe uma geração de jovens que não conheceu outro caminho de espiritualidade daquele apresentado por grupos atuantes, através de mídias eficientes. O medo de perda de sentido trouxe adesão, mas pode portar também exclusão e ilusões a respeito de si e do outro, sustentando um mudo distante de dimensões do real.

            O grande paradoxo da juventude contemporânea é: ela vivenciou pouco investimento narcísico, mas vive em uma cultura narcisista, repleta pela moral do individualismo. Nessa cultura, cada um existe por si e por suas ideias, vendo o outro, o diverso, como inimigo.

Qual mundo queremos? Um mundo-da-vida, da esperança, do real? Ou um mundo da morte, da violência e das ilusões? Como nos ensina o bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e Reitor da PUC-MINAS na apresentação do livro O Novo Humanismo: Paradigmas civilizatórios para o século XXI a partir do Papa Francisco: “Ousamos supor que um novo humanismo é necessário e possível: que as bases importantes desse humanismo estão sendo iluminadas pelo Papa Francisco; que vivemos, portanto, uma histórica oportunidade de fazer uma revisão da rota percorrida, nos últimos séculos, no Ocidente. Ousamos com Francisco ter a esperança de que a morte ainda não tenha tido a palavra final: é possível restaurar nossa casa comum; estabelecer relações mais igualitárias e equitativas; estender a todos, mulheres e homens em sua diversidade, o respeito ao Estado de direitos” (DOM MOL, 2022,

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Prof. René Dentz
É
 católico leigo, professor do departamento de Filosofia, curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, Doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 8 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020) e “Vulnerabilidade” (Ideias e Letras, 2022). Pesquisador dos Grupos de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia” e “Diversidade afetivo-sexual e teologia”, ambos na FAJE e “Teologia e Contemporaneidade”, na PUC-Minas.